“OLYMPIO PIO. VASCAÍNO CAPAZ
DE TODO E QUALQUER SACRIFÍCIO PELO VASCO”
Manchete do Jornal
1942 A Legião da Vitória
As sementes da primeira torcida
organizada (uniformizada) no Rio de Janeiro surgiram no início de 1942 quando
um grupo de vascaínos, motivados com a eleição de Ciro Aranha no final de 1941,
passou a se reunir e formar um conjunto permanente de apoio incondicional ao
elenco vascaíno, surgia “A Legião da Vitória”. Uma iniciativa que acompanhava o
movimento semelhante de aglutinação dos sócios dos clubes já efetuada em São
Paulo destinada a atuar em diferentes modalidades esportivas criando hinos e canções de incentivo. “A “Legião da Vitória” será
formada nos moldes das Organizadas congêneres dos Estados Unidos, com hinos e
cânticos desportivos próprios. Os membros da “Legião da Vitória”, além de
muitos requisitos, deverão demostrar elevada educação esportiva e respeito ao
adversário, vencido ou vencedor. Em cada setor da Cidade haverá um Chefe
responsável pelos seus elementos. O Comitê Central será composto de três
membros escolhidos entre os Vascaínos mais entusiastas e delegado ao Clube. A
“Legião da Vitória” não acarretará a mínima despesa ao Clube e se comprometerá
a animar todos os defensores do grêmio da Cruz de Malta, mesmo nas situações
mais críticas” [1].
No
dia seguinte, outra matéria no Jornal dos Sports dava mais detalhes da origem
do gupo que remonta as caravanas organizadas pelos torcedores: “é uma ideia que
desde já pode ser considerada vitoriosa, se levarmos em conta o sucesso
alcançado pelas caravanas esportivas organizadas no último campeonato pelo
rapazes alegres do Vasco da Gama. A Legião da Vitória terá o condão de reunir
fraternalmente todos os Vascaínos, proporcionando-lhes ao mesmo tempo horas de
intensa alegria. As partidas de futebol, regatas e outras disputas esportivas,
terão muito mais importância, quando os legionários Vascaínos, com umas canções
e afinados conjuntos musicais alegrarem as praças de esportes da cidade. Tudo
isso será feito dentro de um ambiente de disciplina e respeito, afim de que o
elemento feminino possa tomar parte nas caravanas da Legião”.
Durante
todo o ano e, especialmente em partidas de maior apelo e na Zona Sul da Cidade,
a organização dos torcedores é definida, com suas tarefas delimitadas e a caracterização da logística
para levar os torcedores juntos aos estádios partindo do Centro, local da sede
do clube: “CARAVANA MONSTRO PARA ESTIMULAR O VASCO: Organiza-se para domingo
uma grande caravana de Vascaínos para assistir a tradicional peleja entre Vasco
e Flamengo. Para isso, uma comissão, composta dos associados Olympio Pio, João
de Lucca, Waldemar de Oliveira, João Maquiem e Américo Cabral, que faz um apelo
a todo o quadro social do Vasco para que procurem com o Sr. Edgard Freitas, na
secretaria do Clube, a Avenida Rio Branco, os cartões que darão direito a
viagem em ônibus especial e entrada na arquibancada do campo do Flamengo, até
6ª feira próxima. O local da partida será da Rua Uruguaiana, esquina de Carioca,
as 12.30 horas” [2].
Enquanto
o campeonato carioca prosseguia, a maior preocupação dos brasileiros se
concentrava nas notícias vinda da Europa em função do conflito mundial e da
expectativa do Brasil declarar guerra ao Eixo.
A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial
aconteceu somente no final de agosto. Antes, entre os meses de junho e agosto,
acontecem várias mobilizações nas cidades, em função dos seguidos
torpedeamentos dos navios alemães sobre embarcações brasileiras. A primeira grande concentração de pessoas ocorreu na
Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro,
em julho de 1942, em que milhares de estudantes atenderam ao apelo da União
Nacional dos Estudantes (UNE) e foram para as ruas se manifestarem. Era o
primeiro foco de tensão entre a UNE e o Governo Vargas, com a passeata no dia
quatro de julho, que se tornou um marco no movimento estudantil (ARAÚJO, 2007),
culminando na demissão do Chefe da Polícia, Filinto Muller, contrário à
manifestação, que teve o apoio favorável do Ministro da Justiça, Vasco da
Cunha. Na época, durante a passeata, muitos gritavam: “Vasco 1 a 0” (SANDER,
2004).
Em setembro de 1942, depois de
declarar guerra ao Eixo, o país estava se mobilizando para o Conflito Mundial.
Seguindo o clima de intenso nacionalismo, o Jornal dos Sports iniciou uma forte
campanha pela realização de um jogo da seleção carioca contra a seleção de
platinos que atuavam no futebol carioca para ajudar as famílias das vítimas dos
ataques. A campanha contava com a adesão de intelectuais (como José Lins do
Rego), presidentes de clubes (como, por exemplo, o presidente do Fluminense,
Marcos de Mendonça), jogadores, jornalistas etc. Na mesma época, o Vasco
anuncia todo apoio ao Movimento Nacional de Defesa da Pátria[3]. Pouco tempo depois, em outubro, para demonstrar a força de
mobilização do clube, os sócios do Vasco lideram uma campanha reunindo 70
listas subscritas com um total não inferior a um conto de réis, que seriam
destinadas a compra de um avião a ser doado para o governo. Outras iniciativas
mobilizam os outros clubes. O Flamengo promove um jantar dançante para
arrecadar fundos e o América convida os associados para uma Grande Festa
Cívica, com a presença do Ministro da Educação, Gustavo Capanema. Em São Paulo,
o Palestra se transforma no Palmeiras.
O Flamengo ganharia o campeonato carioca de 1942, em outubro, ao
empatar em 1 a 1 com o Fluminense, nas Laranjeiras. Este jogo ficou famoso como
a data de fundação da primeira torcida organizada no Rio de Janeiro: a Charanga
rubro-negra[4]. No
entanto, os jornais consultados não fazem nenhum registro desse fato durante
essa época. Cabe ressaltar que as figuras de Jaime de Carvalho e Manuel da
Silva, já eram conhecidas pelos torcedores como chefes de torcida, embora
outros clubes também tivessem seus próprios chefes de torcida[5],
reconhecidos pelos seguidores de cada clube.
Não
se trata de afirmar uma “nova verdade histórica”, mas de levantar algumas
questões que possam abrir um leque de investigações. Como a partida com o
Fluminense só era decisiva para o Flamengo, já que o tricolor estava fora da
disputa, coube à torcida e aos sócios do clube prepararem a festa, pois bastava
o empate para o Flamengo se tornar campeão. Assim, o fato de torcedores
invadirem o gramado no final de uma competição, não era nenhuma novidade. O que aconteceu é que, a partir daquele final
de ano, os clubes e jornalistas cariocas começaram a incentivar os torcedores a
seguirem o exemplo dos torcedores paulistas.
Nossa hipótese principal é que a
Charanga surgiu depois da Torcida Uniformizada do Vasco (TUV), que surgiria em
fevereiro de 1943. Ambas foram criadas através de uma organização informal,
unindo membros alheios a estatutos e códigos escritos. Provavelmente, a
lembrança de uma data mítica, constituiu a fonte histórica para a reconstrução
produzida por jornalistas esportivos interessados na compilação de datas e
episódios marcantes. A premência de sair na frente das torcidas dos outros
clubes, talvez, tenha ajudado na recordação do dia do primeiro título do clube
nos anos 1940. A fundação da agremiação estaria representada em uma data que trazia alegria, festa, música e sorte,
valores presentes nas arquibancadas, que acentuavam sua origem vitoriosa. Mais
mítico que histórico. É a lembrança “doce vingança” do Fla-Flu da Lagoa de
1941, onde os papéis se inverteram (o Fluminense venceu o campeonato carioca em
pleno estádio da Gávea). Em 1942, o Flamengo interrompeu um ciclo de conquistas
tricolores, conquistando um título em pleno estádio das Laranjeiras.
Nesta mesma época os torcedores do Flamengo, motivados
pela conquista do campeonato carioca, ficaram mais animados ainda com a vitória
sobre o campeão paulista, em São Paulo. Chamando o clube carioca de “O Campeão
dos Campeões”, a imprensa divulga o trabalho dos chefes da torcida do Flamengo
de movimentarem-se para reunir a torcida
e receber os ídolos na Central do Brasil. De lá sairiam 10 bondes especiais
para a sede do clube onde torcedores, jogadores e dirigentes se
confraternizariam. Nesta ocasião, Jaime de Carvalho se autoproclama “representante
da torcida das arquibancadas e das gerais” (JS, 30-10-42).
Em sua crônica diária,
Mario Filho, é bem claro ao dizer que as torcidas em São Paulo tinham uma
organização (copiadas dos universitários americanos) que faltava as cariocas,
mesmo depois da propalada data de fundação da Charanga (11 de outubro). O que
pode ser mais um indício de que não foi realmente nesta data, a época de sua
fundação. “Vendo e ouvindo a torcida uniformizada que São Paulo nos mandou,
sente-se naturalmente o desejo de ver um dia os fans cariocas também disciplinados dentro de uma organização, como
já uma vez se conseguiu na competição de torcidas do Fla-Flu (...)
o ponto de partida para uma oportuna campanha em prol de arregimentação
das torcidas”[6].
Não havia ainda uma mobilização organizada
e constante dos torcedores não-associados para influir na vida do clube e do
time nos estádios. Continuavam a ganhar destaque ainda os sócios mais
influentes e as figuras públicas dos clubes. No América, surgia a Turma do Veneno.
Um grupo de sócios formado em 1941 que discutia a política no clube: “gente
temida e perigosa, ninguém discute que lhes coubesse a responsabilidade por
muitos das agitações que andavam perturbando a vida do clube” (CUNHA e VALLE,
1972, p.214). Neste mesmo período, começou a se formar um outro grupo de
torcedores influentes com a “criação na década de 1940 da agremiação de
torcedores do Flamengo, Dragões Negros, com sede na tradicional Confeitaria
Colombo” (HOLLANDA, 2004 p. 23).
Mesmo com a conquista do título de
campeão para o Flamengo, o grande destaque na imprensa carioca era atuação da
torcida vascaína que prometia uma maior organização no ano seguinte e promovia
uma grande festa no tradicional Cassino da Urca: “a
festa constituirá um verdadeiro acontecimento, uma vez que naquela popular casa
de diversões serão executadas em primeira audição as marchas “Vasco da Gama” e
“Meu Pavilhão”, premiadas em sensacional concurso organizado por Jornal dos
Sports e Rádio Clube do Brasil[7].
Para este jantar de confraternização foram esgotadas todas as localidades, o
que constituirá uma apoteose a harmonia dos Vascaínos, mais unidos do que nunca
em torno do seu pavilhão. A festa de amanhã no Cassino da Urca será o início da
organização da Torcida Uniformizada do Vasco (Legião da Vitória), a maior
novidade carioca para o campeonato de 1943”[8].
Pouco
depois desta festa a torcida vascaína já se mobilizava para o embate entre as
seleções carioca e paulista. Ao todo foram quatro jogos que incendiaram o
comportamento das torcidas em ambas as cidades. Foram dois jogos em São Paulo e
duas partida no Rio de Janeiro, no estádio de São Januário.
Para promover o jogo, os vascaínos
acenam com a união com os rubro-negros e lançam uma campanha de civilidade
diante dos rivais de São Paulo para que
os ânimos acirrados não se excarcerassem: “as manifestações de simpatia e
apoio ao selecionado carioca promovida pelos torcedores e sócios do Vasco e do
Flamengo constituirá um espetáculo inédito no esporte da cidade. Pela primeira
vez na história do futebol metropolitano, as duas maiores legiões de torcedores
do Brasil se reunirão num só bloco para saudação aos representantes do futebol
citado.
CONCENTRAÇÃO
VASCAÍNA
A direção
geral da concentração Vascaína ficará a cargo dos “marechais de campo”, Olympio
Pio, João de Lucca, Zé de São Januário, Antônio Vieira Jacinto, Oswaldo Moreira
de Sá, Manoel Mattos e todos os chefes de setores.
CONCENTRAÇÃO
RUBRO NEGRA
A concentração
rubro negra, será feita nas tribunas populares, sob a direção do “comandante em
chefe” Oswaldo Meneses, que terá como ajudante de ordens o legionário Fausto
Ferreira.
INSTRUÇÕES AOS
ADEPTOS DO VASCO E FLAMENGO
As instruções
dadas aos torcedores, pelos seus respectivos líderes, não comportam
manifestações de desagrado aos representantes da Federação Paulista. Pelo
contrário, estes devem ser recebidos com aplausos. Dentro das normas esportivas
de uma cidade que se orgulha de ser hospitaleira.
COMO SERÃO
RECEBIDOS OS JOGADORES CARIOCAS
Os líderes da
Torcida Vascaína e rubro negra, pedem para que sejam observadas as instruções
abaixo: Na arquibancada social serão colocados dez clarins da Torcida
Organizada do Vasco. Nas arquibancadas públicas outros dez clarins da Torcida
Organizada do Flamengo”[9].
Alguma observações se fazem necessárias:
a ausência do nome de Jaime de Carvalho. A utilização dos mesmos recursos
sonoros entre vascaínos e rubro-negros (os clarins) distribuídos em igualdade
para não haver a disputa de qual torcida foi mais vibrante. Estes dois grupos,
apesar de se declararem unidos, se posicionam em locais opostos: os vascaínos
nas sociais e os flamenguistas nas arquibancadas.
O resultado final foi a
surpreendente vitória de São Paulo pelo placar de 4 a 3, depois de estar
perdendo por 3 a 1. Ao término da partida a torcida carioca dá uma demonstração de esportividade e aplaude o
time vencedor (Sander, 2004).
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: Jornal dos Sports 11 de Fevereiro de
1942
[2] Fonte: Jornal Gazeta de Notícias 24 de Junho de
1942
[3] Fonte: JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 04 de
outubro de 1942, pp.01 e 06.
[4] Para
uma melhor compreensão desta torcida, ver o artigo (HOLLANDA e SILVA, 2006). Nos
livros e revistas dedicados ao clube ressaltam sempre a sua primeira torcida
uniformizada (LEVER, 1983; COUTINHO, 1990,1995; CASTRO, 2001). Mais do que
isso, ela foi apontada durante anos como a primeira torcida organizada do
Brasil. A falta de pesquisas e a reafirmação desses dados, passaram como inquestionáveis
durante anos (ASSAF e MARTINS, 1997,1999; SANDER, 2004).
[5] Neste mesmo período (JS, 4-10-42) há a notícia de
mobilização da torcida do Vasco para enfrentar seu adversário, contando com o
apoio de seus adeptos: “os chefes da torcida vascaína movimentando-se em todos
os setores, dando o sinal: não falte amanhã”.
[6] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de
Janeiro, 01 de novembro de 1942, p.02.
[7] No
final do ano de 1942, a indústria fonográfica já percebia o crescimento deste
filão ao lançar um disco em que os jogadores do Flamengo cantavam duas músicas:
“Coisas do Destino” e “Vou Botar no Fogo”. O Vasco também gravaria nos estúdios
da Colúmbia “as marchas da torcida organizada do Grêmio da Cruz de Malta”. O disco tinha duas marchas: “Vasco da Gama” e “Meu Pavilhão”.
[8] Fonte: Jornal dos Sports 26 de Novembro de 1942.
[9] Fonte: Jornal dos Sports 13 de Dezembro de 1942.
Vasco Jornal dos Sports 1942 |
Vasco Jornal dos Sports 1942 |
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ResponderExcluirObrigado querido
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