“Entra Basco que teu
marido é sócio”
Provocação dos rivais
1926 Campanha dos 10.000
A
mesma torcida vascaína que prestigiava o remo na Enseada de Botafogo, acompanhava
com o habitual entusiasmo o futebol no mesmo dia. Assim, reunir os sócios e
torcedores vascaínos em torno das disputas esportivas era algo comum e uma
rotina durante todo o ano para os seus adeptos. Até mesmo durante a época das
férias a união e a confratenização dos sócios era mantida, especialmente quando
chegava a época pré-carnavalesca: “A Praia das Virtudes, um recanto da antiga
Praia da Santa Luzia. Completou no domingo o primeiro aniversário do seu
batismo. Em razão desse aniversário, um grupo de carnavalescos filiados ao
Clube de Regatas Vasco da Gama, levou a efeito um banho a fantasia, cuja
concorrência é atestada pelas gravuras que publicamos. Tiradas na manhã daquele
domingo, durante a qual se realizaram vários concursos de fantasias, provas de
natação e outras”[1].
Começou
neste ano a ganhar forma uma intensa campanha de arrecadação de recursos para a
construção do estádio. Listas corriam pela cidade onde pessoas de diferentes
estratos sociais contribuíam, esta lista de contribuição que ficou conhecida como
a “Campanha dos 10 mil”. Uma iniciativa inédita no futebol brasileiro que
injetou mais força ao clube: "a popularidade que o time do Vasco vinha
consolidando na cidade foi um dos pontos facilitadores do sucesso da campanha.
Para se ter uma ideia, somente no ano de 1926 ingressaram no clube cerca de
sete mil novos associados" (Blanc, 2009, p.92).
Até 1926, Vasco e Fluminense disputavam qual era o
clube carioca que tinha o maior número de sócios. Havia uma pequena vantagem
para o tricolor que superava os 3.000 sócios vascaínos. No entanto, estes
números sempre variavam de acordo com as oscilações nas conquistas de cada um e
na dificuldade de manter os contribuintes com a mensalidade em dia. Uma das
estratégias lançadas pelos dirigentes foi a campanha para que cada associado
vascaíno conseguisse mais dois membros para o clube. Assim o clube alcançaria o
expressivo número de 10.000 financiadores. Com este total de associados, os
dirigentes acreditavam reunir recursos monetários capaz de erguer o maior
estádio do Brasil.
Inicialmente foram arrecadados fundos para a
compra de um terreno em São Cristóvão. Este bairro foi escolhido por vários
motivos. De acordo com o geógrafo Fernando Ferreira[2], o
bairro tinha as características condizentes com a origem do clube bem como de
outros fatores que intervieram na escolha do local: “a relativa proximidade com
o antigo campo da Rua Morais e Silva e com a zona portuária, parte da cidade
onde o clube fora fundado; a existência de uma numerosa colônia portuguesa em
São Cristóvão, composta tanto por moradores quanto por comerciantes e industriais;
a identificação do bairro com Portugal, construída desde a chegada da Família
Real, em 1º de janeiro de 1809 à Quinta da Boa Vista”(FERREIRA, 2004, p.34).
Mesmo com a proibição de importação
de cimento belga imposta pelo então presidente da República, Washington Luiz,
garantida um ano antes para a construção do Jockey Club Brasileiro[3], o
clube começou a realizar a obra que iniciou em 6 de Junho de 1926.
Assim
como no campeonato anterior o desempenho do clube em campo motivava ainda mais
os torcedores compareceram aos estádios naquele que seria o último campeonato
que o Vasco disputaria em campos alugados por toda a cidade. O clube liderou
boa parte do campeonato ao lado do São Cristóvão e chegou na última rodada em
condições de ganhar o título. Entretanto o São Cristóvão terminaria o
campeonato em primeiro lugar e venceria o seu primeiro e único título carioca.
No
livro clássico sobre a história do futebol carioca “O negro no futebol
brasileiro” de Mario Filho, em escrito inicialmente em 1942. como crônica
diária para o jornal O Globo na coluna “Da Primeira Fila”, a vitória do São
Cristóvão mereceu várias páginas. No entanto, na obra do jornalista pouco se
escreveu sobre esta campanha revolucionária dos sócios e torcedores vascaínos,
pois tão importante como acompanhar as transformações do que se faziam em
campo, era preciso maior atenção com a formação deste sentimento de
pertencimento clubístico que mobilizou parte da população da cidade.
Apesar
de ressaltar o Vasco como o clube que rompeu com o racismo predominante do
futebol carioca, Mario Filho foi desatento com o perfil do torcedor vascaíno
que se formava, repetindo o mesmo chavão das torcidas rivais ao identificar a
torcida do Vasco como “a torcida dos portugueses”. Ao descrever o aumento da torcida
vascaína, Mario Filho afirma que junto dos antigos torcedores do remo, chamados
de “velha guarda”, uma massa passa a acompanhar o clube que o faz ter a maior
torcida carioca: “ninguém mais distinguia a velha guarda na arquibancada.
Estava lá mas se perdia no meio da multidão de portugueses” (p.122). Em outra
página ele lista os torcedores mais conhecidos do Vasco da época, fazendo uma
pequena descrição de cada um: Sinhá, José Ribeiro de Paiva, Narciso Bastos,
Pascoal Pontes, Vitorino Rezende, Antonio Campos e Paradantas.
Uma
explicação para o desconhecimento sobre o torcedor vascaíno eram as suas fontes
de contatos e de conhecimentos para a realização da obra. No prefácio do livro,
Mario Filho lista todos os seus entrevistados. De todos os grandes clubes, o
Vasco tem o menor número de personagens, apenas cinco: Jaime Guedes, Álvaro
Nascimento, Antonio Campos, Bolão e Pascoal. Dois dirigentes, dois ex-jogadores
e um jornalista. Nenhum torcedor!
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge
Medeiros.
[1] Fonte: Revista da Semana 30 de Janeiro de 1926.
[2]Fernando da Costa Ferreira,
dissertação de mestrado intitulada – O bairro Vasco da Gama : um novo bairro,
uma nova identidade ? – defendida e aprovada em 26/08/2004 no Programa de
Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense.
[3] A
empresa responsável pelas obras de São Januário foi a construtora Cristiani
& Nielsen. Esta realizaria outras obras importantes na cidade, como o
próprio Jockey Clube Brasileiro na Gávea e o Estádio do Maracanã. Cf. MALHANO,
2002.
Vasco Revista O Malho 1926 |
Vasco Revista O Malho 1926 |
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