“eu
considero cada sócio do meu Clube como um cabo e assim terei muitos votos”
Leonor, eleita para representar a
torcida brasileira na Copa de 1938
1938 Embaixatriz
Vascaína Na França
A preparação da seleção brasileira
para a Copa do Mundo na França contou com todo o apoio do governo Vargas
interessado em utilizar o futebol para propagar as idéia do nacionalismo e da necessidade
de unidade da nação. Era a primeira vez que o Brasil mandaria sua força máxima
para o exterior, sem a divisão entre paulistas e cariocas ou amadores e
profissionais. O incentivo aos jogadores unia a imprensa escrita e o rádio
mandaria suas primeiras equipes para transmitir os jogos diretos das cidades
francesas.
Para
incentivar ainda mais o interesse da população dois jornais cariocas lançaram a
campanha para a eleição do embaixador e da embaixatriz da torcida brasileira.
Os vencedores representariam o país nas arquibancadas francesas representando o
espírito de união do time e a nação. Cada clube teria direito a lançar um
candidato de cada sexo. Para o Vasco concorreriam o tradicional líder da
torcida vascaína, Polar e sua filha Leonor Silva: “a graciosa
Rainha do Vasco da Gama, já esta com sua candidatura lançada no Grande Concurso
que O Globo e o Jornal dos Spors estão realizando (...) Ninguém pode negar os
predicados da jovem e linda sportwoman e daí a boa escolha que teve o seu nome
para representar o grêmio Vascaíno no certame. Leonor Silva será uma das mais
sérias candidatas ao título de Embaixatriz, porque conta com o apoio da grande
Torcida Vascaína (...) Leonor recebeu o repórter com a gentileza habitual e
falou.“Foi uma surpresa agradável lançarem o meu nome como candidata do Vasco.
O concurso será renhido, mas conto com a vitória, porque o Vasco nunca perde
nos concursos. Basta que cada Vascaíno apresente um voto por dia para a sua
Rainha, e estarei bem colocada no Concurso. No caso de vencer o certame, serei
uma torcedora entusiasta das cores brasileiras nos campos de Paris. E quem será
o seu cabo eleitoral? O Chefe é meu pai. Mas eu considero cada sócio do meu
Club, como um cabo e assim terei muitos votos. A Rainha precisa dos seus
súditos. ”POLAR CANDIDATO DO POVO. Affonso Silva, o Polar, também é candidato
ao título de Embaixador.“Eu também serei candidato ao título de Embaixador diz
ele inicialmente. Tenho prestado serviços ao meu Club e aos jogadores, quando
se realiza qualquer Concurso e agora chegou a minha vez de pedir votos. O
Concurso exige um torcedor renitente, e que faça vibrar as multidões. Eu
considero-me dentro das exigências pedidas pelo regulamento. Procurarei elevar
bem alto o nome de meu paíz nos gramados da França, e caso derrote os meus
adversários, procurarei o senhor Prefeito da Cidade, para que faça-me oferta de
uma bandeira brasileira, afim de que eu possa desdobra-la nas arquibancadas
parasienses. Eu confio na vitória da minha candidatura, porque serei o
candidato do povo. Faço por intermédio do Globo, um apelo aos torcedores e
associados do Vasco, para que levem votos ao Estádio na noite de sábado, quando
será realizado o jogo Flamengo e Vasco”[1].
O
resultado final acabou premiando as duas maiores torcidas do Rio com a eleição
de Oswaldo Meneses, do Flamengo, como o ganhador aa categoria Embaixador,
levondo o seu irmão como acompanhante, e a Embaixatriz escolhida foi a vascaína
Leonor Silva, que levou como acompanhante o seu pai, Affonso da Silva, o Polar.
Um
outro jornal carioca faz a divulgação da campanha do “Selo pró-Seleção”. Tratava-se da campanha promovida pela
Confederação Brasileira de Desportos (CBD) na emissão de 100.000 selos para
custear a viagem e hospedagem dos atletas na França. Além disso, cada selo
tinha um número para ser sorteado e o ganhador embarcaria junto com a seleção.
Numa ação combinada de patriotismo e sistema de apostas, milhares de pessoas se
mobilizaram para comprar os seus bilhetes. Em tom
patriótico e otimista, João de Luca, atuando como representante dos adeptos
vascaínos, é quem responde em nome de sua torcida, estimulando a compra dos
selos, apesar da campanha inicial do time do
Vasco (perdeu vários amistosos), deixar dúvidas para a sua torcida de
como seria o desempenho do time depois da Copa do Mundo, quando seria iniciado
o campeonato carioca: “os Brasileiros e o Vasco abafarão em 1938. Brilharemos
na Europa. O Imparcial pode preparar-se para a recepção dos “Campeões do
Mundo”. Como sempre acontece, João de Lucca é um dos mais ativos animadores das
grandes manifestações da torcida carioca. Ninguém mais do que ele, por ocasião
do regresso dos jogadores Brasileiros, vice Campeões sul americano, pugnou para
o brilhantismo da recepção. Lucca é um ardoroso torcedor do Vasco da Gama, é o
chefe da torcida Vascaína e a sua atividade neste setor é sempre notável. Como
brasileiro, ele está olhando as possibilidades da nossa turma em Paris, tanto
assim, que veio trazer a sua adesão a campanha do nosso pebliscito (...) devo
acentuar que o Vasco, com os novos cracks vão assombrar no Campeonato de 1938. Estes
fracassos de agora são porque estamos sem conjunto. Temos um agrupamento de
cracks sem entendimento entre si, mas assim que eles se entenderem, vamos
abafar. Isso não tenho a menor dúvida, falou o grande torcedor dos brasileiros
e do Vasco da Gama” [2].
Ainda
antes da Copa na França, as equipes de Vasco e Flamengo disputam uma acirrada
partida nas Laranjjeiras com a presença das duas torcidas separadas em local
próprio. Os vascaínos eram chamados para ficar em um local bem distante dos
rubro-negros: “CONCENTRAÇÃO DA TORCIDA VASCAÍNA NA ARQUIBANCADA DO LADO DO
RELÓGIO, O LOCAL ONDE ESTARÃO TODOS OS VASCAÍNOS. Como sempre acontece por
ocasião de jogos entre as equipes do Vasco e do Flamengo, Olympio Pio e João de
Lucca, dois valorosos generais Cruzmaltinos, estarão hoje, na arquibancada do
Estádio do Fluminense, que fica sob o relógio, com o pavilhão do grande e
tradicional grêmio da colina de São Januário, desfraldado, em torno do qual se
deverão concentrar todos os torcedores do Vasco, para a uma voz, concitar os
jogadores da camisa preta, a vitória. Olympio Pio e João de Lucca, em palestra
com o nosso redator, disseram que contam com o apoio integral da família
Vascaína, pois na arquibancada fronteira estarão os Flamengos torcendo
ardorosamente, pela vitória das suas cores. De sorte que, veremos logo mais no
Field nas Laranjeiras, uma reedição da famosa competição dos torcidas, realizada
sempre nos famosos Fla-Flu” [3].
No
embarque da seleção brasileira para a França, milhares de pessoas se deslocam
até o cais do porto para desejarem boa sorte aos atletas. O hostoriador Fábio
Franzini (2003, p.72) destaca a reportagem do dia seguinte feita pelo jornal
paulista Gazeta Esportiva: “Desde meio-dia, portanto duas horas antes de largar
o “Arlanza”, o povo começou a afluir ao cais (...) em ambiente de intensa
vibração. A multidão se cumprimia na Praça Mauá (...) foi a maior demonstração
de simpatia a uma embaixada esportiva patrícia na sua partida para o
estrangeiro”.
A
medida que a seleção brilhava nos campos franceses aumentava o entusiasmo dos
brasileiros que ouviam pela primeira vez uma Copa do Mundo com a transmissão
das partidas pelo rádio. Até a derrota para a Itália a euforia tomava conta das
casas e ruas de todo o país. Em seu diário, o presidente Getúlio Vargas, se
impressiona pela reação dos brasileiros após o resultado adverso: “A perda do
team brasileiro para o italiano causou uma grande decepção e tristeza no
espírito público, como se se tratasse de uma desgraça nacional” (Franzini,
2003, p.82)
Depois da Copa do Mundo, o humilde estádio da Gávea é inaugurado
em 4 de setembro de 1938, com uma partida disputada entre Vasco e Flamengo,
pela primeira rodada do campeonato carioca daquele ano. Segundo o jornal A
Noite, "as solenidades que precederam o encontro Vasco x Flamengo
assumiram aspectos de grande expressão cívico-esportiva. Porém, quando a bola
rolou, o Vasco encarregou-se de estragar a festa, vencendo por 2x0. Ambos os
gols foram marcados por Niginho, um em cada tempo. O resultado, inclusive,
desencadeou uma crise no clube da Gávea, culminando com a rescisão do contrato
do técnico Dori Krüschner.
Niginho,
que foi o artilheiro do campeonato em 1937, era reserva da seleção brasileira que
conquistou o terceiro lugar na Copa de 1938. Na volta ao Brasil, ele e o outro
jogador vascaíno Jaú (zagueiro), foram festejados pela torcida cruzmaltina. No
entanto, o grande destaque daquela competição era Leônidas da Silva. Apesar de
tudo, no futebol carioca quem mandava era o Fluminense que vence mais um
campeonato conquistando o tricampeonato.
Até o
fim do ano a revista semanal O Globo Sportivo escreveria uma matéria especial
com um torcedor e como era o seu jeito de torcedor. Do Vasco foram tres
matérias. Uma sobre uma criança de 10 anos, outra sobre o garçom do bar de Sao
Januário e a terceira sobre uma jovem. Em cada matéria vinham as fotos dos
personagens e uma entrevista. A torcedora sugere algo que se tornaria comum nas
torcida paulistas nos anos 1940: copiar o estilo de torcida dos
norte-americanos. O que denota a forte influencia do cinema americano no Brasil
naqueles tempos. Se levarmos em conta que os cinejornais americanos chegavam
com facilidade aqui e o cinema era a maior diversão popular vemos que as
imagens começavam a fazer parte significativa do imaginário cotidiano dos
torcedores, revolucionando a forma de torcer, com a influencia de outras
regiões sobre cada lugar onde ele fosse praticado. Diz a torcedora: “já
assistiram os filmes esportivos americanos, quando a assistência aparece toda
padronizada, em preto e branco e tem seus cantos que incentivam, cem por cento
os jogadores em campo? Pois bem poderíamos fazer isso no Rio. E então, veriam,
não como eu torço, mas como nós torcemos. Como o Vasco torce” [4].
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
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