quarta-feira, 10 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1922 TIRO, BOMBAS E POLÍCIA ENTRE AS TORCIDAS

 “A cada grande vitória renasce o  menino que agita o pendão cruz-maltino".
Aldir Blanc – músico

1922        Tiros, Bombas e Polícia entre as Torcidas

            De abril a agosto deste ano os vascaínos acompanharam com imenso fervor o seu time que agora tinha seu próprio estádio. Porém, o clube teve que fazer uma série de melhorias para o campo ser aprovado: teve que erguer a arquibancada de madeira com 2 metros de largura, consultório médico, enfermaria e banheiros. Enquanto o campo não ficava pronto, o Vasco alugou junto ao Botafogo o estádio de General Severiano para realizar seus jogos.
            Contratando jogadores para reforçar o elenco, o Vasco era apontado como um dos favoritos da série B mas o teria que superar o seu principal opositor: o Vila Isabel. Os dois clubes lideraram o campeonato e travaram uma disputa emocionante rodada a rodada. No primeiro encontra terminou com a vitória do Vila Isabel (1 a 0) que venceu no seu estádio no campo do Jardim Zoológico. Neste momento surgiu uma campanha entre dirigentes e associados vascaínos para o clube contratar um técnico, como os clubes principais da primeira divisão, que adotasse métodos de preparo físico e sistema tático. Surgiu o nome de Ramom Platero, treiador do Flamengo, mas sem contrato. Feito os entendimentos, o técnico recebeu uma nova proposta do Flamengo e teve que optar entre o Vasco e o Flamengo. Sua opção foi uma resposta surpreendente para a época, pois ele escolheu o Vasco com salário de um conto por mês.
            O primeiro treinador vascaíno faria uma revolução no estádio de Moraes e Silva que estava ainda terminando suas obras. Em 15 dias dezenas de camas e colchões seriam instaladas além de material de cozinha. Começam os treinamentos de manhã antes do sol raiar pelas ruas do bairro: “a massa operária e comerciária que demandava a cidade para seus empregos manhã cedo observava aquele grupo de atletas num espetáculo inédito. Todos comentavam e apreciavam o esforço do grupo” (Rocha,1875, p.316).
            A dois pontos atrás do líder Vila Isabel, os comandados de Platero deveriam ganhar todas as disputas para voltar a liderança da competição. Em 14 de maio o adversário era o Carioca no seu campo na Estrada Dona Castorina. O jogo é disputado dentro e fora do campo com “desentendimentos nas arquibancadas entre torcedores exaltados, bengaladas a riscar o ar em busca de crânios desprevenidos – continuava o hábito dos torcedores com suas bengalinhas, muitas das quais valiam como valentes trabucos...” (Rocha, op. cit. p.316).
            Em seguida uma partida no campo do Botafogo com o Mangueira, com uma vitória de virada no fim da disputa provoca imensa euforia dos vascaínos que comemoram no bar Capela, na Lapa. Apesar de continuar na vice liderança, a força da torcida se fazia cada vez mais presente para alcançar a ponta da tabela.
            A estreia do Vasco em seu proprio estádio não poderia ter melhor adversário: o Vila Isabel, maior rival e único clube a vencer o Vasco naquele ano. Numa linguagem rebuscada a imprensa destaca a história do local (antigo campo de turfe) e a presença maciça dos vascaínos: “Inaugurado seu ground a Rua Moraes e Silva, onde outrora tiveram domínio os cracks Rohallion Campo Alegre II e Ornatus, do saudoso Stud Novis, o glorioso Vasco da Gama apanhou na esplendida tarde de hontem uma formidável assistência, que encheu “au grand complet” todas as dependências do seu novo campo de lutas. Tendo sofrido razoável remodelação, este ground comquanto não esteja ainda apparelhado para as partidas da natureza que hontem ali se feriu, evidenciou, contudo, o desvelado carinho a grande vontado do que está possuída a digna e esforçada direcção do poderoso centro náutico da Rua de Santa Luzia, no louvável intuto de bem servir e impressionar agradavelmente o numeroso público adepto dos prélios de football[1]”.
            Outro relato emocionante é  de José da Silva Rocha, jornalista e ex-atleta do time ao escrever no livro de memórias do clube mais de 50 anos depois: “o pequeno estádio de Morais e Silva não comportou todos os entusiastas dispostos e desejosos de presenciar a luta. Muita gente pendurou-se nos muros. Outros nas árvores que circundavam o campo  e os quintais vizinhos. Não poucos contentaram-se em receber os informes nas calçadas da via pública”. Após o resultado: “nessa noite a torcida vascaína expandiu-se. Cortejo de automóveis percorreu a cidade e os registros dos jornais fixaram no desentendimento na rua 28 de setembro com intervenção do delegado (...) A renda ultrapassou os 4 contos”.
            O resultado a favor dos vascaínos deu a liderança do campeonato que não saiu mais desta colocação. Era o caminho do título que estava aberto. Mas o noticiário esportivo dava lugar ao policial com a briga entre os torcedores do Vasco e do Vila Isabel após o jogo: “Infelizmente a expansão que os rapazes vascaínos deram a sua alegria pelos ruidoso triunfo alcançada sobre o seu digno rival, terminou por uma nota bastante triste, e a que, pesarosos, somos forçados a nos referir. Comemorando o esplendido triunfo, alguns associados e torcedores do Club vencedor organizaram, em automóveis, uma grande passeata que seguiu em direção ao Boulevard 28 de Setembro, onde esta localizada a Sede do Villa Isabel Football Club. Ali chegando, aqueles manifestantes, sempre em grande algazarra provocada pelo intenso jubilo do que estavam possuídos, ao passarem pela frente daquela sede, foram recebidos pedradas, originando-se conseqüências muitos sérias. Mas tarde, um automóvel conduzindo associados do Vasco, em lamentável represália, atacou a tiros de revolver aquela sede, sendo ainda repelidos a pedradas. Como resultante do choque das duas correntes, houve vários feridos. Como é fácil calcular, essa triste ocorrência alarmou as famílias ali moradoras e sendo solicitada a intervenção da polícia, foram efetuadas várias prisões, com grande aparato de “viúvas alegres” á porta da Sede do Villa, que a polícia, como medida de precaução fosse fechada. Lamentável[2]”.
            Após os incidentes os diretores do Vila Isabel escrevem uma nota oficial à imprensa e comunicam que o seu clube rompia as relações com o Vasco da Gama. Na nota eles acusam o clube alvinegro de nada fazer contra os seus sócios que provocaram a desordem. Em reposta o clube acusado diz que foi aberto um inquérito e que assim que terminassem as investigações as punições aconteceriam.
            A sequência de bons resultados do Vasco dava maior confiança a sua torcida de que o título sonhado estava bem próximo. Restava apenas uma partida para a conquista ser confirmada e ela veio no campo do Andaraí com a vitória esmagadora de 5 a 0 sobre o Palmeiras. Na saída do estádio os vascaínos passaram pelo estádio do Vila Isabel e o confronto entre os torcedores foi inevitável: “UMA CENA ANTI-DESPORTIVA. Como estava anunciado, realizou-se ontem o encontro entre Vasco e Palmeiras, em que seria decidido a quem caberia o Título de Campeão da Série B, da 1ª Divisão. Verificada que foi a vitória do Vasco da Gama, alguns indivíduos, tipo de verdadeiros desocupados, postaram-se depois do jogo, a frente da Sede do Villa Isabel e começaram a atacar os automóveis em que vinham partidários do Club campeão, chegando ao ponto de arrebentarem os chapéus dos passageiros, atirando lhes tamancos e cometendo toda a sorte de desatinos. A polícia, temando conhecimento de tão degradantes fatos, compareceu ao local, pondo em debandada um numeroso grupo que ali se achava”[3].
            Em depoimento a João Antero de Carvalho para o livro Torcedores de Ontem e de Hoje (1968), o torcedor Antonio Tavares Rodrigues, um português que chegou ao Brasil em 1915 e se tornaria presidente do clube nos anos 1940, relembra como os torcedores se preparavam para as partidas em campos adversários e a possibilidade de confrontos: “quando o Vasco ainda não pertencia a primeira divisão formou o chamado “grupo do lasca  o pau”, verdadeiro “choque de força” que repelia as alcunhas de “galego” e “mondrongo”, aquele tempo assacadas amiúde contra os torcedores”. Tavares além de competir no water polo pelo  Vasco também era atleta do remo e participava das lutas nas ruas e arquibancadas. Ele relembra: “nós nos distribuíamos nas arquibancadas aos grupos e quando nos chamavam pelos apodos, aquele que estivesse mais perto ia “cobrindo” o ofensor até que outros choques chegassem ao local do desafio”.
            Outro personagem que começava a se destacar na torcida era José Paradantas, apontado pelo repórter do Jornal dos Sports, Geraldo Romualdo da Silva como o primeiro chefe de torcida no Rio de Janeiro. O líder era o responsável por fabricar uma bandeira gigante que carregava com seu grupo em qualquer lugar que o Vasco fosse.
            Mais o ano poderia ser melhor para as inúmeras comemorações que os vascaínos preparavam. Disputando com o São Cristovão, último colocado na série A, o Vasco apenas empata e, por isso,  não teve a chance de enfrentar o América, que ficou com o título de “Campeão do Centenário”. Não importava, o certo é que no próximo ano a série A contaria com a presença dos vascaínos pela primeira vez. Parte da imprensa ainda não estava acostumada com aquela novidade ou parecia não crer: “segundo nos informaram, a prova eliminatória, entre Vasco x São Cristovão, rendeu cerca de 5 contos de réis. A ser verdade, fica mais uma vez demostrado que a torcida do Vasco da Gama é um fato” [4].
            O remo daria novas alegrias aos torcedores com algumas conquistas e a comemoração em grande estilo na Ilha do Engenho com a organização de um gigantesco piquenique. O Jornal das Moças, O Malho e O Careta, assim como fizeram em 1920 dão grande destaque em suas fotos para as dezenas de torcedoras, sócios e atletas do Vasco da Gama. Para a imprensa, como clube, o Vasco era grande, restava confirmar isso no futebol. Em 1923, a prova será definitiva.
            Para fechar a temporada esportiva com chave de ouro a seleção brasileira vencia nas Laranjeiras o campeonato 5° Sul-Americano no ano que foi marcado pelas comemorações do Centenário da Independência do Brasil. A competição não contou com nenhum atleta do Vasco pois a seleção ainda era um privilégio dos clubes da elite, mas certamente a presença dos vascaínos no estádio incentivando a seleção nacional, foi algo que deu aos torcedores mais orgulho de continuar acompanhando aquele esporte que se firmava como verdadeira paixão nacional.


[1] Fonte: Jonal O Imparcial 5 de junho de 1922.
[2] Fonte: Jornal O Imparcial 05 de Junho
[3] Fonte: Jornal O Correio da Manhã 24 de Julho.
[4] Jornal O Paíz 08 de Novembro de 1922
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.

Vasco Jornal O Imparcial 1922

Vasco Jornal Careta 1922


Nenhum comentário:

Postar um comentário