quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1960 TÁ CHEGANDO A HORA

                                                                    “Vasco, o orgulho da Guanabara”
                                                                             faixa da torcida


1960                        Tá chegando a hora


Embora a “Era de Ouro” (1958-1970) no futebol brasileiro tenha sido marcada pela presença de muitos craques, os vencedores dos campeonatos cariocas em 1959 e 1960 eram formados por times sem grandes craques, sem as estrelas da seleção. Para alguns dirigentes a “era das grandes estrelas” estava chegando ao fim, o negócio era formar times com bons e baratos jogadores. O Botafogo não pensou assim e manteve praticamente quase todos os seus ídolos. Já o Vasco escolheu uma opção diferente: começava uma política de se desfazer aos poucos dos grandes ídolos. Para os dirigentes vascaínos, vender seria um grande negócio e o clube poderia continuar com sua trajetória de títulos. Primeiro venderam Almir (1960) para o Corinthians, depois foi a vez de Orlando Peçanha para o Boca Juniors (1960), em seguida seria Bellini (1961) para o São Paulo (sem esquecer de Vavá vendido logo depois da Copa de 1958 para o Atlético de Madri).
O mesmo destino teria o atacante vascaíno Delém. Grande destaque da seleção brasileira nos jogos contra os argentinos.  O jogador teve ótimas exibições contra os rivais na disputa pela 9ª Copa Roca. Ao todo ele marcou 4 gols em três jogos. O oportunismo do jogador acabou por despertar o interesse dos clubes platinos e logo seria negociado para o River Plate no ano seguinte.
Justamente os anos 1960 começaram com a surpreendente conquista do América do campeonato carioca de 1960, primeiro ano do Estado da Guanabara após a transferência da capital do país do Rio de Janeiro para Brasília. Era um título aguardado com muita ansiedade pela torcida rubra que não conquistava um campeonato desde 1935, ou seja, 25 anos atrás, quase na época do fim do amadorismo. Foi a vitória de um time que não contava nem com o apoio inicial dos próprios torcedores, descrentes com os insucessos nos anos 1950 com equipes consideradas favoritas.
Na final com o Fluminense, o palco foi o estádio do Maracanã que receberia naquele dia quase 100.000 pessoas, mesmo com a transmissão ao vivo pela TV. Dividindo as arquibancadas com o Fluminense, o América contou com a ajuda das outras torcidas cariocas. Vascaínos, flamenguistas e botafoguenses se uniram aos americanos e conseguiram ocupar a metade do estádio. Após a derrota, o tricolor Nelson Rodrigues explicava como o campo esportivo foi tomado pelos torcedores: “vejam vocês todos contra o Flu e o Flu sem ninguém. O América teve torcedor que não conhecia a cor da camisa americana. Um desses, ao começar o match, cutucou-me sôfrego, o olho rútilo: - Qual é o América? Qual é o América? Dei-lhe a informação. E ele pôs-se a torcer como um alucinado. É, ele pôs a torcer como um alucinado. No fim, o camarada lançou-se aos soluços, nos braços da pessoa mais próxima (...) Todo o potencial afetivo de uma cidade foi aplicado num único time (...) O América mereceu a ternura de toda uma cidade. Sujeitos que não conheciam o Maracanã, que não sabiam se a bola era redonda ou quadrada, torciam por ele. Foi, amigos, o América por nesse momento, o clube mais amado do Brasil” (VALLE, 2004, p.71).
De acordo com Fernando Valle, autor de alguns livros sobre a história do América, seu clube era o grêmio carioca que mais deixou de crescer sua torcida ao longo dos anos 1930, 1940 e 1950. Ao contrário dos outros clubes grandes que só aumentaram suas torcidas, o América foi ganhando o perfil de uma associação de classe média, da região de Grande Tijuca, um grêmio amado por todos (o segundo time do coração) mas alvo de constantes gozações. Os rivais diziam que o América “nadava, nadava e morria na praia”. Os adversários diziam que sua torcida cabia numa Kombi, formada por simpáticos torcedores como Lamartine Babo e Marques Rebelo, entre outros. Lamartine foi escolhido pelo clube como torcedor símbolo do América. No dia seguinte da conquista ele desfilou pelas principais ruas da cidade, em carro aberto, fantasiado de diabo (símbolo do clube), à frente de um extenso cordão de torcedores. (VALLE, 2004). O escritor Marques Rebelo, escreveria nesta época uma belíssima crônica sobre o título intitulada  “Poema de um coração rubro”, num trecho ele reafirma a importância da conquista como congraçamento das torcidas: “o delírio dos assistentes americanos, vascaínos, botafoguenses, rubro-negros, são-cristovenses, de todos enfim, pois era a efusão de uma cidade inteira que ali se representava (...) não sei como foram meus passos depois que a luta se encerrou, com cem mil bandeiras se agitando, bandeiras que não traziam as três inicias do América – eram bandeiras de todos os clubes cariocas, inclusive a do glorioso tricolor, vencido que se irmanava ao vencedor com ternura e respeito. (VALLE, op.cit, p.140)
Para o torcedor que freqüentava os estádios, a grande novidade na década de 1960 foi a popularização dos pequenos rádios de pilha que se tornaram fiéis acompanhantes dos torcedores. Nas emissoras cariocas a disputa por anunciantes e audiência provocava uma corrida por novidades: “comentaristas de arbitragens, pontos atrás das metas, reporteres-volantes (...) tudo aquilo que compõe hoje (...) o rádio esportivo começou ali” (Máximo, 1996, p.52). A disputa acirrada era entre os principais narradores: Oduvaldo Cozzi pela Mayrink Veiga, Valdir Amaral pela Radio Globo e Jorge Curi pela Nacional que apresentava João Saldanha estreando nos microfones.
Durante os anos 1960 as torcidas jamais deixaram de cantar ainda mais quando a vitória estivesse próxima ou, melhor ainda, quando o título fosse uma questão de tempo. A música mais ouvida nesta época era “Está Chegando a Hora”[1]. O relógio se aproximando dos minutos finais e a torcida vencedora gozando a adversária: “Ai, ai, ai ... tá chegando a hora!” Para o cronista Armando Nogueira, é neste momento que o torcedor se vinga de uma semana de aborrecimentos e poucas realizações. E pela catarse das massas que o futebol vai dar sentido profundo de superação do dia a dia: “dentro dele (Maracanã), o carioca do povo canta, no domingo, as vitórias que lá fora a vida talvez lhe negue a semana inteira” (1973, p.168).
Ao criar fortes vínculos afetivos, tanto a música quanto o futebol, souberam expressar e dramatizar aspectos básicos da cultura nacional e da vida dos torcedores: “música popular e futebol tem muitos aspectos comuns, que aproximam os dois como elementos da cultura brasileira. Em ambos predomina a espontaneidade, a criatividade e a improvisação e em ambos a arte subordina a técnica. São instituições fortemente identificadas entre si” (MURAD, 1996, p.172).
Com a popularização do futebol, do rádio e do disco é que essa relação se consolidou. A partir daí, Noel Rosa, Ary Barroso, Ciro Monteiro, entre outros, se aproximavam cada vez mais do universo esportivo. Lamartine Babo, por exemplo, além de ser um grande compositor popular, criador de inúmeras marchinhas de sucesso, soube como ninguém realizar isto através dos novos hinos dos clubes criados por ele, recheado de expressões populares, dos sentimentos dos torcedores das arquibancadas. Logo, logo, junto com as marchinhas de carnaval, as torcidas entoaram seus novos hinos nos estádios, principalmente no Maracanã.
Ao inventar um instrumento de sopro (talo de mamona) o som produzido pelo vascaíno Ramalho entrou no gosto dos torcedores e estes já sabiam quando  o torcedor-músico estava nas arquibancadas. Para Mario Filho (1994, p.126), Ramalho conseguiu manter sua individualidade, num lugar (Maracanã) que “apagava” as pessoas com o som da massa: “o Maracanã teve isso de ruim acabou com a figura humana (...) para gritar ele tem que unir a própria voz a dos outros, senão ninguém escuta (...) o Maracanã aniquilou o torcedor como individuo, que o pluralizou, tornando-o em multidão”.
Juntos, torcedores organizados ou não, faziam dos jogos uma festa popular que encantava jogadores e o grande público. “O futebol levou a música para as arquibancadas, compondo a interação entre torcedores e destes com os jogadores, através de um sistema de comunicação muito  singular, formado por cânticos e ritmos”(MURAD, op.cit., p.173). Da mesma forma o antropólogo Luiz Henrique Toledo (1996, p.155) apreende a marca registrada das canções nas arquibancadas: “a música, enquanto elemento de expressão e comunicação, é parte fundamental da maneira pela qual o torcedor apreende e vivencia o futebol”.
Acompanhando o Botafogo em nas constantes viagens pelo exterior, o comentarista esportivo João Saldanha comparou a torcida mexicana com a carioca "é muito alegre um jogo no México. É o país em que a torcida mais se parece com a do Rio de Janeiro. Barulhenta, participa de todos os lances da partida" (in PEDROSA, 1967, p.174). E ainda cita a presença de músicos que animam os jogos ou os jogadores com instrumentos típicos daquele país. Contudo, o que mais marcou foi a invenção do grito de “olé”. Garrincha, nesta excursão do Botafogo, daria uma exibição que provocaria uma reação de profundo entusiasmo na torcida mexicana criando espontaneamente o grito de olé. Naquele dia que surgiu a gíria do “olé", tão utilizada posteriormente no Brasil.
Enquanto nesse tempo Garrincha encantava os torcedores de todo o mundo, um outro clube carioca dava vexames internacionais por onde passava. Em sua excursão pela Europa, o Flamengo era fragorosamente derrotado pela seleção da Bulgária por 6 a 0. Mais a vergonha maior estava a caminho. Jogando contra o “poderoso” clube da Escócia, Motherwell, uma nova goleada: 9 a 2. Uma pena que os búlgaros e escoceses não conhecessem o “olé” dos mexicanos.
            No ano seguinte a torcida carioca pode entoar o “olé” no jogo entre Santos e Flamengo. Jogando no Maracanã pelo Torneio Rio-São Paulo, Pelé comanda um massacre ao derrotar os rubro-negros pelo placar de 7 a 1. Adotado pelos cariocas, o time do Santos sempre recebia a contribuição dos torcedores cariocas em seus jogos. Sem dúvida, milhares de vascaínos puderam encarnar nos rivais gritando o “olé” e cantar ao final da partida “lá, lá , laiá, esta chegando a hora”...
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Uma marchinha de Rubens Campos e Henricão de 1942., Cf (HOLLANDA, 2004).

Vasco Jornal Diário Carioca 1960

Vasco Jornal O Globo 1960

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

FORÇA JOVEM E TOV 1982: FOGUEIRINHAS NO MARACANÃ

Como as Torcidas Organizadas levavam muito papel era comum no fim dos jogos torcedores juntarem esses papeis e colocar fogo em plena arquibancada.
“A ASTORJ se pronunciou pela coluna, muitas vezes, no intuito de garantir segurança dos torcedores no estádio. Prova disso são os constantes pedidos para que as torcidas não utilizassem fogos de artifício nas partidas, tampouco fizessem “fogueirinhas”.
Era comum que a entrada dos times no gramado fosse recepcionada por rolos de papel higiênico, fazendo um espetáculo visualmente bonito. Contudo, após os jogos, torcedores que permaneciam na arquibancada queimavam os restos desse papel e, em alguns momentos, acabavam provocando queimaduras.”
Fonte: Jornal dos Sports 04 de Setembro de 1982 e TEIXEIRA, Leonardo Antônio de Carvalho. “Congregar, Congraçar e Unir: a atuação da Associação das Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro (1981-1989)”. 2014. 116 f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2014.

APELO DE ELY MENDES
Ely, da Força Jovem do Vasco pede aos Vascaínos que forem hoje ao Maracanã para evitar as fogueirinhas de depois dos jogos, pois isso, além de ser perigoso em si, costuma provocar brigas entre torcedores.
Fonte: Jornal dos Sports 15 de Junho de 1982

Força Jovem 1982

TOV Maracanã 1982

Força Jovem Jornal dos Sports 1982

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1959 SUPER-SUPER VASCO


                                                                “Felicidade, seu nome é Vasco”
                                                                            faixa da torcida

1959                    Super-Super Vasco

Para o último jogo das finais do campeonato carioca de 1958 disputada em janeiro de 1959 entre Vasco e Flamengo, o esquema de segurança era gigantesco. Segundo a revista Manchete Esportiva foram mobilizados 60 guardas municipais, 300 PMs  e 2 choques da PE (com 32 cada) mas não foram registrados muitos confrontos entre os torcedores, o maior problema, apontado pela  revista, era o grande número de cambistas, acobertados pelos policiais. Apesar da transmissão ao vivo pela TV para a própria cidade, sem aviso prévio, o público da final foi um dos maiores da história do clássico que, segundo Roberto Assaf, foi na década de 1950 que surgiu a expressão “Clássico dos Milhões”, para as partidas entre Flamengo e Vasco.
A comemoração do título após o jogo e durante a semana ganhou grande repercussão na imprensa que deu ênfase as carreatas promovidas pelos vascaínos que tomaram a cidade de alegria:
DO MARACANÃ A SÃO JANUÁRIO, A TORCIDA FESTEJOU O TÍTULO
Verdadeiro Carnaval no trajeto da vitória, Valdemar fez o percurso a pé e uniformizado, Tráfego interrompido nas imediações do Estádio do Vasco, Coronel de cabeça raspada .....
Mais de duas horas depois de terminado o encontro, foi que os cruzmaltinos conseguiram deixar o Estádio do Maracanã. A saída do maior do mundo, grande multidão de torcedores se acotovelava, aguardando o momento de ovacionar, de perto os heróis da grande jornada. Escolas de Samba, casacas, enfim, um verdadeiro carnaval, com serpentinas e confete, era o que se via nas imediações do Maracanã.
TORCEDORES INVADEM A CAMIONETA
O delírio chegou ao auge, quando a camioneta que conduzia os campeões começou a movimentar-se, procurando abrir caminho entre os torcedores. Ai, então, o espetáculo foi indescritível. Torcedores mais entusiasmados dependuravam-se no veículo, procurando tocar nos seus ídolos. Alguns deles, mesmo, chegaram, não sabemos como, a alcançar o teto da camioneta.
O TRAJETO DA VITÓRIA
Em todo o percurso do Maracanã a São Januário, ouvia-se os gritos de Vasco! Vasco!. Torcedores apareciam as portas dos bares, garrafas em punho, para saudar a passagem dos campeões. Outros se acotovelavam no meio fio das calçadas e a aproximação da camioneta cruzmaltina, atiravam-se a sua frente. Foguetes espoucavam no ar e ao som dos tamborins, homens, mulheres e crianças cantavam no ritmo quente do samba, a grande vitória cruzmaltina. O tráfego ficou totalmente interrompido na Rua São Luís Gonzaga, pois os guardas eram poucos para conter o entusiasmo dos torcedores. Também dos ônibus e lotações vinham os casacas. Um grande cortejo de carros e caminhões era improvisado, rumo a São Januário.
CARNAVAL EM SÃO JANUÁRIO
Tudo o que se pode observar durante o trajeto dos campeões foi pouco em relação ao que se viu nas imediações do Estádio do Vasco. Assim, as Ruas General Almério Moura, Ricardo Machado, Dom Carlos e Bonfim foram tomadas pela massa de torcedores. Nenhum carro conseguia romper a barreira humana e o carnaval se prolongou madrugada adentro. Somente as 4 horas da manhã os jogadores chegaram ao Estádio, debaixo de uma ovação tremenda.
OS PORTÕES NÃO FORAM ABERTOS
Os torcedores aguardavam, impacientes a abertura dos portões do Estádio, a fim de que pudessem comemorar, em pleno gramado, a sensacional vitória. Entretanto, como os portões permaneceram fechados, tiveram mesmo de se contentar com o carnaval de rua, o que não chegou a arrefecer o grande entusiasmo dos cruzmaltinos” [1].
.         Depois da conquista, dirigentes e torcedores organizam uma nova festa promovendo uma carreata que chegou ao centro da cidade no mesmo clima carnavalesco do dia do campeonato. Desta vez o estádio de São Januário foi aberto para os torcedores comemorarem o título em sua casa:
“COM UM DESFILE DE MAIS DE 3 HORAS, OS VASCAÍNOS COMEMORAM O TÍTULO DE 1958
Rei Momo presente a Festa do Vasco - Depois do Cortejo, a batalha de confetes em São Januário – Carros, Jipes e Caminhões, percorram as Ruas da Cidade, debaixo de chuvas e de aplausos.
Com um brilhantismo incomum, a Torcida do Vasco da Gama festejou, sábado último, pelas ruas da Cidade, a conquista do Super-Supercampeonato de 1958. O cortejo, formado por vários carros alegóricos, caminhões, carros de passeio e jipes, deixou o Estádio de São Januário as 13 horas.
O TRAJETO
Seguindo pela Rua General Almério Moura, os veículos ganharam a Av. Brasil, seguindo pela Av. Rodrigues Alves, Praça Mauá, Rua Acre, Rua Uruguaiana, Largo da Carioca, Rua Almirante Barroso, Avenida Rio Branco, Cinelândia, Praça Paris, Lapa, Santa Luzia, México, Av. Nilo Peçanha, Av. Rio Branco. Presidente Vargas, retornando ao ponto de partida.
VERDADEIRO CARNAVAL
Durante todo o trajeto, o povo aplaudia a passagem dos Vascaínos com foguetes, confetes e serpentinas, em verdadeiro carnaval pelas ruas da Cidade. Rei Momo abria o cortejo da vitória, num bonito carro alegórico, seguido pelo carro que



[1] Fonte: Jornal O Globo 19 de Janeiro de 1959.

Vasco Revista Careta 1959

Vasco Jornal Estado de São Paulo 1959

domingo, 18 de dezembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1958 BELLINI LEVANTA A TAÇA

                                                                                “A Taça do Mundo é nossa”
                                                                                             Marchinha de 1958


1958                    Bellini levanta a Taça

O campeonato carioca de 1958 estava marcado para começar depois da Copa do Mundo na Suécia. Por isso a maior preocupação dos torcedores vascaínos no primeiro semestre era acompanhar a convocação da seleção. A alegria em São Januário foi imensa com a convocação de três jogadores no dia 31 de março: Bellini, Orlando e Vavá.
Nesta época as atenções ainda estavam voltadas para as rádios que transmitiam as partidas para o Brasil (a TV brasileira ainda mostrava as partidas da Europa). Com a torcida se reunindo em locais públicos, vibrando e se emocionando com a seleção. O torcedor número um do Brasil foi o Presidente da Republica JK, que fazia questão de torcer junto de convidados, ao lado de um imenso rádio. Neste mundial, o futebol finalmente consegue dar ao povo brasileiro a maior alegria com uma conquista internacional de forma incontestável. Todo o país vibrava com a narração dos locutores de rádio, o poeta vascaíno Ferreira Gullar, se espantava com sua atitude tão apaixonada: “sem saber como nem porque, vi-me de repente de ouvido grudado ao rádio, submetido a uma tortura diabólica “. E narra porque estranhava sua atitude “confesso que há muitos anos o futebol deixara de me interessar. A derrota de 1950 no Maracanã (...) tornou-me um descrente do nosso futebol. Em 1954, ouvi por acaso alguns jogos, e a Hungria confirmou meu pessimismo (...) é por isso que não consigo acreditar que somos mesmo campeões do mundo”. Constatado o resultado, o poeta se incorpora aos vencedores e adere a folia em ”um domingo de felicidade nacional e a euforia com que todos acordaram esta semana para recomeçar a vida. A cidade hoje vai parar para abraçar os seus heróis.”
Em plena Copa do Mundo a TOV organiza um baile no Clube Municipal com orquestra de Raul de Barros, reunindo astros do rádio e da televisão, refletindo como a competição fazia todos quererem se encontrar para comentar os jogos e garantir a confraternização por todo o mês.
            Se aqui no Brasil a torcida comemorou como nunca, fazendo verdadeiros carnavais após as partidas, nos estádios suecos, a torcida brasileira, foi comandada por Cristiano Lacorte, torcedor do Botafogo, paraplégico, que tornou-se uma figura tão popular que no mesmo ano acabou se elegendo vereador pela  cidade do Rio de Janeiro.
Na volta para o Brasil, os jogadores tiveram direito de passeio no carro do Corpo de Bombeiros após desembarque da delegação no Brasil. Com as ruas cheias, os jogadores comemoravam com os populares até o Palácio do Catete onde seriam recebidos pelo presidente JK. Era a recuperação do sentimento de auto-estima do brasileiro.
Foi o reconhecimento internacional e a conquista do campeonato de 1958 que ajudaram a fazer dos jogadores, ídolos nacionais de primeira grandeza. Este é um dado importante no processo de popularização do futebol. A partir daí, o Maracanã ficaria pequeno para receber os campeões do mundo. Como todos os jogadores atuavam no Brasil, as competições regionais eram a grande atração do segundo semestre daquele ano, com partidas que lotavam o “maior do mundo”.
Duas semanas depois da conquista na Suécia começava o campeonato carioca com transmissão direta da TV, pela primeira vez, apesar da oposição dos dirigentes. Seria uma competição de encher os olhos, pois Vasco, Botafogo e Flamengo forneceram vários jogadores para a seleção e agora o público carioca teria seus ídolos de volta como os melhores do mundo. Não é pó acaso que o campeonato de 1958 é apontado como um dos melhores de todos os tempos. Terminando com a disputa dos três times em equilíbrio de forças na final duas etapas decisivas, chamada de Super-super[1]. Era a primeira no Maracanã, que Vasco e Flamengo, detentores das maiores torcidas disputavam uma final.
A torcida vascaína ainda vivia uma indefinição (pelo menos para a imprensa) de qual o seu líder e onde ficariam os sócios: “a Torcida Social do Vasco, um novo grupo que surge em São Januário, nos moldes das grandes Torcidas norte-americanas, destinado a incentivar o quadro de futebol ao longo do certame da Cidade (...) constituída exclusivamente de associados do Clube e que se singularizará por um detalhe, o grupo ficará sempre na parte Social sendo que no Maracanã ficará localizada atrás do gol, nas cadeiras cativas, local destinado aos associados dos Clubes que mandam o jogo no maior Estádio do Mundo. Os torcedores usarão um boné, mas não levaria charanga, devendo conduzir no painel com dizeres alusivos, estréia amanhã a noite, em São Januário, sendo aguardada com vivo interesse, já que representaria incentivo a mais ao esquadrão cruzmaltino, que tão bem iniciou o campeonato de 1958” [2].
No primeiro Vasco e Flamengo a imprensa promoveu a tradicional disputa entre as duas torcidas. Cada clube apresentava os seus líderes. No Vasco junto com o conhecido Ramalho, aparece uma “nova liderança” de cartola. Um símbolo da torcida do Fluminense. O torcedor português, conhecido como Cartola (João Martins) pretende ser chamado, a partir daquele momento, de Casaca, traje que usava junto da cartola.
Em outra reportagem Cartola ou Casaca explica mais alguns detalhes das mudanças que ocorriam na torcida vascaína, destacando um personagem pouco conhecido e que era o responsável pela bateria da torcida: “Agora estamos com um grande plano de unificar a Torcida. A da parte Social vai acabar, fazendo a fusão com a da arquibancada. Estamos pensando até numa Sede. A Sede do torcedor Vascaíno. Álvaro Ramos, nosso patrono, os dirigentes da Diretoria atual e da passada prestigiam a iniciativa e temos certeza que conseguiremos apresentar novidades. Agora quando ele chegar ao Maracanã o Eli, Chefe do batuque, vai comandar os casacas para o Casaca”[3].
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] SUPERCAMPEONATO 20.12.1958 Vasco 2 x 0 Flamengo  - 03.01.1959 Vasco 0 x 1 Botafogo  SUPER-SUPERCAMPEONATO 10.01.1959 Vasco 2 x 1 Botafogo - 17.01.1959 Vasco 1 x 1 Flamengo. Fonte: Site oficial do Vasco
[2] Fonte: Jornal Diário da Noite 24 de Julho de 1958.
[3] Fonte: Jornal Diário da Noite 19 de Setembro de 1958. Ely é descrito por Casaca como “ um criolo alto e forte que comanda o samba. Há oito anos acompanha a Torcida do Vasco e é um dos administradores.”

 
Vasco Jornal Diário da Noite 1958

Vasco Jornal Extra 2013

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1957 O VASCAÍNO PELÉ

                                                     “o intocável Real vencedor de todas as constelações
                                                              europeias estava aprendendo a jogar futebol" 
                                                                           Jacques Ferran no jornal l'Equipe:

1957                          O Vascaíno Pelé

Dedicando tempo integral ao clube, Dulce vai construindo sua imagem de torcedora dedicada e capaz de todo o sacrifício par exaltar sua agremiação. Passa a liderar as caravanas pela cidade do Rio de Janeiro e fora também. Sua primeira caravana no comando da TOV foi para Juiz de Fora, em Minas Gerais. Em seguida ela promove uma aproximação com o principal chefe de torcida do Botafogo, Tarzan, fazendo uma homenagem ao alvinegro. No mesmo ano sua figura vai angariando cada vez mais admiradores pela imprensa por sua luta ao romper as barreiras machistas do futebol: “DULCE ÚNICA MULHER A DIRIGIR UMA TORCIDA ORGANIZADA: Atualmente, é a única mulher que comanda uma Torcida de futebol. E o coração feminino torna-se desmedidamente grande na devoção. Oferece muito e, não raro, em troca de nada. Dulce Rosalina confirma essa verdade. Sua paixão pelo Vasco da Gama encerra algo de belo, idolátrico, imorredouro. Vê-la nos instantes de arrebatamento esportivo ou quando vibra de emoção ao referir-se ao Clube predileto é passar a crer na virtude de certos seres. Bendigamos-lhe o sentimento, a intensa e admirável veneração ao grêmio a que de todo se entregou”.
Dulce e os torcedores vascaínos não poderiam imaginar que eles seriam testemunhas oculares de algo que muito orgulhará o clube nos próximos anos, ao acompanhar o desabrochar de um jovem que vestia a camisa do nosso clube na disputa de um torneio internacional em junho de 1957. O jovem jogador do Santos vestiu a camisa vascaína no Maracanã pelo combinado Vasco-Santos. Suas atuações chamaram atenção do técnico da seleção brasileira da época, Silvio Pirilo, que o convocou para amistosos da seleção e o garoto nao decepcionou. Marcou um gol contra a Argentina na sua estreia pela seleção em 1957.
            As boas atuações de Pelé despertaram o interesse do Vasco que fez uma proposta de contratação do jogador do santos no final de agosto. No entanto, o clube paulista recusou a oferta do presidente vascaíno, Arthur Pires. Muitas foram as versões sobre este contato de Pelé com o Vasco. Algumas dizem que o Vasco recusou o jogador. Mas uma coisa ninguém discute. O clube do coração de infância do “Rei do Futebol” é o Vasco, conforme declarou o atleta em inúmeras entrevistas.
            Em junho de 1957 o Vasco partia para uma longa excursão internacional que culminaria na disputa do Torneio de Paris com as melhores equipes do mundo, incluindo o poderoso Real Madrid, considerado à época como um time imbatível. E foi justamente contra o time espanhol que o Almirante enfrentou na final do torneio no dia 14 de junho. Para surpresa da imprensa européia o Vasco vence o real Madrid por 4 a 3 e conquista o título. Na volta ao Brasil, um mês depois (a excursão continuou passando até pela URSS) os jogadores foram recebidos com grande festa pelos torcedores no aeroporto.
            No campeonato carioca de 1957, Vasco e Flamengo, os maiores vencedores na década de 1950 ficaram para trás e a disputa final ficou entre Fluminense e Botafogo. Na famosa final em que o Botafogo goleou o rival por 6 a 2, a torcida alvinegra contou com o apoio das torcidas organizadas de Vasco e Flamengo. De acordo com o depoimento do jornalista Roberto Porto, um dirigente provocou os torcedores dos três times dizendo que o Fluminense já era o campeão: “ele provocou a torcida do Flamengo e do Vasco dizendo que deveria ser distribuído geladeira, radio, televisão, que eles não tinha mais nada a fazer no campeonato e que o Fluminense só ia cumprir o seu dever com o seu quadro social... rapaz, no domingo estava lá o Jayme de Carvalho e o Ramalho na torcida do Botafogo. Atrás do gol, onde ficava a torcida do Botafogo. Hoje, isso é inimaginável, eles estavam lá. Eu me lembro de vê-los. O Ramalho com o talo de mamona tocava sempre que o Botafogo atacava...”[1].
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Depoimento concedido a mim em janeiro de 2008.

Vasco Jornal O Globo 1957

Vasco Pelé

domingo, 11 de dezembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1956 RAINHAS DO RÁDIO E DA ARQUIBANCADA

                                      “por amor ao clube, fazemos qualquer sacrifício”.
                                                            Frase de Dulce Rosalina


1956               Rainhas do Rádio e da Arquibancada


Em meados dos anos 1950 começava a reinar nos estádios Dulce Rosalina. Primeira e única torcida organizada do Vasco até o início dos anos 1970, a Torcida Organizada do Vasco (TOV) teve como grande líder e presidente desde a sua fundação em 1943, João de Luca, que ficou na direção da mesma até 1956, quando se afastou por motivo de saúde.  A partir deste ano uma jovem passou a comandar a torcida com o mesmo talento e disposição: a carioca Dulce Rosalina Ponce de Leon, se tornou a maior representante da torcida cruzmaltina nos próximos 30 anos, conduzindo sua torcida em todos os estádios do Rio de Janeiro e por outros estados, especialmente São Paulo, nas partidas do Vasco no torneio Rio-São Paulo e depois pelo campeonato brasileiro.
            Única mulher ocupando um lugar de destaque entre os torcedores nos anos 1950, Dulce acompanhava  as atividades do clube desde muito cedo influenciada por seu pai, um português que se tornou vascaíno em virtude da história do clube de combate ao preconceito racial.
            Dulce passou a integrar esporadicamente a TOV junto de outros jovens ainda nos anos 1940, lá fazia amizade com jogadores, dirigentes e associados do clube. Desse contato cotidiano com a vida de sua agremiação surgiram suas principais amizades e contatos. Foi a através do futebol que Dulce conheceu o jogador Ponce de Leon, que atuou no próprio Vasco e no São Paulo, casando com o atleta em 1949 e vivendo junto com ele até 1965, quando ficou viúva.
            Mesmo casada Dulce era uma referência na torcida do Vasco em função de sua afeição ao clube da qual devotava um amor sem igual, fazendo-o uma extensão de sua família, acompanhando aos jogos e todos os dias no clube conversando com os atletas e ouvindo os dirigentes.
Dulce representou por anos o ideal do torcedor-simbolo de um clube, sendo por isto elogiada e exaltada pela imprensa que fez de suas atitudes um exemplo a ser seguido por outros torcedores. A torcedora nunca era apresentada como fanática que perde a razão para acompanhar o seu time do coração, nem de forma caricata do torcedor alienado. Sempre foi exaltada a figura de uma pessoa que renuncia de outros caminhos da vida para incentivar o seu clube. Sua liderança a fez respeitada em todo o Brasil e querida em todos os lugares que passou. Uma liderança nos dias atuais que não trabalhasse para acompanhar o clube, seria, no mínimo, acusada de se beneficiar do clube de alguma maneira. No entanto, a imagem de Dulce construída nos anos 1950 e 1960 foi de exemplo de torcedora fiel: “pensei em trabalhar, desempenhar atividade no comercio ou na industria, todavia, concluí que seria desperdiçar energia. Poderia ficar impossibilitada, por exemplo, de participar intensamente da vida do meu Vasco, como vinha fazendo, e não sei se suportaria privar-me da maior alegria de minha vida, que é estar sempre a sua disposição”(CARVALHO, 1968, p.227).
Os chefes de torcidas e/ou torcedores-símbolos não surgiram com os grandes estádios, antes, já era possível identificá-los acompanhando os jogos de seus clubes, religiosamente, mesmo nos mais acanhados estádios. Fontainha, no América, Chico Guanabara, no Fluminense, Perneta no São Cristóvão, Polar no Vasco, eram algumas, dentre as várias figuras humanas, que se destacavam no meio de inúmeros assistentes. Entretanto, com a projeção do futebol como espetáculo de multidões e a transformação da imprensa esportiva em grandes empresas de comunicação, proporcionou o status destes torcedores em grandes símbolos de suas respectivas torcidas. Cada um do seu jeito, com suas idiossincrasias, se “afastando” da massa “anônima” que inundavam as praças esportivas, mas ao mesmo tempo expressando as atitudes típicas daquilo que se caracterizaria como o comportamento do torcedor de futebol.
            Apaixonado pelo clube, incentivador permanente de seu time, amigo dos jogadores e companheiro fiel dos outros torcedores em todos os estádios da cidade.  Acompanhando o dia-a-dia do clube e do time, capaz de todo sacrifício e dedicação em prol do sucesso de sua agremiação. Este foi o perfil, o “tipo-ideal”, apresentado pela ótica da imprensa esportiva para estes personagens, que suplantavam, em importância, as torcidas organizadas (uniformizadas) que representavam.
            Dulce assume o comando da torcida em um momento delicado pois o maior rival ganhava o tricampeonato no começo de 1956 e a TOV passava por uma crise interna em função do afastamento progressivo de seu maior líder, João de Lucca, e o surgimento de um novo grupo que “assumia” a torcida. Como Dulce ganhou a confiança dos dois grupos e conseguir unir a torcida é algo que não se tem registro nas fontes consultadas. A história oficial parte de apoio do novo técnico do Vasco em meados de 1956, Martim Francisco, que pede a Dulce para comandar a torcida e a promessa do treinador dar o título carioca de volta aos vascaínos em 1956. E foi o que aconteceu.
            Em campo o time do Vasco entusiasmava seus torcedores e a cada dia Dulce ganhava mais destaque na imprensa com depoimentos e entrevistas com uma jovem liderança. Dulce tinha apenas 22 anos quando ficou à frente do grupo e demonstrava maturidade no contato com os jornalistas procurando amenizar problemas que surgiam nas arquibancadas contra os rivais. O melhor exemplo surge após o jogo entre Vasco e Botafogo que termina com uma vitória dos vascaínos mas que provocou muitas brigas em campo, entre os dirigentes como rompimento de relações do Botafogo e, finalmente, nas arquibancadas. Dulce explica como foi a briga: “Domingo passado, por exemplo, cheguei ao Maracanã 15 para uma hora. No setor que nos era destinado, encontrei uma bandeira do Botafogo, tendo eu perguntado quem era o responsável por ela. Como ninguém disse nada, enrolei a bandeira alvinegra, cuidadosamente, para entregar ao seu dono quando apareceram dois torcedores e que tentaram me agredir, tendo sido salva pela atitude de um torcedor do Benfica, dos muitos que militam em nossas fileiras, que recebeu o soco que me era destinado. Ainda assim, fiquei ligeiramente ferida no braço. Mas, não tem importância, porque tudo é em favor do Vasco, que considero como filho. Meu filho mais velho, pois tenho dois filhinhos. E, se Deus quiser, haveremos de passar este ano um Natal mais feliz, com o Vasco Campeão. E de acordo com uma promessa do Presidente Arthur Pires, o Estádio de São Januário se iluminará todo, para receber a Torcida Uniformizada, na noite da comemoração pela conquista do Campeonato de 1956” [1].
            O Vasco conquista o título carioca por antecipação vencendo o Bangu, no Maracanã, na penúltima rodada. O músico Aldir Blanc, com apenas 10 anos, lembra desse dia na arquibancada, ao lado de seu pai, após o gol de Vavá: “foi um delírio (...) voltemos ao sábado memorável. Depois daquela tarde nunca mais consegui entrar no Maracanã sem a reverência de quem comparece a um santuário” (2009, p.228).
             A conquista do título une torcedores e dirigentes que fazem uma grande festa no centro da cidade perto de uma rua tradicional dos comerciantes protugueses, com direito a bateria de escola de samba numa festa que faz da mistura social a caracteristica principal de nossa torcida: “com as cabrochas da Escola de Samba do Salgueiro, chopp e tremoço, e milhares de Casacas, pronunciados a todo momento com entusiasmo, os comerciantes de secos e molhados da Rua do Acre, festejaram a vitória do Vasco no campeonato de 1956. E 100 mil cruzeiros (arrecadados antecipadamente), foram consumidos em chopp e empadinhas pelas pessoas (vascaínas ou não) que estiveram na festa da Rua do Acre. Compareceram os cartolas, Ciro Aranha, Diogo Rangel, José do Amaral Osório e o grande animador da festa João de Lucca. Especialmente convidado, o embaixador Negrão de Lima compareceu, apesar de ser flamengo. De 13 as 18 horas durou a comemoração, que terminou com aspecto de carnaval”[2].
            O presidente do clube, Ciro Aranha. o mesmo da época do “Expresso da Vitória” nos anos 1940, revive em 1956 o clima dos melhores anos do clube e acompanha os festejos junto aos torcedores. A propria imprensa que passou a exaltar o rival nos anos anteriores reconhece o valor da galera cruzmaltina: “A Torcida Organizada do Vasco foi o seu jogador número 12. Em todas as ocasiões deste certame, quer na vitória, quer na derrota, não faltou nunca com o incentivo a sua equipe. Ontem até o presidente do Vasco Ciro Aranha dela fez parte”[3].
            Enquanto Dulce se consagrava nas arquibancadas, uma outra torcedora vascaína começava a brilhar. A cantora Dóris Monteiro era eleita Rainha do Radio em 1956. Um título que ostentaria em 1957 e 1958. Desbancando a cantora e torcedora do Flamengo, Angela Maria, eleita rainha do Radio nos anos anteriores.
Nas crônicas de Mario Filho reunidas no livro O Sapo de Arubinha (1994), uma delas foi escrita em agosto de 1956, intitulada a " Grandeza do Vasco". O escritor faz uma homenagem ao clube que completa 58 anos naquela semana e procura dar uma explicação para o crescimento da agremiação e da formação de sua identidade. Vamos resumir em três frases lançando luz sobre as diretrizes que orientavam o seu pensamento: "o que marcou o Vasco foi o futebol e não o remo", "pode-se começar a contar a grandeza do Vasco do dia em que ele perdeu para o Flamengo" e "como seria o Vasco se não tivessem mexido com o português". A primeira frase peca por caracterizar a grandeza do Vasco pelo futebol como se isso não tivesse acontecido com outros clubes e tira o peso do remo para o grêmio, pois este era o maior vencedor nos anos 1910 e 1920. Quando o Vasco estreou na primeira divisão a sua grandeza já provinha de uma herança do remo, não podendo separar um esporte do outro na trajetória do Vasco que assumia uma aspiração diferenciada no cenário da época.. A segunda é um falso elogio pois narra a história do clube a partir de um jogo que foi mais importante para o adversário. O que marcou a história do clube em 1923 foi a conquista do título e não a perda da invencibilidade. A torcida do Vasco continuou comparecendo em massa em 1924 e não enfrentava os "grandes". A última frase se contadiz ao longo do próprio texto quando ele afirma de forma ambígua a brasilidade da instituição: "o Vasco era tão brasileiro como o mais brasileiro dos clubes" e "não foi só o português que meteu a mão no bolso. O brasileiro também". Nessas duas frases fica claro que o Vasco desde o começo foi mais que "um clube de imigrantes", ao contrário de outras associações esportivas que procuraram criar barreiras para os brasileiros.
Mario Filho e muitos outros narradores da História do Futebol Carioca procuraram enfatizar apenas um lado do Vasco, dando ao Flamengo uma identidade mais popular e nacional. O historiador Bernardo Hollanda (2004, p.201) refuta este modelo de interpretação do clube que tem sua história baseada em inúmeros outros eventos marcantes: “o esquema de classificação do jornalista Mario Filho fixava-se apenas na fundação do clube e não contemplava esta série de fatos capitais na sua trajetória”.
A escritora Rachel de Queiroz também rebate a tese do clube de imigrantes e prefere enfatizar a maior característica da agremiação que foi o caráter miscigenado com a preocupação de integrar pessoas de diferentes origens: “pois tudo isso somos nós brasileiros, e nessa mistura temos uma imagem viva do Vasco, que é por sua vez uma imagem viva do Brasil”[4]. Ou seja, compreende o clube pela relação que ele estabelece com a sociedade e acompanha a formação do sentimento coletivo de sua torcida com os anseios de integração da população brasileira em uma nação de todos.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Jornal Diário da Noite 19 de Novembro de 1956.
[2] Fonte: Revista da Semana 1956.
[3] Fonte: Jornal A Noite 24 de Dezembro de 1956
[4]  Fonte: Jornal dos Sports, 31 agosto de 1968.

Jornal Diário da Noite 1956

Jornal A Noite 1956


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1955 ADEUS ADEMIR

                                                                       “No tempo em que Pelé era o Ademir”
                                                                                Nelson Rodrigues

1955                           Adeus Ademir

            Em meados da década de 1950 era possível observar algumas mudanças sutis no futebol brasileiro provocado por vários fatores. A primeira alteração foi o crescimento da TV como meio de comunicação nesta década e o início da transmissões esportivas ao vivo. Outra variação foi a perda da importância das disputas entre paulistas e cariocas, principalmente entre os selecionados. Esta era a competição que mais envolvia torcida nos anos 1940.
            A entrada da TV no futebol, não substituiu a força do rádio nos anos 1950 nem tirou o público dos estádios. No entanto, o crescimento da TV era inegável. Basta considerarmos a evolução da TV no Brasil: em 1956, havia 70.000 aparelhos. Este número multiplicou em 1960, saltando para 1.200.000, sendo que no Rio de Janeiro havia 230.000 aparelhos. Apesar desse crescimento, prevalecia a necessidade de assistir a TV na casa de um vizinho mais abastado.
            O alcance do rádio carioca em todo o Brasil fazia dos clubes da cidade verdadeiros times nacionais. O poeta Ferreira Gullar lembra que em sua infância mesmo não sendo um torcedor fanático tinha entre suas predileções a adesão ao clube da capital: “não sou torcedor apaixonado. Sou Vasco desde os doze anos, quando pus o nome de Vasco em meu time de botão. Isso em São Luís do Maranhão; portanto, nunca tinha visto o Vasco jogar, mas sabia de cor a escalação do time”.
            Outro meio de comunicação bastante popular nos anos 1950 era o cinema, mas poucos filmes tinham o futebol como seu tema principal. Em 1955, o cineasta Nelson Pereira dos Santos realiza Rio, 40 graus, filme que faz um panorama da sociedade carioca e que, entre os seus personagens principais, estão os torcedores. No filme o futebol desencadeia paixão e sentimentos controversos. Em algumas cenas filmadas no Maracanã, é possível entender o que o futebol representava na época para os cariocas. As diversas imagens encenadas nas arquibancadas, cadeiras e gerais mostram a torcida em vários ângulos, desde os mais abertos até os mais fechados com as expressões faciais demonstrando as  alegrias e os sofrimentos. Pode-se notar que os torcedores estão trajando roupas mais simples e não usam o terno e a gravata (vestimentas comuns até os anos 1940), os únicos que usam estas roupas são os dirigentes que se localizam nas cadeiras especiais. Em todo o jogo é profunda a interação da torcida com o desenrolar da partida, há xingamentos ao juiz, discussões, vaias, briga na geral, aplausos, bandeiras, fogos e a presença do rádio de pilha acompanhando os torcedores nos estádios (uma novidade para a época e marca registrada nos anos seguintes).
Na competição do torneio Rio-São Paulo, a hegemonia dos paulistas foi total nesta época. Só perdendo dois campeonatos (Fluminense em 1957 e Vasco em 1958). O mesmo acontecia com a seleção paulista[1] que venceria a carioca em muitas oportunidades. A verdade é que a disputa entre paulistas e cariocas foi deixada de lado pelos cariocas, enquanto os paulistas faziam questão de continuar medindo forças contra os cariocas.
E foi assistindo o brilhante atacante paulista jogando, Valter Marciano, que o Vasco resolveu contratá-lo do Santos neste ano. O jogador vai ser o grande destaque no título carioca de 1956 e o maior nome do jogo com o Real Madrid em 1957. Suas grandes atuações na Europa acabaram despertando o interesse do Valência da Espanha que o contrata no mesmo ano.
Esta década consagrou o futebol brasileiro como artigo de exportação. Nunca os jogadores e os times nacionais jogaram tanto pelo mundo afora. O lugar mais visitado era a América do Sul. Antes dos anos 1950 o Vasco só havia feito duas excursões para a Europa. Neste decênio foram várias vezes. Nesse ano de 1955 o clube ficou mais de dois meses fora do Brasil. No ano seguinte foram quase quatro meses viajando para vários países. A experiência internacional deu aos jogadores maior possibilidade de conhecer os adversários europeus, porém as condições de trabalho dos atletas (com jogos seguidos), eram desrespeitadas.
            Duas figuras centrais do Expresso da Vitória nos anos 1940 começavam a se despedir do clube. O técnico Flavio Costa que voltara a São Januário em 1953, perdia novamente o campeonato carioca de 1955 para o Flamengo, embora o Almirante tenha sido o clube com maior número de pontos em todos os três turnos do campeonato. Ao final da competição em 1956 Flávio era demitido e Martin Francisco assumiria o seu lugar.
            Enquanto isso, o atacante Ademir Meneses fazia seu último campeonato carioca pelo Vasco se tornando definitivamente um dos maiores ídolos dos cruzmaltinos de todos os tempos. Por outro lado, um outro jogador de estilo e posição bem diferente ia se firmando como ídolo no clube. O zagueiro Bellini, com sua raça e desprendimento conquista a cada ano o coração do torcedor. O jornalista Nelson Rodrigues resume a importância do defensor para o clube: “não se pode imaginar um jogador que dedique mais a um jogo, que lute e se mate tanto. E eu creio que um Vasco sem Bellini já seria menos Vasco”.
Além do futebol, outros esportes faziam sucesso entre os torcedores. O tradicional remo e o atletismo deram muitos motivos de celebrações de vitórias. Em Vidas Vascaínas (2003, p.357) o ex-remador Mario Lamosa relembra a importância deste esporte e a paixão que ele despertava: “Na época, na década de 1950, o remo era o segundo esporte do Brasil. Quando fizeram aquele estádio de remo na Lagoa, você tinha, no mínimo, dez mil pessoas a sua volta. Os últimos 500 metros você já escutava o grito da torcida”. Outro esporte que cresceu muito no Vasco foi o atletismo, principalmente depois da chegada de Adhemar Ferreira da Silva, em 1955. O atleta que foi medalha de ouro no salto triplo em Helsinque (1952), venceria novamente, já como atleta do Vasco, nas Olimpíadas no ano seguinte (Melbourne).
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] O campeonato de seleções entrava em seu declínio, pelo menos para os cariocas. Em vários anos, por falta de calendário, a competição não foi disputada. Entre 1951 e 1959, os paulistas venceram todas: 52, 54, 56 e 59. Já no torneio Rio-São Paulo, o Corinthians venceu em 53 e 54, o Santos em 59, o Palmeiras em 51 e a Portuguesa em 52 e 55.

Vasco Jornal Sport Ilustrado 1955

Vasco Jornal O Globo 1955

domingo, 4 de dezembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1954 ALMIRANTE DOMINA O REMO

“urubu, urubu, urubu”
                                                                           o rival ganha um apelido  

1954                   Almirante domina o Remo

O ano começa com uma extensa viagem do Vasco por vários países da América (México, Costa Rica, Peru e Guatemala), depois do time perder o campeonato carioca de 1953, em janeiro. O clube ficou dois meses jogando no exterior. Na volta ao Brasil, no início de abril, a torcida fez uma recepção calorosa no aeroporto para comemorar com os atletas os resultados expressivos: em 16 jogos, 11 vitórias e apenas 1 derrota. “Torcedores do Vasco invadiram o Galeão para receber os jogadores, lá fora a Torcida gritava erguendo bandeiras. Os jogadores foram descendo, lá fora a Torcida se mostrava impaciente para ver os cracks. Além de torcedores anônimos, dirigentes, ex-dirigentes. Em frente ao portão de saída torcedores estiraram uma enorme faixa que tinham estes dizeres: ”Felicidade seu nome é Vasco”. E a medida que os jogadores se desembarcavam da Alfandega e cruzavam os portões quase os sufocavam de abraços” [1].
A alegria dos vascaínos no aeroporto só não foi maior que a de uma família de Duque de Caxias, município do Rio de Janeiro. Nascia Carlos Roberto de Oliviera. No futuro este recém-nascido daria muitas alegrias para os vascaínos. Vinte anos depois, ele seria campeão brasileiro pelo Vasco, com o nome de Roberto Dinamite. Não apenas campeão, mas artilheiro do campeonato ...
A derrota da seleção brasileira na final da Copa de 1950 para o Uruguai em pleno estádio recém-construído causou um efeito considerável: o Maracanã só seria utilizado novamente pela seleção nacional quatro anos depois. Somente em 1954, o Brasil, já com o uniforme amarelo, enfrentou o Chile, nas eliminatórias para a Copa do Mundo na Suíça. Portanto, de 16 de julho de 1950 até 14 de março de 1954, a seleção brasileira esteve ausente do Maracanã, ou melhor, não disputou uma partida sequer no próprio país, apesar da conquista do Pan-americano em 1952. Este foi, até então, o maior tempo de ausência da seleção no Rio de Janeiro desde 1917. O time nacional ficou distante dos torcedores cariocas durante praticamente todo o segundo governo Vargas (1951-1954).
A mudança na cor da camisa da seleção contou com o apoio das lideranças das torcidas cariocas em 1953: “Jaime de Carvalho (o homem da Charanga) e João de Lucca (o homem do Casaca, Casaca), que os torcedores que eles representam acreditam que uma camisa mais expressiva para o nosso selecionado simbolicamente poderia dar lhe mais vida, mais expressões, enfim incestaria no espirito de nossos jogadores a mística  de que o uniforme que ele veste, mais do que uma simples peça de vestuário , representa também um pouco de nosso Brasil...”[2].
Entre 1953 e 1956 a Torcida Organizada do Vasco foi alvo de uma disputa de dois grupos que se auto-intitulavam representantes verdadeiros do clube nos estádios. De um lado estava o líder tradicional João de Lucca, e de outro, capitaneados pelo dirigente Alvaro Ramos, um grupo começa a se organizar e divulgar por toda a imprensa sua “ideologia”, sem deixar de atacar nas entrelinhas De Lucca, visto como “chefe”, torcedor só das boas horas, com interesses etc. Destacamos alguns trechos das reportagens: “queremos esclarecer que a nossa torcida não tem chefe, mas nós constituímos uma comissão diretora, para umas determinadas providencias e decidimos que o Sr Alvaro Ramos seria o nosso patrono, como lhe prestamos pelo muito que ele tem feito” O cartola afirma outra matéria: “vi que se tratava de um movimento espontâneo e sincero, sem qualquer objetivo de agradar aos dirigentes eventuais do clube, como acontece com outros chefes de torcida”. Liderada pelos irmãos Mario Portugal e Margarida e outros como Aida de Almeida o grupo defende sua diferença: “essa torcida, que não tem o apelo oficial do Clube[3] e não se organiza somente para dar “casacas” nos dias de vitória, como acontece com determinado grupo, constitui a mais soberba demonstração de vitalidade de uma Torcida, que vibra e sofre com o seu Clube, que acompanha o team nas boas e mas horas, que enfrenta sol e chuva, encontrando na vitória a única recompensa”.
Neste período o Flamengo conquista seu tricampeonato (1953-54-55) e a rivalidade com os outros clubes cariocas aumenta. Para ofender a torcida rubro-negra as torcidas rivais criaram o urubu. Alguns torcedores do Vasco dizem que foram os primeiros a chamá-los assim, outros discordam. Um deles é o jornalista Roberto Porto que dá uma explicação para a origem do apelido pejorativo: “Otacílio Batista Nascimento, o Tarzan, ele era de Minas Gerais e veio para o Rio ..... em Belo Horizonte, ele era Atlético, que tinha muitos torcedores negros. A torcida do Cruzeiro xingava e dizia para o Atlético: “urubu, urubu”, então quando Tarzan veio para o Rio resolveu se vingar e xingar o Flamengo dessa forma, então foi o Tarzan que botou o apelido aqui no Rio ...[4]”.
Assim como o urubu incomodava os flamenguistas, o “pó-de-arroz” afetava a auto-estima dos tricolores, que revidaram inventando o “pó-de-carvão”, para os rubro-negros, com a mesma alusão em considerar a torcida do Flamengo como a torcida dos negros. Mas não pegou, como também não colou chamar os vascaínos de “pó da Pérsia”, numa referencia a um produto que matava os vermes.
            Para encerrar o ano com um título expressivo a torcida vascaína comemora a vitória no remo sobre o seu maior rival. Pela 11ª vez consecutiva os remadores cruzmaltinos conquistaram o título máximo da cidade, derrotando os seus famosos competidores do Botafogo e Flamengo. E a alegria foi maior ainda, quando o oito Vascaíno venceu o do Flamengo, que era bicampeão carioca, brasileiro e sul americano.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Jornal Diário da Noite 05 de Abril de 1954.
[2] Fonte: Fonte Correio da Manhã 30 de Agosto de 1953.
[3] Em outra reportagem, contradizendo o que diziam os novos líderes uma reportagem exalta o apoio de dirigentes vascaínos Antônio Soares Calçada, José Ribeiro de Paiva, o “Almirante” , Arthur da Fonseca Soares (Cordinha), José do Amaral Osório.
[4] Depoimento de Roberto Porto concedido a mim em janeiro de 2008.

Vasco Jornal Diário da Noite 1954

Vasco Jornal Diário da Noite 1954