Só fui ver a Armênia lá fora, depois de tudo. Estava
dentro de um caminhão, parecia que tinha começado a gritar naquele momento. De
passagem olhei para cima: a blusa da Armênia era como aquelas antigas camisas
do Vasco. Preta com gola e punhos brancos. Devia ter a Cruz de Malta sobre o
peito, do lado esquerdo, Toda vez que ia comandar um casaca a Armênia
arregaçava as mangas curtas, já arregaçadas. Os braços gordos apareciam, nus,
até em cima, subiam e baixavam, E tome casaca, casaca e tome Vasco. As
bandeiras do Vasco apareciam por cima das cabeças. Eram de todos os tamanhos.
Umas pequenas, dessas que se vendem na porta dos campos de futebol, outras
grandes, mandadas fazer, bandeiras boas para os mastros de São Januário.
Antes do jogo eu vira aquelas bandeiras dentro dos
caminhões.
Os caminhões, cheios de Vascaínos, vinham, uns atrás
dos outros, como se formassem um cortejo. Na praça paravam e despejavam gente.
As bandeiras subiam em mastros improvisados, cresciam esticadas pelo vento. E
os caminhões não paravam de chegar. Amontoavam-se na praça como os torcedores,
como as bandeiras.
Os caminhões encostavam-se no meio fio, ficavam parados,
vazios, os torcedores não paravam, corriam para as bilheterias, para os portões
do Flamengo. E a impressão que a gente tinha era que os portões não resistiriam
aquela avalanche de assaltantes.
Porque parecia um assalto. Perto dos portões,
não se via os portões, só se via a multidão, os foguetes assobiavam feito
granadas, as bombas explodiam.
O “Avante Flamengo” (Charanga Rubro Negra) ficou no
meio das arquibancadas da Lagoa, o “Resto é Vasco” (Torcida Organizada do
Vasco). Sabia-se que era Vasco pelas bandeiras, Bandeiras do Vasco de um lado e
de outro, os mastros das bandeiras pareciam velas de um bolo de aniversário,
furando a multidão.
O “Avante, Flamengo” era uma batucada. O “Com o Vasco onde
estiver o Vasco”, era uma batucada, era uma comissão de frente de um clube de
Carnaval, com a banda de clarins e tudo. O “Avante, Flamengo”, cantava uma
coisa, o “Com o Vasco onde estiver o Vasco” cantava outra completamente
diferente. Tal qual como no carnaval, quando a gente escuta todas as marchas e
todos os sambas ao mesmo tempo, De longe eu não podia ver a Armênia. Devia
estar perto do cartaz do “Com o Vasco, onde estiver o Vasco”, bem no meio do
povo.
Não esperava encontra-la na saída, dentro de um
caminhão. Vi um caminhão parado, recebendo gente, bastava ser Vasco para ter um
lugar garantido, olhei para cima, lá estava Armênia, pulando, gritando.
E eu
não sabia que um tijolo, os torcedores do Flamengo quase arrancando todos os
tijolos da arquibancada para jogar em cima dos torcedores do Vasco, tinha
pegado no pé da Armênia. Nada mais natural que a Armênia saltasse e gritasse,
arregaçando as mangas já arregaçadas, Sempre a vira assim, pulando e gritando.
O João de Lucca podia desmaiar, como desmaiou quando o Vasco tirou o zero do
placar contra o Flamengo, foram necessários dez Vascaínos para carregá-lo feito
um piano, a Armênia não desmaiava.
Estava dentro do caminhão, com o pé inchado, enorme. O
tijolo pegara-lhe o pé de cheio, tirara-lhe sangue, sentindo dor a Armênia
gritou Vasco com mais força. Não podia pensar em pé machucado com um 2 x 2 no
placar.
Agora ninguém ia tirar o título de invicto do Vasco. Se o jogo
continuasse , adeus Flamengo, o Vasco tomara conta do campo, a Armênia perdera
a conta dos corners feitos pelo Flamengo. Se lhe atiravam tijolos era porque o
Vasco empatara o jogo,ia vencer o jogo. Quando o placar estava de dois a zero
ela ficara no seu canto, ninguém lhe atirara tijolos em cima.
Que podia haver
de pior para a Armênia do que um Flamengo dois e um Vasco zero? Um tijolo, que
era um tijolo depois do empate? Com um Vasco, três, Flamengo dois, podiam até
jogar-lhe um tijolo na cabeça.
A Armênia ficou para trás, ela e os caminhões do
Vasco. Não vi mais bandeiras com a Cruz de Malta, nem Vascaínos com aqueles
chapéus de palha que se vende nas quitandas. Deixei de ouvir os casacas,
casacas.
“O Expresso não parou o Flamengo disparou”. Segui pelo caminho da
Lagoa, por trás do Jockey. Era o caminho que Cyro Aranha tomaria, pouco depois.
Cyro Aranha, Oswaldo Euclydes atrás dele, quando saiu do campo e chegou na
praça, viu um caminhão para cá, outro para lá. Os caminhões do Vasco a
debandar. Ninguém se lembrara de organizar um cortejo de automóveis e caminhões
para passar pelo Jardim Botânico, pela Rua São Clemente, pela Praia de
Botafogo, pela Praia do Flamengo, levando a alegria do Vasco até São Januário.
Cyro Aranha entrou no carro, sentou-se no banco da
frente, ao lado do Joaquim, o Oswaldo Euclydes sentou-se no banco de trás.
“Papai vão estragar a festa”. “Não vão, não, meu filho”. Cyro Aranha virou-se
para o Joaquim: “Você vai contra a mão, de que jeito for, não se importe com os
apitos dos guardas, com as multas. A gente tem de cercar os caminhões no Largo
do Humaitá antes de todo mundo”. O
Joaquim não parava de tocar a buzina. De repente a multidão desapareceu, era a
estrada livre, estendendo-se até se perder de vista.
“Pise, Joaquim”!, disseram Cyro Aranha e Oswaldo
Euclydes ao mesmo tempo. O Joaquim já tinha pisado. O carro levantava nuvens de
poeira. Cyro Aranha com a cabeça de fora, recebendo o vento no rosto. Nenhum
caminhão poderia correr tanto. Quando ele chegasse no Largo do Humaitá saltaria
do carro, ficaria no meio do Largo, de braços abertos, para não deixar passar
nenhum caminhão. Os caminhões se amontoavam no Largo, fechando o caminho, e ai
ele teria tempo de organizar o cortejo. O caminhão da Armênia atrás do carro
dele, o carro dele seria o batedor.
Enquanto se organizasse o cortejo juntaria
gente no Largo. E o João de Lucca soltando foguetes, e as buzinas dos carros e
dos caminhões tocando sem parar.
Foi como Cyro Aranha tinha imaginado. O Joaquim chegou
antes dos caminhões e dos bondes. Cyro Aranha saltou e Oswaldo Eucydes e o
Joaquim foram atrás dele. Os três ficaram no meio do Largo de braços abertos.
Os caminhões foram aparecendo e parando. Cyro organizou o cortejo, botou o
carro dele na frente como batedor.
“Agora devagar, Joaquim, não temos pressa”.
As janelas se abriam, as portas dos botequins se enchiam de gente. É Vasco, e
casaca, casaca e foguete e bomba. O cortejo seguia por São Clemente, pela Praia
de Botafogo, pela Paia do Flamengo, pela Avenida Rio Branco, pela Avenida
Presidente Vargas, toda a vida, até São Januário. O portão dos automóveis do
Estádio de São Januário estava escancarado. E lá dentro tudo iluminado, como um
salão de baile. Cyro Aranha sentiu um nó na garganta quando olhou para a
tribuna social, repleta, todo mundo de pé batendo palmas.
Fonte: Jornal O Globo Coluna da Primeira Fila de Mário Filho 22 de Novembro de 1945
Flamengo 2 x 2 Vasco
Jogo suspenso no dia 18 de Novembro
de 1945 na Gávea, aos 26 minutos do 2° tempo (2 a 2). Faltam, assim, 19 minutos
de jogo.
Desentendimento do half Biguá do rubro-negro, com o árbitro, agravado com
invasão de campo por dirigentes do Flamengo e posteriormente uma briga
generalizada nas arquibancadas, as
pessoas invadiram o campo.
O policiamento foi deficiente não conseguindo afastar do
gramado os torcedores. A partida
reiniciou no dia 20 (Laranjeiras) às 18 horas e 45 minutos e terminou sem alteração do placar. Logo após, jogaram
às 19 horas e 20 minutos, Guanabara x
Campo Grande (eliminatória) e às 21 horas, Vasco 5 x 0 Seleção da Federação Metropolitana.
Fonte: Jornal A Noite 21 de Novembro
de 1945
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TOV Jornal dos Sports 1945 |
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TOV O Globo Esportivo 1945 |