“Vasco, o orgulho da Guanabara”
faixa da torcida
1960 Tá chegando a hora
Embora
a “Era de Ouro” (1958-1970) no futebol brasileiro tenha sido marcada pela
presença de muitos craques, os vencedores dos campeonatos cariocas em 1959 e
1960 eram formados por times sem grandes craques, sem as estrelas da seleção.
Para alguns dirigentes a “era das grandes estrelas” estava chegando ao fim, o
negócio era formar times com bons e baratos jogadores. O Botafogo não pensou
assim e manteve praticamente quase todos os seus ídolos. Já o Vasco escolheu
uma opção diferente: começava uma política de se desfazer aos poucos dos
grandes ídolos. Para os dirigentes vascaínos, vender seria um grande negócio e
o clube poderia continuar com sua trajetória de títulos. Primeiro venderam Almir
(1960) para o Corinthians, depois foi a vez de Orlando Peçanha para o Boca
Juniors (1960), em seguida seria Bellini (1961) para o São Paulo (sem esquecer
de Vavá vendido logo depois da Copa de 1958 para o Atlético de Madri).
O
mesmo destino teria o atacante vascaíno Delém. Grande destaque da seleção
brasileira nos jogos contra os argentinos.
O jogador teve ótimas exibições contra os rivais na disputa pela 9ª Copa
Roca. Ao todo ele marcou 4 gols em três jogos. O oportunismo do jogador acabou
por despertar o interesse dos clubes platinos e logo seria negociado para o
River Plate no ano seguinte.
Justamente
os anos 1960 começaram com a surpreendente conquista do América do campeonato
carioca de 1960, primeiro ano do Estado da Guanabara após a transferência da
capital do país do Rio de Janeiro para Brasília. Era um título aguardado com
muita ansiedade pela torcida rubra que não conquistava um campeonato desde
1935, ou seja, 25 anos atrás, quase na época do fim do amadorismo. Foi a
vitória de um time que não contava nem com o apoio inicial dos próprios
torcedores, descrentes com os insucessos nos anos 1950 com equipes consideradas
favoritas.
Na
final com o Fluminense, o palco foi o estádio do Maracanã que receberia naquele
dia quase 100.000 pessoas, mesmo com a transmissão ao vivo pela TV. Dividindo
as arquibancadas com o Fluminense, o América contou com a ajuda das outras
torcidas cariocas. Vascaínos, flamenguistas e botafoguenses se uniram aos
americanos e conseguiram ocupar a metade do estádio. Após a derrota, o tricolor
Nelson Rodrigues explicava como o campo esportivo foi tomado pelos torcedores:
“vejam vocês todos contra o Flu e o Flu sem ninguém. O América teve torcedor
que não conhecia a cor da camisa americana. Um desses, ao começar o match, cutucou-me sôfrego, o olho
rútilo: - Qual é o América? Qual é o América? Dei-lhe a informação. E ele
pôs-se a torcer como um alucinado. É, ele pôs a torcer como um alucinado. No
fim, o camarada lançou-se aos soluços, nos braços da pessoa mais próxima (...)
Todo o potencial afetivo de uma cidade foi aplicado num único time (...) O América
mereceu a ternura de toda uma cidade. Sujeitos que não conheciam o Maracanã,
que não sabiam se a bola era redonda ou quadrada, torciam por ele. Foi, amigos,
o América por nesse momento, o clube mais amado do Brasil” (VALLE, 2004, p.71).
De
acordo com Fernando Valle, autor de alguns livros sobre a história do América,
seu clube era o grêmio carioca que mais deixou de crescer sua torcida ao longo
dos anos 1930, 1940 e 1950. Ao contrário dos outros clubes grandes que só
aumentaram suas torcidas, o América foi ganhando o perfil de uma associação de
classe média, da região de Grande Tijuca, um grêmio amado por todos (o segundo
time do coração) mas alvo de constantes gozações. Os rivais diziam que o
América “nadava, nadava e morria na praia”. Os adversários diziam que sua
torcida cabia numa Kombi, formada por simpáticos torcedores como Lamartine Babo
e Marques Rebelo, entre outros. Lamartine foi escolhido pelo clube como
torcedor símbolo do América. No dia seguinte da conquista ele desfilou pelas
principais ruas da cidade, em carro aberto, fantasiado de diabo (símbolo do
clube), à frente de um extenso cordão de torcedores. (VALLE, 2004). O escritor
Marques Rebelo, escreveria nesta época uma belíssima crônica sobre o título
intitulada “Poema de um coração rubro”,
num trecho ele reafirma a importância da conquista como congraçamento das
torcidas: “o delírio dos assistentes americanos, vascaínos, botafoguenses,
rubro-negros, são-cristovenses, de todos enfim, pois era a efusão de uma cidade
inteira que ali se representava (...) não sei como foram meus passos depois que
a luta se encerrou, com cem mil bandeiras se agitando, bandeiras que não
traziam as três inicias do América – eram bandeiras de todos os clubes
cariocas, inclusive a do glorioso tricolor, vencido que se irmanava ao vencedor
com ternura e respeito. (VALLE, op.cit, p.140)
Para
o torcedor que freqüentava os estádios, a grande novidade na década de 1960 foi
a popularização dos pequenos rádios de pilha que se tornaram fiéis
acompanhantes dos torcedores. Nas emissoras cariocas a disputa por anunciantes
e audiência provocava uma corrida por novidades: “comentaristas de arbitragens,
pontos atrás das metas, reporteres-volantes (...) tudo aquilo que compõe hoje
(...) o rádio esportivo começou ali” (Máximo, 1996, p.52). A disputa acirrada era
entre os principais narradores: Oduvaldo Cozzi pela Mayrink Veiga, Valdir
Amaral pela Radio Globo e Jorge Curi pela Nacional que apresentava João
Saldanha estreando nos microfones.
Durante
os anos 1960 as torcidas jamais deixaram de cantar ainda mais quando a vitória
estivesse próxima ou, melhor ainda, quando o título fosse uma questão de tempo.
A música mais ouvida nesta época era “Está Chegando a Hora”[1].
O relógio se aproximando dos minutos finais e a torcida vencedora gozando a
adversária: “Ai, ai, ai ... tá chegando a hora!” Para o cronista Armando
Nogueira, é neste momento que o torcedor se vinga de uma semana de
aborrecimentos e poucas realizações. E pela catarse das massas que o futebol
vai dar sentido profundo de superação do dia a dia: “dentro dele (Maracanã), o
carioca do povo canta, no domingo, as vitórias que lá fora a vida talvez lhe
negue a semana inteira” (1973, p.168).
Ao
criar fortes vínculos afetivos, tanto a música quanto o futebol, souberam
expressar e dramatizar aspectos básicos da cultura nacional e da vida dos
torcedores: “música popular e futebol tem muitos aspectos comuns, que aproximam
os dois como elementos da cultura brasileira. Em ambos predomina a
espontaneidade, a criatividade e a improvisação e em ambos a arte subordina a
técnica. São instituições fortemente identificadas entre si” (MURAD, 1996,
p.172).
Com
a popularização do futebol, do rádio e do disco é que essa relação se
consolidou. A partir daí, Noel Rosa, Ary Barroso, Ciro Monteiro, entre outros,
se aproximavam cada vez mais do universo esportivo. Lamartine Babo, por
exemplo, além de ser um grande compositor popular, criador de inúmeras
marchinhas de sucesso, soube como ninguém realizar isto através dos novos hinos
dos clubes criados por ele, recheado de expressões populares, dos sentimentos
dos torcedores das arquibancadas. Logo, logo, junto com as marchinhas de
carnaval, as torcidas entoaram seus novos hinos nos estádios, principalmente no
Maracanã.
Ao
inventar um instrumento de sopro (talo de mamona) o som produzido pelo vascaíno
Ramalho entrou no gosto dos torcedores e estes já sabiam quando o torcedor-músico estava nas arquibancadas.
Para Mario Filho (1994, p.126), Ramalho conseguiu manter sua individualidade,
num lugar (Maracanã) que “apagava” as pessoas com o som da massa: “o Maracanã
teve isso de ruim acabou com a figura humana (...) para gritar ele tem que unir
a própria voz a dos outros, senão ninguém escuta (...) o Maracanã aniquilou o
torcedor como individuo, que o pluralizou, tornando-o em multidão”.
Juntos,
torcedores organizados ou não, faziam dos jogos uma festa popular que encantava
jogadores e o grande público. “O futebol levou a música para as arquibancadas,
compondo a interação entre torcedores e destes com os jogadores, através de um
sistema de comunicação muito singular,
formado por cânticos e ritmos”(MURAD, op.cit., p.173). Da mesma forma o
antropólogo Luiz Henrique Toledo (1996, p.155) apreende a marca registrada das
canções nas arquibancadas: “a música, enquanto elemento de expressão e
comunicação, é parte fundamental da maneira pela qual o torcedor apreende e
vivencia o futebol”.
Acompanhando
o Botafogo em nas constantes viagens pelo exterior, o comentarista esportivo
João Saldanha comparou a torcida mexicana com a carioca "é muito alegre um
jogo no México. É o país em que a torcida mais se parece com a do Rio de
Janeiro. Barulhenta, participa de todos os lances da partida" (in PEDROSA,
1967, p.174). E ainda cita a presença de músicos que animam os jogos ou os
jogadores com instrumentos típicos daquele país. Contudo, o que mais marcou foi
a invenção do grito de “olé”. Garrincha, nesta excursão do Botafogo, daria uma
exibição que provocaria uma reação de profundo entusiasmo na torcida mexicana
criando espontaneamente o grito de olé. Naquele dia que surgiu a gíria do
“olé", tão utilizada posteriormente no Brasil.
Enquanto
nesse tempo Garrincha encantava os torcedores de todo o mundo, um outro clube
carioca dava vexames internacionais por onde passava. Em sua excursão pela Europa,
o Flamengo era fragorosamente derrotado pela seleção da Bulgária por 6 a 0.
Mais a vergonha maior estava a caminho. Jogando contra o “poderoso” clube da
Escócia, Motherwell, uma nova goleada: 9 a 2. Uma pena que os búlgaros e
escoceses não conhecessem o “olé” dos mexicanos.
No ano seguinte a torcida carioca
pode entoar o “olé” no jogo entre Santos e Flamengo. Jogando no Maracanã pelo
Torneio Rio-São Paulo, Pelé comanda um massacre ao derrotar os rubro-negros
pelo placar de 7 a 1. Adotado pelos cariocas, o time do Santos sempre recebia a
contribuição dos torcedores cariocas em seus jogos. Sem dúvida, milhares de
vascaínos puderam encarnar nos rivais gritando o “olé” e cantar ao final da
partida “lá, lá , laiá, esta chegando a hora”...
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Uma
marchinha de Rubens Campos e Henricão de 1942., Cf (HOLLANDA, 2004).
Vasco Jornal Diário Carioca 1960 |
Vasco Jornal O Globo 1960 |
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