“Supimpas, Turma da Praia, Legião
Vascaína, Embaixada da Tribu, Grupo dos Mariscos”
Grupos da Torcida Vascaína
1937 Duelo de “Fans”
Enquanto
o Vasco esperava o retorno de seus jogadores das férias e aguardava a final do
Sul-americano na Argentina, no início de 1937, a torcida vascaína se preparava
para a decisão contra o Madureira.
Uma reportagem faz uma
convocação adotando uma linguagem militar aos torcedores vascaínos que prometem
se reunir de forma mais coesa e dar ao grupo um sentido de organização mais
disciplinada. Em tempo de fortalecimento das Forças Armadas e de lutas contra o
“inimigo comunista”, assusta a forma como os vascaínos são representados, exaltando
um certo clima bélico: “O QUARTEL GENERAL DA TORCIDA VASCAÍNA. Será
inaugurado, amanhã, o ponto de concentração dos adeptos do Vasco. Falam-nos os
Chefes do Estado Maior. Os torcedores Vascaínos vão instalar o seu
quartel-general no Café e Bar Sympathia, ali, em plena Avenida Rio Branco,
formando assim um ótimo ponto de concentração dos seus adeptos. A instalação
oficial do ponto de reunião dos Vascaínos, será amanhã sábado as 16 horas, com
toda a solenidade. Recebemos ontem a visita dos Srs João de Lucca e Olympio Pio
dos Santos, Chefes do Estado Maior da Torcida Vascaína, que nos trouxeram o
convite para o ato inaugural do seu ponto de operações. “Vamos ter o nosso
local de concentração, assim, como os botafoguenses tem no Nice, os rubros
negros no Café Rio Branco, etc”, disse-nos João de Lucca. “Será um sucesso a
nossa primeira demonstração”, acentuou o Pio dos Santos. Retomando a palavra o
De Lucca, disse-nos então, que o ato inaugural será uma grande demostração da
Torcida Vascaína e constituirá mesmo, um fato inédito no nosso meio esportivo.
Uma banda de clarins chamará todos os Vascaínos e demais torcedores dos Clubes
Cariocas, para assistir a solenidade de inauguração. O Choro de Pixinguinha
dará grande animação a festa, pois foi convidado pelo Sr Armando de Souza
Telles e todos os Clubes da Federação Metropolitana, mandarão delegados. O
local estará engalanado com bandeiras dos Clubs, serpentinas, flores, etc.
Aproveitamos uma pausa e perguntamos então, como o Estado Maior da Torcida
Vascaína tem recebido as sucessivas vitória dos Brasileiros. “O Imparcial veio
tocar num assunto que está merecendo de nós especial atenção’, disse-nos
incendiantemente João de Lucca. Como brasileiro temos nos regozijado com o
torcedor formidável sucesso do nosso scratch e como organizadores da
arregimentação da Torcida, já estamos esboçando o programa da recepção que
faremos aos bravos compatriotas. Cheios de entusiamos com a arregimentação da
sua torcida, e com o projeto de fazer muito breve uma Confederação de
Torcedores, os Senhores De Lucca e Pio dos Santos, despediram-se muito alegres
e esperançosos”[1].
O tom
nacionalista tinha uma razão de ser pois o rádio dava uma conotação de uma
verdadeira guerra que o time brasileiro enfrentava em Buenos Aires. Para
contrabalançar este clima belicoso, havia a presença da música de Pixinguinha,
mestre do chorinho e torcedor do Vasco, da presença de clarins, um hábito das
torcidas desde os anos 1920 e a preocupação em unir torcedores dos diferentes
clubes.
Em um dos artigos sobre o principal chefe de torcida
do Vasco nos anos 1940, João de Lucca, o jornalista Mário Filho destaca o
hábito dos jogadores do mesmo time em frequentarem determinados bares
(cafés): “em outros tempos os jogadores
de futebol faziam ponto em Cafés. Os do Flamengo, como ainda hoje, no Rio
Branco. Os do América e do São Cristóvão, no Pálace, que ficava na esquina de
Ouvidor com Gonçalves Dias. Quer dizer: os do América podiam ser encontrados no
Palace até o meio dia. Depois, a uma hora, apareciam no Mourisco, um Café da
Avenida, esquina de Rosário. Os jogadores do Vasco gostavam era do Havanesa. O
Café Havanesa, com duas frentes, uma para o Largo de São Francisco, outra para
a Rua do Ouvidor”[2].
Conhecido como o clube “dos donos de bares e
botequins”, os vascaínos não tinham um local tradicional de reunião, pelo menos
é o que diz a matéria, e tentava-se criar esta tradição entre os
vascaínos.Talvez um bar “elegante” para o clube ou a simples promoção de um
novo lugar, patrocinado pelo periódico. Por último, cabe ressaltar, a
preocupação de se fundar uma organização de torcedores. Uma iniciativa que já
começava a ser ensaiada pelos torcedores que se organizavam em seus grupos
carnavalescos e outras ativiades recreativas similares.
Neste ano morreria o músico Noel Rosa, com apenas 26
anos. Ele que foi um dos artistas mais queridos nos anos 1930 e autor de
inúmeras músicas de sucesso. Noel formava uma geração de grande talento que
consagraria a música brasileira ao lado de outros compositores como Lamartine
Babo, Nássara, Ary Barroso, entre outros. Todo esse movimento musical foi
incorporado pelas torcidas que levavam as músicas de tom jocoso e carnavalesco
para os estádios e nas confraternizações em ruas e bares da cidade.
Antes
da final com o Madureira, os torcedores vascaínos recebem a seleção brasileira
vindo da Argentina. Mesmo perdendo a final para os anfitriões, o discurso
nacionalista da imprensa tem grande aceitação e a recepção será de forma
triunfal. Cada clube mandou sua torcida. “TORCEDORES DO VASCO RECEBEM A SELEÇÃO
BRASILEIRA. O programa da homenagem, organizado pelo Vasco da Gama, esta sendo
abrilhantado pelo grande entusiasmo do povo carioca. Esta plenamente vitoriosa
a iniciativa encabeçada pelo Vasco, no sentido de fazer uma recepção brilhante
aos valentes brasileiro que tão denodadamente se conduziram nos campos da
Argentina. O programa elaborado, posto em execução, corresponde inteiramente aos
desejos de toda a população carioca, refletindo toda a gratidão entre nós
despertadas pelo esforço tremendo realizado por aquele pugilo de valentes
brasileiros.... A distribuição das bandeirinhas do Brasil, da CBD e do Vasco da
Gama, foi feita por Affonso Silva, o Polar”[3].
Era chegada a vez da decisão
campeonato carioca de 1936 e o clube de São Januário conquista mais um título
em cima do Madureira. Começava, então, a se pensar no campeonato de 1937, ainda
dividido em duas ligas. No primeiro turno a grande surpresa era a boa campanha
do São Cristóvão. Para enfrentar o rival recheado de torcedores do Flamengo e
do Fluminense, os torcedores vascaínos contavam com a organização de diferentes
grupos: “Olympio Pio e João de Lucca, os Chefes do Estado Maior da Torcida
Vascaína, estão congregando na sua embaixada os grupos: Supimpas, Turma da
Praia, Legião Vascaína, Embaixada da Tribu, sob a chefia do Jairo, e Paulinho,
Grupo dos Mariscos. Com a arregimentação que os 2 maiorais estão fazendo,
grandiosa será a Torcida Vascaína para o importante embate em 1º melhor de 3,
São Cristóvão x Vasco da Gama” [4].
O futebol
carioca finalmente chegava a um acordo em meados de 1937, conseguido fazer uma
única Liga de futebol que voltava a reunir os grandes clubes. Estavam de volta
os grandes clássicos depois de quase três anos. A pacificação partiu de uma feliz iniciativa dos
presidentes do Vasco - Pedro Pereira Novaes - e do América - Pedro Magalhães
Correa, que decidiram fundar a Liga de Football do Rio de Janeiro na sede da
Associação dos Empregados do Comercio, em 29 de julho. Para comemoração do
histórico evento, foi marcada para 31 de julho, em São Januário, uma partida
entre Vasco e América, que passou a ser denominado "Clássico da Paz".
O Vasco venceu por 3 a 2 com renda
batendo o recorde na cidade do Rio de Janeiro.
No
primeiro Vasco e Flamengo de 1937 houve recorde de público. O tratamento pela
imprensa na véspera do clássico foi o seguinte: “DUELO DE FANS.
A Torcida Cruzmaltina faz a maior concentração de forças até agora registrada.
Os rubro negros irão a São Januário para incentivar seus cracks com toda alma.
A Torcida Vascaína levantou-se em peso para receber em seu Estádio o maior
rival de todos os tempos o glorioso C. R, Flamengo. Os dois campeões de Terra e
Mar figura máxima do Sport da cidade, depois de alguns anos de separação, vão
juntar-se novamente nas lidas esportivas. Os Vascaínos vão fazer a maior
concentração de todos os tempos, levando para São Januário todos os
instrumentos de barulho e muitas dezenas de foguetes. São proibidas as vaias
aos jogadores e árbitros. Os Vascaínos desejam apenas abafar com um barulho
ensurdecedor as manifestações dos seus irmãos rubro negros. Se é Vascaíno não
vá para o Estádio sem pandeiro, cuíca, reco reco ou megafone, brandam os
leaders cruzmaltinos. Com barulho recebemos os nossos adversários, com barulho
aplaudiremos os feitos dos nossos jogadores. O barulho da Torcida Vascaína é
pacífico. De modo alguns serão permitidas manifestações que não sejam os de
puro entusiasmo. João de Lucca e Olympio Pio, os generais da Torcida cruzmaltina
acrescentam.“É o barulho entedioso da alegria recebendo em nosso Estádio o
grande rival de Terra e Mar em todos os tempos. A quem pertence a torcida
número 1 da cidade”. Ao Vasco ou ao Flamengo? A imprensa que o diga na segunda
feira. E os dois extremados cruzmaltinos terminam: “Precisamos vencer o
campeonato da Torcida e isto depende de todos os Vascaínos.”[5]
O jogo corresponde a todas as expectativas de grade
público, batendo recorde de todas as bilheterias anteriores com 104 contos de
arrecadação. “Jamais as bilheterias de um estadio haviam recolhido mais que 100
contos” (Ribeiro, 1999, p.75).
Vasco e Flamengo continuariam disputando quem tinha a
maior torcida da cidade. Enquanto isso, o Fluminense conquistava o título com 8
pontos na frente do Vasco que começou a perder pontos inexplicáveis, após o jogo
entre Vasco e Andaraí, com vitória arrasadora por 12 a 0. Tempos depois, as
derrotas seriam atribuídas a praga de um jogador do Andaraí, numa das lendas
mais famosas de todos os tempos do futebol brasileiro.
Quando os cigarros Magnólia através do Jornal dos Sports lançaram a
competição para saber qual o maior ídolo do futebol carioca, o Flamengo apresentava
Leonidas, já consagrado como o grande craque do futebol brasileiro, enquanto
pelo Vasco foi apresentado um esforçado Oscarino. Mesmo com o incentivo dos
vascaínos ficava fácil saber quem seria o vencedor. De nada adiantavam as
campanhas querendo incentivar os vascaínos prestigiaram o jogador de seu clube:
“Divulgamos em nossa edição de ontem, a notícia sensacional de que dois velhos
Vascaínos, Olympio Pio e João de Lucca, iriam trabalhar pela vitória de
Oscarino no atual Concurso dos cigarros Magnólia, que oferece por meio de
plebiscito, paralelo ao Concurso de Palpites Magnólia, que distribui dezenas de
prêmio semanalmente. O ESCUDO DO VASCO POR 2000 CARTEIRAS MAGNÓLIA. Olympio Pio
fez entrega da valiosa contribuição a Polar, recebendo o escudo Cruzmaltino. Polar,
o popular e querido Diretor de Ciclismo do Vasco, recebeu um lindo e artístico
escudo a óleo do Clube da Cruz de Malta (...) Olympio Pio, que é um vascaíno de
quatro costados, tomou a deixa e procurou-nos para dizer que traria 2000
carteiras Magnólia afim de troca-las pelo escudo em poder de Polar. FEITA A
TROCA. E ontem as 18 horas com a presença de um repórter do Jornal dos Sports,
efetuou-se em nossa redação, a troca do Escudo do Vasco por 2000 carteiras de
cigarros Magnólia, que Polar levou para sua residência, onde juntará as que já
tem em seu poder, para por esses dias, fazer uma descarga sensacional. UMA
CARTEIRA DE CADA VASCAÍNO DE FESTAS PARA OSCARINO Após o ato da troca do escudo
do Vasco, por duas mil carteiras, Polar, falando com indiscutível entusiasmo ao
repórter sobre o Concurso Magnólia disse. “Peço que Jornal dos Sports faça
chegar aos Vascaínos que eu espero que cada simpatizante ou associado do nosso
querido Vasco da Gama, de a Oscarino, o nosso candidato ao Chevrolet Magnólia,
uma carteira de cigarros Magnólia, apenas uma.”Um pequeno silêncio e Polar
continua.“Diga também que eu estarei domingo, percorrendo o Estádio do Vasco
para arrecadar as carteiras”[6].
Além revelar que o marketing esportivo já atuava de forma intensa nestes
anos, a questão maior foi perceber que não há evidências da supremacia de
nenhuma das duas torcidas. O fato de Leônidas vencer com uma certa facilidade
não queria dizer que os rubro-negros já eram maioria na cidade. Em concursos
semelhantes, Russinho (em 1930) e Ademir (em 1950) venceram os jogadores rivais
que se apresentavam como candidatos representantes do Flamengo.
No entanto, nas narrativas oficiais dos livros sobre o Flamengo, este
período é apontado como crucial na transformação do time da Gávea em um clube
que despontaria, nos anos seguintes, como a maior torcida da cidade. Um estudo
mais apurado ainda esta por ser feito. O que se tem são velhas repetições de
chavões que apontam fatos e curiosidades que dariam aos rubro-negros a liderança
entre as torcidas.
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
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