“João de Lucca se multiplicava. Aparecia em toda parte, de megafone na boca, para comandar um casaca"
Reportagem sobre o líder da TUV
1943 TUV ou TOV?
As
torcidas de Vasco e Flamengo protagonizavam uma disputa particular entre o final
de 1942 e início de 1943, em função das festas promovidas pelas torcidas na recepção
de seus atletas após as partidas de suas equipes em São Paulo. Os dois clubes
tinham feito campanhas vitoriosas contra os maiores clubes paulistas, o que
motivou os preparativos das torcidas cariocas que receberam em grande estilo
carnavalesco, numa manifestação calorosa com muita animação, músicas e fogos,
na chegada do trem com os atletas na Central do Brasil.
O Vasco disputou em fevereiro de
1943 quatro partidas contra os principais clubes de São Paulo e voltou invicto.
Primeiro jogou contra o São Paulo no dia 10 (2 a 2), depois enfrentou o
Palmeiras no dia 14 (1 a 1), em seguida o Corinthians no dia 19 (3 a 2) e, por último, o Santos no dia 21 (1 a 0).
Foi então que os torcedores do Vasco reuniram um grupo
entusiasmado para ver a chegada dos jogadores da excursão a São Paulo, com
direito a um tratamento digno de uma grande conquista: “ao chegarem à cidade,
os atletas tiveram uma recepção triunfal. A torcida vascaína compareceu em
massa a estação de D. Pedro II, a fim de aplaudir os heróis que regressaram de
uma campanha tão brilhante (...) dos cruzmaltinos em São Paulo“[1]. Mesmo
antes da excursão, já tinham os preparativos de organização da primeira torcida
organizada carioca, numa iniciativa pioneira dos vascaínos, conforme noticiava
o jornal O Globo[2].
Estas informações vão ao encontro das conclusões
da pesquisadora Elizabeth Murilho Silva que aponta para o pioneirismo dos
paulistas em organizar suas torcidas. Ela ainda destaca a composição social destes
torcedores uniformizados (todos eles eram sócios). “Desde 1940 já havia em São
Paulo as chamadas Torcidas Uniformizadas, sendo a do São Paulo Futebol Clube a
primeira a surgir. Formada por sócios do clube, jovens na maioria, que levavam
instrumentos musicais para o estádio e se vestiam com as cores de seu clube,
desenvolvendo coreografias para comemorar os gols, estas torcidas eram de
inspiração norte-americana. Em breve os outros grandes clubes da cidade como
Palmeiras e Corinthians, também formam suas torcidas” (1999, p.175).
Também
o antropólogo e pesquisador das torcidas organizadas, Luiz Henrique Toledo
(1996, p.149), aponta para as transformações na composição do público paulista
com a inauguração do Pacaembu e a preocupação em controlar os torcedores: “os
anos 40 são marcados por um redimensionamento significativo do futebol
profissional com a inauguração do Pacaembu (...) tal fato alavancou a
participação popular nestes eventos esportivos, o que gerou uma maior
preocupação de parte das autoridades em conter e regular a conduta torcedora”.
O
fato dos torcedores irem a campo com roupa dos próprios times ou com as cores
dos clubes começava a se tornar uma realidade com o surgimento destas torcidas
uniformizadas. Nos jornais, vinha a ênfase e o apoio no comportamento
organizado dos torcedores no incentivo aos times: “os estádios cheios estimulam
os jogadores, exigem mais dos times que estão em campo”, concluía[3].
Acompanhando
o futebol paulista, o Jornal dos Sports, fazia questão de destacar a multidão
presente em um jogo entre Corinthians e São Paulo, quando 75.000 pagantes
prestigiaram o evento. A organização das torcidas uniformizadas chamou a
atenção de Mario Filho que logo pediria para o futebol carioca se inspirar
neles: “destaque para as duas torcidas. O Pacaembu engalanou-se todo (...)
aquela multidão que encheu literalmente as suas dependências, ganhando um
colorido ainda mais pronunciado com a atuação destacada, cheia de bom humor e
originais números, das duas torcidas uniformizadas”[4].
Em uma crônica em maio de 1943, o jornalista Mario Filho
aproveitava para comparar e afirmar a importância dos torcedores cariocas
seguirem o exemplo dos paulistas: “um exemplo que o público carioca deve
imitar: o apoio de São Paulo ao futebol bandeirante”. Não que ele achasse o
público paulista mais vibrante que o torcedor carioca. Nesse ponto, as torcidas
se equivaleriam, tanto em uma praça quanto na outra, a emoção era bem
semelhante. O que diferenciava era a presença de grandes multidões com a
inauguração do Pacaembu, um estádio neutro e municipal. Enquanto no Rio de
Janeiro, um clássico como Flamengo e Botafogo, era disputado em locais
acanhados como a Gávea ou General Severiano, Palmeiras e São Paulo (com
Leônidas da Silva) levavam mais de 70.000 pessoas. Para Mario Filho, era
evidente que havia um crescimento de espectadores presentes nos estádios em São
Paulo, enquanto no Rio de Janeiro, a capacidade dos estádios (exceto São
Januário, que abrigava 35 mil) era em média de 20.000 pessoas.
Seguindo o modelo das torcidas uniformizadas paulistas, a maioria
dos integrantes da TUV (Torcida Uniformizada do Vasco) era formada por sócios
do clube e assíduos frequentadores das sociais em São Januário. Portanto,
quando a torcida foi criada e até a inauguração do Maracanã, ela se localizava
nas sociais e não nas arquibancadas. Tia Aida, em depoimento ao jornalista
Hilton Mattos, autor do livro, “Heróis do Cimento” (2007, p. 26), dá mais
detalhes do grupo: “os integrantes vestiam camisa branca com detalhes em preto,
saia ou calça preta, meia branca e sapato preto...depois ela foi rebatizada e
virou Torcida Organizada do Vasco (TOV)”.
Curioso é que neste mesmo período o clube deixaria de usar a
camisa escura e passaria a usar a camisa branca com a faixa diagonal negra. A
torcida saiu na frente e passou a usar a cor branca como a cor principal. Nossa
hipótese para a mudança da cor da camisa do clube e conseqüentemente para os
torcedores vestirem o branco como cor predominante talvez tenha sido
provocações de torcedores adversários que comparavam as “camisas negras” do
Vasco com a organização militar criada pelo ditador italiano Benito Mussolini
também conhecida como “camisas negras”. A influência da conjuntura da Segunda
Guerra pode ter contribuído para tal mudança. Assim como o Palmeiras que também
havia trocado a cor de seu uniforme de azul para verde.
Em São Paulo, o jornal Gazeta Esportiva,
organizava uma competição entre as torcidas uniformizadas paulistas, durante o
campeonato paulista daquele ano, o que levou os jornais e revistas cariocas
destacarem, através de fotos, o desempenho dos torcedores.
Em clima de guerra mundial, o chefe
da torcida vascaína faz um apelo convocando os torcedores para participarem da
final do campeonato de atletismo em São Januário se auto-proclamando como o
general da massa: “Portanto, como general em Chefe da Torcida Vascaína, a minha
ordem de comando é esta: Vascaínos! Todos ao Estádio de São Januário, as 14
horas para incentivar os nosso atletas na conquista do título de campeão de
1943”[5].
No
final do ano é a vez do Remo. Animados com a festa promovida pelo presidente do
clube, Ciro Aranha, os jogadores e remadores acompanham com interesse um show
de Lamartine Babo e outros músicos. No mesmo dia os torcedores fazem visitas à
imprensa para pedir o apoio da torcida na reta final do campeonato: “a redação
de Jornal dos Sports recebeu ontem a visita de um grupo de “leaders” da Torcida
Vascaína, formando pelos Srs João de Lucca, o maioral da Torcida Vascaína, José
Tavares Manoel de Oliveira, Eduardo Queiroz, Jorge Loureiro,Samuel Dias,
Antônio Rodrigues Américo Carvalho, Paschoal Pontes e Jacintho Vieira. Queriam
eles que Jornal dos Sports fosse o integrante de um apelo aos Vascaínos
para que os mesmos compareçam amanhã a Lagoa, afim de incentivar as guarnições
Cruzmaltinas. O ponto de Concentração será na Avenida Epitácio Pessoa, em
frente ao Barracão da Pequena Cruzada” [6].
Neste
ano a maior inquietação no futebol carioca ficou o tamanho e as péssimas
condições dos estádios cariocas. A preocupação ganhou mais destaque quando
ocorreu uma tragédia no final do ano no estádio do São Cristóvão, em que parte
das arquibancadas desabou, provocando um acidente de grandes proporções[7].
Aquele havia sido o maior desastre no futebol brasileiro até então. Parte da
imprensa fez uma intensa campanha pela interdição de vários campos esportivos
com arquibancadas de madeira. Depois disso, vários estádios ficaram impedidos[8] de
realizarem jogos e a campanha pela construção de um estádio municipal ganhava
um peso maior com este episódio.
Um
desastre por motivo de superlotação era quase que uma crônica anunciada. Ainda
em agosto de 1943, uma reportagem de página inteira intitulada: “Falta apenas
espaço”, denunciava as péssimas acomodações, com várias fotografias de
torcedores pendurados em árvores, em barrancos e praças esportivas
completamente tomadas pelo público. Em contraste, comparava com a segurança
mostrada no Pacaembu: “o football
carioca tem tudo para enfrentar o bandeirante na corrida dos sucessos. Falta,
porém, espaços nos campos para comportar as grandes torcidas...” [9].
Neste ano e no ano seguinte são
feitas várias reportagens anunciando a disposição do governo federal e
municipal construírem um estádio neutro capaz de abrigar mais de 100 mil
pessoas. A proposta era de construir dois estádios: um para os esportes e outro
somente para o futebol: “o esporte bretão na capital da República, nunca
exerceu tanta atração sobre a massa (...) o que falta ao Rio e não faltará mais
(a partir de dezembro de 1944) era um Pacaembu carioca (...) iniciativa da
prefeitura e da federação (...) estádio para 120.000 pessoas conforme a maquete
apresentada pelo prefeito Henrique Dodsworth (...) estádio nacional a ser
construído pelo Ministério da Educação e o Estádio Nacional Olímpico com o
objetivo de finalidade educativa”[10].
Em 11 de agosto de 1944, a Revista O Globo Sportivo apresenta um projeto do
arquiteto Oscar Niemeyer para um estádio de 100.000 pessoas, com fotos de sua
maquete. Para reforçar a urgência da obra comenta-se sobre os estádios em
Buenos Aires (River e Boca), com capacidade
superior a 100 mil espectadores.
Em janeiro de 1945 a imprensa volta
a comentar sobre o novo estádio: (...) O estádio Nacional terá capacidade para
200.000 (...) poderá parecer um exagero (...) nas duas últimas decisões do
campeonato brasileiro o “colosso” de São Januário deu quase a impressão de ser
uma lata de sardinha” [11].
Chegamos
ao final do ano e as disputas mais importante daquele ano eram as finais do Campeonato
Brasileiro de Seleções, invariavelmente decididas por paulistas e cariocas. Em
1943 não seria diferente. Após perder a primeira partida em São Paulo, a
seleção carioca recebeu a seleção paulista no Rio de Janeiro. Era a segunda
partida disputada em uma melhor de três e o jogo entraria para a história como
a “Batalha dos Fogos” e o jogo do
“Chega”.
Os
jornais locais faziam questão de defenderem seus estados, colocando a disputa
fora dos atributos esportivos, levando os leitores acreditarem que uma derrota
para seu rival seria uma vergonha para a sua cidade. Transformando a disputa
numa questão de orgulho regional, com matizes nacionais, afinal a disputa seria
para saber qual era o lugar mais importante para o país, qual era a locomotiva
do Brasil. Ou seja, através do futebol se metaforizava quem dominaria a disputa
política e econômica nacional.
Bola rolando, os dois times
disputando uma partida de igual para igual. No entanto, o que se viu foi a
maior humilhação que uma seleção representando São Paulo sofreu. Em campo uma
derrota por 6 a 1. Nas arquibancadas um coro de milhares de vozes gritando após
o sexto gol “chega!!!!”. Em seu livro mais famoso, Mario Filho (2003, p.254)
relembra a gozação improvisada pela torcida carioca: “foi o célebre jogo do
chega. Nunca uma torcida foi mais cruel, feriu mais fundo, do que a carioca
naquela noite. Havia na arquibancada, um batuque no meio da torcida organizada
que cantava uma marcha de Ari Barroso, feita especialmente para a ocasião”.
Para os cronistas, o antagonismo
entre cariocas e paulistas era tão importante quanto o desafio entre
brasileiros e argentinos. Era uma disputa tradicional: “o grande elã, o auge da
loucura coletiva, eram as disputas entre as seleções do Rio e de São Paulo
(...) fosse vitória aqui ou lá, era para fechar o comércio, era feriado, era
festa, carnaval, euforia e povo nas ruas” (SEVCENKO 1994, p.36).
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1]
Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1943, p. 09. A festa é
comprovada em outra reportagem: “ Torcida do Vasco fez uma monumental recepção
a embaixada de futebol do Vasco, que realizou em São Paulo uma temporada
brilhante e vitoriosa. O povo invadiu as dependências da Estação Pedro II, para
demonstrar aos Vascaínos sua alegria e seu entusiasmo pelo êxito da excursão”.Fonte:
Jornal Sport Ilustrado 1943
[2] Cf. na seção “O Globo há
50 anos”. O GLOBO. Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 1993.
[3] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio
de Janeiro, 04 de maio de 1943, p. 02.
[4] Cf. JORNAL DOS SPORTS. Rio de Janeiro, 04 de maio de
1943, p.02.
[5] Fonte: Jornal dos Sports
31 de Outubro dr 1943.
[6] Fonte: Jornal dos Sports
13 de Novembro de 1943.
[7] O
jogador do São Cristóvão, Walter enfatiza a superlotação do estádio muitas
horas antes do início da partida: “lembro que ao meio-dia fechou os portões –
não dava mais ninguém no campo. Começava as três e meia. Meio-dia já estava o
campo lotado com gente até no mastro dos refletores. Dez mil pessoas mais ou
menos...”. (HAMILTON, 2005, p.163).
[8] Os
seguintes clubes estavam com os seus estádios interditados pela polícia a
partir de setembro de 1943: América, Flamengo, Bonsucesso, Bangu e São
Cristóvão. Cf. (CUNHA e VALLE, 1972, p.233).
[9]
Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1945, p.10.
[10] Cf. O GLOBO SPORTIVO. Rio de Janeiro, 08 de outubro
de 1943, p.11.
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