quarta-feira, 26 de outubro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1943 TUV OU TOV

“João de Lucca se multiplicava. Aparecia em toda parte, de megafone na boca, para comandar um casaca"
Reportagem sobre o líder da TUV

1943                         TUV ou TOV?

As torcidas de Vasco e Flamengo protagonizavam uma disputa particular entre o final de 1942 e início de 1943, em função das festas promovidas pelas torcidas na recepção de seus atletas após as partidas de suas equipes em São Paulo. Os dois clubes tinham feito campanhas vitoriosas contra os maiores clubes paulistas, o que motivou os preparativos das torcidas cariocas que receberam em grande estilo carnavalesco, numa manifestação calorosa com muita animação, músicas e fogos, na chegada do trem com os atletas na Central do Brasil.
            O Vasco disputou em fevereiro de 1943 quatro partidas contra os principais clubes de São Paulo e voltou invicto. Primeiro jogou contra o São Paulo no dia 10 (2 a 2), depois enfrentou o Palmeiras no dia 14 (1 a 1), em seguida o Corinthians no  dia 19 (3 a 2) e, por último,  o Santos no dia 21 (1 a 0).
Foi então que os torcedores do Vasco reuniram um grupo entusiasmado para ver a chegada dos jogadores da excursão a São Paulo, com direito a um tratamento digno de uma grande conquista: “ao chegarem à cidade, os atletas tiveram uma recepção triunfal. A torcida vascaína compareceu em massa a estação de D. Pedro II, a fim de aplaudir os heróis que regressaram de uma campanha tão brilhante (...) dos cruzmaltinos em São Paulo“[1]. Mesmo antes da excursão, já tinham os preparativos de organização da primeira torcida organizada carioca, numa iniciativa pioneira dos vascaínos, conforme noticiava o jornal O Globo[2].
            Estas informações vão ao encontro das conclusões da pesquisadora Elizabeth Murilho Silva que aponta para o pioneirismo dos paulistas em organizar suas torcidas. Ela ainda destaca a composição social destes torcedores uniformizados (todos eles eram sócios). “Desde 1940 já havia em São Paulo as chamadas Torcidas Uniformizadas, sendo a do São Paulo Futebol Clube a primeira a surgir. Formada por sócios do clube, jovens na maioria, que levavam instrumentos musicais para o estádio e se vestiam com as cores de seu clube, desenvolvendo coreografias para comemorar os gols, estas torcidas eram de inspiração norte-americana. Em breve os outros grandes clubes da cidade como Palmeiras e Corinthians, também formam suas torcidas” (1999, p.175).
Também o antropólogo e pesquisador das torcidas organizadas, Luiz Henrique Toledo (1996, p.149), aponta para as transformações na composição do público paulista com a inauguração do Pacaembu e a preocupação em controlar os torcedores: “os anos 40 são marcados por um redimensionamento significativo do futebol profissional com a inauguração do Pacaembu (...) tal fato alavancou a participação popular nestes eventos esportivos, o que gerou uma maior preocupação de parte das autoridades em conter e regular a conduta torcedora”.
O fato dos torcedores irem a campo com roupa dos próprios times ou com as cores dos clubes começava a se tornar uma realidade com o surgimento destas torcidas uniformizadas. Nos jornais, vinha a ênfase e o apoio no comportamento organizado dos torcedores no incentivo aos times: “os estádios cheios estimulam os jogadores, exigem mais dos times que estão em campo”, concluía[3].
Acompanhando o futebol paulista, o Jornal dos Sports, fazia questão de destacar a multidão presente em um jogo entre Corinthians e São Paulo, quando 75.000 pagantes prestigiaram o evento. A organização das torcidas uniformizadas chamou a atenção de Mario Filho que logo pediria para o futebol carioca se inspirar neles: “destaque para as duas torcidas. O Pacaembu engalanou-se todo (...) aquela multidão que encheu literalmente as suas dependências, ganhando um colorido ainda mais pronunciado com a atuação destacada, cheia de bom humor e originais números, das duas torcidas uniformizadas”[4].
Em uma crônica em maio de 1943, o jornalista Mario Filho aproveitava para comparar e afirmar a importância dos torcedores cariocas seguirem o exemplo dos paulistas: “um exemplo que o público carioca deve imitar: o apoio de São Paulo ao futebol bandeirante”. Não que ele achasse o público paulista mais vibrante que o torcedor carioca. Nesse ponto, as torcidas se equivaleriam, tanto em uma praça quanto na outra, a emoção era bem semelhante. O que diferenciava era a presença de grandes multidões com a inauguração do Pacaembu, um estádio neutro e municipal. Enquanto no Rio de Janeiro, um clássico como Flamengo e Botafogo, era disputado em locais acanhados como a Gávea ou General Severiano, Palmeiras e São Paulo (com Leônidas da Silva) levavam mais de 70.000 pessoas. Para Mario Filho, era evidente que havia um crescimento de espectadores presentes nos estádios em São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro, a capacidade dos estádios (exceto São Januário, que abrigava 35 mil) era em média de 20.000 pessoas.
Seguindo o modelo das torcidas uniformizadas paulistas, a maioria dos integrantes da TUV (Torcida Uniformizada do Vasco) era formada por sócios do clube e assíduos frequentadores das sociais em São Januário. Portanto, quando a torcida foi criada e até a inauguração do Maracanã, ela se localizava nas sociais e não nas arquibancadas. Tia Aida, em depoimento ao jornalista Hilton Mattos, autor do livro, “Heróis do Cimento” (2007, p. 26), dá mais detalhes do grupo: “os integrantes vestiam camisa branca com detalhes em preto, saia ou calça preta, meia branca e sapato preto...depois ela foi rebatizada e virou Torcida Organizada do Vasco (TOV)”.
Curioso é que neste mesmo período o clube deixaria de usar a camisa escura e passaria a usar a camisa branca com a faixa diagonal negra. A torcida saiu na frente e passou a usar a cor branca como a cor principal. Nossa hipótese para a mudança da cor da camisa do clube e conseqüentemente para os torcedores vestirem o branco como cor predominante talvez tenha sido provocações de torcedores adversários que comparavam as “camisas negras” do Vasco com a organização militar criada pelo ditador italiano Benito Mussolini também conhecida como “camisas negras”. A influência da conjuntura da Segunda Guerra pode ter contribuído para tal mudança. Assim como o Palmeiras que também havia trocado a cor de seu uniforme de azul para verde.
             Em São Paulo, o jornal Gazeta Esportiva, organizava uma competição entre as torcidas uniformizadas paulistas, durante o campeonato paulista daquele ano, o que levou os jornais e revistas cariocas destacarem, através de fotos, o desempenho dos torcedores.
            Em clima de guerra mundial, o chefe da torcida vascaína faz um apelo convocando os torcedores para participarem da final do campeonato de atletismo em São Januário se auto-proclamando como o general da massa: “Portanto, como general em Chefe da Torcida Vascaína, a minha ordem de comando é esta: Vascaínos! Todos ao Estádio de São Januário, as 14 horas para incentivar os nosso atletas na conquista do título de campeão de 1943”[5].
No final do ano é a vez do Remo. Animados com a festa promovida pelo presidente do clube, Ciro Aranha, os jogadores e remadores acompanham com interesse um show de Lamartine Babo e outros músicos. No mesmo dia os torcedores fazem visitas à imprensa para pedir o apoio da torcida na reta final do campeonato: “a redação de Jornal dos Sports recebeu ontem a visita de um grupo de “leaders” da Torcida Vascaína, formando pelos Srs João de Lucca, o maioral da Torcida Vascaína, José Tavares Manoel de Oliveira, Eduardo Queiroz, Jorge Loureiro,Samuel Dias, Antônio Rodrigues Américo Carvalho, Paschoal Pontes e Jacintho Vieira. Queriam eles que Jornal dos Sports fosse o integrante de um apelo aos Vascaínos para que os mesmos compareçam amanhã a Lagoa, afim de incentivar as guarnições Cruzmaltinas. O ponto de Concentração será na Avenida Epitácio Pessoa, em frente ao Barracão da Pequena Cruzada” [6].
Neste ano a maior inquietação no futebol carioca ficou o tamanho e as péssimas condições dos estádios cariocas. A preocupação ganhou mais destaque quando ocorreu uma tragédia no final do ano no estádio do São Cristóvão, em que parte das arquibancadas desabou, provocando um acidente de grandes proporções[7]. Aquele havia sido o maior desastre no futebol brasileiro até então. Parte da imprensa fez uma intensa campanha pela interdição de vários campos esportivos com arquibancadas de madeira. Depois disso, vários estádios ficaram impedidos[8] de realizarem jogos e a campanha pela construção de um estádio municipal ganhava um peso maior com este episódio.
Um desastre por motivo de superlotação era quase que uma crônica anunciada. Ainda em agosto de 1943, uma reportagem de página inteira intitulada: “Falta apenas espaço”, denunciava as péssimas acomodações, com várias fotografias de torcedores pendurados em árvores, em barrancos e praças esportivas completamente tomadas pelo público. Em contraste, comparava com a segurança mostrada no Pacaembu: “o football carioca tem tudo para enfrentar o bandeirante na corrida dos sucessos. Falta, porém, espaços nos campos para comportar as grandes torcidas...” [9].
            Neste ano e no ano seguinte são feitas várias reportagens anunciando a disposição do governo federal e municipal construírem um estádio neutro capaz de abrigar mais de 100 mil pessoas. A proposta era de construir dois estádios: um para os esportes e outro somente para o futebol: “o esporte bretão na capital da República, nunca exerceu tanta atração sobre a massa (...) o que falta ao Rio e não faltará mais (a partir de dezembro de 1944) era um Pacaembu carioca (...) iniciativa da prefeitura e da federação (...) estádio para 120.000 pessoas conforme a maquete apresentada pelo prefeito Henrique Dodsworth (...) estádio nacional a ser construído pelo Ministério da Educação e o Estádio Nacional Olímpico com o objetivo de finalidade educativa”[10]. Em 11 de agosto de 1944, a Revista O Globo Sportivo apresenta um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer para um estádio de 100.000 pessoas, com fotos de sua maquete. Para reforçar a urgência da obra comenta-se sobre os estádios em Buenos Aires (River e Boca), com capacidade  superior a 100 mil espectadores.
            Em janeiro de 1945 a imprensa volta a comentar sobre o novo estádio: (...) O estádio Nacional terá capacidade para 200.000 (...) poderá parecer um exagero (...) nas duas últimas decisões do campeonato brasileiro o “colosso” de São Januário deu quase a impressão de ser uma lata de sardinha” [11].
Chegamos ao final do ano e as disputas mais importante daquele ano eram as finais do Campeonato Brasileiro de Seleções, invariavelmente decididas por paulistas e cariocas. Em 1943 não seria diferente. Após perder a primeira partida em São Paulo, a seleção carioca recebeu a seleção paulista no Rio de Janeiro. Era a segunda partida disputada em uma melhor de três e o jogo entraria para a história como a “Batalha dos Fogos”  e o jogo do “Chega”.
Os jornais locais faziam questão de defenderem seus estados, colocando a disputa fora dos atributos esportivos, levando os leitores acreditarem que uma derrota para seu rival seria uma vergonha para a sua cidade. Transformando a disputa numa questão de orgulho regional, com matizes nacionais, afinal a disputa seria para saber qual era o lugar mais importante para o país, qual era a locomotiva do Brasil. Ou seja, através do futebol se metaforizava quem dominaria a disputa política e econômica nacional.
            Bola rolando, os dois times disputando uma partida de igual para igual. No entanto, o que se viu foi a maior humilhação que uma seleção representando São Paulo sofreu. Em campo uma derrota por 6 a 1. Nas arquibancadas um coro de milhares de vozes gritando após o sexto gol “chega!!!!”. Em seu livro mais famoso, Mario Filho (2003, p.254) relembra a gozação improvisada pela torcida carioca: “foi o célebre jogo do chega. Nunca uma torcida foi mais cruel, feriu mais fundo, do que a carioca naquela noite. Havia na arquibancada, um batuque no meio da torcida organizada que cantava uma marcha de Ari Barroso, feita especialmente para a ocasião”.
            Para os cronistas, o antagonismo entre cariocas e paulistas era tão importante quanto o desafio entre brasileiros e argentinos. Era uma disputa tradicional: “o grande elã, o auge da loucura coletiva, eram as disputas entre as seleções do Rio e de São Paulo (...) fosse vitória aqui ou lá, era para fechar o comércio, era feriado, era festa, carnaval, euforia e povo nas ruas” (SEVCENKO 1994, p.36).
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1943, p. 09. A festa é comprovada em outra reportagem: “ Torcida do Vasco fez uma monumental recepção a embaixada de futebol do Vasco, que realizou em São Paulo uma temporada brilhante e vitoriosa. O povo invadiu as dependências da Estação Pedro II, para demonstrar aos Vascaínos sua alegria e seu entusiasmo pelo êxito da excursão”.Fonte: Jornal Sport Ilustrado 1943
[2] Cf. na seção “O Globo há 50 anos”. O GLOBO. Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 1993.
[3] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 04 de maio de 1943, p. 02.
[4] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 04 de maio de 1943, p.02.
[5] Fonte: Jornal dos Sports 31 de Outubro dr 1943.
[6] Fonte: Jornal dos Sports 13 de Novembro de 1943.
[7] O jogador do São Cristóvão, Walter enfatiza a superlotação do estádio muitas horas antes do início da partida: “lembro que ao meio-dia fechou os portões – não dava mais ninguém no campo. Começava as três e meia. Meio-dia já estava o campo lotado com gente até no mastro dos refletores. Dez mil pessoas mais ou menos...”. (HAMILTON, 2005, p.163).
[8] Os seguintes clubes estavam com os seus estádios interditados pela polícia a partir de setembro de 1943: América, Flamengo, Bonsucesso, Bangu e São Cristóvão. Cf. (CUNHA e VALLE, 1972, p.233).
[9] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1945, p.10.
[10] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 08 de outubro de 1943, p.11.
[11] Cf. O Globo Sportivo, dia 19, p.15.

Vasco Jornal A Manhã 1943

Vasco Revista Sport Ilustrado 1943

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