domingo, 7 de agosto de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1921 A TORCEDORA DO VASCO

“Um hurrah! Ao Club de Regatas Vasco da Gama”
                                 Grito de guerra da época

1921                     A Torcedora do Vasco

As emocionantes partidas nas finais dos campeonatos carioca e paulista de 1920 motivaram reações e comentários que extrapolaram o domínio esportivo. No primeiro dia de 1921, o cronista Lima Barreto escreve um artigo para a Revista Careta (“Uma Conferência Sportiva”) criticando o comportamento agressivo nos campos de futebol. Ainda no final do ano anterior um decreto presidencial aplicava novas medidas disciplinares para o público nos cinemas, teatros e praças esportivas, no entanto, permitia cânticos, gritos e rumores nos últimos espaços. O que denota a participação ativa da platéia esportiva e o reconhecimento do papel dos torcedores de forma diferenciada do público nos recintos fechados.
Em São Paulo a novidade no campeonato da primeira divisão era a presença de mais três clubes formados pelas comunidades de imigrantes: a Portuguesa, o Sírio e o Germânia. A Portuguesa fazia sua estréia através de uma fusão com o tradicional Mackenzie. Ao todo 12 equipes disputariam o campeonato.
No Rio acontecia o movimento inverso com a diminuição do número de clubes na primeira divisão. Enquanto no ano de 1920 o campeonato foi disputado por 10 clubes, para 1921 ficariam apenas 7 clubes. Contudo, a partir deste ano, cada vez mais os torcedores do Vasco conviveriam com o ambiente dos clubes da primeira divisão e suas respectivas torcidas. No Torneio Início de 1921 a novidade foi a inclusão dos clubes da série B (onde o Vasco estava) para disputar com os clubes da série A. Milhares de torcedores compareceram ao estádio das Laranjeiras em abril para acompanhar seus times e a surpresa ficou com a final da competição entre dois clubes da série B: Vasco e Palmeiras.
            Apesar da derrota na final, o futebol do Vasco passa a ser destaque na imprensa que começa a dar mais ênfase aos clubes da série B e suas respectivas torcidas. Antes desta competição que marcou o início oficial do futebol carioca de 1921, Vasco e Helênico pelos segundo times disputaram a final dos segundos times referente aos ano de 1920. Com a vitória, os vascaínos finalmente conquistaram seu primeiro título no futebol. Para comemorar com os jogadores, centenas de sócios se reuniram em um jantar em que “oradores exaltaram o êxito alcançado e os vascaínos empolgados saíram em passeata pela cidade” (Rocha, 1975, p.294).
O principal veículo de imprensa esportiva da época  o Jornal Sport Ilustrado, por inúmeras vezes acompanha o desempenho do time. O melhor exemplo foi a reportagem da partida entre Vasco e Vila Isabel, os clubes de maiores torcidas e com rivalidade de uma certa tradição: “esta partida considerada como uma das mais importantes da série B do campeonato do Rio de Janeiro, levou ao campo do América numerosa concorrência. O jogo foi bem disputado e trouxe a assistência  em constante emoção pelos belos lances que proporcionou. O encontro ocorreu normalmente e não houve protestos nem distúrbios de espécie alguma”.
Era a primeira vez que um jogo do Vasco reunia no campo do América mais de 1.000 pagantes (sócios não pagavam) com uma renda recorde na série B de 1 conto e 500 mil réis, causando grande repercussão na imprensa e no mundo esportivo carioca.
            Embora o Vasco tenha vencido o Vila Isabel nesta partida, o título ficou com o adversário e a torcida teria que se contentar em aguardar mais um ano. Mas a boa notícia viria com a conquista da 7° título carioca de remo e com a aquisição em dezembro (por empréstimo) do campo do Rio de Janeiro na rua Moraes e Silva. O clube pagaria 650 mil réis por mês e deixaria de treinar no campo da rua Barão de Itapagipe.
            Até conseguir seu próprio estádio, o clube tinha que alugar para as partidas oficiais as praças esportivas de outros clubes com o pagamento de 10% da renda. Seria uma grande economia pois o clube já conseguia renda de 1 conto por partida, o que era uma soma apreciável para um clube da série B.
            Embora fosse campeão no Remo neste ano e permanecesse na série B no futebol para o ano seguinte, as expectativas para os remadores não eram boas em função das obras promovidas pelo prefeito do Distrito Federal, Carlos Sampaio, que realizavam o desmonte do morro do Castelo e o aterramento de uma imensa região afetando a área de treinamento de vários clubes náuticos da região, inclusive o Vasco da Gama.
            No futebol, para encerrar a temporada foi marcado um amistoso contra o campeão da cidade de Petrópolis, o Serrano F.C.. Dezenas de adeptos se organizaram para acompanhar o time provocando um verdadeiro alvoroço na região reunindo uma platéia para o jogo nunca antes registrada na cidade serrana. Foi uma verdadeira invasão vascaína: “os trens da linha regular e os extraordinários organizados especialmente foram insuficientes para conter  a avalanche de associados em excursão alegre e festiva” (Rocha. 1975, p.308).
            Neste mesmo período era disputado o Campeonato Sul-Americano de Seleções com a presença de praticamente todos os jogadores do Rio de Janeiro com a recusa dos paulistas. Entre os selecionados nenhum negro seguindo recomendações para evitar que a torcida Argentina chamasse os jogadores brasileiros de “macaquitos”.
            O racismo expresso nos campos esportivos era um dos motivos que levaria o escritor Lima Barreto a combater o futebol como um torcedor, ou melhor, como um anti-torcedor. Para ele o esporte apresenta exatamente o contrário daquilo que seus divulgadores e propagandistas exaltavam: o ideal civilizatório. O futebol, para Barreto, além do racismo, estimularia os conflitos generalizados, independentes de classe social, origem, nacionalidade. Para ele, o futebol provocava o acirramento de rivalidades entre diferentes bairros, cidades e países, levando a sentimentos menores, incentivando a população se manifestar de forma grosseira e animalesca.
            Infelizmente o escritor morreria em 1922 e não teria tempo para ver a Revolução que a equipe de futebol do Vasco promoveria em campo no ano seguinte. Provavelmente ele teria que reformular sua visão sobre o esporte que tomava outros rumos a partir daquela conquista tão marcante.
Os anos 1920 seriam marcados no século XX por criarem muitas mudanças na vida política, econômica e social no Brasil. Os traços de uma sociedade marcada pelo machismo, pela segregação social, pelo autoritarismo das elites e pela ausência de participação da sociedade na vida política do país entravam em um processo de forte contestação.           
No teatro, por exemplo, uma peça sobre o comportamento de uma mulher  nos estádios, chama atenção para o que estava mudando, ainda que estas mudanças fossem muito tímidas. Na peça “ A Torcedora do Vasco”, de Antonio Quintiliano, encenada no Teatro Recreio num festival em homenagem ao clube, “apesar de ser uma obra com forte tom caricatural, é possível perceber um novo perfil feminino traçado por intermédio do esporte que no caso não é o futebol, mas o remo. No lugar das mocinhas desprotegidas, à espera de um casamento ou subordinadas aos seus maridos, vemos uma mulher que autoritariamente inverte os papéis e que ao longo da peça não cansa de repetir “Que marido maricas!” (...) Sofia não é aquele tipo de esposa prendada e sempre preocupada em cuidar do marido, ao contrário, Sofia “só cuida de regatas!” Nada de cozinhar, lavar roupas ou limpar a casa, pegar o carro e ir à praia torcer pela equipe de remo do Vasco da Gama é a principal atividade de Sofia”[1].
____________________
[1] COSTA, Leda Maria da . O que é uma torcedora? Notas sobre a representação e auto-representação do público feminino de futebol.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.

 
Vasco Jornal Correio da Manhã 1921

Vasco Jornal Sport Ilustrado 1921


Nenhum comentário:

Postar um comentário