“Portões Fechados, Corações Abertos”
Evandro Domingues–
blogueiro vascaíno
2017
São Januário – 90 anos
Motivo
de orgulho para todos os vascaínos, o glorioso estádio do nosso clube comemorou
nove décadas em 2017 com a expectativa do time do Vasco alcançar o
tricampeonato carioca e de uma boa campanha na sua volta a Primeira Divisão no
Brasileirão.
Palco
histórico de comemorações cívicas na Era Vargas e o maior estádio do país até
1940, nosso campo esportivo em festas voltou a brilhar nas manchetes dos
jornais e revistas. No entanto, não foram apenas as notícias sobre as
comemorações, mas também foram destaques as manifestações de sócios e
torcedores contra a diretoria e a sua interdição por quase três meses em função
de uma briga generalizada ocorrida no clássico contra o Flamengo numa partida
do campeonato brasileiro.
Para
o campeonato carioca chegou o atacante Luis Fabiano no fim de fevereiro,
trazendo uma grande esperança para a torcida vascaína que lotou o aeroporto e
fazendo uma festa inigualável em sua apresentação no estádio de São Januário. O
jogador fez questão de agradecer o apoio recebido: "primeiramente gostaria
de agradecer a recepção maravilhosa. É uma coisa que ficará guardada para minha
carreira", e continuou agradecendo "estou muito feliz, de verdade.
Torcida do Vasco tem um peso muito grande. Carrega a gente. Vamos correr por
eles".
O
atacante de 36 anos, com passagens vitoriosas por São Paulo e seleção
brasileira, foi a maior aposta do clube para a conquista do tricampeonato
carioca e um bom desempenho na volta do Clube da Colina para a Primeira
Divisão.
Nos
estádios brasileiros e cariocas a polêmica envolvendo torcedores foi revivida
com a proposta de torcida única nos clássicos por determinação da Justiça após
a morte de um torcedor do Botafogo provocada por um torcedor do Flamengo.
Eurico Miranda ameaçava não colocar o time em campo. Pesquisadores, no entanto,
contestavam essa medida, alegando falta de eficácia como ação controladora das
permanentes brigas entre torcedores rivais. Para Bernardo Hollanda[1]
“o princípio de torcida única é problemático, pois se trata de uma espécie de
vitória da intolerância, com o reconhecimento da incapacidade do poder público
de permitir o ir e vir dos torcedores e com a própria ausência do espírito
esportivo na convivência com o diferente”, concluiu.
Em
São Januário, durante a partida entre Vasco e Portuguesa um torcedor do
Flamengo comparece ao estádio dentro da torcida cruzmaltina e coloca nas redes
sociais imagens suas com uma tatuagem do Flamengo e pede 100 curtidas. Logo uma
confusão se estabelece quando o torcedor é identificado. Por pouco ele não
seria linchado se não fosse a intervenção de integrantes da Ira Jovem que o
entregam para a polícia.
Em
abril a festa dos vascaínos estava voltada para celebrar os noventa anos do
estádio de São Januário. Símbolo da luta do clube para demonstrar aos rivais a
sua grandeza, o estádio continua sendo um motivo de orgulho e representação do
esforço de associados em manter a tradição do “Caldeirão”, como ele passou a
ser chamado carinhosamente nos últimos 20 anos.
O
campeonato carioca termina com o clube sendo eliminado pelo Fluminense nas
semifinais. Pouco depois da eliminação na Copa do Brasil. A verdade é que foram
poucos momentos que a torcida do Vasco pode vibrar com o time e seus ídolos
neste primeiro semestre. Apenas o goleiro Martin Silva e o jovem Douglas
mereceram os aplausos durante toda a competição. Foram poucas as gozações para
os adversários, com destaque para o jogo com o Flamengo, no Maracanã, no
segundo turno (Taça Rio) e os gritos da torcida de “eliminado”, num clássico
que reuniu pouco mais de 20 mil espectadores. Nem mesmo o título da Taça Rio
diante do Botafogo no Engenhão empolgou a galera.
Restou
o desafio de fazer uma boa campanha no retorno a primeira divisão do campeonato
brasileiro. Apesar do desastre na derrota inicial para o Palmeiras de goleada
(0 a 4), os torcedores abraçaram o time em São Januário lotando o estádio
(maior público do ano no local: quase 18 mil pagantes) no primeiro jogo do
brasileirão em nossa casa. No horário de 11 horas da manhã, o estádio
presenciou uma linda festa que culminou na vitória sobre o Bahia e o gol de
número 400 da carreira de Luis Fabiano.
O
jogo mais polêmico do ano para os vascaínos foi disputado justamente em São
Januário em julho com o Flamengo. Um tumulto generalizado entre a torcida do
Vasco e a PM (dentro e fora do estádio) acarretou uma pena de interdição de
nossa praça de esportes por vários jogos. Para o historiador Luiz A. Simas o
que aconteceu neste jogo refletia problemas muito mais profundos na sociedade:
“não é apenas sobre futebol. É sobre a cidade. A tragédia de ontem em São
Januário é derivada de inúmeros fatores, tais como o despreparo da PM, a crise
política do Vasco, a cultura da violência como elemento de sociabilidade entre
membros de torcidas, a construção de pertencimento a um grupo a partir do ódio
ao outro (elemento marcante da relação entre Vasco e Flamengo nas últimas
décadas), o esfacelamento da autoridade pública no Rio de Janeiro, etc”.
Para
os sócios e torcedores ir ao estádio seria apenas para a visita da exposição promovida
pelo Departamento de Marketing intitulada “119 anos vestindo a Camisa”,
apresentando inúmeras roupas históricas do clube. Aliás este foi o tema do
documentário Segunda Pele Futebol Clube, retratando colecionadores de camisas
de futebol e a sua relação de paixão com a memória do clube. Entre os
entrevistados estava o torcedor vascaíno Paulo Reis.
Mesmo
proibidos de entrarem em São Januário os torcedores vascaínos prestigiaram o
time incentivando-o do lado de fora. Milhares de torcedores deram um “abraço
coletivo” no jogo entre Vasco e Grêmio
(futuro campeão da Libertadores em 2017). A vitória que marcava a estreia do
técnico José Ricardo foi muito comemorada. Para o atacante Nenê, a presença da
torcida incentivando e acompanhando o jogo ao redor do estádio foi decisivo
para o resultado positivo: “ O
barulho da torcida, mesmo de fora do estádio, foi fundamental para continuarmos
com a mesma determinação até o fim”, revelou o atacante.
Depois
do período da punição, a diretoria vascaína preferiu realizar os jogos como
mandante no estádio do Maracanã visando impedir as constantes manifestações
presentes nas arquibancadas de São Januário com o coro sempre presente de “Fora
Eurico!”.
Quando
vieram as eleições em novembro, as duas principais chapas tiveram uma acirrada
disputa que dividiu sócios, torcedores e torcidas organizadas, terminando com a
vitória da situação (Eurico Miranda se reelegia com 2111 votos), enquanto a
oposição (lideradas por Julio Brant) alcançava 1975 votos. Embora o clima da
disputa deste ano tenha sido mais civilizado que nas eleições passadas, não
faltou a polêmica em torno da Urna 7. Caso a urna seja invalidada, a vitória
ficaria com a oposição.
O
último jogo do ano foi disputado justamente no cenário que comemorava 90 anos
de glórias. A partida contra a Ponte Preta representava muito para os
vascaínos. Uma vitória daria oportunidade ao clube voltar a disputar a Taça
Libertadores em 2018. E a torcida deu mais uma vez uma lição de amor ao clube
proporcionando o maior público no estádio do ano (cerca de 22 mil pessoas).
O
resultado final deixou o Vasco em 7° lugar (entrando na pré-Libertadores). Uma
surpresa para aqueles que desconfiavam do time que começou a competição com uma
derrota por 4 a 0 para o Palmeiras.
A
previsão pessimista de luta para não ser rebaixado não se confirmou. O time
conseguiu se superar mesmo depois da crise com a troca de técnico (Milton
Mendes saiu e entrou José Ricardo no meio da competição). Fora de campo a
expectativa da galera continuava com a indefinição do novo presidente para os
próximos 3 anos.
Sem
dúvida, foi um ano que o brilho maior ficou os 90 anos de nosso estádio e a
presença assídua da torcida que soube honrar e fazer juz aos torcedores do passado
que ajudaram a construir uma obra que permanece na memória afetiva de todos os
vascaínos. Assim como em 1927, quando não alcançamos o título, neste ano também
passamos em branco. Quem sabe não pavimentamos neste ano um novo caminho de
glórias com a conquista da Libertadores no ano seguinte e cantar esta música
entoada nas arquibancadas
“Eu
vou torcer
Aqui
eu ergui meu templo para vencer
Eu
já lutei por negros e operários
Te
enfrentei, venci, fiz São Januário
Camisas
Negras que guardo na memória
Glória,
lutas, vitórias esta é minha história
Que
honra ser
Saiba
eu sou vascaíno, muito prazer
Jamais
terás a cruz, este é meu batismo
Eu
tive que lutar contra o teu racismo
Veja
como é grande meu sentimento
E
por amor ergui este monumento..."
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Entrevista
para as páginas amarelas da Revista Veja após a repercussão do assassinato em 2
de março de 2017 de Moacir Bianchi por
integrantes da própria torcida que ajudou a fundar: a Mancha Verde. Fonte:
Revista Veja 9 março de 2017.
Vasco foto site www.vasco.com.br 2017 |
Vasco foto site www.vasco.com.br 2017 |
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