quarta-feira, 31 de maio de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 2001 RITMO DE FESTA

  “sempre a Força é o tema das conversas. O que ela cantou, quem ela aplaudiu ou vaiou”.
                      Pedrinho, atacante e ídolo da torcida.

2001                             Ritmo de Festa


            Do desastre em São Januário no final de 2000 até a transferência para o dia do jogo no Maracanã em janeiro, o noticiário esportivo foi tomado por uma polêmica envolvendo o dirigente Eurico Miranda e a TV Globo que detinha a exclusividade dos direitos de imagens da final do campeonato brasileiro. O cartola acusava a emissora de prejudicar o clube e a mesma se defendia com reportagens sobre a CPI do Futebol, acusando Eurico e outros deputados.
            O embate ganhou um capítulo-extra quando o time do Vasco estampa em suas camisas o logotipo do SBT, emissora de Silvio Santos, rival a TV Globo. Em campo o time do Vasco vencia o São Caetano e a torcida comprava a briga do dirigente cantando “Ritmo, ritmo de festa”, do programa do famoso apresentador e gritava “ão, ão, ao Show do Milhão”, também para provocar a emissora carioca que teve um trabalho redobrado neste dia, com os seus técnicos de som diminuindo o coro da torcida quando os vascaínos começavam a cantar músicas provocativas. Quem assistia maravilhados com a torcida vascaína eram os integrantes do grupo Iron Maiden, Eles que se apresentariam no Rock in Rio naqueles dias: “o baterista Nicko McBrain, o baixista Steve Harris e o guitarrista Adrian Smith se declararam amantes do futebol e receberam camisas do Vasco na chegada ao Maracanã, na metade do primeiro tempo. Segundo declararam, pretendem utilizar cenas dos torcedores do Vasco da Gama em seu próximo videoclipe”[1].
            Neste momento Eurico não está sozinho contra este setor da imprensa pois a Força Jovem foi acusada provocar o incidente. Enquanto o dirigente vai ser acusado de superlotar o estádio, a torcida organizada foi denunciada de ser a responsável de uma briga entre os integrantes da facção que teria provocado o corre-corre e a conseqüente destruição do alambrado e daí a centena de feridos. Em janeiro o presidente da Força Jovem comparecia à delegacia para prestar depoimento e se defendia: “quem tinha que dizer se o jogo seria ou não reiniciado eram os comandantes da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros e do Policiamento, e eles foram favoráveis ao reinício da partida e na minha opinião, tínhamos perfeitas condições para isso”[2]. Marcelo revelou também que a FJV recebeu uma carga de 3 mil ingressos do Vasco para o jogo.
            Em fevereiro o dirigente, associados do clube e a FJV promovem uma carreata até a sede da Rede Globo numa manifestação de desagravo reunindo mais de 200 carros e cerca de 1.000 torcedores que gritavam palavras de ordem: ““A, e, i, o, u, domingo tem Eurico na banheira do Gugu”, “CPI para a TV Globo” e “Fora Rede Globo, fora do Brasil”, foram as principais palavras de ordem na carreata realizada ontem pela Força Jovem do Vasco, em desagravo ao que os organizadores consideram uma suposta campanha do Sistema Globo contra o Presidente do Clube, o Deputado Eurico Miranda, acusado de enriquecimento ilícito em reportagem do Jornal Nacional”[3]
            Não era somente a FJV que brigava com a Rede Globo. Havia uma intensa campanha pelos meios de comunicação de acabar com as torcidas organizadas em todo o país como forma de debelar a violência crescente entre os torcedores. Em São Paulo uma série de medidas judiciais impedia as torcidas de entrarem nos estádios com suas faixas, bandeiras e camisas. No Rio estas medidas ainda não tinham sido implementadas mas a pressão contra as organizadas era intensa. A FJV se defende em seu jornal: “é inadmissível que, ao se discutir a complexa questão da violência nos Estádios, alguns venham com a simplista solução de “acabar com as Torcidas Organizadas”. Propor o fim das Organizadas não passa de preguiça mental. Ora, quem quiser ir para os Estádios apenas para brigar vai continuar indo, existindo ou não Torcidas Organizadas. Temos aqui próximo o exemplo do Estado de São Paulo, que proibiu as T.Os. A proibição foi um retumbante e previsível fracasso. A violência aumentou ainda mais e em dias de clássicos o centro de São Paulo virá uma praça de guerra”[4].
            Em outra reportagem a FJV lembra do passado do clube de lutar pelos negros e pobres que jogavam em seu time e na batalha da transformação do futebol em esporte popular contra aqueles que defendiam um esporte de caráter elitista. Num tom ufanista, a matéria intitulada “VASCO E FORÇA JOVEM CONTRA TUDO E CONTRA TODOS”, prega a união dos vascaínos contra todos os que atacam o clube visando defender interesses financeiros ou proteger os rivais dos vascaínos: “hoje, mais de 100 anos depois da fundação, o Vasco continua ousado e enfrenta uma poderosa máquina que tenta, a todo custo, dominar o futebol Nacional. Como em todas as outras batalhas, nessa também o Vasco sairá vitorioso. A Força Jovem estará na linha de frente para garantir que o nosso Clube, para amargura e desespero dos nossos adversários, continue sendo o maior Clube do Futebol do Mundo”[5].
            Mas o maior enfrentamento da FJV neste ano estava por vir. Em maio a torcida passa a hostilizar o ídolo Romário que responde de forma agressiva. Estava iniciada uma nova batalha que perduraria até meados de 2002.
            Desde que Romário se tornou profissional em 1986 até 1988, quando ele foi vendido para o futebol holandês, o jogador saiu do Vasco como um grande ídolo, sem nenhum problema de antipatia com a torcida. No entanto, a relação foi estremecida com a sua volta ao Brasil em 1995 para o arqui-rival e para piorar com uma declaração infeliz de Romário: “o que eu posso falar para torcida do Vasco, é que quando tiver um Vasco e Flamengo, levar lenço para o Maracanã porque vão chorar muito.” Nem mesmo algumas grandes atuações de Romário com a camisa do Vasco em sua volta no final de 1999 fizeram os vascaínos esquecerem aquela declaração, somada as comemorações tímidas de gols contra o Flamengo.
            Em maio após ser vaiado pela torcida em um jogo pela Copa Mercosul, o artilheiro saiu de campo fazendo gestos obscenos com os dois dedos médios em riste apontando para a arquibancada na direção da FJV. A reação da torcida foi imediata e no jogo seguinte levava para São Januário uma faixa escrita: “Romário, agora é sério. Mexeu com a Força Jovem, vai parar no cemitério”. Além disso, a torcida começou a gritar o nome de seu maior desafeto no clube e ídolo da torcida, com o coro de “Ah, é Edmundo”.
            No entanto, a concórdia no seio da torcida estava longe de ser alcançada. Entre os torcedores da própria FJV havia divergências sobre gritar o nome de Edmundo. Para completar havia um clima tenso com os associados do clube que ficavam sentados nas cadeiras e a FJV que passa a ofendê-los: ““Ei social, vai tomar no c..”.
            A Revista Placar faz uma grande reportagem sobre todos os desentendimentos procurando ouvir todas as partes. Romário se defende acusando a FJV de interessada apenas em pedir dinheiro dos jogadores. Diga-se de passagem, uma prática comum no futebol brasileiro, incentivada pelos atletas, inclusive por Romário. O jogador não poupa críticas: “eles só sabem pedir dinheiro. É grana para CD com músicas de torcida, para fazer faixas e bandeiras e para organizar churrasco entre eles. Mas quem quer ter dinheiro precisa é de trabalho. Comigo não vão ter tostão furado sequer”. 
            Jogando lenha na fogueira, a revista coleta um depoimento de José Carlos Peruano, Presidente da Associação das Torcidas Organizadas do Flamengo, que afirma querer receber o jogador de volta: “não temos nada contra Romário, pelo contrário. Ele sempre mostrou muito respeito pela torcida e pelo Flamengo”.
            Eurico Miranda procura apaziguar os ânimos pois ele tinha um ótimo relacionamento com o jogador e tinha feito as pazes com a torcida naquele período. Para evitar novos atritos o clube aumenta a sua segurança e o jogador passa a andar com, pelo menos, 15 homens fazendo sua proteção pessoal.
            Se Romário não tinha o carinho dos torcedores e Edmundo não estava mais no clube, um novo ídolo era preciso. Entre os vários craques do time, Pedrinho era o mais identificado com o clube. Jogador das categorias de base desde os seis anos quando começou no futsal, o atacante sempre demonstrava nos depoimentos orgulho de vestir a camisa de seu clube do coração. Em entrevista ao jornal da FJV, ele afirma: “apesar de ser jogador profissional, nunca vestirei a camisa do Flamengo”. Em seguida ele faz outra declaração de amor ao clube: “eu me cobro a vitória como profissional e como torcedor do Vasco. Podem acreditar, quando o Vasco perde eu sofro tanto quanto qualquer vascaíno”. E na contra-corrente de Romário, o jogador declara o respeito que ele tinha pela facção: “A Força é fundamental. A gente sabe que algo tem importância no futebol quando é muito comentado entre os jogadores”.
            Os principais conflitos entre as torcidas organizadas depois dos anos 1990 ficaram longe das imediações dos estádios. Com o trabalho do GEPE e o auxilio do sistema de monitoramento através das câmeras, a atuação do JECRIM, ficou mais difícil para os torcedores agirem impunemente. Entretanto, os atos de violência se expandiram rapidamente para locais distantes dos jogos e, até mesmo, em dias comuns. Em novembro os líderes da torcidas aceitam a proposta de Chiquinho da Mangueira, presidente da SUDERJ e propõem um pacto de paz no Centro de Imprensa do Maracanã: “estavam lá: Márcio da Torcida Jovem do Flamengo, Paulo Aparício da Raça Rubro Negra, Papagaio da Força Flu, Marcelo Zona Sul da Força Jovem, Campinho da Young Flu e André da Fúria Jovem do Botafogo. Eles assumiram o compromisso de acabar com a violência fora dos Estádios. Dar um fim as brigas que acontecem antes e depois dos jogos”[6].
            Neste ano a USP (Universidade de São Paulo), principal universidade do país, apresenta uma pesquisa que comprova o poder da torcida vascaína apresentando-a como a 3ª maior, superando São Paulo e Palmeiras, como muitas pesquisas então diziam. “De acordo com a pesquisa, o Flamengo lidera com 23,1 milhões de torcedores, seguido pelo Corinthians com 19 milhões. O time de São Januário viria logo atrás, com 16,5 milhões”[7]. Foram entrevistados 17 mil brasileiros, nas 100 maiores cidades do Brasil, com idade entre 12 e 60 anos que também disseram (29%) o que clássico de maior rivalidade do país é Vasco e Flamengo.
            Contudo, a pesquisa de maior relevância para os vascaínos foi a tese de doutorado de Silvio Ricardo da Silva na Faculdade de Educação Física da UNICAMP, com o título: “Tua imensa torcida é bem feliz – A relação do torcedor com o clube”, baseado em sua experiência pessoal e em entrevistas com torcedores vascaínos, Sílvio investiga a dinâmica do funcionamento do sentimento dos torcedores e as manifestações atualizadas e ressignificadas com o tempo. Ele também identifica uma variedade na maneira de vibrar com o clube o que desfaz a maneira estereotipada de como os torcedores são representados pelos meios de comunicação. Por isso, ele relativiza os sentidos da paixão pelo futebol acompanhando o sistema de significados criados historicamente no ato de torcer, utilizando o instrumental teórico da antropologia social através da construção cultural do ato de torcer por um clube.
            Entre os fatores que levaram os entrevistados torcerem pelo Vasco, predominou a influência familiar, mas outras variáveis foram constatadas, como a identidade portuguesa e a suburbana, ambas periféricas expressões simbólicas periféricas definidoras da formação histórica do clube diferentes das torcidas dos outros grandes clubes, localizados na zona sul e sem uma identidade de imigrantes na cidade do Rio de Janeiro. Além disso, uma fase de sucesso do clube é apontada como fator de orgulho e fonte de afirmação na sua escolha clubística. Nesse sentido são apontados quatro momentos históricos fundamentais na disputa esportiva: os anos 20, a época do “Expresso da Vitória” nos anos 40, os anos 70 com o ídolo Roberto Dinamite e a geração anos 90 com grandes times e título da Libertadores.
            Enquanto Edmundo jogava pelo Cruzeiro no campeonato brasileiro, Romário vinha sofrendo perseguição implacável da torcida. Apesar de o “baixinho” estar em ótima fase, o confronto entre os dois em São Januário mostrou que a FJV continuava do lado do “Animal”. Embora o Vasco tenha vencido por 3 a 0, com três gols de Romário, durante toda a partida, a facção gritou o nome do atacante do Cruzeiro (ele entrou no segundo tempo, pois vinha de uma contusão). Na hora que o Cruzeiro teve um pênalti a seu favor, Edmundo cobra e o goleiro Helton defende. Ao final do jogo, em entrevista a caminho do vestiário, Edmundo confessa que não iria comemorar o gol. Em seguida o presidente do Cruzeiro declara que ele não jogaria mais em seu clube e que deveria jogar no Vasco.
            Na partida seguinte, Romário enfrenta o Flamengo e humilha o adversário com três gols na goleada por 5 a 1. Para a FJV ele faz gestos com a mão no ouvido pedindo para eles gritarem algo contra ele. O restante da torcida comemora a goleada e tripudia sobre o rival que vive uma péssima fase e é ameaçado de rebaixamento.
            Romário terminaria o campeonato brasileiro como artilheiro da competição com 21 gols. No fim do ano, contra o São Paulo, ele é o destaque novamente em outra goleada histórica do time da colina: 7 a 1 sobre os paulistas. Romário marca três vezes para alegria de seu filho Romarinho que assiste o jogo atrás da meta do São Paulo recebendo sempre o abraço carinhoso do pai nos momentos de comemoração dos gols. Ao final da partida a imprensa indaga ao atacante se ele fica no Vasco. A mesma pergunta é feita ao garoto de seis anos que diz que sim. Romário diz ter um grande respeito pela instituição e que todos sabem que ele (o filho) é vascaíno, mas dependeria de um acordo com os dirigentes.
            A relação de amor e ódio entre Romário e a nossa torcida ainda seria recheado de outros episódios...
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] www.uol.com.br 19 de janeiro de 2001.
[2] Fonte: Jornal do Brasil 09 de Janeiro de 2001.
[3] Fonte: Jornal do Brasil 08 de Fevereiro de 2001.
[4] Fonte: Jornal da Força Jovem 2001
[5] Fonte: Jornal da Força Jovem 2001.
[6] Fonte: Jornal do Brasil 20 de Novembro de 2001
[7] Fonte: JB On Line 04 Junho de 2001.

Vasco Jornal da Força Jovem 2001

Vasco Maracanã 2001



domingo, 28 de maio de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 2000 AHH, É CHOCOLATE

                                 “o Vasco é o time da Virada, o Vasco é o time do Amor”
                                               Canção consagrada pelos vascaínos                                                                                             

2000                       “Ahh, é Chocolate!!!”

O ano começava com as atenções voltadas para a disputa do Campeonato Mundial de Clubes organizado pela FIFA e disputado no Rio de Janeiro e em São Paulo, com a final marcada para o Maracanã. Aliás, era o momento do público conhecer como ficou o estádio remodelado, interditado para obras que teria sua divisão das arquibancadas em 3 cores de cadeiras (brancas, verdes e amarelas). Enquanto isso a tradicional Geral era fechada por orientação da entidade máxima do futebol.
Havia a expectativa da revanche contra o Real Madrid que ficou no grupo de São Paulo, mas para isso o Vasco deveria passar na primeira fase pelo Manchester United, um time também de altíssimo nível e que trazia muitas estrelas do futebol internacional.
O jogo entre Vasco e Manchester foi disputado no Maracanã que recebeu milhares de vascaínos que também assistiram ao vivo em todo o Brasil, inclusive RJ, pela TV Bandeirantes. A Rede Globo por ser excluída, boicotou a divulgação dos jogos, se limitando a mostrar os gols nos dias seguintes.
No estádio Mario Filho além das tradicionais torcidas organizadas vascaínas, uma estranha torcida intitulada Flamanchester viu Edmundo e Romário fazerem uma exibição soberba na vitória do Vasco por 3 a 1.
Classificado para a final contra o Corinthians (que superou o Real Madrid), o Vasco empata sem gols o que acabou provocando a disputa por pênaltis. O jogo foi tenso de início ao fim e a torcida vascaína sentiu mais este clima angustiante e não teve um papel decisivo. Os corintianos, em menor número, não sentiram o peso do favoritismo vascaíno e estavam satisfeitos com o jogo defensivo das duas equipes. Talvez estivessem mais confiantes no bom desempenho do goleiro Dida na cobrança de pênaltis. E foi o que aconteceu: a cobrança errada de Edmundo deu a vitória aos paulistas que comemoraram em cima dos vascaínos uma chance tão sonhada para os cariocas.
A “insuspeita” Revista Placar comenta a atitude tímida dos vascaínos no final: “os líderes negam ter perdido no grito, mas admitem que havia algo errado.  A torcida do Vasco é assim. Se com 5 minutos sente que o negócio não está bom, ela se retrai”, analisa Alexandre de Lima, o Cebola, Presidente da Força Jovem. “A Torcida só esfriou na prorrogação, com a tensão”, diz Amâncio Cezar, Presidente de Honra da TOV. Um possível motivo é que algumas Organizadas não conseguiram nem metade dos ingressos pedidos[1]
Enquanto os vascaínos viam com dissabor seu título ser perdido em casa, a modelo e rainha da Força Jovem, Viviane Araújo, continuava com uma carreira em ascensão. Ainda em janeiro, pela segunda vez, ela seria capa da Revista Sexy e estrelava na televisão no programa humorístico de Chico Anísio (outro vascaíno), Escolinha do Professor Raimundo, interpretando a fogosa aluna Rosinha.
Começa o campeonato carioca e também uma disputa pessoal pela liderança do grupo entre Romário e Edmundo, revelando que a união entre os dois astros durante o Mundial em janeiro era temporária. Edmundo reclama publicamente de Romário que se torna o capitão do time e cobrador oficial de pênaltis e de Eurico Miranda, cartola que dá apoio a Romário. Na primeira oportunidade Edmundo dá uma entrevista e chama Romário de “príncipe” e Eurico de “rei” do clube. Pouco tempo depois, Romário dá o troco em uma entrevista no intervalo de um jogo e após marcar um gol: “todos estão felizes, o rei, o príncipe e o bobo”. A guerra pública entre os dois ídolos estava declarada. A torcida ficava mais com Edmundo, mas o melhor momento em campo era de Romário que se consagraria na final da Taça Guanabara de 2000 contra o Flamengo em pleno domingo de Páscoa. Romário marca 3 vezes na goleada de 5 a 1 com direito a ovos distribuídos antes da partida pelos dirigentes do Vasco e gritos de “Ahh, é chocolate” e “Sai da frente que o Romário é chapa quente”. Foi o melhor momento do clube naquele semestre que perderia o campeonato carioca para o maior rival[2] e veria Edmundo trocar o Vasco pelo Santos.
O campeonato brasileiro começava e a torcida vascaína tinha que ouvir das rivais a provocação intolerável depois de perder duas vezes o carioca, o Mundial e o Rio-São Paulo: “ooooôôô, vice de novo”. A resposta viria no final do ano...
No final do ano com as eleições para prefeitos e vereadores e para presidente do clube, novamente a política agita a agremiação. Áureo Ameno, radialista e famoso vascaíno se elege pedindo votos aos torcedores e Roberto Monteiro, ex-presidente da Força Jovem se candidata pela primeira vez a vereador ostentando o apoio de Lula (que seria eleito presidente em 2002).
Em novembro Eurico Miranda vence a eleição pela primeira vez como presidente do clube. A campanha conta com o apoio das maiores figuras do clube e com ajuda da FJV que faz campanha para Eurico nos estádios.
O melhor momento dos vascaínos estava reservado para a final com o Palmeiras pela Copa Mercosul. Os dois times já haviam se enfrentado numa final no início deste ano com a vitória dos paulistas no torneio Rio-São Paulo. Na ocasião a torcida vascaína estava repartida com Edmundo que foi vaiado e aplaudido pela FJV que estava dividida. Uma parte da torcida gritava “ahh, é Edmundo” e outra xingava “Edmundo vai tomar no cu”. Estas tensões internas na torcida foram objeto de estudo da dissertação de mestrado em Antropologia na UFF, de Fernando Manuel Bessa Fernandez, intituladoCampo de força: sociabilidade em uma torcida organizada de futebol”, defendido em setembro de 2000 e orientado por Simoni Guedes.
Dessa vez Edmundo não estava mais no Vasco e a final (3ª partida) era em São Paulo no Parque Antártica. A virada histórica por 4 a 3 é a melhor lembrança daquele ano na partida que ficou conhecida como a “Virada do Século”. Nunca os gritos de “o Vasco é o time da virada, o Vasco é o time do Amor”, fizeram tanto sentido. A partida transmitida ao vivo pela Rede Globo, pode ser acompanhada por todo o Brasil que viu uma verdadeira festa dos torcedores no estádio que gritavam em alto e bom som “oooôôô, vice é o caralho”. A vingança dos vascaínos era contra todos aqueles que cantaram durante o ano em qualquer partida do Vasco por todo o Brasil.
Esta partida entrou para o imaginário do torcedor vascaíno que logo ganhou contornos épicos em campo e ares mitológicos na memória da torcida. A lembrança do local e com quem assistiu o jogo, a frustração e o sentimento de revolta com o resultado inicial, terminando com a explosão de alegria ao fim da partida, foi a reação mais comum. No entanto, outros torcedores foram a extremos. O cantor Erasmo Carlos relata o que aconteceu em sua casa: “meu filho Carlos Alexandre (depois do 3° gol) no ato prometeu: ‘se o Vasco fizer mais um eu fico 3 horas na piscina’. O detalhe é que chovia no Rio de Janeiro e a temperatura estava bastante fria (...) quando Romário fez o 4° gol meu filho se jogou na água e lá ficou até o fim da promessa. Nunca chorei nem gritei tanto como naquele dia”[3], relembra o músico.
Talvez se o Vasco tivesse vencido nos pênaltis o Corinthians no início do ano pelo Mundial não gerasse tanto impacto emocional como esta partida rendeu para os torcedores. Simbolicamente, a Copa Mercosul de 2000, não era um campeonato tão importante como o Mundial em janeiro, mas a forma como foi conquistada (com 1 a menos, no campo do adversário e de virada) deu uma marca histórica que nos consagrava como o “Time da Virada”.
Faltava ainda terminar com “Chave de Ouro” e vencer o Campeonato Brasileiro no final do ano contra o surpreendente São Caetano. O primeiro jogo era no mesmo palco da “Virado do Século”, o Parque Antártica. Pelo lado da torcida do Vasco não faltou motivação já que cerca de 6.000 vascaínos invadiram São Paulo em 100 ônibus carregando as torcidas organizadas, além de um avião fretado e mais os que foram por conta própria.
Na última partida em São Januário milhares de pessoas superlotam o estádio. Entretanto, uma briga nas arquibancadas provoca a derrubada do alambrado, centenas de feridos e a interrupção do jogo. Foi uma tragédia mostrada ao vivo para todo o país que poderia ter manchado aquele grande título. A decisão dependeria das autoridades esportivas e mais uma polêmica com os meios de comunicação que acusavam o clube de abarrotar o estádio.
            O capitulo final deste ano só seria escrito em janeiro de 2001...
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Revista Placar 2000.
[2] Pedrinho fez embaixadinhas na Taça Guanabara e na decisão do Campeonato Carioca do mesmo ano (2000), o Flamengo estava sagrando-se campeão estadual e o flamenguista Beto resolveu responder Pedrinho na mesma moeda: com embaixadinhas. A torcida foi à loucura com os gritos de “Uh embaixadinha! Uh embaixadinha!”.
[3] Fonte: Mesquita, Alexandre; Leal, Eugênio e Almeida, Jefferson. Jogos Memoráveis do Vasco. Rio de Janeiro. Editora IVentura, 2012.

Vasco Maracanã 2000

Vasco Jornal O Globo 2000

quarta-feira, 24 de maio de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1999 A VOLTA DE ROMÁRIO

                                        “é com tristeza que eu recebo o notícia do Romário no Vasco”
                                                                                      Amâncio Cesar - TOV

1999                      A volta de Romário

Disputando o torneio Rio-São Paulo no início de 1999, o Vasco chega às finais contra o Santos. Na primeira partida na capital paulista, as câmeras focalizam um curioso torcedor vestido como o famoso mágico do programa do Fantástico da Rede Globo, o Mister M. Um personagem que fez sucesso ao desvendar os truques dos outros mágicos, sempre usando uma máscara e com uma roupa preta cobrindo todo o seu corpo. No decorrer da partida ela dá uma entrevista e acerta o placar de 3 a 1 para o Vasco.
No dia seguinte ele já era uma celebridade. Em tempos de BBB, 15 minutos de fama na TV transforma um simples anônimo num personagem conhecido, enfim, um novo símbolo nas arquibancadas. José Pedro dos Santos, o Mister M, usou graxa e liquid paper para compor seu personagem. “Com os diversos telefonemas anônimos, inclusive com ameaças de morte, ele agora só vai aos jogos escoltado pela Força Jovem”. Ao longo do ano, durante os jogos do Vasco sua imagem é buscada pelas câmeras. Em outros tempos com estádios lotados sua localização seria mais difícil, mas em jogos as 22 horas com transmissão pela TV, a imagem da massa do passado é substituída pelos personagens folclóricos fabricados pela TV. Aos poucos sua fama traz contatos com jogadores do clube e torcedores que lhe procuram para descobrir quem é o homem da máscara.  “Como parte do uniforme, Mister M utiliza uma camisa autografada por Amaral. Eu tenho um ótimo relacionamento com os jogadores. O Juninho é o meu rei, amigo especial, me deu a sua cesta de Natal e fez a felicidade das minhas 2 filhas”. Para José Pedro, a resposta mais gratificante vem das crianças. “Os torcedores mirins me pedem autógrafo, vivem me cercando. Eu acho o máximo”[1].
Fora do estádio, a torcida do Vasco que levou milhares de pessoas para São Paulo, teve muitos problemas, mas quem sofreu bastante foi Dulce Rosalina: “para a torcida carioca foi reservada apenas o portão 11 do Morumbi, o que aumentou o sofrimento de quem já havia enfrentado sete horas de viagem. E quem acabou sofrendo a fúria dos santistas foi Dulce Rosalina, da torcida Renovascão. Ela foi atingida na cabeça por uma pedrada contudo, felizmente, o ferimento não foi tão grave[2].
Numa pesquisa realizada pelo Jornal Lance/Ibope, entre as Torcidas Organizadas. A FJV foi considerada a Torcida mais violenta do Brasil. Também foram apresentados 5 quesitos: Arquibancada, Faixas/bandeiras, Organização, evolução e componentes ativos. A FJV foi melhor em 4 dos 5 quesitos. Resultado, a FJV foi eleita a melhor Torcida do Brasil. “A Maior Torcida Independente do Brasil, é como seus integrantes se referem à Força Jovem, que ao longo destas três décadas, montou uma invejável estrutura, além da Sede no Centro do Rio, têm em seu patrimônio, 130 bandeiras, 12 faixas e uma bateria completa com 150 instrumentos”, revela o Presidente Alexandre Cebola.
Apesar do inegável crescimento da torcida Força Jovem nos anos 1990, a década terminou com um racha que provocou a saída de muitas lideranças. A disputa pelo poder começou em 1998 e terminou em maio de 1999 com a fundação da Torcida Mancha Negra. Pior do que uma dissidência foi o que veio a seguir. Em várias partidas, as torcidas entravam em confronto aberto: “Antes da partida que o Vasco goleou o Madureira por 8 X 1, as Torcidas Organizadas Força Jovem e Mancha Negra do Vasco, brigaram nas arquibancadas, exigindo a presença do policiamento. A Mancha Negra é uma dissidência recente da FJV e seus integrantes queriam vingar a agressão da facção rival a José Pedro dos Santos, 29 anos, torcedor conhecido por Mister M[3].
Uma outra celebridade que começava a despontar era a estonteante Viviane Araújo, modelo que iniciava sua carreira pela TV, é apresentada como representante da torcida ao zagueiro Mauro Galvão. Os dois juntos posam para fotografias com a torcedora vestida com uma roupa da Força Jovem, numa tentativa de mudar a imagem da torcida. O jogador recebe beijos da “atriz, modelo e manequim Viviane Araujo, a nova Rainha da Torcida Força Jovem. Cena incomum em São Januário, cerca de 20 torcedores estenderam faixas por todo o Estádio e levaram Viviane a campo para ser coroada por Galvão.“Isto é melhor do que treinar”, brincou o zagueiro, posando ao lado da moça. “O Vasco vai ganhar de 3 X 0”, arriscou o palpite Viviane, mesmo sem muito conhecimento de causa[4].. Seu reinado durou de 1999 a 2002. Na apresentação no Maracanã contra o Flamengo, a Força faz uma grande festa no gramado do Maracanã.
A maior rivalidade no futebol carioca na década de 1990 continuou com Vasco e Flamengo. Durante este período por mais que medidas diferentes fossem tomadas, as brigas e confrontos permaneciam. A novidade era que também surgiam longe do estádio: “Acessos ao Maracanã, como as Rampas da UERJ e do Bellini, continuam a ser palco da violência dos torcedores. Passam-se os meses, muda-se o campeonato, mas os torcedores continuam os mesmos. E o Não a Violência tão pedidos por todos os jogadores de nada vale, pelo menos antes de a partida começar.Os Vascaínos continuam proibidos de chegar ao Maracanã pela Rampa de Bellini e os rubros negros não podem nem sonhar em entrar no Estádio pela Rampa da UERJ.Os integrantes da FJV, se localizam em pontos estratégicos para surpreender os flamenguistas. Um dos locais onde se instalam foi a Av. Brasil, perto do Viaduto de Bonsucesso, onde agrediram os torcedores rubro negros que desciam dos ônibus[5].
No final do ano o roubo de uma bandeira do Flamengo contou com a intermediação dos presidentes dos clubes para evitar um confronto de grandes proporções: “o Presidente do Flamengo Edmundo dos Santos Silva, chegou a temer pela segurança do público no clássico de domingo entre Vasco e Flamengo depois que a Torcida Jovem do Flamengo teve uma enorme bandeira roubada na madrugada de terça feira para quarta. Edmundo, que ligou para o Vice Presidente do Vasco Eurico Miranda, foi as rádios e apelou que o material fosse devolvido. Embora sem provas, integrantes da Jovem acusam a facção Vascaína Força Jovem de ter cometido o delito.No fim da tarde, a bandeira, que tem o formato da camisa do Flamengo, reapareceu nas proximidades da Sede da Torcida, na Cinelândia. Ricardo Magrinho, um dos diretores da Torcida Jovem, conta que a bandeira estava guardada numa casa alugada nas proximidades do Maracanã. O vigia teria permitido a entrada de um sujeito, que se disse membro da Torcida, e saiu com o material, além da bandeira, foram levados 50 bambus e instrumentos, que não foram resgatados”[6].
Enquanto as duas torcidas brigavam por toda a cidade, Romário se desentendia com a diretoria do Flamengo e faz um acordo com o Vasco. Sua volta ao clube no final de  1999 não teve a repercussão grandiosa na torcida vascaína que olhava aquela contratação com desconfiança. Romário, fez várias declarações de amor a torcida rubro-negra no período em que esteve no clube da Gávea entre 1995 e 1999. Sua chegada foi uma surpresa e não foram poucos os que não acreditavam mais em seu futebol: Para o ex Presidente da TOV Amâncio César, “é com tristeza que eu recebo a notícia do Romário no Vasco. E acredito que grande parte da Torcida também está triste. Ele desdenhou do Vasco e esqueceu que um dia poderia voltar. Ele precisou ser escorraçado do Flamengo para ter a consciência do que o Vasco é mais forte”. Já para o presidente da Mancha Negra, Fernando Leal, “o Romário tem que reconquistar os torcedores Vascaínos. Ele falou muita besteira”[7].
Para encerrar, vamos destacar duas músicas que eram cantadas pelos vascaínos contra os rubro-negros:

Força Jovem
uh terror do Rio!
Força Jovem
uh terror do Rio!

A Força é Rei, do Vasco
A Força do Vasco, Rei, Rei
A Força do Vasco, Rei, Rei
A Jovem não precisa nem dizer
A Raça não precisa nem falar
Chegando no Maraca a porrada, vai rolar...
A Força! Rei!
do Vasco! Rei!
A Força do Vasco! Rei! Rei! (bis)...

            No mesmo dia que o Vasco anunciava a volta de Romário, um jornal paulista lembrava dos 30 anos do gol 1000 de Pelé no Maracanã contra o Vasco. A reportagem entrevista Dulce Rosalina que conta a emoção de torcer contra e a favor do rei: “Consolo foi que o Rei disse que era Vasco de coração. Torcedora símbolo do Vasco de 65 anos,foi ao Maracanã há exatos 30 anos.(...) Dulce não resistiu ao encanto do maior jogador do mundo e aplaudiu o milésimo gol do Rei.“Não íamos brigar com o Pelé, porque ele já havia dito que era torcedor do Vasco de coração”, diz. “Claro que eu não queria o gol, mas depois comemorei” (...) Dulce afirma que toda a Torcida do Vasco reverenciou o craque após a cobrança.“Era aquela emoção por causa dos mil gols e nós batemos palmas.” Há 43 anos acompanhando os jogos do Vasco, em 1969 Dulce integrava a Torcida Organizada do Vasco (TOV), a mais antiga e festiva do Clube. (...) A partida tornou-se marcante para Dulce porque foi disputada quando ela passava por uma situação delicada. Um ano antes, a aposentada quase perdera o braço em um acidente automobilístico, a caminho de um jogo entre Vasco e Corinthians, em São Paulo.“Naquela ocasião, eu estava começando a ir ao Estádio novamente.”Para ela, o gol de Pelé, mesmo contra o seu time, foi o que a motivou a voltar a acompanhar jogos de futebol[8].
Na década de 1990, foi possível identificar 19 Torcidas Organizadas do Vasco: Força Jovem, Torcida Organizada do Vasco (TOV), Pequenos Vascaínos, Renovascão, Anarquia, Feminina Camisa 12, Força Independente, Mancha Negra, Resenvasco, Servasco, Tulipas Vascaínas, Vasboavista, Vascoração, Vasguaçu, Vaspirata, Vasqueire, Vasco Pita, Garra Cruzmaltina e Fanáticos.
O final dos anos 1990 também estimulou a produção editorial de livros sobre futebol. Os vascaínos poderiam ter uma coleção de livros que começava a aparecer com mais freqüência nestes anos. São obras sobre o clube, seus ídolos, sua história (a mais bonita de todas) e seus torcedores. Em 1999 destacaríamos o livro de Roberto Assaf e Clóvis Martins, sobre o Clássico dos Milhões, Vasco e Flamengo. Com uma extensa pesquisa sobre todos os jogos (total de 300) entre os dois clubes até 1999, apresentando várias estatísticas, as súmulas dos jogos e uma análise do contexto esportivo e social de 62 partidas. Também era lançada em 1999 a biografia do zagueiro Mauro Galvão, que chegou ao clube em 1997 já com mais de 30 anos e imediatamente virou ídolo absoluto quando defendeu nosso clube. Por fim, três torcedores vascaínos lançam uma obra escrita pelo olhar do quem sempre acompanhou o clube pelas arquibancadas e pelo ângulo emocionado dos fãs de futebol. Trata-se de Estórias de Vascaínos de Mauro Prais, Além deles, vale lembrar o livro oficial do clube lançado em 1998 em comemoração ao centenário.
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: s.d. torcidasdovasco.blogspot.com
[2] Fonte: Jornal O Globo 04 de Março de 1999.
[3] Fonte: Jornal do Brasil 20 de Maio de 1999.
[4] Fonte: Jornal do Brasil 04 de Junho de 1999.
[5] Fonte: Jornal do Brasil 04 de Outubro de 1999.
[6] Fonte: Jornal do Brasil 30 de Novembro de 1999.
[7] Fonte: Jornal do Brasil 19 de Novembro de 1999.
[8] Fonte: Jornal Estado de São Paulo 19 de Novembro de 1999 .

Vasco Jornal O Globo 1999

Vasco Revista Placar 1999



domingo, 21 de maio de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1998 CENTENÁRIO MONUMENTAL

                                           “Sou Vasco da Gama meu bem, Campeão de Terra e Mar”
                                                                 Musica da Unidos da Tijuca

1998                   Centenário Monumental

Coletividades esportivas criadas no final do século XIX, muitas agremiações estavam comemorando o centésimo aniversário nestes anos, mas com o fantasma do “azar” do centenário. Dos clubes brasileiros que comemoraram o seu centenário o Vasco é o único que pode se orgulhar em festejar com títulos. Primeiro veio com campeonato estadual e depois a conquista inédita da Taça Libertadores.
            A festa se prolongou durante todo o ano, inicialmente com o desfile da Escola de Samba Unidos da Tijuca com o enredo homenageando o centenário do clube em fevereiro. A ligação do clube com esta escola de samba já vinha estreita desde o final do ano de 1997 quando os torcedores comemoraram o título brasileiro na quadra da agremiação carnavalesca. Também a escolha da rainha das torcidas do Vasco de 1997 foi no mesmo local em dezembro.
            Nesta época as torcidas de São Paulo criaram suas escolas de samba, especialmente a Gaviões da Fiel e a Mancha Verde. Surgiu a idéia de fazerem o mesmo no Rio de Janeiro. No entanto, surgiu um boato que os banqueiros de bicho, que controlavam o carnaval, não deixariam criando uma série de impedimentos legais. Marcelo He-Man, presidente da torcida na época relembra o episódio: “sobre a tentativa de criar uma Escola de Samba da Força Jovem (...) até mantinham contato com a Unidos da Tijuca, que já tinham prontos vários esboços, que iam tentar desfilar na Av. Rio Branco (...) “Em 1996/97 tivemos essa idéia, de fazer uma Escola de Samba ligada ao Vasco. No início tinha uma galera que queria colocar o nome da Força Jovem (Unidos da Força Jovem). O problema que isso faria que pessoas mais conservadoras se aproximassem/participassem do Projeto. Concluímos que Unidos do Almirante seria mais interessante. O Mazinho, um antigo componente da FJV junto com Marcelo Bicudo, tinham uma forte ligação no mundo do samba, mas acabamos não tendo muito apoio do meio. Eu acho que existe um acordo velado entre as Escolas de não permitirem que aqui se transforme como é em São Paulo,  onde várias Torcidas tem Escolas de Samba e Blocos. Na época fizemos desenhos mas infelizmente não sei onde foram parar”[1].
            Enquanto no desfile na Marquês de Sapucaí, a torcida pode se manifestar livremente, nos estádios de futebol reinava a ditadura imposta pelo governo do estado e seu secretário de segurança pública, Nilton Cerqueira que impôs uma série de medidas para conter a violência mas de forma arbitrária e absolutista. Na ocasião se proibiu as faixas, os bambus e os instrumentos musicais. A justificativa: “o Comandante do Policiamento do Maracanã, o Major Coutinho, do 6º Batalhão da Polícia Militar (Andaraí) diz que a resolução de Cerqueira é fundamental para trazer de volta a torcida para os Estádios. “As faixas na arquibancada serviam para esconder drogas, bombas e fogos. Além disso, com as faixas, a PM não conseguia identificar os piores elementos com câmeras de vídeos. Eles se escondiam atrás delas”, disse. A resolução do General Cerqueira já estava valendo na final do Brasileiro de 1997, entre Vasco X Palmeiras, mas muita coisa entrou no Maracanã naquela ocasião. A festa sem cor é melhor do que os excessos de violência. A plástica do Maracanã é ver as arquibancadas lotadas. E isso só voltará a acontecer com a medida”, disse o Major, destacando que, mesmo com a proibição, ainda entram algumas bombas, mas que são fabricadas no Estádio”[2].
            Em abril de 1998, a seleção brasileira que se preparava para o Mundial da França, fazia uma partida amistosa com os argentinos no Maracanã  levando mais de 100 mil pessoas. Os vascaínos engrossaram o coro da torcida carioca que vaiaram impiedosamente o armador Raí. No segundo tempo a multidão enfurecida gritava: “Raí, pede pra sair”. Após o gol da Argentina começou a ecoar o “olééé” e a torcida chamar “timinho” e, naturalmente, “burro” para o técnico Zagalo. Melhor era os vascaínos continuarem de olho no Campeonato Estadual ...
            Em entrevista para o livro Heróis do Cimento, dedicado à memória dos torcedores cariocas, Amâncio César (TOV), relembra o campeonato carioca de 1998, quando o Vasco vence a competição apesar dos inúmeros boicotes promovidos pelos maiores rivais. Para César, este título conquistado no jogo contra o Bangu, em maio, teve um sabor especial: “Não adianta boicotar. Foi assim estes anos todos, mas nós somos grande, temos time, temos tradição (...) foi a vitória sobre o preconceito” (Mattos, 2007, p.165).
            Além dos clubes rivais, o clube vivia uma disputa interna. Preocupado com a oposição da Força Jovem e do MUV, Eurico mantêm os laços com algumas torcidas e garante a continuidade de eventos que lhe poderiam render apoios para a sua futura reeleição para deputado federal em outubro. Neste sentido que o clube patrocina em setembro o concurso da rainha da torcida do Vasco, a “Rainha do Centenário”, cedendo o ginásio de São Januário e colocando toda a infra-estrutura do clube para a organização do evento e sua publicação em um jornal: “O concurso, sob a coordenação de Iara Barros, Presidente do Jornal Cruzmaltino, foi um verdadeiro sucesso, ele contou com a participação dos Vices Presidentes do Clube, entre eles, o Dr Eurico Miranda, um dos patrocinadores do evento. Agradecemos a Comissão de Festa: Amâncio César, Edson Abran, David, Lurdes Maia, Lena e Paulinho, estão todos de parabéns pela organização do evento”[3], conclui a nota oficial.
            Antes da comemoração do centenário é realizado um encontro patrocinado por uma torcida de Seropédica que se chamou “o Primeiro Encontro de Torcidas Organizadas do Vasco”, com a presença de algumas Torcidas, entre elas Pequenos Vascaínos, representada pelos Diretores Zeca e Edson, Torcida Feminina Camisa 12, que estavam presentes Iara Barros, Sônia Soares e Bety Cardoso e a TOV, representada pelo o Diretor David”.
            Paralelamente o vereador Áureo Ameno faz uma homenagem ao centenário do Vasco presenteando com a medalha Pedro Ernesto a torcedora-símbolo do clube: Dulce Rosalina e o vice-presidente, Amadeu Pinto da Rocha. No evento esteve presente o ex-jogador Roberto Dinamite, candidato a reeleição a deputado estadual.
            O mês de agosto entraria para a história pela comemoração do centenário e pelo título da Libertadores conquistado no final do mês no Equador. Para o jogo contra o Barcelona de Guayaquil, dezenas de torcedores viajaram para acompanhar o clube. Um dos relatos é de uma torcedora da Força Jovem, Sueli de Araújo: “Eu estava num grupo de dos cerca de 100 torcedores do Vasco que viajaram de avião do Rio até Guayaquil no Equador. Foi realmente inesquecível. Saímos do avião e fomos num ônibus colorido até o hotel e de lá para o estádio. O problema que não havia espaço para a torcida adversária. Atravessamos um cordão de isolamento no meio do povo, sendo xingados de tudo até chegarmos a arquibancada. Ai a situação piorou, porque os meninos resolveram abrir caminho no braço em busca de lugar e houve uma briga generalizada. No meio da confusão a polícia retirou as mulheres para os camarotes que ficam em cima de onde estávamos. Depois os meninos também pularam para os outros camarotes, onde nós fomos muito bem recebido e pudemos assistir ao jogo comendo e bebendo de graça, um buffet que mais parecia uma ceia. Quando terminou o jogo com o Vasco Campeão, ficamos no Estádio, esperando a torcida do Barcelona de Guayaquil ir embora. Ai o Eurico nos convidou para seguir até o hotel e festejar com os jogadores. Nem é preciso dizer que naquela noite ninguém dormiu. Voltamos no mesmo avião que tinha um escudo do Vasco desenhado na porta. Quando estávamos chegando no Rio, vi que lá de cima uma multidão de torcedores estava preste a invadir a pista do Galeão pra comemorar. Nossa quanta emoção”[4]. De volta ao Rio de Janeiro, a massa faz uma grande festa, que se espalha pela cidade. Desde a chegada dos jogadores no aeroporto, passando pela uma imensa carreata até a chegada em São Januário.
            Com a estabilidade na economia e o sucesso do governo FHC que consegue sua reeleição em outubro[5], centenas de torcedores vascaínos compram passagens para Tóquio, a expectativa era que até 2.500 viajassem para acompanhar o clube que ajuda alguns torcedores: “o Vasco gastou cerca de R$ 500 mil em 50 passagens e algumas hospedagens para torcedores ilustres e Chefes de Torcida, só da Força Jovem são 20, e as agências de viagens estão na maior expectativa, calcula-se que 2.500 cruzmaltinos rumem para Tóquio[6].
            Na final contra o Real Madrid no Japão veio a decepção com a derrota para um adversário com um elenco milionário. Em campo o duelo ficou de igual para igual, com a equipe espanhola marcando o seu gol quase no final da partida, antes do Vasco perder uma chance clara de gol. Milhões de torcedores no Brasil acordaram cedo naquele dia  (horário de Brasília 8h) para acompanhar o time pela TV. Secando o clube vascaíno, os flamenguistas criaram (com apoio da imprensa) a Fla-Madrid.    
         Uma derrota sempre tem um sabor amargo mas o resultado final mostrou aos vascaínos que nosso time estava à altura dos melhores times do mundo. Não tínhamos do que nos envergonhar e voltamos para casa com a certeza de que o título poderia ter vindo para São Januário.  Bola pra frente e cabeça erguida.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1]  Marcelo He-Men Mendonça, ex Presidente da FJV em 2014. Fonte: torcidasdovasco.com.blogspot
[2] Fonte: Jornal do Brasil 09 de Março de 1998
[3] Fonte: Jornal Cruzmaltino Setembro de 1998.
[4] Jornal Meu Vascão em 2008.
[5] Na mesma época Roberto é reeleito deputado estadual e Eurico é um dos mais votados no RJ, conseguindo 105 mil votos. Ambos apoiavam a reeleição de FHC, Apesar de partidos diferentes muitos “santinhos” foram distribuídos  com a dupla.
[6] Fonte: Jornal do Brasil 27 de Novembro de 1998.

Vasco São Januário 1998

Vasco Japão 1998


quarta-feira, 17 de maio de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1997 O MELHOR JOGADOR DO MUNDO

                                                                                                      “Ahh, é Edmundo”
                                                                                                      grito da Torcida

1997                    O Melhor Jogador do Mundo

O jornalista Sérgio Cabral sempre foi muito conhecido pelas suas duas paixões: o samba e o futebol. Nas duas manifestações populares ele se tornou um estudioso com seus livros, pesquisas e contato com os principais atores do universo esportivo e carnavalesco. Enfim, Cabral acumulou um conhecimento que garantiu um prestígio muito forte nestas áreas.
 Identificado como “típico carioca”, generoso, bom papo, camarada, ele passou a angariar uma coleção infinita de amigos e admiradores. Por isso não foi surpresa que uma escola de samba fizesse uma homenagem escolhendo-o como figura central do enredo da Escola de Samba Em Cima da Hora, do bairro de Cavalcanti, no subúrbio carioca.
Nascido no mesmo bairro da escola, Cabral levou centenas de amigos para desfilarem para o enredo “Sérgio Cabral a Cara do Rio”, entre eles estavam centenas de torcedores vascaínos, muitos deles das torcidas organizadas, como a Força Jovem.
Passado o carnaval e enquanto o clube disputava o campeonato carioca, a torcida vascaína fez parte das gravações do videoclip da banda de rock mineira Skank[1], com uma música de grande sucesso: “É uma partida de futebol”.
A relação entre o rock e o futebol no Brasil não é tão intensa quanto o samba e a MPB construíram ao longo dos anos. Poucos roqueiros se aventuraram neste universo, até mesmo para os músicos demonstrarem suas paixões clubísticas. Por outro lado, entre os jogadores, são poucos os que declaram ter maior interesse por este estilo. Entretanto, independente de gostos específicos, a música e o clip tiveram grande repercussão graças a qualidade da letra melodia e da produção das imagens que contou com cenas das torcida no Mineirão e no Maracanã. No estádio carioca as imagens se concentraram na Força Jovem. A explicação para a escolha recair sobre a torcida vascaína pode estar ligada a relação entre os membros da banda e o DJ Maurício Valladares, vascaínos fanático.
            A Força Jovem tinha um novo presidente, Marcelo He-Man, uma antiga liderança que assumia a torcida em um momento difícil com o rompimento de relações com os dirigentes do clube e a perda da sala em São Januário. “Em 1997, assumi a Presidência, em um período que a torcida passava grandes dificuldades. Havia um esvaziamento, motivado, principalmente, por campanhas pífias do Vasco a nível nacional”, relembra o ex-presidente.     
            Entre as primeiras medidas inovadoras estava uma reestruturação do marketing da associação e a criação do primeiro site na internet, numa época em que a rede virtual dava seus primeiros passos no país.  
Outra mudança promovida foi a localização no estádio de São Januário: “convenci boa parte dos integrantes para irmos para embaixo da marquise já que existia as vantagens. Muitos queriam ir para lá, só que os mais tradicionalistas não. Existia ou foi colocada a pouco tempo no limite da marquise uma grade. Em um jogo pulamos a grade e deu uma grande confusão com a PM. Naquele jogo conversamos com o Vice de Patrimônio do Vasco e conseguimos convencê-lo a tirar a grade. A partir daí começamos a ficar lá. Por algum tempo ainda ficavam alguns componentes no local antigo”, afirma Marcelo He Man.
            Nem mesmo a derrota para o Botafogo nas finais do campeonato carioca, desanimou a torcida. Na Câmara dos Vereadores, Áureo Ameno, recém-eleito vereador com os votos de milhares de torcedores, presta uma homenagem ao clube, fazendo todos os presentes se emocionarem ao ouvirem os discursos dos políticos vascaínos presentes. Ameno, abriu a sessão proferindo várias partes da história do Vasco da Gama, logo em seguida deu a palavra ao ídolo do Vasco e Deputado Estadual Roberto Dinamite, que agradeceu por tudo que o Vasco fez pela sua vida, sendo aplaudido nas galeria da Câmara que recebeu a presença das torcidas organizadas, Tulipas Vascaínas, TOV, Renovascão, entre outras.
            Em novembro durante a eleição para a presidência do clube, novamente a chapa encabeçada por Calçada-Eurico saiu vencedora mas ocorre a mais renhida[2] disputa da década com a oposição formando o MUV (Movimento Unido Vascaíno), liderada por Arthur Sendas, Olavo Monteiro de Carvalho, Luso Soares e Fernandão. O candidato da oposição era Jorge Salgado, economista eleito 1º vice-presidente geral de Calçada em 1988 e ex-diretor de futebol da CBF. Entre as torcidas, a TOV apoiou a situação e a Força Jovem se alinhou com os opositores: “precisamos mudar a imagem do clube. Queremos um Vasco vencedor, mas fiscalizado. Chega de Eurico e Calçada. Acabou-se o que era doce. Agora é Salgado”[3], diz Marcelo He-Man, presidente da Força Jovem.
            Mas as melhores lembranças de 1997 vieram do campeonato brasileiro e com uma série de partidas emocionantes, com Edmundo comandando a festa. A cada semana a torcida promovia um espetáculo diferente e mais empolgante. Como nas semifinais contra o Flamengo quando o atacante vascaíno arrasou com o rival e chegou a marca de impressionantes 29 gols (recorde até então).
            Nesta época a antropóloga Rosana Teixeira acompanhava as torcidas cariocas como trabalho de pesquisa de campo para a pioneira dissertação de mestrado pela UFRJ, investigando o fenômeno das arquibancadas que passavam por um processo de criminalização da imprensa, especialmente após a tragédia em São Paulo 3m 1995. No entanto, a pesquisadora procurou não reforçar os estereótipos veiculados pela mídia, privilegiando um conhecimento mais amplo do tema, sem cair nos “chavões” da violência irracional. No seu trabalho a cientista social reforça as palavras do sociólogo Mauricio Murad (UERJ) que desde a fundação do Núcleo de Sociologia do Futebol em 1990, apontava para a necessidade de não associar torcida com violência, de forma mecânica e apressada.
            Acompanhando e dia-a-dia dos torcedores, freqüentando os estádios e fazendo entrevistas, Rosana pode conhecer melhor  o universo dos torcedores, especialmente as torcidas Força Jovem do Vasco e Torcida Jovem do Flamengo. Entre as várias conclusões ela destaca “que a compreensão da violência dos torcedores deve ser articulada a uma reflexão sobre as diferentes práticas de violência presentes em nossa sociedade” [4].
            A imagem negativa construída tinha efeitos reais. O melhor exemplo se deu na final do campeonato brasileiro disputado entre duas torcidas consideradas aliadas, mas que a reação policial foi tratar como um jogo de alto nível de risco de confusão. Na ocasião foram proibidos pela polícia diversos apetrechos das torcidas e a reação da imprensa diante da aliança das torcidas era de ironia e surpresa: “Imagine um estádio sem foguetes, bandeiras, nem gritos ofensivos ao adversário. Parece até culto religioso, mas teoricamente, este será o cenário da decisão de hoje no Morumbi, entre Palmeiras e Vasco. A proibição dos foguetes, instrumentos e bandeiras fica por conta da Polícia Paulista. Já os cânticos provocativos serão evitados por ambas as Torcidas, que nutrem uma antiga relação de amizade. Vamos festejar, sem gritos ou xingamentos. Acima de tudo está o respeito que temos por eles. Os palmeirenses vão nos receber com um churrasco”, diz Fernando Leal, Vice Presidente da Força Jovem. No Rio de Janeiro, o jornal carioca alertava para as proibições : “a Força Jovem não poderá levar para o Estádio a imensa bandeira que costuma desfraldar no Maracanã e em São Januário, em virtude de a polícia de São Paulo proibir bandeiras com escudos de Torcida Organizada. Para compensar levará cinco mil balões”[5].
            O que leva uma torcida se unir a outra? Como explicar a aliança entre uma torcida carioca com uma paulista, se o bairrismo entre os dois estados é um sentimento muito arraigado? Pode uma torcida trocar de amizade ou virar inimiga de uma torcida amiga? Estas questões permearam o universo de dúvidas que a imprensa lançou sobre os torcedores vascaínos e palmeirenses para explicar algo que parecia insólito.
            Como a decisão foi marcada para dois jogos, sendo o primeiro em São Paulo e o segundo para o Rio de Janeiro e, em ambas as cidades, havia demonstrações explícitas de cordialidade e esportividade, a imprensa buscava respostas. Em princípio buscou-se uma explicação histórica da aliança: “a união começou em 1979, quando 300 Vascaínos foram ao Maracanã apoiar o Palmeiras num jogo contra o Flamengo. Os Paulistas venceram por 4 X 1 e depois os Palmeirenses passaram a freqüentar São Januário sempre que vinham ao Rio”, recorda Amâncio César de 47 anos, membro da TOV, que tem 800 sócios, Amâncio repudia a união com a Mancha Verde.
No Maracanã não foi diferente a repressão desnecessária, com o registro incrédulo dos jornais que antes repudiavam as torcidas diante das inúmeras brigas e confrontos entre as torcidas de Vasco e Flamengo, agora a paz era louvada como um milagre: “Torcedores da Força Jovem do Vasco e da Mancha Verde do Palmeiras voltaram a se confraternizar ontem no Maracanã, momentos antes do início da decisão do Campeonato Brasileiro.Abraços, apertos de mão, beijos no rosto pareciam selar uma inusitada amizade entre os torcedores Vascaínos e Palmeirenses.Uma camaradagem explícita traduzida pelo bordão cantado pelas duas Torcidas, “Vascão, Verdão, Torcida de Irmão.”Vascaínos gritavam refrões contra a Raça Rubro Negra, Torcida Organizada do Flamengo, ajudados pelos Palmeirenses e faziam coro com os torcedores paulistas, quando eles gritavam bordões contra os Gaviões da Fiel (...) Antes de o jogo começar, os 1.2 mil policiais Militares que ocupavam os setores internos e externos praticamente não tiveram trabalho[6]. “Antes do jogo, Vascaínos e Palmeirenses davam provas explícitas de que são mesmos Torcidas irmãs, ainda que a colônia portuguesa em São Paulo esteja mais ligada a Lusa. Em frente a Estátua de Bellini, torcedores da Torcida Uniformizada do Palmeiras (TUP) e da Força Jovem improvisaram um concurso de trovas e gritos de guerra que tinham  invariavelmente o mesmo tema, os rivais Flamengo. A paz estava selada: Porco e Bacalhau era gritos que não tinham o menor tom pejorativo. Entre o Portão 19 e a Estátua de Bellini paulistas e cariocas uniam forças para acabar com o estoque de cerveja dos vendedores ambulantes “ [7].
Mesmo com todas as demonstrações das torcidas a atitude da polícia foi proibir e controlar os torcedores como pessoas “não-confiáveis”: “um busto gigante do Eddie foi criado para incrementar ainda mais as arquibancadas, mas a polícia impediu que ele entrasse no Maracanã, alegando que poderia ter problemas de segurança (...) As Torcidas do Vasco e do Palmeiras foram proibidas ontem de entrar com bandeiras com mastro de bambu no Maracanã. Em reunião com o comando do 6º Batalhão da Polícia Militar do Rio, representantes das duas Torcidas conseguiram a liberação de faixas e instrumentos musicais no Estádio, que também estavam na lista de proibições. Estão vetados também fogos e sinalizadores. As faixas poderão ser usadas desde que não atrapalhem o campo de visão das filmadoras que serão usadas pelos policiais para identificar causadores de tumultos.A Força Jovem já tinha confeccionado 80 bandeiras de 4 X 4 m, com mastros de bambu de 7 m de comprimento cada, segundo o seu Presidente, Marcelo He Man, 31 anos, além de outra de 40 X 60 m, também proibida[8].
       A conquista do tricampeonato brasileiro e a liderança de Edmundo comandando um ótimo elenco davam a torcida vascaína plena confiança de que no ano seguinte quando comemoraríamos o nosso centenário, novas conquistas fossem alcançadas.                           Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Jornal Folha de São Paulo 04 de Março de 1997.
[2] O resultado do pleito foi: Chapa "Azul" de Calçada : 1930 votos e Corrente "Oposição Unida": 1167 Fonte: http//www.wikipedia.com/antoniosoarescalçada.
[3] Fonte: Jornal do Brasil 02 e 09 de Novembro de 1997.
[4] TEIXEIRA, Rosana. Os perigos da paixão. Rio de Janeiro. Annablume, 2003, p.179.
[5] Fonte: Jornal do Comércio 14 de Dezembro de 1997.
[6] Fonte s.d.
[7] Fonte: Jornal do Brasil 22 de Dezembro de 1997.
[8] Fonte: Jornal Folha de São Paulo 19 e 20 de Dezembro de 1997

Vasco Maracanã 1997

Vasco Jornal do Brasil 1997