quarta-feira, 19 de outubro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1941 A FAMÍLIA ARANHA

“Enquanto houver um coração infantil o Vasco será imortal”
                          Cyro Aranha

1941                          A Família Aranha


 O torneio de seleções regionais organizado pela CBD era uma competição oficial desde 1923, recebendo o nome de Campeonato Brasileiro de Seleções. São Paulo e Rio de Janeiro só entravam na competição nas semifinais e pelo regulamento só podiam se enfrentar nas finais. A ideia inicial dos dirigentes da CBD era promover a integração nacional através do futebol, no entanto, “teve efeito contrário, aprofundando a regionalização preexistente e acirrando os ânimos bairristas”, conclui o historiador Fábio Franzini (2003, p.21)
            Em pleno momento de afirmação da identidade nacional, as duas maiores cidades aproveitavam as rixas esportivas para atualizar as disputas políticas que acabariam por contagiar toda a população. Para o sociólogo Waldenyr Caldas (1990, p.131), “a rivalidade no setor esportivo entre Rio de Janeiro e São Paulo, que antes era restrita aos políticos, passaria, a cada ano, a tomar conta das torcidas também”.
            Com a inauguração do Pacaembu em 1940, o maior estádio do Brasil deixava de ser o de São Januário. Assim o futebol paulista sonhava em ter a hegemonia do futebol brasileiro de volta. Com a conquista do bicampeonato de seleções em 1941 e 1942, parecia que a desejada liderança do futebol brasileiro mudava de lado. Em toda a década de 1940 esta competição foi o principal mote para acirrar os ânimos[1], que eram alimentados, principalmente, pela imprensa e pelos torcedores paulistas.
            Quem não ficava nem um pouco satisfeito com esta disputa era o presidente Getúlio Vargas, que aumenta o controle do esporte nacional com a criação do Conselho Nacional de Desportos (CND) em 1941. O objetivo do novo órgão era organizar e planejar as atividades esportivas seguindo as orientações de seu chefe.
            Entre as mudanças aprovadas no futebol brasileiro, estavam as novas regras que seriam seguidas de acordo com os critérios da FIFA. As partidas seriam disputadas em dois tempos de 45 minutos (não mais 40) e o fim das substituições durante o transcorrer do jogo. Esta última alteração modificou substancialmente o modo dos torcedores reagiram durante as partidas. O pedido para a substituição dos jogadores e a pressão sobre os técnicos, faziam parte do repertório de cobranças pelos assistentes.
Outro fato que ficou na memória dos torcedores adultos da Era Vargas eram as festividades de cunho nacionalista, como os grandes comícios de 1° de maio, quando o presidente desfilava de carro aberto e fazia um discurso da tribuna de honra em São Januário. Nos anos de 1940 (quando o Presidente Vargas assina o Decreto-lei criando o salário mínimo), 1941 1942 e 1945, o estádio de São Januário foi o palco das grandes manifestações que reuniam milhares de trabalhadores. Em 1944, o presidente comemorou o Dia do Trabalho, pela primeira e única vez, no estádio do Pacaembu.
Para as crianças daquela época, a maior lembrança vinha com os cantos orfeônicos comandados pelo maestro Villa Lobos nas cadeiras e arquibancadas do estádio, onde milhares de jovens e crianças se reuniam para cantar hinos e entoar canções de caráter nacionalista.
Ainda durante o Estado Novo (1937-1945) o governo instituiu o DIP,  um órgão governamental que ampliou a censura em todas as esferas da vida cultural com a perseguição aos artistas que defendiam a malandragem e a vida boemia, e não os valores da trabalho e da obediencia. Também no futebol esta censura estava presente. Comenta-se que o compositor Wilson Batista  ao criar o samba  “O Bonde de São Januário” em 1941, seria obrigado a refazer a letra. Na letra original, segundo o músico e escritor vascaíno Ney Lopes, acirrava o guerra entre os torcedores: "O bonde São Januário/ leva um português otário/ pra ver o Vasco apanhar". Tal letra, obviamente, teria desagradado ao DIP, que, segundo a tradição, teria obrigado o compositor a reescrevê-la, na forma em que ficou conhecida: "O bonde São Januário/ leva mais um operário/ sou eu que vou trabalhar".
Por outro lado, durante as partidas do campeonato carioca, a preocupação dos comandantes da torcida vascaína era evitar as brigas nos estádios e agrupar todos os adeptos em um único local. Em São Januário era fácil e todos se concentravam no local dos sócios. Porém, em outros estádios dependia-se da boa vontade da torcida anfitriã. Nas Laranjeiras, os vascaínos aguardavam a orientação pelos jornais: “Os Chefes da legião de fãs cruzmaltinos, Srs Olympio Pio e João de Lucca, avisam a todos os associados e adeptos, que o local escolhido para a concentração no Estádio das Laranjeiras, foi a parte da arquibancada, que fica situada na curva que da para a Rua Pinheiro Machado”[2].
Perdendo o campeonato carioca mais uma vez restava aos torcedores e sócios vascaínos concentrar suas atenções na escolha do futuro presidente do clube. Numa da eleições mais concorridas da escolha do clube em todos os tempos, milhares de associados comparecem as urnas e escolhem Cyro Aranha para presidente. Vale lembra que nestes anos a família Aranha era bastante poderosa no cenário político. O ministro das Relações Exteriores era Oswaldo Aranha, também era sócio do Vasco e Luiz Aranha, ex-presidente da CBD e Ex-presidente do Botafogo.
            O Vasco era o clube com maior número de sócios dos grandes clubes cariocas, cerca de 10 mil pessoas tinham sua carteira de associado e eram atuantes na vida social e política do clube. Como nos anos anteriores ocorreu uma disputa de diferentes correntes, mas a vantagem final do Ciro Aranha ficou evidenciada com a apuração. Curioso foi o destaque dos jornais em plena ditadura Vargas, em que a palavra eleição não tinha nenhum sentido, milhares de pessoas estarem discutindo o destino de seu clube. Era uma contradição evidente daquele período e que demonstra o campo esportivo funcionando com relativa independência dos poderes constituídos, embora a vitória da família Aranha fosse comemorada no Palácio do Catete.
Bicampeão carioca pelo Fluminense o técnico Uruguai Ondino Vieira assume o comando do Vasco em 1942 com a missão de conquistar um título pelo clube da colina que até a reunificação do futebol carioca via a dupla Fla-Flu manter a hegemonia dos títulos cariocas. Ao iniciar seus trabalhos ele fez uma declaração marcante: “o campeonato é uma guerra”. Era a resposta de alguém que pedia um tempo de três anos ao presidente Ciro Aranha para montar um time imbatível. As primeiras contratações logo foram feitas, mas a torcida queria logo os títulos.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Os paulistas venceram em 1941 e 1942, antes da contratação das estrelas cariocas. Depois o domínio foi dos cariocas, conforme registra o jornalista Hélio Sussekind (1996): “desde o início das disputas interestaduais, em 1923, o Rio somava 13 títulos contra apenas seis dos paulistas e um dos baianos. O futebol carioca era o melhor e o mais popular do Brasil”(p.28).
[2] Fonte: Jornal dos Sports 10 de Maio de 1941

Vasco Jornal dos Sports 1941

Vasco Revista Careta 1941

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