domingo, 30 de outubro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1944 SURURU NA GÁVEA

                                                  “O pau comeu, eu garota, já vi...e pá e tá e pá, de cá”
                                                                Dulce Rosalina sobre um Vasco e Flamengo

1944                           Sururu na Gávea

Entramos no ano de 1944 e a primeira novidade era a apresentação dos hinos oficiais das torcidas, produzidos pelo compositor e radialista Lamartine Babo. Tudo começou quando ele foi desafiado em criar músicas para os clubes cariocas. O artista não fez por menos, e elaborou os hinos que seriam imortalizados nas arquibancadas para sempre. Em janeiro, o Jornal dos Sports anunciava a criação da primeira música: “será lançado no dia 10 o Hino da torcida Rubro-negra. No Teatro João Caetano, em primeira audição o Hino composto por Lamartine Babo (...) Foi o primeiro dos clubes, mas outros serão feitos (...) músicas especialmente compostas para serem cantadas por sua torcida”. O jornal escrevia na íntegra o hino do Flamengo. Pouco dias depois, era apresentado o hino do América.
            Esporte que foi incorporado à musica popular desde os primeiros anos, não foram poucas as partidas decisivas que terminariam em verdadeiros carnavais fora de época. Sem contar as inúmeras músicas feitas de improviso pela torcida em pleno clímax do jogo. Mário Filho, em O Negro no Futebol Brasileiro, chama a atenção para um fato curioso: no início do futebol carioca, as canções de celebração de vitórias tinham ainda um caráter britânico, obedecendo ao costume inglês das canções de brinde, ao redor da mesa da celebração. Pouco a pouco, as canções foram ganhando caráter mais popular (LOPES, 2006).
            Nos anos 1940 as marchinhas de carnaval faziam um enorme sucesso em diferentes lugares. Por isso elas eram constantes no repertório dos torcedores, entretanto, o que imortalizou a relação entre música e futebol, foram estes novos hinos das torcidas. É bem verdade que não foram os primeiros hinos, nem são os oficiais, mas até hoje são cantados pelos torcedores como os hinos principais de seus clubes.
            Lamartine Babo, além de ser um grande compositor popular, criador de inúmeras marchinhas de sucesso, era um fanático torcedor do América e soube como ninguém demonstrar, através de expressões populares, o sentimento dos torcedores das arquibancadas. Logo, junto com as marchinhas de carnaval, as torcidas entoaram seus novos hinos nos estádios.
            A ligação das torcidas com o carnaval se fazia através da formação de bailes carnavalescos promovidos pelos clubes que contavam com o apoio de suas torcidas na divulgação e organização das festas, No Vasco “acabou de organizar a Guarda vascaína. João de Luca está arregimentando foliões que desejam fazer parte da Guarda vascaína, se encontra diariamente na sede na hora do almoço”[1]. No mesmo dia, anunciava que a Guarda[2] Rubro Negra – organizava a festa do baile do Flamengo “e que já se tornou tradição no carnaval carioca o baile que a guarda rubro negra faz realizar nos salões do clube mais querido do Brasil (...) o Flamengo sempre formou a primeira linha dos animadores de carnaval carioca marcando época nos anais da folia suas formidáveis batalhas de confetes e seus concorridos bailes de máscara”[3]. Na mesma época, Vicente Rao, o Rei Momo em Porto Alegre, torcedor do Internacional, se tornava o “primeiro chefe de Torcida Organizada no Sul do Brasil” (DAMO, 2002, p.97).
            As guardas que se formavam para promover o carnaval nos seus respectivos clubes não tinham uma organização permanente, possuíam um caráter temporário e se desfaziam depois dos festejos. Porém, já revelavam uma capacidade de aglutinar sócios e torcedores das agremiações nestes eventos que contribuíam como uma boa fonte de renda para os clubes além de estreitar laços de solidariedade.
Entre 1944 e 1945, o Jornal dos Sports passava por uma reformulação editorial e gráfica com a implementação de modernos recursos do jornalismo e com o tratamento das notícias seguindo o padrão de linguagem norte-americano. Nota-se uma melhor programação visual, com uma diagramação de acordo com os padrões atuais. São utilizados vários novos cronistas permanentes que dão ao jornal um maior cunho opinativo, além de uma maior utilização das imagens com a contratação do cartunista argentino Lorenzo Molas[4]. Figura central do cartunismo esportivo daquele período e criador do “Expresso da Vitória”.
O artista criaria, nesta época, símbolos para todos os clubes: Popeye (Flamengo), Almirante (Vasco da Gama), Cartola (Fluminense), Pato Donald (Botafogo) e Diabo (América). Junto com os grandes clubes havia a personagem Miss Campeonato, uma bela jovem de maiô, vestida nos padrões das misses. Quase sempre as charges se referiam às estratégias de cada clube para conseguir casar-se com ela.
            E este campeonato de 1944 prometia grandes emoções, com a expectativa do Vasco vencer o seu quarto título do ano[5] ou o Flamengo conquistar seu primeiro tricampeonato. Porém, foi a torcida do Fluminense a que mais prestigiou seu clube até o final do primeiro turno do campeonato. Talvez motivada pela liderança na competição até então[6]. Nos jornais, a preocupação era revelar para quem torciam seus jornalistas, afinal “ninguém penetra na janela do esporte pela indiferença”[7]. Com o título de “Nesta vida todos torcem”[8], a revista inaugurava uma série de reportagens tentando matar a curiosidade dos torcedores  sobre o clube de preferência dos jornalistas, entre eles, um declarado rubro-negro: Ary Barroso. Nesta mesma época, o narrador Gagliano Neto apresentava toda quarta-feira o programa de rádio “Conversa de Torcedores”[9]
            O Flamengo, atual bicampeão de cidade, enfrentava problemas após a venda de Domingos da Guia e o desentendimento entre os seus principais jogadores. Em princípio, o maior rival do Vasco era o Fluminense, considerado um forte candidato ao título e líder durante várias rodadas. E foi justamente um Vasco e Fluminense, em setembro de 1944, que protagonizou uma partida bem tumultuada. Assistido por cerca de 20.000 nas Laranjeiras, o jogo foi interrompido no segundo tempo após o segundo gol do Fluminense (Flu 2 a 1) e houve a briga entre os jogadores[10] dos dois clubes, seguida da invasão do campo por várias pessoas. O jogo foi encerrado faltando poucos minutos. No dia seguinte, em um domingo (o jogo foi sábado à noite às  21h. 30min.), o Jornal dos Sports exibia a manchete: “Batalha Inacabada”. Em sua crônica, Mario Filho[11] comentava: “o incidente em Álvaro Chaves limitou-se aos jogadores, nele não se envolveu o público, que se conservou em seu lugar, como simples espectadores. Já se passou, definitivamente, a época das invasões de campo (...) dirigentes, policiais, técnicos e sub-técnicos, sim estiveram na cancha, portanto não vamos querer tanto mal assim ao pobre homem da arquibancada, que desta feita ficou em seu lugar direito:  braços cruzados, assistindo um pouco de Box”.
            Pouco depois do episódio entre Vasco e Fluminense, Flamengo e Botafogo farão uma partida memorável para o Botafogo e de triste lembrança para os rubro-negros. Antes do jogo, a torcida do Flamengo era toda confiança. A começar por Jaime de Carvalho que fazia do Jornal dos Sports o seu porta-voz na convocação dos torcedores de seu time. A reportagem dava a dica: “o chefe da torcida do Flamengo, Jaime de Carvalho, convida todos os seus companheiros e aqueles que desejarem acompanhar a referida torcida ao campo do Botafogo para se reunirem amanhã às 12h, na rua do Catete 321, ou às 15h no campo do Botafogo em General Severiano, a fim de estimularem os players rubro-negros. O local escolhido:  debaixo do placard. Haverá distribuição de flâmulas”[12].
            O jogo até onde durou terminou em 5 a 2  para o Botafogo, com os jogadores do Flamengo sentando no gramado após o quinto gol botafoguense, alegando irregularidade. As duas torcidas ficaram, em um primeiro momento, perplexas com a atitude dos jogadores e estavam aguardando o reinício da partida, que acabou não ocorrendo. O público assim se comportou: “A torcida, a massa, não se manifestou logo. Só foi manifestar-se depois, atiçada pelos gestos dos jogadores, pela presença em campo dos diretores do Flamengo (...) a atitude da torcida do Flamengo era a de quem reconhece a derrota do team[13]. Enquanto dirigentes e jogadores rubro-negros continuavam gesticulando para sua torcida acusando o juiz de estar roubando o seu time, os torcedores do Flamengo tinham que ouvir a gozação dos alvinegros que cantavam[14]: “Flamengo, Flamengo, tua glória é ... sentar”, ou “senta para não apanhar de seis”[15].
Enquanto a torcida botafoguense aproveitava para provocar a adversária durante toda a semana,  agora o Flamengo era motivo também de chacota das outras torcidas. Este exemplo reforça a ideia que no futebol carioca, na maioria das vezes, a “rivalidade é basicamente cordial e divertida” (LEVER, 1983, p.155), produzindo relações jocosas que se ampliam para depois do tempo e do espaço de um jogo, se estendendo para o cotidiano dos torcedores. Durante todo o período não foram pouco os momentos em que os rubro-negros tinham que explicar o porquê daquela atitude. A situação foi tão grave que muitos sócios do Flamengo, de tão envergonhados com aquele episódio, chegaram a redigir um abaixo-assinado pedindo o fim do futebol no Flamengo em 1944. A lista de assinantes era liderada por expoentes do clube, como Gustavo de Carvalho, ex-presidente[16].
            Naquele campeonato o jogo entre Vasco e Botafogo, em São Januário, foi considerado pela imprensa como o mais sensacional do ano, revelando o sucesso absoluto  da campanha vascaína. Após a vitória por 1 a 0, o Vasco, chamado de “Esquadrão dos três títulos”, confirmava o favoritismo e dava passos largos rumo ao título. Ao Botafogo, que com o resultado ficou sem chances de levantar a taça, restou o brilho da disputa presenciada por “enorme assistência (que) vibrou com a intensidade da movimentação e com lances de sensação oferecidos pelo jogo”. O final da partida foi assim descrito pelo JS: “termina afinal o match. A torcida vascaína vibra de grande entusiasmo e os jogadores dos dois clubes se confraternizam em campo e abraçam-se. Os jogadores correm até a tribuna de honra do Vasco e levantam um “hurra” de saudação ao clube vencedor. Reina no estádio entusiasmo indescritível”[17]. O dirigente e cronista Vargas Neto[18] definiu o que foi o jogo com o título de sua crônica: “Belo Espetáculo”. Ao terminar o jogo, ambas as torcidas aplaudiram todos os jogadores reconhecendo o empenho e a luta dos 22 atletas: “vieram os dois quadros juntos saudar a assistência depois de terminado o embate, e as sociais do Vasco recebera-os com palmas”[19]. Após incidentes em alguns jogos, havia uma preocupação da imprensa em exaltar atitudes cordiais dos jogadores e torcedores e não deixar que os sentimentos clubísticos se exacerbassem, principalmente nos grandes clássicos.
            Nos últimos jogos dos candidatos ao título: Flamengo, Fluminense e Vasco, o favoritismo era deste último, pois bastava uma combinação de resultados para a conquista antecipada da taça. A festa vinha sendo minuciosamente programada para o centro da cidade: “a diretoria mandara confeccionar três carros alegóricos para o desfile da vitória  a ser realizado na avenida Rio Branco” (SANDER, 2004, p.103).
            Na partida final, bastava o empate para o Vasco, já o Flamengo necessitava da vitória. Na peleja disputadíssima (descrita por Mario Filho), o grito de gol foi guardado para os momentos finais, através de Valido[20]. Era o tricampeonato do Flamengo. Seria o último título do clube nos anos 40. A animação dos torcedores é descrita com a “natural” invasão do gramado pelos torcedores e a festa nas arquibancadas: “o reduto dos torcedores chefiados por Jayme de Carvalho, de onde partiram os fogos de artifícios e as bombas”[21].
            Em suas lembranças, a torcedora-símbolo Dulce Rosalina, revela o ambiente de guerra durante a partida: “Quando eu era garota, em 1944, o jogo Vasco e Flamengo foi na Gávea. O Vasco, invicto com o “Expresso da Vitória”. Naquela ocasião, um jogador do Flamengo apoiou em cima do Argemiro. Era o Valido! E ai, naquilo fez o gol, o juiz não viu. Eu estava na cadeira, com a bandeira do Vasco e sócia do Vasco. Ai o que aconteceu? O pau comeu, eu garota, já vi...e pá e tá e pá, de cá.. Minhas primas estavam todas brigando, aquela cadeirada toda Vascaína brigando”. Apesar desta lembrança da torcedora confirmar a descrição do clima de guerra no livro de Mario Filho (2003), o Jornal dos Sports reservou algumas imagens de festas nas torcidas e de confraternização entre os líderes (chefes de torcida). Uma das explicações para a ausência de informações nos jornais sobre as brigas entre os torcedores era a censura imposta pelo governo pois a ditadura, embora estivesse com os dias contados, ainda se fazia presente nas principais redações dos jornais.
A polêmica sobre a validade do gol seria a tônica de discussão nas próximas semanas entre os torcedores e jornalistas, que puderam assistir imagens nos cinemas (através de cine documentários[22]) do gol em questão.
Nesses anos os estádios de futebol vão se delineando como espaços de afirmação de condutas ditas “masculinas” e brutas (empurra-empurra, ofensas, cusparadas, brigas). O afastamento progressivo das mulheres dos estádios já vinha ocorrendo há vários anos. A praça esportiva deixou de ser uma opção de lazer da família e passou a ser identificada como um “ambiente masculino por excelência”, mesmo com a ditadura era difícil o controle da situação, alguns jornalistas pedem medidas para manter as mulheres nos estádios. Tomas Mazzoni (1939, p.144) sugere a separação de “senhoras e crianças em localidades distintas, para evitar ouvir palavrão. Nossas partidas não são muito frequentadas pelo sexo fraco, apesar de gostarem muito do futebol”.
            Foi durante os anos 1940 que o rádio esportivo alcançou o seu período de maior sucesso. Era natural que, ao encampar a Rádio Nacional, em 1940, o Governo Vargas mantivesse a programação popular e ampliar ainda mais o poder de difusão do futebol para todo país ao transmitir em ondas curtas. O sucesso do futebol no rádio esportivo funcionava como um canal privilegiado de integração nacional, um dos ideais do Estado Novo. “O rádio esportivo foi essencial para a transformação do futebol em esporte de massa e um importante complemento na definição do rádio como meio de comunicação de massa” (SOARES, 1994, p.17).
            Como a Rádio Nacional ficava no Rio de Janeiro, os clubes da cidade passaram a contar com torcedores em todo o país. Não é à toa que Flamengo e Vasco conquistaram simpatizantes em todas as regiões por onde as transmissões chegavam.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1944, p.05.
[2] Outros clubes já tinham suas guardas desde os anos 1930, (CARVALHO, 1996, p.54) relata o que elas representavam: “a guarda alvinegra era constituída por um grupo de jovens que, em sua informalidade, unia atletas e adeptos (...) podia ser comparada ao que hoje se conhece como torcida organizada. Tinha também o objetivo de oferecer proteção aos torcedores e atletas botafoguenses, em tempos de instalações esportivas pequenas e inseguras”.
[3] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1944, p.05.
[5] O Vasco venceu em 1944 o Torneio Início, o Torneio Relâmpago e o Torneio Municipal.
[6] Segundo O Globo Sportivo de 01 de setembro de 1944,  estes foram os números apresentados sobre a preferência do público, até então, no final do primeiro turno de 1944: 1 lugar, Fluminense 115.737; 2 lugar, Vasco 111.394; 3 lugar Flamengo 89.124; 4 lugar, América 75.328 e 5 lugar, Botafogo, 62 311.
[7] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 04 de agosto de 1944, p. 07.
[8]  Cf. ibid. Rio de Janeiro, 28 de julho de 1944, p. 07.
[9] Cf.  ibid. Rio de Janeiro, 01 de setembro de 1944, p. 06.
[10] Durante a semana o comentário principal tinha sido a reação racista de muitas pessoas condenando a agressão do jogador do Vasco (Alfredo) sobre o atleta tricolor, Pedro Amorin. Este, médico e branco, aquele, negro. Na crônica de Vargas Netto, este dizia: “não me parece aceitável o argumento tão usado para descompor Alfredo, do Vasco, dizendo que ele é negro e que, por isso, não pode agredir um branco”. Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 01 de junho de 1944, p.01.
[11] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 05 de setembro de 1944, p.02.
[12] Era comum o convite aos torcedores do Flamengo virem seguidos das ofertas de flâmulas. Fica a dúvida se seriam mesmo esses objetos ou a distribuição de ingressos ou bebidas gratuitas. Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 09 de setembro de 1944, p. 04.
[13] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1944, p. 04.
[14] O conceito de relações jocosas  do antropólogo Radcliff-Brown (apud HOLLANDA, 2004, p. 294), ajuda  a entender o comportamento do torcedor, que através de “brincadeiras e gracejos permitem uma ambígua camaradagem entre grupos rivais ou antagônicos, tornando suportáveis certas tensões e conflitos latentes”.
[15] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1944, p. 04.
[16] Cf. ibid. Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1944, pp. 01 e 04.
[17] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1944, p. 06.
[18] Cf. ibid. Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1944, p. 01.
[19] Cf. Jornal dos Sports em 15 de outubro de 1944, p. 06. Segundo o jornal, o estádio estava completamente lotado, com a presença de 35 mil pessoas, sendo que 10 mil eram sócios do Vasco que não pagavam ingressos, quando o seu clube tinha mando de campo. A mesma regra valia para os outros clubes, daí o interesse em se tornar associado.
[20] O gol gerou uma polêmica durante anos. Muitos acusavam de lance ilegal (Valido teria se apoiado no jogador do Vasco para marcar o gol de cabeça). “Nem o chamado ‘Jornal da Tela’, exibido nos cinemas e única prova disponível da época, foi capaz de esclarecer se houve falta”. (ASSAF e MARTINS, 1997, p.259).
[21] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1944, p.11.
[22] O pesquisador Victor Melo (2006, p.120) fez um levantamento de diversos cinejornais dedicados ao esporte nos Arquivos da Cinemateca Brasileira (São Paulo). Entre os inúmeros cinejornais esportivos desta época, podemos destacar: “O Globo Esportivo na Tela”, “Esporte na Tela”, “O Esporte em Marcha”, “Vida Esportiva”, “Revista Esportiva”. Todos eles surgiram antes do aclamado Canal 100 (entre as décadas de 1950 e 1980). Além disso, o futebol era um tema sempre presente nos cinejornais em geral.

Vasco Jornal Diário da Noite 1944

Vasco Revista Sport Ilustrado 1944

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1943 TUV OU TOV

“João de Lucca se multiplicava. Aparecia em toda parte, de megafone na boca, para comandar um casaca"
Reportagem sobre o líder da TUV

1943                         TUV ou TOV?

As torcidas de Vasco e Flamengo protagonizavam uma disputa particular entre o final de 1942 e início de 1943, em função das festas promovidas pelas torcidas na recepção de seus atletas após as partidas de suas equipes em São Paulo. Os dois clubes tinham feito campanhas vitoriosas contra os maiores clubes paulistas, o que motivou os preparativos das torcidas cariocas que receberam em grande estilo carnavalesco, numa manifestação calorosa com muita animação, músicas e fogos, na chegada do trem com os atletas na Central do Brasil.
            O Vasco disputou em fevereiro de 1943 quatro partidas contra os principais clubes de São Paulo e voltou invicto. Primeiro jogou contra o São Paulo no dia 10 (2 a 2), depois enfrentou o Palmeiras no dia 14 (1 a 1), em seguida o Corinthians no  dia 19 (3 a 2) e, por último,  o Santos no dia 21 (1 a 0).
Foi então que os torcedores do Vasco reuniram um grupo entusiasmado para ver a chegada dos jogadores da excursão a São Paulo, com direito a um tratamento digno de uma grande conquista: “ao chegarem à cidade, os atletas tiveram uma recepção triunfal. A torcida vascaína compareceu em massa a estação de D. Pedro II, a fim de aplaudir os heróis que regressaram de uma campanha tão brilhante (...) dos cruzmaltinos em São Paulo“[1]. Mesmo antes da excursão, já tinham os preparativos de organização da primeira torcida organizada carioca, numa iniciativa pioneira dos vascaínos, conforme noticiava o jornal O Globo[2].
            Estas informações vão ao encontro das conclusões da pesquisadora Elizabeth Murilho Silva que aponta para o pioneirismo dos paulistas em organizar suas torcidas. Ela ainda destaca a composição social destes torcedores uniformizados (todos eles eram sócios). “Desde 1940 já havia em São Paulo as chamadas Torcidas Uniformizadas, sendo a do São Paulo Futebol Clube a primeira a surgir. Formada por sócios do clube, jovens na maioria, que levavam instrumentos musicais para o estádio e se vestiam com as cores de seu clube, desenvolvendo coreografias para comemorar os gols, estas torcidas eram de inspiração norte-americana. Em breve os outros grandes clubes da cidade como Palmeiras e Corinthians, também formam suas torcidas” (1999, p.175).
Também o antropólogo e pesquisador das torcidas organizadas, Luiz Henrique Toledo (1996, p.149), aponta para as transformações na composição do público paulista com a inauguração do Pacaembu e a preocupação em controlar os torcedores: “os anos 40 são marcados por um redimensionamento significativo do futebol profissional com a inauguração do Pacaembu (...) tal fato alavancou a participação popular nestes eventos esportivos, o que gerou uma maior preocupação de parte das autoridades em conter e regular a conduta torcedora”.
O fato dos torcedores irem a campo com roupa dos próprios times ou com as cores dos clubes começava a se tornar uma realidade com o surgimento destas torcidas uniformizadas. Nos jornais, vinha a ênfase e o apoio no comportamento organizado dos torcedores no incentivo aos times: “os estádios cheios estimulam os jogadores, exigem mais dos times que estão em campo”, concluía[3].
Acompanhando o futebol paulista, o Jornal dos Sports, fazia questão de destacar a multidão presente em um jogo entre Corinthians e São Paulo, quando 75.000 pagantes prestigiaram o evento. A organização das torcidas uniformizadas chamou a atenção de Mario Filho que logo pediria para o futebol carioca se inspirar neles: “destaque para as duas torcidas. O Pacaembu engalanou-se todo (...) aquela multidão que encheu literalmente as suas dependências, ganhando um colorido ainda mais pronunciado com a atuação destacada, cheia de bom humor e originais números, das duas torcidas uniformizadas”[4].
Em uma crônica em maio de 1943, o jornalista Mario Filho aproveitava para comparar e afirmar a importância dos torcedores cariocas seguirem o exemplo dos paulistas: “um exemplo que o público carioca deve imitar: o apoio de São Paulo ao futebol bandeirante”. Não que ele achasse o público paulista mais vibrante que o torcedor carioca. Nesse ponto, as torcidas se equivaleriam, tanto em uma praça quanto na outra, a emoção era bem semelhante. O que diferenciava era a presença de grandes multidões com a inauguração do Pacaembu, um estádio neutro e municipal. Enquanto no Rio de Janeiro, um clássico como Flamengo e Botafogo, era disputado em locais acanhados como a Gávea ou General Severiano, Palmeiras e São Paulo (com Leônidas da Silva) levavam mais de 70.000 pessoas. Para Mario Filho, era evidente que havia um crescimento de espectadores presentes nos estádios em São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro, a capacidade dos estádios (exceto São Januário, que abrigava 35 mil) era em média de 20.000 pessoas.
Seguindo o modelo das torcidas uniformizadas paulistas, a maioria dos integrantes da TUV (Torcida Uniformizada do Vasco) era formada por sócios do clube e assíduos frequentadores das sociais em São Januário. Portanto, quando a torcida foi criada e até a inauguração do Maracanã, ela se localizava nas sociais e não nas arquibancadas. Tia Aida, em depoimento ao jornalista Hilton Mattos, autor do livro, “Heróis do Cimento” (2007, p. 26), dá mais detalhes do grupo: “os integrantes vestiam camisa branca com detalhes em preto, saia ou calça preta, meia branca e sapato preto...depois ela foi rebatizada e virou Torcida Organizada do Vasco (TOV)”.
Curioso é que neste mesmo período o clube deixaria de usar a camisa escura e passaria a usar a camisa branca com a faixa diagonal negra. A torcida saiu na frente e passou a usar a cor branca como a cor principal. Nossa hipótese para a mudança da cor da camisa do clube e conseqüentemente para os torcedores vestirem o branco como cor predominante talvez tenha sido provocações de torcedores adversários que comparavam as “camisas negras” do Vasco com a organização militar criada pelo ditador italiano Benito Mussolini também conhecida como “camisas negras”. A influência da conjuntura da Segunda Guerra pode ter contribuído para tal mudança. Assim como o Palmeiras que também havia trocado a cor de seu uniforme de azul para verde.
             Em São Paulo, o jornal Gazeta Esportiva, organizava uma competição entre as torcidas uniformizadas paulistas, durante o campeonato paulista daquele ano, o que levou os jornais e revistas cariocas destacarem, através de fotos, o desempenho dos torcedores.
            Em clima de guerra mundial, o chefe da torcida vascaína faz um apelo convocando os torcedores para participarem da final do campeonato de atletismo em São Januário se auto-proclamando como o general da massa: “Portanto, como general em Chefe da Torcida Vascaína, a minha ordem de comando é esta: Vascaínos! Todos ao Estádio de São Januário, as 14 horas para incentivar os nosso atletas na conquista do título de campeão de 1943”[5].
No final do ano é a vez do Remo. Animados com a festa promovida pelo presidente do clube, Ciro Aranha, os jogadores e remadores acompanham com interesse um show de Lamartine Babo e outros músicos. No mesmo dia os torcedores fazem visitas à imprensa para pedir o apoio da torcida na reta final do campeonato: “a redação de Jornal dos Sports recebeu ontem a visita de um grupo de “leaders” da Torcida Vascaína, formando pelos Srs João de Lucca, o maioral da Torcida Vascaína, José Tavares Manoel de Oliveira, Eduardo Queiroz, Jorge Loureiro,Samuel Dias, Antônio Rodrigues Américo Carvalho, Paschoal Pontes e Jacintho Vieira. Queriam eles que Jornal dos Sports fosse o integrante de um apelo aos Vascaínos para que os mesmos compareçam amanhã a Lagoa, afim de incentivar as guarnições Cruzmaltinas. O ponto de Concentração será na Avenida Epitácio Pessoa, em frente ao Barracão da Pequena Cruzada” [6].
Neste ano a maior inquietação no futebol carioca ficou o tamanho e as péssimas condições dos estádios cariocas. A preocupação ganhou mais destaque quando ocorreu uma tragédia no final do ano no estádio do São Cristóvão, em que parte das arquibancadas desabou, provocando um acidente de grandes proporções[7]. Aquele havia sido o maior desastre no futebol brasileiro até então. Parte da imprensa fez uma intensa campanha pela interdição de vários campos esportivos com arquibancadas de madeira. Depois disso, vários estádios ficaram impedidos[8] de realizarem jogos e a campanha pela construção de um estádio municipal ganhava um peso maior com este episódio.
Um desastre por motivo de superlotação era quase que uma crônica anunciada. Ainda em agosto de 1943, uma reportagem de página inteira intitulada: “Falta apenas espaço”, denunciava as péssimas acomodações, com várias fotografias de torcedores pendurados em árvores, em barrancos e praças esportivas completamente tomadas pelo público. Em contraste, comparava com a segurança mostrada no Pacaembu: “o football carioca tem tudo para enfrentar o bandeirante na corrida dos sucessos. Falta, porém, espaços nos campos para comportar as grandes torcidas...” [9].
            Neste ano e no ano seguinte são feitas várias reportagens anunciando a disposição do governo federal e municipal construírem um estádio neutro capaz de abrigar mais de 100 mil pessoas. A proposta era de construir dois estádios: um para os esportes e outro somente para o futebol: “o esporte bretão na capital da República, nunca exerceu tanta atração sobre a massa (...) o que falta ao Rio e não faltará mais (a partir de dezembro de 1944) era um Pacaembu carioca (...) iniciativa da prefeitura e da federação (...) estádio para 120.000 pessoas conforme a maquete apresentada pelo prefeito Henrique Dodsworth (...) estádio nacional a ser construído pelo Ministério da Educação e o Estádio Nacional Olímpico com o objetivo de finalidade educativa”[10]. Em 11 de agosto de 1944, a Revista O Globo Sportivo apresenta um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer para um estádio de 100.000 pessoas, com fotos de sua maquete. Para reforçar a urgência da obra comenta-se sobre os estádios em Buenos Aires (River e Boca), com capacidade  superior a 100 mil espectadores.
            Em janeiro de 1945 a imprensa volta a comentar sobre o novo estádio: (...) O estádio Nacional terá capacidade para 200.000 (...) poderá parecer um exagero (...) nas duas últimas decisões do campeonato brasileiro o “colosso” de São Januário deu quase a impressão de ser uma lata de sardinha” [11].
Chegamos ao final do ano e as disputas mais importante daquele ano eram as finais do Campeonato Brasileiro de Seleções, invariavelmente decididas por paulistas e cariocas. Em 1943 não seria diferente. Após perder a primeira partida em São Paulo, a seleção carioca recebeu a seleção paulista no Rio de Janeiro. Era a segunda partida disputada em uma melhor de três e o jogo entraria para a história como a “Batalha dos Fogos”  e o jogo do “Chega”.
Os jornais locais faziam questão de defenderem seus estados, colocando a disputa fora dos atributos esportivos, levando os leitores acreditarem que uma derrota para seu rival seria uma vergonha para a sua cidade. Transformando a disputa numa questão de orgulho regional, com matizes nacionais, afinal a disputa seria para saber qual era o lugar mais importante para o país, qual era a locomotiva do Brasil. Ou seja, através do futebol se metaforizava quem dominaria a disputa política e econômica nacional.
            Bola rolando, os dois times disputando uma partida de igual para igual. No entanto, o que se viu foi a maior humilhação que uma seleção representando São Paulo sofreu. Em campo uma derrota por 6 a 1. Nas arquibancadas um coro de milhares de vozes gritando após o sexto gol “chega!!!!”. Em seu livro mais famoso, Mario Filho (2003, p.254) relembra a gozação improvisada pela torcida carioca: “foi o célebre jogo do chega. Nunca uma torcida foi mais cruel, feriu mais fundo, do que a carioca naquela noite. Havia na arquibancada, um batuque no meio da torcida organizada que cantava uma marcha de Ari Barroso, feita especialmente para a ocasião”.
            Para os cronistas, o antagonismo entre cariocas e paulistas era tão importante quanto o desafio entre brasileiros e argentinos. Era uma disputa tradicional: “o grande elã, o auge da loucura coletiva, eram as disputas entre as seleções do Rio e de São Paulo (...) fosse vitória aqui ou lá, era para fechar o comércio, era feriado, era festa, carnaval, euforia e povo nas ruas” (SEVCENKO 1994, p.36).
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1943, p. 09. A festa é comprovada em outra reportagem: “ Torcida do Vasco fez uma monumental recepção a embaixada de futebol do Vasco, que realizou em São Paulo uma temporada brilhante e vitoriosa. O povo invadiu as dependências da Estação Pedro II, para demonstrar aos Vascaínos sua alegria e seu entusiasmo pelo êxito da excursão”.Fonte: Jornal Sport Ilustrado 1943
[2] Cf. na seção “O Globo há 50 anos”. O GLOBO. Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 1993.
[3] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 04 de maio de 1943, p. 02.
[4] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 04 de maio de 1943, p.02.
[5] Fonte: Jornal dos Sports 31 de Outubro dr 1943.
[6] Fonte: Jornal dos Sports 13 de Novembro de 1943.
[7] O jogador do São Cristóvão, Walter enfatiza a superlotação do estádio muitas horas antes do início da partida: “lembro que ao meio-dia fechou os portões – não dava mais ninguém no campo. Começava as três e meia. Meio-dia já estava o campo lotado com gente até no mastro dos refletores. Dez mil pessoas mais ou menos...”. (HAMILTON, 2005, p.163).
[8] Os seguintes clubes estavam com os seus estádios interditados pela polícia a partir de setembro de 1943: América, Flamengo, Bonsucesso, Bangu e São Cristóvão. Cf. (CUNHA e VALLE, 1972, p.233).
[9] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1945, p.10.
[10] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 08 de outubro de 1943, p.11.
[11] Cf. O Globo Sportivo, dia 19, p.15.

Vasco Jornal A Manhã 1943

Vasco Revista Sport Ilustrado 1943

domingo, 23 de outubro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1942 A LEGIÃO DA VITÓRIA

      “OLYMPIO PIO. VASCAÍNO CAPAZ DE TODO E QUALQUER SACRIFÍCIO PELO VASCO”
            Manchete do Jornal

1942                       A  Legião da Vitória

            As sementes da primeira torcida organizada (uniformizada) no Rio de Janeiro surgiram no início de 1942 quando um grupo de vascaínos, motivados com a eleição de Ciro Aranha no final de 1941, passou a se reunir e formar um conjunto permanente de apoio incondicional ao elenco vascaíno, surgia “A Legião da Vitória”. Uma iniciativa que acompanhava o movimento semelhante de aglutinação dos sócios dos clubes já efetuada em São Paulo destinada a atuar em diferentes modalidades esportivas criando hinos e canções de incentivo. “A “Legião da Vitória” será formada nos moldes das Organizadas congêneres dos Estados Unidos, com hinos e cânticos desportivos próprios. Os membros da “Legião da Vitória”, além de muitos requisitos, deverão demostrar elevada educação esportiva e respeito ao adversário, vencido ou vencedor. Em cada setor da Cidade haverá um Chefe responsável pelos seus elementos. O Comitê Central será composto de três membros escolhidos entre os Vascaínos mais entusiastas e delegado ao Clube. A “Legião da Vitória” não acarretará a mínima despesa ao Clube e se comprometerá a animar todos os defensores do grêmio da Cruz de Malta, mesmo nas situações mais críticas” [1].
            No dia seguinte, outra matéria no Jornal dos Sports dava mais detalhes da origem do gupo que remonta as caravanas organizadas pelos torcedores: “é uma ideia que desde já pode ser considerada vitoriosa, se levarmos em conta o sucesso alcançado pelas caravanas esportivas organizadas no último campeonato pelo rapazes alegres do Vasco da Gama. A Legião da Vitória terá o condão de reunir fraternalmente todos os Vascaínos, proporcionando-lhes ao mesmo tempo horas de intensa alegria. As partidas de futebol, regatas e outras disputas esportivas, terão muito mais importância, quando os legionários Vascaínos, com umas canções e afinados conjuntos musicais alegrarem as praças de esportes da cidade. Tudo isso será feito dentro de um ambiente de disciplina e respeito, afim de que o elemento feminino possa tomar parte nas caravanas da Legião”.
            Durante todo o ano e, especialmente em partidas de maior apelo e na Zona Sul da Cidade, a organização dos torcedores é definida, com suas tarefas  delimitadas e a caracterização da logística para levar os torcedores juntos aos estádios partindo do Centro, local da sede do clube: “CARAVANA MONSTRO PARA ESTIMULAR O VASCO: Organiza-se para domingo uma grande caravana de Vascaínos para assistir a tradicional peleja entre Vasco e Flamengo. Para isso, uma comissão, composta dos associados Olympio Pio, João de Lucca, Waldemar de Oliveira, João Maquiem e Américo Cabral, que faz um apelo a todo o quadro social do Vasco para que procurem com o Sr. Edgard Freitas, na secretaria do Clube, a Avenida Rio Branco, os cartões que darão direito a viagem em ônibus especial e entrada na arquibancada do campo do Flamengo, até 6ª feira próxima. O local da partida será da Rua Uruguaiana, esquina de Carioca, as 12.30 horas” [2].
            Enquanto o campeonato carioca prosseguia, a maior preocupação dos brasileiros se concentrava nas notícias vinda da Europa em função do conflito mundial e da expectativa do Brasil declarar guerra ao Eixo.
A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial aconteceu somente no final de agosto. Antes, entre os meses de junho e agosto, acontecem várias mobilizações nas cidades, em função dos seguidos torpedeamentos dos navios alemães sobre embarcações brasileiras. A primeira  grande concentração de pessoas ocorreu na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, em julho de 1942, em que milhares de estudantes atenderam ao apelo da União Nacional dos Estudantes (UNE) e foram para as ruas se manifestarem. Era o primeiro foco de tensão entre a UNE e o Governo Vargas, com a passeata no dia quatro de julho, que se tornou um marco no movimento estudantil (ARAÚJO, 2007), culminando na demissão do Chefe da Polícia, Filinto Muller, contrário à manifestação, que teve o apoio favorável do Ministro da Justiça, Vasco da Cunha. Na época, durante a passeata, muitos gritavam: “Vasco 1 a 0” (SANDER, 2004).
            Em setembro de 1942, depois de declarar guerra ao Eixo, o país estava se mobilizando para o Conflito Mundial. Seguindo o clima de intenso nacionalismo, o Jornal dos Sports iniciou uma forte campanha pela realização de um jogo da seleção carioca contra a seleção de platinos que atuavam no futebol carioca para ajudar as famílias das vítimas dos ataques. A campanha contava com a adesão de intelectuais (como José Lins do Rego), presidentes de clubes (como, por exemplo, o presidente do Fluminense, Marcos de Mendonça), jogadores, jornalistas etc. Na mesma época, o Vasco anuncia todo apoio ao Movimento Nacional de Defesa da Pátria[3]. Pouco tempo depois,  em outubro, para demonstrar a força de mobilização do clube, os sócios do Vasco lideram uma campanha reunindo 70 listas subscritas com um total não inferior a um conto de réis, que seriam destinadas a compra de um avião a ser doado para o governo. Outras iniciativas mobilizam os outros clubes. O Flamengo promove um jantar dançante para arrecadar fundos e o América convida os associados para uma Grande Festa Cívica, com a presença do Ministro da Educação, Gustavo Capanema. Em São Paulo, o Palestra se transforma no Palmeiras.
O Flamengo ganharia o campeonato carioca de 1942, em outubro, ao empatar em 1 a 1 com o Fluminense, nas Laranjeiras. Este jogo ficou famoso como a data de fundação da primeira torcida organizada no Rio de Janeiro: a Charanga rubro-negra[4]. No entanto, os jornais consultados não fazem nenhum registro desse fato durante essa época. Cabe ressaltar que as figuras de Jaime de Carvalho e Manuel da Silva, já eram conhecidas pelos torcedores como chefes de torcida, embora outros clubes também tivessem seus próprios chefes de torcida[5], reconhecidos pelos seguidores de cada clube.
Não se trata de afirmar uma “nova verdade histórica”, mas de levantar algumas questões que possam abrir um leque de investigações. Como a partida com o Fluminense só era decisiva para o Flamengo, já que o tricolor estava fora da disputa, coube à torcida e aos sócios do clube prepararem a festa, pois bastava o empate para o Flamengo se tornar campeão. Assim, o fato de torcedores invadirem o gramado no final de uma competição, não era nenhuma novidade.  O que aconteceu é que, a partir daquele final de ano, os clubes e jornalistas cariocas começaram a incentivar os torcedores a seguirem o exemplo dos torcedores paulistas.
            Nossa hipótese principal é que a Charanga surgiu depois da Torcida Uniformizada do Vasco (TUV), que surgiria em fevereiro de 1943. Ambas foram criadas através de uma organização informal, unindo membros alheios a estatutos e códigos escritos. Provavelmente, a lembrança de uma data mítica, constituiu a fonte histórica para a reconstrução produzida por jornalistas esportivos interessados na compilação de datas e episódios marcantes. A premência de sair na frente das torcidas dos outros clubes, talvez, tenha ajudado na recordação do dia do primeiro título do clube nos anos 1940. A fundação da agremiação estaria representada em uma data que trazia alegria, festa, música e sorte, valores presentes nas arquibancadas, que acentuavam sua origem vitoriosa. Mais mítico que histórico. É a lembrança “doce vingança” do Fla-Flu da Lagoa de 1941, onde os papéis se inverteram (o Fluminense venceu o campeonato carioca em pleno estádio da Gávea). Em 1942, o Flamengo interrompeu um ciclo de conquistas tricolores, conquistando um título em pleno estádio das Laranjeiras.
             Nesta mesma época os torcedores do Flamengo, motivados pela conquista do campeonato carioca, ficaram mais animados ainda com a vitória sobre o campeão paulista, em São Paulo. Chamando o clube carioca de “O Campeão dos Campeões”, a imprensa divulga o trabalho dos chefes da torcida do Flamengo de  movimentarem-se para reunir a torcida e receber os ídolos na Central do Brasil. De lá sairiam 10 bondes especiais para a sede do clube onde torcedores, jogadores e dirigentes se confraternizariam. Nesta ocasião, Jaime de Carvalho se autoproclama “representante da torcida das arquibancadas e das gerais” (JS, 30-10-42).
 Em sua crônica diária, Mario Filho, é bem claro ao dizer que as torcidas em São Paulo tinham uma organização (copiadas dos universitários americanos) que faltava as cariocas, mesmo depois da propalada data de fundação da Charanga (11 de outubro). O que pode ser mais um indício de que não foi realmente nesta data, a época de sua fundação. “Vendo e ouvindo a torcida uniformizada que São Paulo nos mandou, sente-se naturalmente o desejo de ver um dia os fans cariocas também disciplinados dentro de uma organização, como já uma vez se conseguiu na competição de torcidas do Fla-Flu  (...)  o ponto de partida para uma oportuna campanha em prol de arregimentação das torcidas”[6].
            Não havia ainda uma mobilização organizada e constante dos torcedores não-associados para influir na vida do clube e do time nos estádios. Continuavam a ganhar destaque ainda os sócios mais influentes e as figuras públicas dos clubes. No América, surgia a Turma do Veneno. Um grupo de sócios formado em 1941 que discutia a política no clube: “gente temida e perigosa, ninguém discute que lhes coubesse a responsabilidade por muitos das agitações que andavam perturbando a vida do clube” (CUNHA e VALLE, 1972, p.214). Neste mesmo período, começou a se formar um outro grupo de torcedores influentes com a “criação na década de 1940 da agremiação de torcedores do Flamengo, Dragões Negros, com sede na tradicional Confeitaria Colombo” (HOLLANDA, 2004 p. 23).
            Mesmo com a conquista do título de campeão para o Flamengo, o grande destaque na imprensa carioca era atuação da torcida vascaína que prometia uma maior organização no ano seguinte e promovia uma grande festa no tradicional Cassino da Urca: “a festa constituirá um verdadeiro acontecimento, uma vez que naquela popular casa de diversões serão executadas em primeira audição as marchas “Vasco da Gama” e “Meu Pavilhão”, premiadas em sensacional concurso organizado por Jornal dos Sports e Rádio Clube do Brasil[7]. Para este jantar de confraternização foram esgotadas todas as localidades, o que constituirá uma apoteose a harmonia dos Vascaínos, mais unidos do que nunca em torno do seu pavilhão. A festa de amanhã no Cassino da Urca será o início da organização da Torcida Uniformizada do Vasco (Legião da Vitória), a maior novidade carioca para o campeonato de 1943”[8].
            Pouco depois desta festa a torcida vascaína já se mobilizava para o embate entre as seleções carioca e paulista. Ao todo foram quatro jogos que incendiaram o comportamento das torcidas em ambas as cidades. Foram dois jogos em São Paulo e duas partida no Rio de Janeiro, no estádio de São Januário.
            Para promover o jogo, os vascaínos acenam com a união com os rubro-negros e lançam uma campanha de civilidade diante dos rivais de São Paulo  para que os ânimos acirrados não se excarcerassem: “as manifestações de simpatia e apoio ao selecionado carioca promovida pelos torcedores e sócios do Vasco e do Flamengo constituirá um espetáculo inédito no esporte da cidade. Pela primeira vez na história do futebol metropolitano, as duas maiores legiões de torcedores do Brasil se reunirão num só bloco para saudação aos representantes do futebol citado.
CONCENTRAÇÃO VASCAÍNA
A direção geral da concentração Vascaína ficará a cargo dos “marechais de campo”, Olympio Pio, João de Lucca, Zé de São Januário, Antônio Vieira Jacinto, Oswaldo Moreira de Sá, Manoel Mattos e todos os chefes de setores.
CONCENTRAÇÃO RUBRO NEGRA
A concentração rubro negra, será feita nas tribunas populares, sob a direção do “comandante em chefe” Oswaldo Meneses, que terá como ajudante de ordens o legionário Fausto Ferreira.
INSTRUÇÕES AOS ADEPTOS DO VASCO E FLAMENGO
As instruções dadas aos torcedores, pelos seus respectivos líderes, não comportam manifestações de desagrado aos representantes da Federação Paulista. Pelo contrário, estes devem ser recebidos com aplausos. Dentro das normas esportivas de uma cidade que se orgulha de ser hospitaleira.
COMO SERÃO RECEBIDOS OS JOGADORES CARIOCAS
Os líderes da Torcida Vascaína e rubro negra, pedem para que sejam observadas as instruções abaixo: Na arquibancada social serão colocados dez clarins da Torcida Organizada do Vasco. Nas arquibancadas públicas outros dez clarins da Torcida Organizada do Flamengo”[9].
            Alguma observações se fazem necessárias: a ausência do nome de Jaime de Carvalho. A utilização dos mesmos recursos sonoros entre vascaínos e rubro-negros (os clarins) distribuídos em igualdade para não haver a disputa de qual torcida foi mais vibrante. Estes dois grupos, apesar de se declararem unidos, se posicionam em locais opostos: os vascaínos nas sociais e os flamenguistas nas arquibancadas.
            O resultado final foi a surpreendente vitória de São Paulo pelo placar de 4 a 3, depois de estar perdendo por 3 a 1. Ao término da partida a torcida carioca dá uma  demonstração de esportividade e aplaude o time  vencedor (Sander, 2004).
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Fonte: Jornal dos Sports 11 de Fevereiro de 1942
[2] Fonte: Jornal Gazeta de Notícias 24 de Junho de 1942
[3] Fonte: JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 04 de outubro de 1942,  pp.01 e 06.
[4] Para uma melhor compreensão desta torcida, ver o artigo (HOLLANDA e SILVA, 2006). Nos livros e revistas dedicados ao clube ressaltam sempre a sua primeira torcida uniformizada (LEVER, 1983; COUTINHO, 1990,1995; CASTRO, 2001). Mais do que isso, ela foi apontada durante anos como a primeira torcida organizada do Brasil. A falta de pesquisas e a reafirmação desses dados, passaram como inquestionáveis durante anos (ASSAF e MARTINS, 1997,1999; SANDER, 2004).
[5] Neste mesmo período (JS, 4-10-42) há a notícia de mobilização da torcida do Vasco para enfrentar seu adversário, contando com o apoio de seus adeptos: “os chefes da torcida vascaína movimentando-se em todos os setores, dando o sinal: não falte amanhã”.
[6] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 01 de novembro de 1942, p.02.
[7] No final do ano de 1942, a indústria fonográfica já percebia o crescimento deste filão ao lançar um disco em que os jogadores do Flamengo cantavam duas músicas: “Coisas do Destino” e “Vou Botar no Fogo”. O Vasco também gravaria nos estúdios da Colúmbia “as marchas da torcida organizada do Grêmio da Cruz de  Malta”. O disco tinha duas marchas:   “Vasco da Gama” e “Meu Pavilhão”.
[8] Fonte: Jornal dos Sports 26 de Novembro de 1942.
[9] Fonte: Jornal dos Sports 13 de Dezembro de 1942.

Vasco Jornal dos Sports 1942

Vasco Jornal dos Sports 1942