“É o Clube mais brasileiro de todos a começar por sua formação, a mesma do Brasil"
Sergio Cabral, jornalista
1924 Resposta Histórica
O
time do Vasco campeão em 1923 provocou uma mudança significativa no comportamento
dos torcedores nos próximos anos. As rivalidades se acentuaram, as tensões
latentes na sociedade se afloraram, revelando que o desemprego e a presença dos
imigrantes (que chegavam em massa neste período[1]),
acirravam os ânimos.
A
importância do futebol como fonte de identidade através da integração e
solidariedade coletiva para os imigrantes, é explicada pelo historiador Nicolau
Sevcenko (1994, p. 35) em função de que estes indivíduos “se vêem atraídos,
dragados para a paixão futebolística que irmana estranhos e os faz comungarem
ideais, objetos e sonhos, consolidando gigantescas famílias vestindo as mesmas
cores”.
Se
o futebol contribui para agregar os estranhos, por um lado, por outro, separa
uma mesma comunidade em divisões imaginárias. O “novo público” apaixonado se
transformava nos estádios para cobrar dos seus jogadores todo o empenho para
não deixar o Vasco vencer: “antes do Vasco, a torcida era toda respeito (...) Um
jogador enterrando o time e a torcida pedindo a deus para que ele saísse de
campo, não querendo, porém ofendê-lo de jeito nenhum. Havia uma maneira
delicada de avisar o clube que o jogador precisava ser substituído, para evitar
a derrota, de pedir que cedesse o lugar ao outro. Era olha o telefone! (...)
nada de insultos (...) se um jogador estava jogando mal tinha de sair logo, o
mais depressa possível, senão o Vasco acabava ganhando o jogo. Os jogadores
começaram a ouvir gritos, descomposturas, o torcedor se justificando que pagara
a entrada” (Mario Filho, 2003, p. 140).
A
trama dos clubes tradicionais do futebol carioca para manter o esporte como uma
atividade exclusiva da elite já vinha sendo articulada desde o final de 1923,
mas só foi concretizada em 1° de março de 1924 com a criação da AMEA (Associação
Metropolitana de Esportes Athléticos), com o falso argumento de defesa do
amadorismo. No entanto, o que estava em disputa, era defender idéias racistas e
elitistas “não era uma nova época que surgia, era a velha época que voltava, o
bom tempo do branco superior ao negro” (Mario Filho, p.129).
Chegou
a ter o convite para o Vasco ingressar na AMEA, mas a comissão de sindicância
formada estava disposta a eliminar a maioria dos jogadores que venceu o
campeonato de 1923, muitos negros e todos pobres. Um dos membros da comissão
era o jornalista do Correio da Manhã, Diocesano Ferreira Gomes, o “Dão” do
Flamengo. Este e outros membros da referida comissão estavam imbuídos de barrar
um processo de popularização do futebol que vinha ocorrendo desde meados dos
anos 1910, mas que encontrava forte resistência de penetração nos principais
clubes.
Os
grandes clubes se sentiram intimidados com a ascensão surpreendente do time do
Vasco e de perfil sócio-econômico de seus jogadores. Por isso eles criaram a
AMEA, para esfacelar o time e diminuir o clube: “o Vasco cresceu demais em um
ano. Daqui a pouco teria o seu campo, o seu estádio, aí ninguém poderia mais
com ele” (Mario Filho, p.130).
Eles
não aceitavam a ideia de ver um campeão com jogadores negros,
mulatos, pobres, analfabetos e operários. Caso quisesse continuar a
disputar o campeonato carioca, o Vasco teria que eliminar doze jogadores (7 do
1º Quadro e 5 do 2º Quadro), justamente esses jogadores que ganharam de forma
brilhante o campeonato do ano anterior. O Presidente do Vasco, José Augusto Prestes,
não aceitou e envia uma carta a AMEA pedindo a desfiliação.
A
famosa carta vira um documento histórico do clube e marca registrada do empenho
da agremiação em não apoiar segregações. Um trecho diz claramente a posição
assumida em defesa de seus atletas: “Quanto a condição de eliminarmos doze
jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de
Regatas Vasco da Gama, não a dever aceitar, por não se conformar com o processo
por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos con-sócios,
investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem
defesa. Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um
ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se a AMEA alguns
dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do Campeonato de
Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923”.
Assim,
o Vasco se rebela e vai participar do campeonato organizado pela Liga
Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), e os clubes da elite pela
competição organizada pela AMEA. Está feita a cisão no futebol carioca: “os
grandes apostavam que não precisavam do Vasco. Por seu turno, o Vasco
acreditava que não precisava dos grandes para sobreviver” (Casquinha, 2010,
p.333).
Participaram
do campeonato da LTDM, os clubes que disputaram a Série A da LTDM: Vasco, Villa
Isabel, Carioca, Palmeiras, River, Andarahy, Mackenzie e Mangueira, mais os
Clubes que disputaram a Série B e C.
No
final do campeonato os campeões de cada Série fariam um triangular e definiriam
o Campeão Carioca. Os clubes que disputaram o campeonato da AMEA em 1924 eram:
Flamengo, Fluminense, Botafogo, América, Bangu, São Cristóvão, Hellênico e S.
C. Brasil. Nesse ano foram declarados dois clubes como campeão carioca, o Vasco,
campeão invicto pela (LMDT) e Fluminense pela (AMEA).
Pequenas multidões pagavam ingressos para
assistir os jogos do Vasco, os clubes da LMDT arrecadando mais com as rendas e
com o aumento das atividades nos clubes (festas, eventos, bailes de carnaval).
O dinheiro entrava com toda força neste campeonato, enquanto na AMEA os jogos
eram disputados com os mesmos números ou até menores. No entanto, havia uma
clara discriminação entre alguns setores da imprensa que menosprezavam a LMDT e
privilegiavam os jogos da AMEA: “as atenções dos jornais não eram para os jogos
da LMTD. Os jornais davam muito mais ênfase aos jogos da AMEA” (Casquinha,
op.cit, p.335).
Em
comparação com o campeonato de 1923, a competição deste ano não conseguiu jogos
que reunissem grandes públicos entre os clubes mais ricos. O jogo de maior
assistência foi entre Flamengo e Fluminense nas Laranjeiras com a presença de
11 mil torcedores. “Longe dos 20, 25, 30 e até 35 mil como afirmavam os mais
exagerados, dos jogos do Vasco na série A. Esse era o preço que os grandes
pagavam pelo afastamento do Vasco de seu convívio” (Casquinha, op. cit. p.336).
Embora o clube da Cruz de Malta não
tivesse o destaque da maior parte da imprensa, como no ano anterior, parte do
jornalismo esportivo continuou apresentando reportagens sobre as atividades do
Vasco, tanto do time que conseguia manter (mesmo nas pequenas praças esportivas)
a presença de grandes públicos, como nas atividades sociais que reuniam os seus
sócios em momentos de lazer e confraternização. “Para se ter uma ideia da
afluência do público aos jogos do Vasco sempre se menciona o ‘grande público’
ou que ‘as dependências estavam completamente tomadas’. E assim é durante todo
o campeonato de 1924. Mas a própria crônica esportiva começa a entender a
importância econômica do Vasco e, como os outros times também não demorariam a
perceber, a convidar o Vasco a fazer parte da elite do futebol carioca”
(Casquinha, p. 340).
Um exemplo da importância do clube junto a
grande imprensa foi o realce para a festa que comemorou os 26 anos do clube,
realizado pelas revistas “Careta” e “Fon Fon”. Da mesma forma alguns jornais se
renderam ao empenho e fidelidade dos torcedores em acompanhar o clube e destacavam
a brilhante campanha do Vasco na sua liga. Grandes reportagens, inúmeras fotos
de estádios lotados, dão a dimensão exata da força do clube e de sua torcida
que pareciam ter passado incólume diante dos outros grandes.
Assim foi até o fim do ano. Em
qualquer evento que o Vasco participasse, a grande imprensa fazia a cobertura.
É o caso da “Revista da Semana” e “O Malho”, dois importantes periódicos, que
registraram (no fim de novembro) a conquista do título de 1924 pelos vascaínos.
No
mesmo ano o clube carioca recebia o clube mais popular de São Paulo, o Palestra
Itália, que havia abandonado o campeonato no meio da competição em função de um
desentendimento com a federação local. Dois rebeldes em campo travam um
encontro no Rio de Janeiro e, apesar de ser um simples amistoso, novamente uma
multidão lotou o estádio do Andaray. A força destes dois clubes e de suas
respectivas torcidas era um fato inegável. No ano seguinte os campeonatos
regionais seriam novamente fortalecidos com a volta em grande estilo destes
clubes que moviam entusiasticamente as maiores torcidas do país.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge
Medeiros.
[1]
Entre 1890 e 1930 chegaram cerca de 3 milhões de imigrantes ao Brasil
(OLIVEIRA, 2001, p.24).
Vasco Revista O Malho 1924 |
Vasco Revista Fon Fon 1924 |
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