quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

TOV 1954: AS CLARINADAS DO RAMALHO

O primeiro grande jornalista esportivo brasileiro, Mário Filho, que tanto lutou pela construção do Maracanã, descobriu que a casa acabara com a figura do torcedor. 
Em seu lugar, entrara a multidão compacta. 
Sentiu saudade do tempo em que os torcedores eram conhecidos nos pequenos Estádios, tinham a sua voz ouvida.
No "Maraca", no entanto, só um coro era ouvido. Verdade! Apenas um daqueles folclóricos torcedores salvara-se de virar multidão:
Domingos do Espírito Santo Ramalho.
Esta é uma das mais interessantes histórias já surgidas nas arquibancadas brasileiros.
Quando o Vasco da Gama tinha jogo, o Ramalho ia ao Jardim Gramacho, em Caxias, e cortava talos de mamão, para transformá-los em clarins.
Levava, sempre, dois ao Estádio, para não passar por apertos, caso um dos seus "instrumentos" falhasse. As suas clarinadas eram sagradas.
Até o dia em que o glorioso Club de Regatas Vasco da Gama expediu-lhe uma carta, comunicando-lhe de que ele estava banido do seu quadro associativo. Por falta de pagamento.
Que pena, Ramalho! Ele só ainda não havia passado por tal vergonha, antes, porque o Diretor de futebol cruzmaltino, Antônio Calçada, pagara um ano inteiro de suas mensalidades. Vencida a benesse, ele não tinha como honrar o compromisso, pois a sua renda, como estivador no Cais do Porto do Rio de Janeiro, malmente, dava para alimentará-lo, e sua mulher, com os cinco filhos. A sua  barra era pesadísisma.
Muito triste, devido ao inesperado sucedido, o desolado Ramalho foi ao Calçada e mostrou-lhe o 'memorandum' do clube. Que horror! Logo com ele? Tudo o que sempre mais quisera daquela sua vidinha de trabalhador e torcedor era dizer: "Sou sócio do Vasco!" E exibir a sua carteirinha.
Por aqueles dias em estivera banido da instituição que tanto amava, o abatido Ramalho não compareceu ao Maracanã, para expandir as suas clarinadas durante os jogos contra o América (1 x 1, em 02.10.1954), o Flamengo (1 x 2, em 17.10.1954), pelo Campeonato Carioca. Pior para a "Turma da Colina". A rapaziada perdeu altura no voo do "Urubu" e enganchou nos chifres "Diabo". Para os craques Vascaínos, o motivo daqueles dois insucessos não seria outro. Seguramente, a falta que haviam sentido do som do Ramalho. E foram se queixar ao Calçada.
Motivo mais do que definido para os dois tropeços cruzmaltinos, o Calçada presentiu que era preciso encontar o Ramalho, rápido. Se possível, pra ontem! Caso contrário, os jogadores iriam ficar esperando pela suas clarinadas, que não ouviriam, e poderiam complicar mais a vida do time no campeonato. Imediatamente, ele chamou o Presidente Artur Pires e o Diretor José Rodrigues, e se mandaram, em busca do homem. O Pires, por sinal, fizera questão, absoluta, de integrar a comitiva. mais do que rapidão, vasculharam as fichas dos sócios e localizaram a casa do Ramallho na Barreira do Vasco, pertinho de São Januário. Mas o carinha não morava mais por lá. Mudara-se, para Bonsucesso. Então, os três foram pra a Zona Norte. Pergunta daqui, dali, dacolá, de repente, ficaram sabendo do que queriam e até que o procurado havia passado por uma cirurgia. 
Enfim, o trio de cartolas Vascaínos encontrou a casa do Ramalho. 
Quando o Cadillac do Presidente Arthur Pires parou à porta de uma humilde casinha, o Diretor de Futebol bateu à porta, foi atendido por um garoto, mas quem apresentou-se foi o Pires. No ato, um garoto gritou: "Mãe! É o Presidente do Vasco!"
O "músico mamoneiro" Ramalho não estava. Naquele instante, trabalhava no Cais do Porto. Mas não estava operado? Calçada esperava encontrá-lo acamado. A mulher do torcedor, no entanto, deu-lhes uma boa nova: o seu marido vinha tendo uma bela recuperação – da cirurgia em um calo na boca, provocado pelas suas clarinadas. "Graças a Deus, está melhor", disse ela.
Diante da boa notícia, Antônio Calçada e Pires enfiaram as suas mãos nos bolsos das suas respectivas calças e avisaram que o Vasco pagaria todas as despesas da operação que tirara o Ramalho de combate. 
Se este achava que as suas clarinadas davam sorte ao time, eles também. 
E Calçada fez mais: pagou toda a dívida do sócio banido, por mais um ano. 
Deixou o Ramalho recuperado, associativamente, pronto para voltar a exibir a sua carteirinha. O Vasco precisaria das suas clarinadas, no domingo. 
Que ficasse bom, logo!
Fonte: http://kikedabola.blogspot.com.br/2014/08/blog-post_47.html


Vasco Domingos Ramalho e Dulce Rosalina 1958