quarta-feira, 31 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1927 UMA CASA BRASILEIRA, COM CERTEZA

   “Eis o estádio que diziam nos faltar para sermos grandes”
Raul Campos – Presidente do Clube

1927               Uma casa brasileira, com certeza

Concluído em menos de um ano era inaugurado o estádio do Vasco da Gama em 21 de abril de 1927. Logo ficou conhecido como estádio de São Januário, em função de a rua ter o mesmo nome e de ser o local de passagem do Bonde de número 53.
            Para o jogo inaugural marcado para uma data estratégica que celebrava a morte de Tiradentes, “herói da inconfidência mineira”, “mártir da independência do Brasil”, a data expressava o interesse do clube em se firmar como a principal agremiação esportiva da cidade, garantindo traços da nacionalidade e mantendo um pé na tradição lusitana. Contra todos aqueles que afirmavam a origem estrangeira do clube de São Januário, a reação dos sócios e simpatizantes do novo clube ganhava cada vez mais simpatia da população carioca.
            Durante a inauguração o próprio presidente do país, Washington Luis, o mesmo que negou permissão de importação do cimento da Bélgica, talvez se penitenciando pelo erro de não acreditar na força de vontade de um grupo de abnegados, apareceu durante a festa. Coube ao aviador português Sarmento de Beires, realizador da travessia Lisboa-Rio cortar a fita simbólica. Além de diversas personalidades da sociedade carioca.
            O jogo inaugural foi contra um clube de São Paulo (Santos[1]), dando uma dimensão nacional para o evento que se realizava, assim como no ano seguinte com a inauguração dos refletores (o primeiro estádio do Brasil a possuir aquela novidade), na partida o convidado foi um clube do Uruguai (bicampeão Olímpico na época), o Wenderers.
            Nos próximos anos o campo esportivo de São Januário, com capacidade para 40.000 espectadores, será o maior estádio de futebol do Brasil[2] e da América do Sul (o estádio do Centenário no Uruguai será construído em 1930). E fonte de identidade coletiva para os torcedores vascaínos, interessados em construir uma representação coletiva positiva de seu clube em função dos preconceitos das torcidas adversárias[3] (SILVA, 2001). São Januário é um marco no futebol carioca e brasileiro ao simbolizar um monumento de luta contra a discriminação, ao transformar um palco coletivo de exibição esportiva num lugar que encarnava as disputas simbólicas que se travavam em torno do futebol e da sociedade brasileira no final dos anos 1920. Uma resposta clara contra seus adversários, especialmente contra os clubes da zona sul, como o Fluminense, que possuía o maior estádio do Rio de Janeiro, construído em 1919, para o então campeonato sul-americano disputado naquele ano. Entretanto sua construção teria o apoio do governo e não teria a contribuição direta dos torcedores, como foi feita pelos torcedores vascaínos.
Logo após a inauguração do estádio de São Januário começava o campeonato carioca e a campanha do Vasco vinha bem até as duas últimas rodadas quando os cruzmaltinos perdem para Flamengo e Fluminense. Neste ano foi promovida uma campanha do Jornal do Brasil e uma empresa de água mineral (Salutaris) para que os torcedores indicassem o clube “mais querido do Brasil”. Quando saiu o resultado final veio a surpresa com a vitória do Flamengo. Tempos depois a farsa foi desvendada. Mário Filho no livro Histórias do Flamengo, lançado em 1945, para comemorar os 50 anos de fundação do clube, revela algo que muitos já desconfiavam. Vários torcedores do Flamengo passavam pelos bares e comércios da cidade arrecadando os cupons do Vasco e terminavam jogando fora o material arrecadado.
O estádio de São Januário ainda viveu outro grande momento no final de 1927 quando serviu de palco no confronto entre paulistas e cariocas, pelo campeonato brasileiro de seleções. Outra vez com a presença do Presidente da República, Washington Luís, que “estava encantado, nunca tinha recebido tantas palmas na vida dele. Cinqüenta mil pessoas, comprimidas nas arquibancadas, nas gerais, de pé, batendo palmas para o Presidente da República. Era gostoso receber uma ovação daquelas, nada preparado, tudo espontâneo. Washington Luís descobria, ao mesmo tempo, a força e a beleza do esporte” (Mario Filho, 2003, p.159). Tudo era uma festa. Só não se contava com a reação dos jogadores paulistas que se retiraram de campo após a marcação de um pênalti a favor dos cariocas. Apesar do pedido do presidente para os paulistas retornarem. O que acabou não acontecendo.
A reação dos atletas não surpreendeu o prefeito do Distrito Federal, Antônio Prado Junior, que também era o presidente do Paulistano e da Liga Amadora de Futebol (LAF - criada no final de 1925), entidade que disputava com a APEA a hegemonia do futebol em São Paulo. O dirigente era um ferrenho defensor do amadorismo e estava em litígio com os dirigentes e atletas que representavam os paulistas (todos da APEA). Como reação a popularização do futebol, ele foi um dos maiores defensores da extinção do departamento de futebol do Paulistano em 1929. Em todo o período de existência, o Paulistano jamais enfrentou o Vasco.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] O Santos era conhecido neste ano como o clube de grandes atacantes. O que pode ser confirmado pelo resultado da partida: Santos 5 X 3 Vasco.
[2] De acordo com (MURAD, 2007) para o TRAVELL CHANNEL, “São Januário é o sétimo melhor estádio para se assistir a uma partida de futebol”(p.33).
[3] Cf. SILVA, Silvio Ricardo da. Sua torcida é bem feliz ... da relação do torcedor com o clube. Tese de doutorado (em Educação Física), Faculdade de Educação Física da Unicamp, Campinas, 2001.

Vasco Revista Vida Doméstica 1927

Vasco Jornal do Brasil 1927

terça-feira, 30 de agosto de 2016

PEQUENOS VASCAÍNOS 1981: PEQUENOS VASCAÍNOS ANIVERSÁRIO DE 6 ANOS

Pequenos Vascaínos chaveiro 6 anos blog Almanak do Vasco 1981

Pequenos Vascaínos chaveiro 6 anos blog Almanak do Vasco 1981

Pequenos Vascaínos festa de 6 anos 1981

domingo, 28 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1926 CAMPANHA DOS 10.000

“Entra Basco que teu marido é sócio” 
Provocação dos rivais

1926                 Campanha dos 10.000

            A mesma torcida vascaína que prestigiava o remo na Enseada de Botafogo, acompanhava com o habitual entusiasmo o futebol no mesmo dia. Assim, reunir os sócios e torcedores vascaínos em torno das disputas esportivas era algo comum e uma rotina durante todo o ano para os seus adeptos. Até mesmo durante a época das férias a união e a confratenização dos sócios era mantida, especialmente quando chegava a época pré-carnavalesca: “A Praia das Virtudes, um recanto da antiga Praia da Santa Luzia. Completou no domingo o primeiro aniversário do seu batismo. Em razão desse aniversário, um grupo de carnavalescos filiados ao Clube de Regatas Vasco da Gama, levou a efeito um banho a fantasia, cuja concorrência é atestada pelas gravuras que publicamos. Tiradas na manhã daquele domingo, durante a qual se realizaram vários concursos de fantasias, provas de natação e outras”[1].
Começou neste ano a ganhar forma uma intensa campanha de arrecadação de recursos para a construção do estádio. Listas corriam pela cidade onde pessoas de diferentes estratos sociais contribuíam, esta lista de contribuição que ficou conhecida como a “Campanha dos 10 mil”. Uma iniciativa inédita no futebol brasileiro que injetou mais força ao clube: "a popularidade que o time do Vasco vinha consolidando na cidade foi um dos pontos facilitadores do sucesso da campanha. Para se ter uma ideia, somente no ano de 1926 ingressaram no clube cerca de sete mil novos associados" (Blanc, 2009, p.92).
Até 1926, Vasco e Fluminense disputavam qual era o clube carioca que tinha o maior número de sócios. Havia uma pequena vantagem para o tricolor que superava os 3.000 sócios vascaínos. No entanto, estes números sempre variavam de acordo com as oscilações nas conquistas de cada um e na dificuldade de manter os contribuintes com a mensalidade em dia. Uma das estratégias lançadas pelos dirigentes foi a campanha para que cada associado vascaíno conseguisse mais dois membros para o clube. Assim o clube alcançaria o expressivo número de 10.000 financiadores. Com este total de associados, os dirigentes acreditavam reunir recursos monetários capaz de erguer o maior estádio do Brasil.
 Inicialmente foram arrecadados fundos para a compra de um terreno em São Cristóvão. Este bairro foi escolhido por vários motivos. De acordo com o geógrafo Fernando Ferreira[2], o bairro tinha as características condizentes com a origem do clube bem como de outros fatores que intervieram na escolha do local: “a relativa proximidade com o antigo campo da Rua Morais e Silva e com a zona portuária, parte da cidade onde o clube fora fundado; a existência de uma numerosa colônia portuguesa em São Cristóvão, composta tanto por moradores quanto por comerciantes e industriais; a identificação do bairro com Portugal, construída desde a chegada da Família Real, em 1º de janeiro de 1809 à Quinta da Boa Vista”(FERREIRA, 2004, p.34).
            Mesmo com a proibição de importação de cimento belga imposta pelo então presidente da República, Washington Luiz, garantida um ano antes para a construção do Jockey Club Brasileiro[3], o clube começou a realizar a obra que iniciou em 6 de Junho de 1926.
Assim como no campeonato anterior o desempenho do clube em campo motivava ainda mais os torcedores compareceram aos estádios naquele que seria o último campeonato que o Vasco disputaria em campos alugados por toda a cidade. O clube liderou boa parte do campeonato ao lado do São Cristóvão e chegou na última rodada em condições de ganhar o título. Entretanto o São Cristóvão terminaria o campeonato em primeiro lugar e venceria o seu primeiro e único título carioca.
No livro clássico sobre a história do futebol carioca “O negro no futebol brasileiro” de Mario Filho, em escrito inicialmente em 1942. como crônica diária para o jornal O Globo na coluna “Da Primeira Fila”, a vitória do São Cristóvão mereceu várias páginas. No entanto, na obra do jornalista pouco se escreveu sobre esta campanha revolucionária dos sócios e torcedores vascaínos, pois tão importante como acompanhar as transformações do que se faziam em campo, era preciso maior atenção com a formação deste sentimento de pertencimento clubístico que mobilizou parte da população da cidade.
Apesar de ressaltar o Vasco como o clube que rompeu com o racismo predominante do futebol carioca, Mario Filho foi desatento com o perfil do torcedor vascaíno que se formava, repetindo o mesmo chavão das torcidas rivais ao identificar a torcida do Vasco como “a torcida dos portugueses”. Ao descrever o aumento da torcida vascaína, Mario Filho afirma que junto dos antigos torcedores do remo, chamados de “velha guarda”, uma massa passa a acompanhar o clube que o faz ter a maior torcida carioca: “ninguém mais distinguia a velha guarda na arquibancada. Estava lá mas se perdia no meio da multidão de portugueses” (p.122). Em outra página ele lista os torcedores mais conhecidos do Vasco da época, fazendo uma pequena descrição de cada um: Sinhá, José Ribeiro de Paiva, Narciso Bastos, Pascoal Pontes, Vitorino Rezende, Antonio Campos e Paradantas.
Uma explicação para o desconhecimento sobre o torcedor vascaíno eram as suas fontes de contatos e de conhecimentos para a realização da obra. No prefácio do livro, Mario Filho lista todos os seus entrevistados. De todos os grandes clubes, o Vasco tem o menor número de personagens, apenas cinco: Jaime Guedes, Álvaro Nascimento, Antonio Campos, Bolão e Pascoal. Dois dirigentes, dois ex-jogadores e um jornalista. Nenhum torcedor!
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Fonte: Revista da Semana 30 de Janeiro de 1926.
[2]Fernando da Costa Ferreira, dissertação de mestrado intitulada – O bairro Vasco da Gama : um novo bairro, uma nova identidade ? – defendida e aprovada em 26/08/2004 no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense.
[3] A empresa responsável pelas obras de São Januário foi a construtora Cristiani & Nielsen. Esta realizaria outras obras importantes na cidade, como o próprio Jockey Clube Brasileiro na Gávea e o Estádio do Maracanã. Cf. MALHANO, 2002.

Vasco Revista O Malho 1926

Vasco Revista O Malho 1926

sábado, 27 de agosto de 2016

FORÇA JOVEM, TOV, RENOVASCÃO, VASPANEMA 1981: TORCIDAS ORGANIZADAS COLOCAM FAIXAS NOS JOGADORES

No dia 04 de Outubro de 1981, as Torcidas Organizadas colocaram as faixas nos jogadores do Vasco, Campeão Invicto do 2º Turno, em São Januário no jogo Vasco 3 x 0 Serrano, válido pelo 3º Turno do Campeonato Carioca de do Futebol de 1981.” Revelou Sérgio Zagnoli fundador da Torcida Vaspanema.
Na foto do acervo de Poncinho: 1 - Vaspanema (Regina), 2 - Vasconçalo, 3 - TOV (Paulo de Castro), 4 - Motivascão, 5 - Renovascão, 6 - Força Jovem (Sueli Araujo), 7 - Feminina Camisa 12, 8 - Feminina Camisa 12 (Iara Vargas), 9 - x, 10 - x, 11 - Motivascão, 12 - Vasco Real (Diamantino), 13 - Vascocota (Kátia), 14 - Furacão da Colina, 15 - Vasconjunto, 16 - Vasguaçu, 17 - Vasconjunto, 18 - Força Jovem (Ely Mendes), 19 - TOV (Amâncio César), 20 - Pequenos Vascaínos (Laerte), 21 - Pequenos Vascaínos (Zeca), 22 - Vaspanema (Solange), 23 - Vasbicão, 24 - Vasbicão, 25 - Vasco Raça, 26 - Vasco Raça, 27 - Vascoelho (Eduardo), 28 - Renovascão (Dulce Rosalina), 29 - x

Torcidas Organizadas do Vasco São Januário 1981


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1925 VOLTAM AS BOAS RENDAS

“A torcida do Vasco incontestavelmente a maior que o Rio possui”
                  Jornal A Noite

1925                  Voltam as boas rendas

O Vasco da Gama ingressa na AMEA em 1925 após o convite dos próprios dirigentes desta entidade carioca de futebol preocupados ao constatarem que, comparando os campeonatos de 1924 da AMEA e o da LMDT, a renda dos jogos da LMTD em 1924 foi maior (com a presença da torcida do Vasco) que a renda dos jogos da AMEA. 
O comparecimento em peso da torcida vascaína nos jogos alertou os clubes tradicionais da AMEA, que estavam ameaçados pelo interesse crescente do público nos jogos mais emocionantes na liga que reunia os melhores jogadores. Assim, “de nada adiantaria a AMEA o apoio oficial da CBD, se o público nos estádios era bem inferior àquele que assistia aos jogos da LMTD. Se a curto prazo, a AMEA parece vitoriosa, nota-se que o profissionalismo e a profissionalização do futebol ocorreram de forma irreversível” (CALDAS,1990,p.88). Seria imprescindível para o sucesso do campeonato do ano de 1925 a inclusão do Vasco para a garantia do crescimento da nova liga.
Os números apresentados pelo pesquisador João Casquinha comparando os campeonatos da AMEA de 1924 e 1925, revelam um aumento impressionante na arrecadação de todos os clubes e a volta dos estádios cheios, especialmente nos jogos em que o Vasco participava. Mesmo sem ser o campeão da temporada, o Vasco foi o clube que levou o maior número de torcedores aos estádios. As rendas dos jogos do Vasco representavam metade das rendas de todos os outros jogos dos outros clubes.
No entanto, a aceitação do clube é feita com a condição de que o Vasco não poderia “jogar em casa” (no campo da rua Moraes e Silva[1]) e a agremiação teria que construir um estádio condizente com o nível dos clubes da AMEA, sendo este um dos argumentos para a exclusão do clube do campeonato de 1924 da AMEA, em vez de reconhecer que os motivos principais estavam no racismo e na preocupação elitista dos dirigentes “parecendo, esta, mais uma das estratégias ad hoc para impedir a participação do Vasco no campeonato de 1924” (SILVA e VOTRE, 2006, p.50). Para Mario Filho (2003, p.79) isto fez com que a comunidade lusitana se enchesse de brios diante do argumento de que o Vasco não era clube a altura dos demais por não possuir um estádio em condições de representar clubes da primeira divisão do principal campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro. Foi então que “do campinho da rua Moraes e Silva, o Vasco deu um salto para São Januário (...) hoje o Maracanã não deixa ver direito o esforço gigantesco”.
            No primeiro clássico do Vasco no campo esportivo das Laranjeiras (o maior estádio da época), o grande público novamente estava de volta com o reconhecimento da imprensa nos dias seguintes do acerto dos dirigentes da AMEA em aceitar o Vasco e sua torcida no seu campeonato. Um recorde de renda foi registrado e as inúmeras fotografias dos diferentes locais da praça esportiva demonstram o que todos sabiam: a torcida do Vasco era a maior torcida do futebol carioca. Sua presença era imprescindível para o sucesso econômico de qualquer campeonato. “O grandioso Stadium da Rua Guanabara foi ocupado, ontem por uma assistência talvez superior a do memorável encontro que se efetuou entre Vasco x Flamengo, no mesmo local, quando ambos competiram ainda sob a direção da Liga Metropolitana. A torcida do Vasco, incontestavelmente é a maior que o Rio possui, não deixa um único lugar desocupado”[2].
            O entusiasmo da torcida do Vasco só era comparável com o sucesso do time do Paulistano que voltava ao Brasil depois de dois meses numa excursão vitoriosa à Europa. Na volta ao país, o clube paulista é recebido de forma surpeendente pelos cariocas, “os jogadores são levados por um cortejo de carros que percorre a Avenida Rio Branco. Nas janelas, lenços e bandeiras brasileiras são desfraldadas. Nas calçadas e ruas, palmas gritos e hurras se misturam com o buzinaço de carros” (Duarte, 2012, p.171). A festa se prolonga até o Palácio do Catete, onde o presidente da República, Arthur Bernardes, recebe os atletas.
            Fazendo ótima campanha em todo o campeonato carioca o Vasco conseguia aumentar o número de sócios e torcedores. Em qualquer estádio da cidade as rendas eram sempre altas quando os “Camisas Negras” estavam em campo. Tanto em General Severiano, nas Laranjeiras, na rua Payssandu ou no estádio do Andaray, a presença maciça dos vascaínos intimidava os adversários e fazia aumentar a identidade vascaína. Mas faltava o proprio estádio para que este orgulho fosse concretizado. Durante todo o ano a cobrança feita pelos outros clubes para que o Vasco demonstrasse sua grandeza com a construção de um estádio causou enorme interesse em cumprir aquela exigência e dirimir qualquer dúvida sobre a pujança do clube.
            Além disso era preciso reagir às provocações das torcidas rivais que perturbavam os jogadores vascaínos, como o goleiro Nelson Conceição, uma das maiores vítimas do racismo naqueles anos. Em algumas ocasiões para derrotar o Vasco, as torcidas da zona sul tinham um papel fundamental se posicionando atrás do gol e fazendo uma guerra de nervos com o goleiro rival. Valia usar expedientes que eram pouco recomendados para a época, onde o palavrão era um recurso vedado de ser pronunciado nas arquibancadas repletas de boas famílias e ao lado de moças tão recatadas. Daí se posicionarem neste local estratégico do campo. Mario Filho (2003, p.140-141) relata como os sócios de Flamengo e Fluminense aproveitavam os privilégios de ficaram atrás do gol vascaíno em seus estádios nos dois tempos, impedindo os vascaínos de protegeram o seu goleiro: “com a torcida do Fluminense atrás do gol azucrinando-lhe os ouvidos” ou em jogos no estádio do Flamengo onde seus torcedores “atiravam pedrinhas nas costas de Nelson Conceição na hora que ele ia fazer uma defesa”.
Nestes estádios acanhados, as rivalidades entre os torcedores invariavelmente terminavam em brigas. Naquela época as bengalas eram muito utilizadas como instrumentos de ataque e defesa nas pancadarias entre as torcidas. Mas a partir do final do ano a polícia tinha ordens de impedir a entrada do público portando suas bengalas.
      O que não queria acabar no futebol carioca era o preconceito racial. Uma prova da continuação do racismo foi a escolha da seleção carioca para disputar o campeonato brasileiro de seleções, com o predomínio absoluto de jogadores brancos de Flamengo e Fluminense, irritando os torcedores rivais que apelidaram aquele time de seleção “Fla-flu”.
            Entretanto, em todo o ano de 1925 crescia o número de pessoas que se associavam ao Vasco e davam demonstrações de querer ajudar a agremiação a ser a mais importante da cidade. No início do ano seguinte o clube iniciaria uma campanha pelos jornais para reunir 10 mil sócios que manteriam todas as despesas necessária para uma obra inédita de mutirão de torcedores em prol  de criação de uma praça esportiva de grandes dimensões sem o apoio do Estado.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] O Vasco quando teve o mando de campo disputou suas partida no campo do Andaraí, que depois se transformou no estádio do América Futebol Clube e atualmente se tornou o Shopping Iguatemi.
[2] Fonte: Jornal A Noite 18 de Maio de 1925.

Vasco Revista O Malho 1925

Vasco Revista Careta 1925


domingo, 21 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1924 RESPOSTA HISTÓRICA

         “É Clube mais brasileiro de todos a começar por sua formação, a mesma do Brasil" 
                  Sergio Cabral, jornalista   

1924                        Resposta Histórica

O time do Vasco campeão em 1923 provocou uma mudança significativa no comportamento dos torcedores nos próximos anos. As rivalidades se acentuaram, as tensões latentes na sociedade se afloraram, revelando que o desemprego e a presença dos imigrantes (que chegavam em massa neste período[1]), acirravam os ânimos.
A importância do futebol como fonte de identidade através da integração e solidariedade coletiva para os imigrantes, é explicada pelo historiador Nicolau Sevcenko (1994, p. 35) em função de que estes indivíduos “se vêem atraídos, dragados para a paixão futebolística que irmana estranhos e os faz comungarem ideais, objetos e sonhos, consolidando gigantescas famílias vestindo as mesmas cores”.
Se o futebol contribui para agregar os estranhos, por um lado, por outro, separa uma mesma comunidade em divisões imaginárias. O “novo público” apaixonado se transformava nos estádios para cobrar dos seus jogadores todo o empenho para não deixar o Vasco vencer: “antes do Vasco, a torcida era toda respeito (...) Um jogador enterrando o time e a torcida pedindo a deus para que ele saísse de campo, não querendo, porém ofendê-lo de jeito nenhum. Havia uma maneira delicada de avisar o clube que o jogador precisava ser substituído, para evitar a derrota, de pedir que cedesse o lugar ao outro. Era olha o telefone! (...) nada de insultos (...) se um jogador estava jogando mal tinha de sair logo, o mais depressa possível, senão o Vasco acabava ganhando o jogo. Os jogadores começaram a ouvir gritos, descomposturas, o torcedor se justificando que pagara a entrada” (Mario Filho, 2003, p. 140).
A trama dos clubes tradicionais do futebol carioca para manter o esporte como uma atividade exclusiva da elite já vinha sendo articulada desde o final de 1923, mas só foi concretizada em 1° de março de 1924 com a criação da AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Athléticos), com o falso argumento de defesa do amadorismo. No entanto, o que estava em disputa, era defender idéias racistas e elitistas “não era uma nova época que surgia, era a velha época que voltava, o bom tempo do branco superior ao negro” (Mario Filho, p.129).
Chegou a ter o convite para o Vasco ingressar na AMEA, mas a comissão de sindicância formada estava disposta a eliminar a maioria dos jogadores que venceu o campeonato de 1923, muitos negros e todos pobres. Um dos membros da comissão era o jornalista do Correio da Manhã, Diocesano Ferreira Gomes, o “Dão” do Flamengo. Este e outros membros da referida comissão estavam imbuídos de barrar um processo de popularização do futebol que vinha ocorrendo desde meados dos anos 1910, mas que encontrava forte resistência de penetração nos principais clubes.
Os grandes clubes se sentiram intimidados com a ascensão surpreendente do time do Vasco e de perfil sócio-econômico de seus jogadores. Por isso eles criaram a AMEA, para esfacelar o time e diminuir o clube: “o Vasco cresceu demais em um ano. Daqui a pouco teria o seu campo, o seu estádio, aí ninguém poderia mais com ele” (Mario Filho, p.130).
Eles não aceitavam a ideia de ver um campeão com jogadores negros, mulatos, pobres, analfabetos e operários. Caso quisesse continuar a disputar o campeonato carioca, o Vasco teria que eliminar doze jogadores (7 do 1º Quadro e 5 do 2º Quadro), justamente esses jogadores que ganharam de forma brilhante o campeonato do ano anterior. O Presidente do Vasco, José Augusto Prestes, não aceitou e envia uma carta a AMEA pedindo a desfiliação.
A famosa carta vira um documento histórico do clube e marca registrada do empenho da agremiação em não apoiar segregações. Um trecho diz claramente a posição assumida em defesa de seus atletas: “Quanto a condição de eliminarmos doze jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama, não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos con-sócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa. Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se a AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923”.
Assim, o Vasco se rebela e vai participar do campeonato organizado pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), e os clubes da elite pela competição organizada pela AMEA. Está feita a cisão no futebol carioca: “os grandes apostavam que não precisavam do Vasco. Por seu turno, o Vasco acreditava que não precisava dos grandes para sobreviver” (Casquinha, 2010, p.333).
Participaram do campeonato da LTDM, os clubes que disputaram a Série A da LTDM: Vasco, Villa Isabel, Carioca, Palmeiras, River, Andarahy, Mackenzie e Mangueira, mais os Clubes que disputaram a Série B e C. 
No final do campeonato os campeões de cada Série fariam um triangular e definiriam o Campeão Carioca. Os clubes que disputaram o campeonato da AMEA em 1924 eram: Flamengo, Fluminense, Botafogo, América, Bangu, São Cristóvão, Hellênico e S. C. Brasil. Nesse ano foram declarados dois clubes como campeão carioca, o Vasco, campeão invicto pela (LMDT) e Fluminense pela (AMEA).
 Pequenas multidões pagavam ingressos para assistir os jogos do Vasco, os clubes da LMDT arrecadando mais com as rendas e com o aumento das atividades nos clubes (festas, eventos, bailes de carnaval). O dinheiro entrava com toda força neste campeonato, enquanto na AMEA os jogos eram disputados com os mesmos números ou até menores. No entanto, havia uma clara discriminação entre alguns setores da imprensa que menosprezavam a LMDT e privilegiavam os jogos da AMEA: “as atenções dos jornais não eram para os jogos da LMTD. Os jornais davam muito mais ênfase aos jogos da AMEA” (Casquinha, op.cit, p.335).
Em comparação com o campeonato de 1923, a competição deste ano não conseguiu jogos que reunissem grandes públicos entre os clubes mais ricos. O jogo de maior assistência foi entre Flamengo e Fluminense nas Laranjeiras com a presença de 11 mil torcedores. “Longe dos 20, 25, 30 e até 35 mil como afirmavam os mais exagerados, dos jogos do Vasco na série A. Esse era o preço que os grandes pagavam pelo afastamento do Vasco de seu convívio” (Casquinha, op. cit. p.336).
            Embora o clube da Cruz de Malta não tivesse o destaque da maior parte da imprensa, como no ano anterior, parte do jornalismo esportivo continuou apresentando reportagens sobre as atividades do Vasco, tanto do time que conseguia manter (mesmo nas pequenas praças esportivas) a presença de grandes públicos, como nas atividades sociais que reuniam os seus sócios em momentos de lazer e confraternização. “Para se ter uma ideia da afluência do público aos jogos do Vasco sempre se menciona o ‘grande público’ ou que ‘as dependências estavam completamente tomadas’. E assim é durante todo o campeonato de 1924. Mas a própria crônica esportiva começa a entender a importância econômica do Vasco e, como os outros times também não demorariam a perceber, a convidar o Vasco a fazer parte da elite do futebol carioca” (Casquinha, p. 340).
 Um exemplo da importância do clube junto a grande imprensa foi o realce para a festa que comemorou os 26 anos do clube, realizado pelas revistas “Careta” e “Fon Fon”. Da mesma forma alguns jornais se renderam ao empenho e fidelidade dos torcedores em acompanhar o clube e destacavam a brilhante campanha do Vasco na sua liga. Grandes reportagens, inúmeras fotos de estádios lotados, dão a dimensão exata da força do clube e de sua torcida que pareciam ter passado incólume diante dos outros grandes.
            Assim foi até o fim do ano. Em qualquer evento que o Vasco participasse, a grande imprensa fazia a cobertura. É o caso da “Revista da Semana” e “O Malho”, dois importantes periódicos, que registraram (no fim de novembro) a conquista do título de 1924 pelos vascaínos.
No mesmo ano o clube carioca recebia o clube mais popular de São Paulo, o Palestra Itália, que havia abandonado o campeonato no meio da competição em função de um desentendimento com a federação local. Dois rebeldes em campo travam um encontro no Rio de Janeiro e, apesar de ser um simples amistoso, novamente uma multidão lotou o estádio do Andaray. A força destes dois clubes e de suas respectivas torcidas era um fato inegável. No ano seguinte os campeonatos regionais seriam novamente fortalecidos com a volta em grande estilo destes clubes que moviam entusiasticamente as maiores torcidas do país.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Entre 1890 e 1930 chegaram cerca de 3 milhões de imigrantes ao Brasil (OLIVEIRA, 2001, p.24).

Vasco Revista O Malho 1924

Vasco Revista Fon Fon 1924

domingo, 14 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1923 O TIME DO POVO

“Na Lapa em frente a tradicional Capela os comentários manifestações tiveram aparência de comício”
José da Silva Rocha – historiador do Vasco


1923                        O Time do Povo

                  Durante seis anos o Vasco disputou campeonatos de futebol fora da primeira divisão. Bastou o clube ingressar na divisão principal (1923) com um time forte e entrosado, para que sua a torcida (já grande e respeitada) fosse  alavancada como a maior da cidade. “O Vasco expandia-se a ponto imprevisível. O início do exercício de 1923 coincidiu o registro de verdadeira avalanche de proposta para sócios” (Rocha, 1975, p.333). A partir daí a torcida vascaína passou a ser adotada por inúmeros cariocas sem clube ou que mudavam de time. Dessa massa de torcedores que assumia uma nova identidade, era evidente que uma parcela expressiva tinha origem na comunidade portuguesa[1] que projetou no time guerreiro o seu representante no esporte: “Quanto mais o Vasco vencia, mas os campos se enchiam. Até o estádio do Fluminense ficou pequeno. Gente que nunca tinha assistido a uma partida de futebol deu para comprar a sua arquibancada. Tudo português, o português se julgando obrigado a ir onde o Vasco ia” (Mario Filho, 1994, p.121).
            Durante muito tempo era esta a imagem que alguns queriam passar da torcida do Vasco. O próprio Mario Filho que não era uma pessoa que defendia preconceitos e procurava ser imparcial, nesta parte do livro também reproduz o preconceito dos sócios dos grandes clubes ao caracterizar e reduzir a torcida do Vasco como a “torcida dos portugueses”. Era a maneira como os clubes da zona sul, formados por brancos, elitistas e racistas, encontravam para descaracterizar o seu rival. Seria mais fácil identificar um confronto entre Brasil e Portugal, metrópole e colônia, que assumir preconceitos raciais e sociais dos clubes grandes, vencedores de todas as competições até 1922. Para o geógrafo Fernando Ferreira, a discriminação sofrida pelos jogadores e torcedores do Vasco tinha várias origens: “campanha empreendida contra o Vasco da Gama possuía um caráter muito mais amplo do que se costuma divulgar, sendo possuidora de um cunho racista, elitista e xenófobo, representado pela perseguição à “maldita” tríade preto – pobre – português” (FERREIRA, 2004, p.45).
A paixão pelo futebol ocorre através de um processo social complexo e multifacetado, conseguindo ultrapassar barreiras sociais, econômicas, geográficas e culturais. Através dos torcedores, entre outros atores sociais, é claro, o futebol brasileiro estava mudando o sentido inicial (elitista e excludente) para um domínio mais popular e democrático. Não que esse processo tivesse um caminho sem embates e disputas. A apropriação das camadas populares pelo futebol nem sempre foi aceita de forma tranquila e transparente.
O advento na primeira divisão em 1923 do Vasco da Gama como um novo forte rival no futebol carioca, fez com que junto das três maiores torcidas (Flamengo, Fluminense e Botafogo), fosse incluída a torcida vascaína que ganharia torcedores em todas as classes sociais e de diferentes origens.
È claro que a presença maciça de portugueses que se tornaram vascaínos foi algo incontestável. Mas não é só isso, com ressaltamos anteriormente. Até a passagem do Vasco para a primeira divisão, a torcida americana era a que tinha mais torcedores portugueses. É o que constatam os historiadores do clube: “perdemos, então, a preferência maciça que gozávamos entre nossos irmãos lusitanos. Até essa data, o América – sem ser propriamente o clube da colônia, como veio a ser, em seguida, o grêmio cruzmaltino – era aquele que contava com maior número de portugueses em sua torcida” (CUNHA e VALLE, p.140).
Entretanto, o Vasco desbancaria o América na própria Zona Norte, onde ambos estavam localizados, mas atraindo torcedores de outras origens. Clube formado por brancos, o América, se parecia com os clubes grandes da zona sul, porém sua localização na outra zona reunindo torcedores de bairros próximos da Tijuca, tinha como preocupação principal querer se diferenciar dos clubes mais pobres. Daí reunir as famílias de classe média do bairro, marcando seu perfil.
            Seguimos a linha de raciocínio de José da Silva Rocha (1975) que aponta para a diferença de classe com a maior responsável pela rivalidade entre os clubes: “ a massa de novos espectadores embora ‘a rigor’ demonstrava sua origem trabalhista. A verdade é que houve certos choques com essa invasão. Quase  ‘desagradável’ para poucos não apaixonados dos clubes tradicionais” (p.333)
Embora a rivalidade entre Vasco e Flamengo tenha suas origens no remo desde o final do século XIX, o certo é que somente quando o Vasco entrou para a elite do futebol carioca em 1923, que o confronto ganharia contornos épicos jamais vistos nas regatas, ainda que o remo mobilizasse fortes paixões.
Formando grupos de torcedores das camadas populares em prol do time e do clube, a torcida vascaína ia se distinguindo das torcidas rivais e implantando um novo modo de torcer, mais apaixonado e entusiasmado, capaz de criar grandes bandeiras e outros instrumentos de adesão ao clube. Não é a toa que o jornal Correio da Manhã registrava em 22 de abril de 1923 a força de nossa claque: “a torcida vascaína, que é por sinal a mais incomodativa de quantas temos visto, explode no diapasão de um ‘Vaaaaasco’ formidável” (MALAIA, 2012, p.77). Esta foi a reação da torcida vascaína diante da vitória sobre o Botafogo em pleno estádio de General Severiano. O próximo jogo era contra o Flamengo no campo do adversário. Outra vez estádio lotado: “os portões tiveram de encerrar-se muito antes do início do jogo principal” com a vitória do Vasco por 3 a 1, “legiões de partidários do clube vencedor encheram de cânticos e vivas todo o bairro de Laranjeiras. E na Lapa em frente a tradicional Capela os comentários e manifestações tiveram aparência de comício” (Rocha[2], p.336).
O próximo jogo seria com o atual campeão carioca (América) em seu estádio recém-reformado (Campos Sales). “Ainda que aumentadas as dependências para o público registram as crônicas, e podemos atestas de ciência própria porque estávamos presentes a memorável peleja, o estadinho ficou superlotado. Não sobrou um lugar. Muitos espectadores pagaram ingresso e não lograram ver o desenrolar da partida” (p. 336).
Em seguida veio o Fluminense no mais moderno estádio do país e local da competição do Sul-Americano de 1919 e 1922. Recebeu “uma assistência igual senão superior aos principais jogos do certame internacional” (p.337).
Encerrando a campanha vitoriosa no primeiro turno o Vasco disputa com o São Cristóvão no seu pequeno estádio em Figueira de Mello, revelando “toda assistência que ainda uma vez concorreu a dar prova da incapacidade dos campos cariocas para acolher o novo público de football da cidade” (p.339)
Desbancando todos os seus adversários em sua estréia na competição principal, o Vasco que já havia vencido o Flamengo no primeiro turno, continuava invicto no segundo turno, até enfrentar o Flamengo novamente no estádio das Laranjeiras que ficou lotado: “encheu o estádio do Fluminense, que nem enchera completamente no Sul-Americano de 22 e que se pensava que nunca iria encher completamente. Em 23 o estádio do Fluminense era um Maracanã, sem exagero (...) dava gosto olhar para as gerais apinhadas, para as arquibancadas que desciam até a pista cercadas de grades de ferro, para as sociais estourando”. (Mario Filho, 1994, p.41). Outra descrição desta partida confirma o recorde de público com lotação máxima ou superlotação: “maior assistência até então registrada em jogos locais. Gente nas arquibancadas, nas gerais e depois dentro do campo formando uma completa arca humana” (Rocha, 1975, p.344).
Nenhum outro clássico até então tinha despertado tanto interesse dos torcedores como aquele jogo naquele dia[3]. O estádio do Fluminense, o maior do Brasil, só tinha recebido um público semelhante na final do campeonato Sul-americano em 1919, quando a cidade “vestiu” um nacionalismo, através do futebol, sem precedentes. A explicação para tamanho envolvimento emocional não cabe em apenas um motivo. Havia a rivalidade trazida do remo, o antilusitanismo, o racismo, a invencibilidade do Vasco etc.. Entretanto, afirmou o teórico Anatol Rosenfeld (1974, p.79), os mesmos motivos de Mario Filho, com pitadas de racismo para aflorarem nesta rivalidade: “... o Vasco da Gama, como instituição de elementos portugueses, tornou-se representante desse numeroso grupo. Os encarniçados choques da torcida de um clube que se afirmava puramente brasileiro, como o Flamengo, com a torcida do Vasco, refletiam claramente, na esfera do jogo, o ressentimento inconsciente do antigo povo colonial contra a hoje rica colônia portuguesa - ressentimento aprofundado pelo fato de que o Vasco, seguindo a postura tipicamente portuguesa de democracia racial, foi um dos primeiros clubes que, ainda na época do amadorismo, reforçou seu time com elementos de cor, ao passo que o Flamengo adotava, naquela época, uma política estritamente ‘branca’, o Vasco tornou-se uma verdadeira potência, não só os portugueses mobilizaram-se em torno dele com incrível paixão, mas também os homens  de cor, que, através de sua participação num “clube europeu” como que sentiam mais brancos”.
Em uma grande reportagem da época, o Jornal das Moças mostra todo o significado da vitória vascaína sem cair no reducionismo de que o Vasco era um time “português”. A amplitude de sua vitória transcendia a este esfera embora esta identidade fosse algo visto com muito orgulho pelos vascaínos que preferiam serem vistos como pertencentes a um clube brasileiro que estava inaugurando uma nova fase no futebol: “UM FEITO NUNCA D’ANTES VERIFICADO NO FOOTBALL CARIOCA. O glorioso e veterano Club de Regatas Vasco da Gama pela sua força de vontade, valor indiscutível de seu conjunto e disciplina, acaba de ser com justiça aclamado Campeão Carioca de 1923. Essa vitória brilhante conquistada de maneira jamais verificada no futebol brasileiro, foi fruto dos esforços e dedicação de uma pleidade de rapazes, que, embora jovens nas lutas do associados, compreendem o que venha a ser treino e disciplina no esporte. Vitimas de injustas e estúpidas agressões por parte de elementos invejosos, o Vasco da Gama ascendeu a série principal da Liga Metropolitana de Despostos Terrestres e entrou este ano na Liga disposto a vencer. Mediu-se com os mais afamados conjuntos já veteranos e laureados, e a todos abateu de uma forma esmagadora evidenciando sempre a sua fortaleza e resistências aliadas a vontade e desejo de triunfar.(...) Estupenda foi a sua trajetória dos embates oficiais do campeonato que hoje lhe pertence. Um outro, porém enche de júbilo os vascaínos e da mais valor ao triunfo da falange da Cruz de Malta, é o de haver sido este o primeiro ano que o onze vascaíno disputou o campeonato. Pode-se pois, com isso dizer que o Vasco, chegou viu e venceu. Estreante, mas preparado, não se intimidou-se e levou de vencida os que reputavam difícil o seu triunfo, pela razão única de nunca se ter visto façanha igual no futebol carioca. Mas o Vasco da Gama, já habituado a conseguir o que só tem conseguido no esporte, desmentiu a previsão e reproduziu o seu feito de 1905 no mar, quando correndo pela primeira vez no Campeonato de Remo, levantou-o de modo assombroso com a sua esguia e legendária Yole Procellaria. Esse feito, pois, que espantou a todos. Não representa novidade para o querido e glorioso club da Cruz de Malta. O Jornal das Moças querendo também render uma justa homenagem ao possante grêmio dos heróis da temporada esportiva carioca, ora finda, dá hoje em sua pagina dupla sem virar outro interesse que não seja o de coroar os esforços dos onzes valentes e insuperáveis footballers do Vasco da Gama uma bela photografia dos mesmos. Salve campeões da vontade e lealdade!Um hurrah! Ao Club de Regatas Vasco da Gama”[4].
            Uma versão dominante desta partida contada pelo torcedores do Flamengo destaca a atuação dos remadores do clube que foram dispostos a intimidar os torcedores do Vasco e conseguiram. Achamos improvável que tal fato tenha ocorrido a não ser em lugares isolados pois a torcida vascaína tinha todas as condições de reagir até por experiencia própria nos campeonatos dos anos anteriores. O que aconteceu foi a lenda da “valentia” dos rubro-negros. Algo improvável. Eis a descrição dos conflitos segundo Mario Filho: “Os remadores segurando as pás de remo, ainda se contendo, a ordem era só meter pá de remo na cabeça de português depois que o jogo começasse (...) estava na frente do Campeonato, sem uma derrota. Tinha que perder, pelo menos uma vez de qualquer maneira. O Flamengo não se prepara durante a semana para outra coisa. Treinando todo dia, dormindo cedo, pondo a garage em pé de guerra. Também quando o jogo começa o Flamengo tomou conta do campo, da arquibancada, da geral, de tudo. Flamengo um a zero, pás de remo embrulhadas em Jornal do Brasil batendo nas cabeças dos vascaínos, Flamengo dois a zero e novamente as pás de remo subindo e descendo. Quem era Vasco não tinha direito de abrir a boca.... O Flamengo deixara de ser um Clube, um time, era todos os Clubes, todos os times, o futebol brasileiro branquinho, de boa família. Tudo estava naqueles dois a zero, os pretos não tinham nem dado para a saída...Foi começar o segundo tempo, gol do Vasco. E os vascaínos sem poder gritar gol. Um gritozinho, uma pá de remo na cabeça, Só se gritava Flamengo, o Flamengo acabou marcando mais um gol....” O jogo chegou a ficar três a dois para o Flamengo e um gol suspeito não foi validado para o Vasco: “Ai os vascaínos da geral, da arquibancada, não quiseram saber de mais nada, de pá de remo na cabeça, fosse o que fosse. Sururus explodiam, aqui e ali, como pipocas. Soldados corriam de sabre desembainhando, de um lado para o outro, a cavalaria invadiu o campo. Não adiantava brigar, o Flamengo tinha de vencer custasse o que custasse. Depois do jogo dava pena olhar para o campo do Fluminense. O povo tinha quebrado as grades de ferro, a cavalaria tinha esburacado o gramado todo...” O Vasco também fez sua represaria: “ A Sede do Flamengo apareceu pichada, de cima para baixo. Coisa de torcedores exaltados. Qual era o Clube que não tinha torcedores exaltados” (...) O futebol, um “turbilhão das emoções violentas”, unia a elite do Rio de Janeiro contra o time dos portugueses, o time do povo do Rio de Janeiro. A derrota do Vasco por 3 x 2 foi a vitória da elite, dos incluídos, cujos Clubes comemoraram a vitória, muito mais do que fosse um campeonato. Era necessário derrubar o time dos “pretos”, expressão de Mário Filho, colocá-los no seu devido lugar e mostrar que futebol para gente importante. Numa das partes do livro, ele dá uma idéia do que houve depois do jogo. “Foi um carnaval. Mais de cem automóveis desfilaram pela cidade seguindo o itinerário da Praia do Flamengo, Glória, Largo da Lapa, para jogar bombas na Capela, Av. Mem de Sá, Rua Evaristo da Veiga, Av. Rio Branco, Rua Larga, Praça da República, Rua Visconde de Itaúna e Praça Onze, assim como para jogar bombas na Cervejaria Vitória, onde os Vascaínos gostavam de festejar seus triunfos. A Cervejaria Vitória na Praça Onze, teve de fechar as pressas. As cabeças de negro, mosteiros, batiam nas portas de aço ricocheteando (....) O Cortejo continuou, durante toda a noite, o Flamengo festejou a vitória. E quando se ia desfazer o cortejo, alta madrugada, pendurou-se o tamanco de dois metros e meio na porta da Sede do Vasco, em Santa Luzia. Achou-se pouco. Comprou-se uma enorme coroa funerária no Mercado das Flores. A coroa ficou ao lado do tamanco, E, como se isso não bastasse, enfeitou-se a estátua de Pedro Álvares Cabral de tamancos e resteas de cebola” (Mario Filho, 2003, p.125-126).
            Diferentemente de 1921 quando a seleção brasileira enviou uma delegação sem nenhum jogador negro a pedido do presidente da República, Epitacio Pessoa, neste ano o goleiro da seleçao era o arqueiro campeão pelo Vasco, Nelson Conceição que fazia a sua estreia e seria o primeiro jogador negro do Vasco na seleção brasileira junto de outros tres jogadores vascaínos (Bolão, Torterolli e Paschoal) que também participaram da seleção carioca pelo campeonato nacional brasileiro. Competição que envolvia a seleção de cada estado com a final no Rio de Janeiro.
Porém, nos bastidores os dirigentes dos grandes clubes já tramavam desde o final de 1923 novas regras para um clube pertencer a elite do futebol carioca e, talvez, criar uma nova liga de futebol.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Segundo o censo de 1920, a população total da capital federal chegava a 1.157.873 habitantes, dos quais 172.338 portugueses, ou seja, 14,88% do total. Fonte: IBGE.
[2] Todas as próximas citações serão do livro de ROCHA, José da Silva. Club de Regatas Vasco da Gama: Histórico (1898-1923). Rio de Janeiro: Ed. Gráfica Olímpica, 1975.
[3] Logo após a vitória do Flamengo sobre o Vasco em 1923, mais de 100 automóveis desfilavam pela cidade em um autêntico desfile de carnaval. O objetivo era percorrer ruas e bares freqüentados por torcedores do Vasco para jogarem bombas (FILHO, 1994, p. 42).
[4] Fonte: Jornal das Moças 23 de Agosto de 1923.

Vasco Revista O Malho 1923

Vasco Revista O Malho 1923


quarta-feira, 10 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1922 TIRO, BOMBAS E POLÍCIA ENTRE AS TORCIDAS

 “A cada grande vitória renasce o  menino que agita o pendão cruz-maltino".
Aldir Blanc – músico

1922        Tiros, Bombas e Polícia entre as Torcidas

            De abril a agosto deste ano os vascaínos acompanharam com imenso fervor o seu time que agora tinha seu próprio estádio. Porém, o clube teve que fazer uma série de melhorias para o campo ser aprovado: teve que erguer a arquibancada de madeira com 2 metros de largura, consultório médico, enfermaria e banheiros. Enquanto o campo não ficava pronto, o Vasco alugou junto ao Botafogo o estádio de General Severiano para realizar seus jogos.
            Contratando jogadores para reforçar o elenco, o Vasco era apontado como um dos favoritos da série B mas o teria que superar o seu principal opositor: o Vila Isabel. Os dois clubes lideraram o campeonato e travaram uma disputa emocionante rodada a rodada. No primeiro encontra terminou com a vitória do Vila Isabel (1 a 0) que venceu no seu estádio no campo do Jardim Zoológico. Neste momento surgiu uma campanha entre dirigentes e associados vascaínos para o clube contratar um técnico, como os clubes principais da primeira divisão, que adotasse métodos de preparo físico e sistema tático. Surgiu o nome de Ramom Platero, treiador do Flamengo, mas sem contrato. Feito os entendimentos, o técnico recebeu uma nova proposta do Flamengo e teve que optar entre o Vasco e o Flamengo. Sua opção foi uma resposta surpreendente para a época, pois ele escolheu o Vasco com salário de um conto por mês.
            O primeiro treinador vascaíno faria uma revolução no estádio de Moraes e Silva que estava ainda terminando suas obras. Em 15 dias dezenas de camas e colchões seriam instaladas além de material de cozinha. Começam os treinamentos de manhã antes do sol raiar pelas ruas do bairro: “a massa operária e comerciária que demandava a cidade para seus empregos manhã cedo observava aquele grupo de atletas num espetáculo inédito. Todos comentavam e apreciavam o esforço do grupo” (Rocha,1875, p.316).
            A dois pontos atrás do líder Vila Isabel, os comandados de Platero deveriam ganhar todas as disputas para voltar a liderança da competição. Em 14 de maio o adversário era o Carioca no seu campo na Estrada Dona Castorina. O jogo é disputado dentro e fora do campo com “desentendimentos nas arquibancadas entre torcedores exaltados, bengaladas a riscar o ar em busca de crânios desprevenidos – continuava o hábito dos torcedores com suas bengalinhas, muitas das quais valiam como valentes trabucos...” (Rocha, op. cit. p.316).
            Em seguida uma partida no campo do Botafogo com o Mangueira, com uma vitória de virada no fim da disputa provoca imensa euforia dos vascaínos que comemoram no bar Capela, na Lapa. Apesar de continuar na vice liderança, a força da torcida se fazia cada vez mais presente para alcançar a ponta da tabela.
            A estreia do Vasco em seu proprio estádio não poderia ter melhor adversário: o Vila Isabel, maior rival e único clube a vencer o Vasco naquele ano. Numa linguagem rebuscada a imprensa destaca a história do local (antigo campo de turfe) e a presença maciça dos vascaínos: “Inaugurado seu ground a Rua Moraes e Silva, onde outrora tiveram domínio os cracks Rohallion Campo Alegre II e Ornatus, do saudoso Stud Novis, o glorioso Vasco da Gama apanhou na esplendida tarde de hontem uma formidável assistência, que encheu “au grand complet” todas as dependências do seu novo campo de lutas. Tendo sofrido razoável remodelação, este ground comquanto não esteja ainda apparelhado para as partidas da natureza que hontem ali se feriu, evidenciou, contudo, o desvelado carinho a grande vontado do que está possuída a digna e esforçada direcção do poderoso centro náutico da Rua de Santa Luzia, no louvável intuto de bem servir e impressionar agradavelmente o numeroso público adepto dos prélios de football[1]”.
            Outro relato emocionante é  de José da Silva Rocha, jornalista e ex-atleta do time ao escrever no livro de memórias do clube mais de 50 anos depois: “o pequeno estádio de Morais e Silva não comportou todos os entusiastas dispostos e desejosos de presenciar a luta. Muita gente pendurou-se nos muros. Outros nas árvores que circundavam o campo  e os quintais vizinhos. Não poucos contentaram-se em receber os informes nas calçadas da via pública”. Após o resultado: “nessa noite a torcida vascaína expandiu-se. Cortejo de automóveis percorreu a cidade e os registros dos jornais fixaram no desentendimento na rua 28 de setembro com intervenção do delegado (...) A renda ultrapassou os 4 contos”.
            O resultado a favor dos vascaínos deu a liderança do campeonato que não saiu mais desta colocação. Era o caminho do título que estava aberto. Mas o noticiário esportivo dava lugar ao policial com a briga entre os torcedores do Vasco e do Vila Isabel após o jogo: “Infelizmente a expansão que os rapazes vascaínos deram a sua alegria pelos ruidoso triunfo alcançada sobre o seu digno rival, terminou por uma nota bastante triste, e a que, pesarosos, somos forçados a nos referir. Comemorando o esplendido triunfo, alguns associados e torcedores do Club vencedor organizaram, em automóveis, uma grande passeata que seguiu em direção ao Boulevard 28 de Setembro, onde esta localizada a Sede do Villa Isabel Football Club. Ali chegando, aqueles manifestantes, sempre em grande algazarra provocada pelo intenso jubilo do que estavam possuídos, ao passarem pela frente daquela sede, foram recebidos pedradas, originando-se conseqüências muitos sérias. Mas tarde, um automóvel conduzindo associados do Vasco, em lamentável represália, atacou a tiros de revolver aquela sede, sendo ainda repelidos a pedradas. Como resultante do choque das duas correntes, houve vários feridos. Como é fácil calcular, essa triste ocorrência alarmou as famílias ali moradoras e sendo solicitada a intervenção da polícia, foram efetuadas várias prisões, com grande aparato de “viúvas alegres” á porta da Sede do Villa, que a polícia, como medida de precaução fosse fechada. Lamentável[2]”.
            Após os incidentes os diretores do Vila Isabel escrevem uma nota oficial à imprensa e comunicam que o seu clube rompia as relações com o Vasco da Gama. Na nota eles acusam o clube alvinegro de nada fazer contra os seus sócios que provocaram a desordem. Em reposta o clube acusado diz que foi aberto um inquérito e que assim que terminassem as investigações as punições aconteceriam.
            A sequência de bons resultados do Vasco dava maior confiança a sua torcida de que o título sonhado estava bem próximo. Restava apenas uma partida para a conquista ser confirmada e ela veio no campo do Andaraí com a vitória esmagadora de 5 a 0 sobre o Palmeiras. Na saída do estádio os vascaínos passaram pelo estádio do Vila Isabel e o confronto entre os torcedores foi inevitável: “UMA CENA ANTI-DESPORTIVA. Como estava anunciado, realizou-se ontem o encontro entre Vasco e Palmeiras, em que seria decidido a quem caberia o Título de Campeão da Série B, da 1ª Divisão. Verificada que foi a vitória do Vasco da Gama, alguns indivíduos, tipo de verdadeiros desocupados, postaram-se depois do jogo, a frente da Sede do Villa Isabel e começaram a atacar os automóveis em que vinham partidários do Club campeão, chegando ao ponto de arrebentarem os chapéus dos passageiros, atirando lhes tamancos e cometendo toda a sorte de desatinos. A polícia, temando conhecimento de tão degradantes fatos, compareceu ao local, pondo em debandada um numeroso grupo que ali se achava”[3].
            Em depoimento a João Antero de Carvalho para o livro Torcedores de Ontem e de Hoje (1968), o torcedor Antonio Tavares Rodrigues, um português que chegou ao Brasil em 1915 e se tornaria presidente do clube nos anos 1940, relembra como os torcedores se preparavam para as partidas em campos adversários e a possibilidade de confrontos: “quando o Vasco ainda não pertencia a primeira divisão formou o chamado “grupo do lasca  o pau”, verdadeiro “choque de força” que repelia as alcunhas de “galego” e “mondrongo”, aquele tempo assacadas amiúde contra os torcedores”. Tavares além de competir no water polo pelo  Vasco também era atleta do remo e participava das lutas nas ruas e arquibancadas. Ele relembra: “nós nos distribuíamos nas arquibancadas aos grupos e quando nos chamavam pelos apodos, aquele que estivesse mais perto ia “cobrindo” o ofensor até que outros choques chegassem ao local do desafio”.
            Outro personagem que começava a se destacar na torcida era José Paradantas, apontado pelo repórter do Jornal dos Sports, Geraldo Romualdo da Silva como o primeiro chefe de torcida no Rio de Janeiro. O líder era o responsável por fabricar uma bandeira gigante que carregava com seu grupo em qualquer lugar que o Vasco fosse.
            Mais o ano poderia ser melhor para as inúmeras comemorações que os vascaínos preparavam. Disputando com o São Cristovão, último colocado na série A, o Vasco apenas empata e, por isso,  não teve a chance de enfrentar o América, que ficou com o título de “Campeão do Centenário”. Não importava, o certo é que no próximo ano a série A contaria com a presença dos vascaínos pela primeira vez. Parte da imprensa ainda não estava acostumada com aquela novidade ou parecia não crer: “segundo nos informaram, a prova eliminatória, entre Vasco x São Cristovão, rendeu cerca de 5 contos de réis. A ser verdade, fica mais uma vez demostrado que a torcida do Vasco da Gama é um fato” [4].
            O remo daria novas alegrias aos torcedores com algumas conquistas e a comemoração em grande estilo na Ilha do Engenho com a organização de um gigantesco piquenique. O Jornal das Moças, O Malho e O Careta, assim como fizeram em 1920 dão grande destaque em suas fotos para as dezenas de torcedoras, sócios e atletas do Vasco da Gama. Para a imprensa, como clube, o Vasco era grande, restava confirmar isso no futebol. Em 1923, a prova será definitiva.
            Para fechar a temporada esportiva com chave de ouro a seleção brasileira vencia nas Laranjeiras o campeonato 5° Sul-Americano no ano que foi marcado pelas comemorações do Centenário da Independência do Brasil. A competição não contou com nenhum atleta do Vasco pois a seleção ainda era um privilégio dos clubes da elite, mas certamente a presença dos vascaínos no estádio incentivando a seleção nacional, foi algo que deu aos torcedores mais orgulho de continuar acompanhando aquele esporte que se firmava como verdadeira paixão nacional.


[1] Fonte: Jonal O Imparcial 5 de junho de 1922.
[2] Fonte: Jornal O Imparcial 05 de Junho
[3] Fonte: Jornal O Correio da Manhã 24 de Julho.
[4] Jornal O Paíz 08 de Novembro de 1922
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.

Vasco Jornal O Imparcial 1922

Vasco Jornal Careta 1922