“O club da Cruz de Malta”
Como éramos
conhecidos pela imprensa
1917 “Lasca o Pau” na 2ª Divisão
A Liga Metropolitana faz uma
reformulação na divisão dos associados e passa a contar com dez clubes na
Primeira Divisão, nove na Segunda e outros nove na Terceira
Divisão.
O
Vasco passa para a Segunda Divisão e faz uma campanha bem melhor que a do ano
anterior. Aparecem as primeiras vitórias e a classificação em 4° lugar indicava
que o caminho certeiro começava a ser trilhado. A receita do sucesso estava em
conquistar novos jogadores oriundos das camadas populares e contar com o apoio
dos associados que se dividiam entre incentivar o Remo, principalmente, e os
outros esportes.
Talvez o jogo mais importante do ano
tenha ocorrido contra um tradicional rival do Remo, o Boqueirão do Passeio. Os
dois clubes fazem boas campanhas e conseguem arrastar um bom público para o
estádio do América. De todos os jogos do Vasco neste ano, este foi o único que
mereceu uma grande reportagem que ressaltou a rivalidade do remo levada para o
estádio de futebol. Para o jornal “O Paiz”, “foi um bom encontro o match de ontem realizado entre os
disciplinados teams dos nossos dois
gloriosos clubs de regatas, tendo a
assisti-lo uma assistência bem regular na qual se achavam representantes do
belo sexo (...) O interesse que cercava este encontro era justificável porque
não só os dois clubs se acham bem
colocados na tabela do campeonato, como também é notória a rivalidade esportiva
que entre ambos existe. Rivalidade esta que consiste em cada um querer trazer
mais louros para o seu pavilhão, o que, portanto muito honra os dois rivais”
Contudo, ainda era importante
superar o preconceito que os atletas do remo nutriam em relação aos jogadores
de futebol. O pesquisador vascaíno Mauro Prais, seguindo as informações do
ex-atleta Adão Brandão, afirma que essa desconfiança acabou neste jogo, em
setembro de 1917, quando o time do Vasco vence o Boqueirão do Passeio por 3 a 0. O “ ódio era tão grande que uns e outros quase não se falavam.
E esse ódio só terminou em 1917, quando o Vasco se reabilitou definitivamente
aos olhos dos remadores, vencendo, em partida magnífica, um dos maiores
adversários do Vasco em todos os esportes”.
Como faziam
sempre os jogadores saíram desse jogo e voltavam para a sede na rua Santa
Luzia. Foi então que “os jogadores de futebol tiveram a maior surpresa de toda
a sua vida quando chegaram no clube. A Comissão de Futebol, com Cascadura,
Narciso Basto, Fonsequinha e Pascoal Pontes estava desconfiada, mas a alegria
dos jogadores era tamanha que eles resolveram entrar no clube dando vivas ao
Vasco. Mas nem chegaram a entrar. Os remadores, na porta, de remo em punho, os
obrigaram a entrar em carros abertos - e só então eles repararam nos carros - e
foram fazer uma passeata pela cidade, irmanados, craques de futebol e remadores”. Também
começava a se formar um grupo aguerrido para defender os torcedores vascaínos
nos jogos em que a torcida adversária quisesse intimidar os nossos adeptos. Era
o grupo do “Lasca o Pau”, formado por remadores e lutadores dispostos a
defender nosso pavilhão no braço. Em crônica no Jornal dos Sports nos anos
1950, o jornalista Álvaro Nascimento relembra os nomes de alguns deles: Rafael
Verri, Aquiles Astuto, Adão Brandão e Edgar Lody Batalha.
Em julho de 1963, por ocasião da morte de Victor Alves Moreira (conhecido como Sinhá), o amigo
e cronista Álvaro Nascimento exalta um dos responsáveis pela formação da Turma
da “Linha de Frente” entre os anos de 1916-1922, composta por aguerridos
torcedores vascaínos dispostos a todo e qualquer sacrifício em prol do clube. O
jornalista escreve uma crônica em sua homenagem, ressaltando a formação deste grupo
de abnegados torcedores que lutavam de corpo e alma para o sucesso do time de
futebol e da segurança da torcida nos estádios da cidade: “as novas gerações
vascaínas desconhecem quão grande foi o esforço, a dedicação de homens modestos
para entregar-lhes esse Vasco poderoso de nossos dias ... um punhado de
dedicados vascaínos que, com sol ou chuva, nos campos suburbanos, constituía a
‘policia de choque’ a dar garantia e segurança as nossas representações".
O futebol nessa época já tinha seus adeptos, a torcida do Vasco ainda
com meia dúzia de gatos pingados, já começava acompanhar o time. Como fato
inédito, na época, quem chefiava essa Torcida Organizada era Dona Josefa
Pereira (primeira Chefe de Torcida do Vasco), irmã Manuel Pereira, proprietário
de uma casa de Tecidos. Como brigava a Dona Josefa
Pereira.
Novamente em suas lembranças, o jornalista do Jornal dos Sports
Álvaro Nascimento, recorda 50 anos depois, o que era o desafio de torcer
naqueles campos da Segunda Divisão sem as mínimas condições de segurança e os
nomes dos pioneiros das arquibancadas: “naquele tempo não havia o Estádio Mário
Filho (Maracanã) com dois mil policiais que garantiam a ordem. As brigas eram
no Campo do Esperança, no Marco VI em Bangu, no Campo do Jardim Zoológico ou do
Palmeiras, na Quinta da Boa Vista. São considerados paladinos da Torcida
Vascaína, a maioria já falecidos, os seguintes Vascaínos, D. Josefa Pereira e
seu irmão Manuel Pereira, Joaquim Carneiro Dias, Baltar Junior, Dr Castro
Menezes, Carlos Medalhas, Albertino Moreira Dias, Ouriço, Francisco Costa,
Sinhá, Fava, Zapelli, Dom Quixote”.
O desafio de um
time de futebol oriundo de clube tradicional de remo era conseguir se
auto-sustentar. Para entender como isso era complicado basta ver o exemplo de
dois outros clubes das regatas da época, como o Boqueirão e o Icaraí (que
montaram times antes do Vasco), e que encerravam neste ano suas participações
na Liga Metropolitana.
Garantir a presença da torcida nos estádios era fundamental para a
sobrevivência do futebol nestes clubes. O problema era que as partidas de
futebol coincidiam com os dias das regatas. Mas este era apenas um problema. O
maior, talvez, fosse convencer os “novos torcedores” acompanharem um time sem
grandes ídolos, enquanto os clubes tradicionais já levavam milhares de pessoas aos
estádios para ver o talento das novas estrelas do esporte. As novas gerações já
podiam se identificar com os clubes através de seus ídolos em campo.
Montar um time de qualidade com todas as restrições que a Liga
fazia para evitar a presença de jogadores das camadas populares, era um grande
desafio. Ficava o problema: sem um grande time, não tinha torcida e não tinha
bilheteria. Sem arrecadação, como convencer os associados de que valia a pena o
investimento no futebol? Participar da Liga não era barato. Os custos com a
inscrição no campeonato e o aluguel dos estádios eram bastante dispendiosos,
fora os outros gastos com material, deslocamento etc. Enfim, o clube tinha
prejuízo com o futebol
Mas um clube como
o Vasco da Gama se fez de superação. Para os mais devotados ao futebol o
caminho para o clube brilhar nos dois principais esportes da época estava
aberto. O destino nos reservaria para os próximos anos vitórias que
consagrariam aqueles jovens que em 1898 resolveram fundar um clube que unia o
que melhor brasileiros e portugueses fizeram pelo nosso país. Construir uma
nação para todos, sem barreiras sociais e econômicas.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
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Vasco Revista Vida Sportiva 1917 |