“A cada grande vitória renasce o menino que agita o pendão cruz-maltino".
Aldir Blanc – músico
Aldir Blanc – músico
1922 Tiros, Bombas e Polícia entre as
Torcidas
De
abril a agosto deste ano os vascaínos acompanharam com imenso fervor o seu time
que agora tinha seu próprio estádio. Porém, o clube teve que fazer uma série de
melhorias para o campo ser aprovado: teve que erguer a arquibancada de madeira
com 2 metros de largura, consultório médico, enfermaria e
banheiros. Enquanto o campo não ficava pronto, o Vasco alugou junto ao
Botafogo o estádio de General Severiano para realizar seus jogos.
Contratando jogadores para reforçar
o elenco, o Vasco era apontado como um dos favoritos da série B mas o teria que
superar o seu principal opositor: o Vila Isabel. Os dois clubes lideraram o
campeonato e travaram uma disputa emocionante rodada a rodada. No primeiro
encontra terminou com a vitória do Vila Isabel (1 a 0) que venceu no seu
estádio no campo do Jardim Zoológico. Neste momento surgiu uma campanha entre
dirigentes e associados vascaínos para o clube contratar um técnico, como os
clubes principais da primeira divisão, que adotasse métodos de preparo físico e
sistema tático. Surgiu o nome de Ramom Platero, treiador do Flamengo, mas sem
contrato. Feito os entendimentos, o técnico recebeu uma nova proposta do
Flamengo e teve que optar entre o Vasco e o Flamengo. Sua opção foi uma
resposta surpreendente para a época, pois ele escolheu o Vasco com salário de
um conto por mês.
O primeiro treinador vascaíno faria
uma revolução no estádio de Moraes e Silva que estava ainda terminando suas
obras. Em 15 dias dezenas de camas e colchões seriam instaladas além de
material de cozinha. Começam os treinamentos de manhã antes do sol raiar pelas
ruas do bairro: “a massa operária e comerciária que demandava a cidade para
seus empregos manhã cedo observava aquele grupo de atletas num espetáculo
inédito. Todos comentavam e apreciavam o esforço do grupo” (Rocha,1875, p.316).
A dois pontos atrás do líder Vila
Isabel, os comandados de Platero deveriam ganhar todas as disputas para voltar
a liderança da competição. Em 14 de maio o adversário era o Carioca no seu
campo na Estrada Dona Castorina. O jogo é disputado dentro e fora do campo com
“desentendimentos nas arquibancadas entre torcedores exaltados, bengaladas a
riscar o ar em busca de crânios desprevenidos – continuava o hábito dos
torcedores com suas bengalinhas, muitas das quais valiam como valentes
trabucos...” (Rocha, op. cit. p.316).
Em seguida uma partida no campo do
Botafogo com o Mangueira, com uma vitória de virada no fim da disputa provoca
imensa euforia dos vascaínos que comemoram no bar Capela, na Lapa. Apesar de
continuar na vice liderança, a força da torcida se fazia cada vez mais presente
para alcançar a ponta da tabela.
A
estreia do Vasco em seu proprio estádio não poderia ter melhor adversário: o
Vila Isabel, maior rival e único clube a vencer o Vasco naquele ano. Numa
linguagem rebuscada a imprensa destaca a história do local (antigo campo de turfe)
e a presença maciça dos vascaínos: “Inaugurado seu ground a Rua Moraes e Silva,
onde outrora tiveram domínio os cracks Rohallion Campo Alegre II e Ornatus, do
saudoso Stud Novis, o glorioso Vasco da Gama apanhou na esplendida tarde de
hontem uma formidável assistência, que encheu “au grand complet” todas as
dependências do seu novo campo de lutas. Tendo sofrido razoável remodelação,
este ground comquanto não esteja ainda apparelhado para as partidas da natureza
que hontem ali se feriu, evidenciou, contudo, o desvelado carinho a grande
vontado do que está possuída a digna e esforçada direcção do poderoso centro
náutico da Rua de Santa Luzia, no louvável intuto de bem servir e impressionar
agradavelmente o numeroso público adepto dos prélios de football[1]”.
Outro
relato emocionante é de José da Silva
Rocha, jornalista e ex-atleta do time ao escrever no livro de memórias do clube
mais de 50 anos depois: “o pequeno estádio de Morais e Silva não comportou
todos os entusiastas dispostos e desejosos de presenciar a luta. Muita gente
pendurou-se nos muros. Outros nas árvores que circundavam o campo e os quintais vizinhos. Não poucos
contentaram-se em receber os informes nas calçadas da via pública”. Após o
resultado: “nessa noite a torcida vascaína expandiu-se. Cortejo de automóveis
percorreu a cidade e os registros dos jornais fixaram no desentendimento na rua
28 de setembro com intervenção do delegado (...) A renda ultrapassou os 4
contos”.
O resultado a favor dos vascaínos deu
a liderança do campeonato que não saiu mais desta colocação. Era o caminho do
título que estava aberto. Mas o noticiário esportivo dava lugar ao policial com
a briga entre os torcedores do Vasco e do Vila Isabel após o jogo: “Infelizmente
a expansão que os rapazes vascaínos deram a sua alegria pelos ruidoso triunfo
alcançada sobre o seu digno rival, terminou por uma nota bastante triste, e a
que, pesarosos, somos forçados a nos referir. Comemorando o esplendido triunfo,
alguns associados e torcedores do Club vencedor organizaram, em automóveis, uma
grande passeata que seguiu em direção ao Boulevard 28 de Setembro, onde esta
localizada a Sede do Villa Isabel Football Club. Ali chegando, aqueles
manifestantes, sempre em grande algazarra provocada pelo intenso jubilo do que
estavam possuídos, ao passarem pela frente daquela sede, foram recebidos
pedradas, originando-se conseqüências muitos sérias. Mas tarde, um automóvel
conduzindo associados do Vasco, em lamentável represália, atacou a tiros de
revolver aquela sede, sendo ainda repelidos a pedradas. Como resultante do
choque das duas correntes, houve vários feridos. Como é fácil calcular, essa
triste ocorrência alarmou as famílias ali moradoras e sendo solicitada a
intervenção da polícia, foram efetuadas várias prisões, com grande aparato de “viúvas
alegres” á porta da Sede do Villa, que a polícia, como medida de precaução
fosse fechada. Lamentável[2]”.
Após
os incidentes os diretores do Vila Isabel escrevem uma nota oficial à imprensa
e comunicam que o seu clube rompia as relações com o Vasco da Gama. Na nota
eles acusam o clube alvinegro de nada fazer contra os seus sócios que
provocaram a desordem. Em reposta o clube acusado diz que foi aberto um
inquérito e que assim que terminassem as investigações as punições
aconteceriam.
A
sequência de bons resultados do Vasco dava maior confiança a sua torcida de que
o título sonhado estava bem próximo. Restava apenas uma partida para a
conquista ser confirmada e ela veio no campo do Andaraí com a vitória
esmagadora de 5 a 0 sobre o Palmeiras. Na saída do estádio os vascaínos
passaram pelo estádio do Vila Isabel e o confronto entre os torcedores foi
inevitável: “UMA CENA ANTI-DESPORTIVA. Como estava anunciado, realizou-se ontem
o encontro entre Vasco e Palmeiras, em que seria decidido a quem caberia o Título
de Campeão da Série B, da 1ª Divisão. Verificada que foi a vitória do Vasco da
Gama, alguns indivíduos, tipo de verdadeiros desocupados, postaram-se depois do
jogo, a frente da Sede do Villa Isabel e começaram a atacar os automóveis em
que vinham partidários do Club campeão, chegando ao ponto de arrebentarem os
chapéus dos passageiros, atirando lhes tamancos e cometendo toda a sorte de
desatinos. A polícia, temando conhecimento de tão degradantes fatos, compareceu
ao local, pondo em debandada um numeroso grupo que ali se achava”[3].
Em
depoimento a João Antero de Carvalho para o livro Torcedores de Ontem e de Hoje
(1968), o torcedor Antonio Tavares Rodrigues, um português que chegou ao Brasil
em 1915 e se tornaria presidente do clube nos anos 1940, relembra como os
torcedores se preparavam para as partidas em campos adversários e a
possibilidade de confrontos: “quando o Vasco ainda não pertencia a primeira
divisão formou o chamado “grupo do lasca
o pau”, verdadeiro “choque de força” que repelia as alcunhas de “galego”
e “mondrongo”, aquele tempo assacadas amiúde contra os torcedores”. Tavares
além de competir no water polo pelo
Vasco também era atleta do remo e participava das lutas nas ruas e
arquibancadas. Ele relembra: “nós nos distribuíamos nas arquibancadas aos
grupos e quando nos chamavam pelos apodos, aquele que estivesse mais perto ia
“cobrindo” o ofensor até que outros choques chegassem ao local do desafio”.
Outro
personagem que começava a se destacar na torcida era José Paradantas, apontado
pelo repórter do Jornal dos Sports, Geraldo Romualdo da Silva como o primeiro
chefe de torcida no Rio de Janeiro. O líder era o responsável por fabricar uma
bandeira gigante que carregava com seu grupo em qualquer lugar que o Vasco
fosse.
Mais
o ano poderia ser melhor para as inúmeras comemorações que os vascaínos
preparavam. Disputando com o São Cristovão, último colocado na série A, o Vasco
apenas empata e, por isso, não teve a
chance de enfrentar o América, que ficou com o título de “Campeão do Centenário”.
Não importava, o certo é que no próximo ano a série A contaria com a presença
dos vascaínos pela primeira vez. Parte da imprensa ainda não estava acostumada
com aquela novidade ou parecia não crer: “segundo nos informaram, a prova
eliminatória, entre Vasco x São Cristovão, rendeu cerca de 5 contos de réis. A
ser verdade, fica mais uma vez demostrado que a torcida do Vasco da Gama é um
fato” [4].
O
remo daria novas alegrias aos torcedores com algumas conquistas e a comemoração
em grande estilo na Ilha do Engenho com a organização de um gigantesco
piquenique. O Jornal das Moças, O Malho e O Careta, assim como fizeram em 1920
dão grande destaque em suas fotos para as dezenas de torcedoras, sócios e
atletas do Vasco da Gama. Para a imprensa, como clube, o Vasco era grande,
restava confirmar isso no futebol. Em 1923, a prova será definitiva.
Para
fechar a temporada esportiva com chave de ouro a seleção brasileira vencia nas
Laranjeiras o campeonato 5° Sul-Americano
no ano que foi marcado pelas comemorações do Centenário da Independência do
Brasil. A competição não contou com nenhum atleta do Vasco pois a seleção
ainda era um privilégio dos clubes da elite, mas certamente a presença dos
vascaínos no estádio incentivando a seleção nacional, foi algo que deu aos torcedores
mais orgulho de continuar acompanhando aquele esporte que se firmava como
verdadeira paixão nacional.
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