“Enquanto houver um coração infantil o Vasco será imortal”
Cyro Aranha
1941 A
Família Aranha
O torneio de seleções regionais organizado
pela CBD era uma competição oficial desde 1923, recebendo o nome de Campeonato
Brasileiro de Seleções. São Paulo e Rio de Janeiro só entravam na competição
nas semifinais e pelo regulamento só podiam se enfrentar nas finais. A ideia inicial dos dirigentes da CBD era promover a integração nacional através do
futebol, no entanto, “teve efeito contrário, aprofundando a regionalização
preexistente e acirrando os ânimos bairristas”, conclui o historiador Fábio
Franzini (2003, p.21)
Em pleno momento de afirmação da
identidade nacional, as duas maiores cidades aproveitavam as rixas esportivas
para atualizar as disputas políticas que acabariam por contagiar toda a
população. Para o sociólogo Waldenyr Caldas (1990, p.131), “a rivalidade no
setor esportivo entre Rio de Janeiro e São Paulo, que antes era restrita aos
políticos, passaria, a cada ano, a tomar conta das torcidas também”.
Com a inauguração do Pacaembu em
1940, o maior estádio do Brasil deixava de ser o de São Januário. Assim o
futebol paulista sonhava em ter a hegemonia do futebol brasileiro de volta. Com
a conquista do bicampeonato de seleções em 1941 e 1942, parecia que a desejada
liderança do futebol brasileiro mudava de lado. Em toda a década de 1940 esta
competição foi o principal mote para acirrar os ânimos[1], que eram alimentados,
principalmente, pela imprensa e pelos torcedores paulistas.
Quem não ficava nem um pouco
satisfeito com esta disputa era o presidente Getúlio Vargas, que aumenta o
controle do esporte nacional com a criação do Conselho Nacional de Desportos
(CND) em 1941. O objetivo do novo órgão era organizar e planejar as atividades
esportivas seguindo as orientações de seu chefe.
Entre as mudanças aprovadas no
futebol brasileiro, estavam as novas regras que seriam seguidas de acordo com
os critérios da FIFA. As partidas seriam disputadas em dois tempos de 45
minutos (não mais 40) e o fim das substituições durante o transcorrer do jogo.
Esta última alteração modificou substancialmente o modo dos torcedores reagiram
durante as partidas. O pedido para a substituição dos jogadores e a pressão
sobre os técnicos, faziam parte do repertório de cobranças pelos assistentes.
Outro
fato que ficou na memória dos torcedores adultos da Era Vargas eram as
festividades de cunho nacionalista, como os grandes comícios de 1° de maio,
quando o presidente desfilava de carro aberto e fazia um discurso da tribuna de
honra em São Januário. Nos anos de 1940 (quando o Presidente Vargas assina o
Decreto-lei criando o salário mínimo), 1941 1942 e 1945, o estádio de São
Januário foi o palco das grandes manifestações que reuniam milhares de
trabalhadores. Em 1944, o presidente comemorou o Dia do Trabalho, pela primeira
e única vez, no estádio do Pacaembu.
Para
as crianças daquela época, a maior lembrança vinha com os cantos orfeônicos
comandados pelo maestro Villa Lobos nas cadeiras e arquibancadas do estádio, onde
milhares de jovens e crianças se reuniam para cantar hinos e entoar canções de
caráter nacionalista.
Ainda durante o Estado Novo (1937-1945) o governo instituiu o DIP, um órgão governamental que ampliou a censura
em todas as esferas da vida cultural com a perseguição aos artistas que
defendiam a malandragem e a vida boemia, e não os valores da trabalho e da
obediencia. Também no futebol esta censura estava presente. Comenta-se que o
compositor Wilson Batista ao criar o
samba “O Bonde de São Januário” em 1941,
seria obrigado a refazer a letra. Na letra original, segundo o músico e
escritor vascaíno Ney Lopes, acirrava o guerra entre os torcedores: "O bonde São Januário/ leva um
português otário/ pra ver o Vasco apanhar". Tal letra, obviamente, teria
desagradado ao DIP, que, segundo a tradição, teria obrigado o compositor a
reescrevê-la, na forma em que ficou conhecida: "O bonde São Januário/ leva
mais um operário/ sou eu que vou trabalhar".
Por outro lado, durante as
partidas do campeonato carioca, a preocupação dos comandantes da torcida vascaína
era evitar as brigas nos estádios e agrupar todos os adeptos em um único local.
Em São Januário era fácil e todos se concentravam no local dos sócios. Porém,
em outros estádios dependia-se da boa vontade da torcida anfitriã. Nas
Laranjeiras, os vascaínos aguardavam a orientação pelos jornais: “Os
Chefes da legião de fãs cruzmaltinos, Srs Olympio Pio e João de Lucca, avisam a
todos os associados e adeptos, que o local escolhido para a concentração no
Estádio das Laranjeiras, foi a parte da arquibancada, que fica situada na curva
que da para a Rua Pinheiro Machado”[2].
Perdendo
o campeonato carioca mais uma vez restava aos torcedores e sócios vascaínos concentrar
suas atenções na escolha do futuro presidente do clube. Numa da eleições mais
concorridas da escolha do clube em todos os tempos, milhares de associados
comparecem as urnas e escolhem Cyro Aranha para presidente. Vale lembra que
nestes anos a família Aranha era bastante poderosa no cenário político. O ministro
das Relações Exteriores era Oswaldo Aranha, também era sócio do Vasco e Luiz
Aranha, ex-presidente da CBD e Ex-presidente do Botafogo.
O Vasco era o clube com maior número de sócios dos
grandes clubes cariocas, cerca de 10 mil pessoas tinham sua carteira de
associado e eram atuantes na vida social e política do clube. Como nos anos
anteriores ocorreu uma disputa de diferentes correntes, mas a vantagem final do
Ciro Aranha ficou evidenciada com a apuração. Curioso foi o destaque dos
jornais em plena ditadura Vargas, em que a palavra eleição não tinha nenhum
sentido, milhares de pessoas estarem discutindo o destino de seu clube. Era uma
contradição evidente daquele período e que demonstra o campo esportivo
funcionando com relativa independência dos poderes constituídos, embora a
vitória da família Aranha fosse comemorada no Palácio do Catete.
Bicampeão
carioca pelo Fluminense o técnico Uruguai Ondino Vieira assume o comando do
Vasco em 1942 com a missão de conquistar um título pelo clube da colina que até
a reunificação do futebol carioca via a dupla Fla-Flu manter a hegemonia dos
títulos cariocas. Ao iniciar seus trabalhos ele fez uma declaração marcante: “o
campeonato é uma guerra”. Era a resposta de alguém que pedia um tempo de três
anos ao presidente Ciro Aranha para montar um time imbatível. As primeiras
contratações logo foram feitas, mas a torcida queria logo os títulos.
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Os
paulistas venceram em 1941 e 1942, antes da contratação das estrelas cariocas.
Depois o domínio foi dos cariocas, conforme registra o jornalista Hélio
Sussekind (1996): “desde o início das disputas interestaduais, em 1923, o Rio
somava 13 títulos contra apenas seis dos paulistas e um dos baianos. O futebol
carioca era o melhor e o mais popular do Brasil”(p.28).
[2] Fonte: Jornal dos Sports 10 de Maio de 1941
Vasco Jornal dos Sports 1941 |
Vasco Revista Careta 1941 |
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