“Ahh, é Edmundo”
grito da Torcida
1997 O Melhor Jogador do Mundo
O
jornalista Sérgio Cabral sempre foi muito conhecido pelas suas duas paixões: o
samba e o futebol. Nas duas manifestações populares ele se tornou um estudioso
com seus livros, pesquisas e contato com os principais atores do universo
esportivo e carnavalesco. Enfim, Cabral acumulou um conhecimento que garantiu
um prestígio muito forte nestas áreas.
Identificado como “típico carioca”, generoso,
bom papo, camarada, ele passou a angariar uma coleção infinita de amigos e
admiradores. Por isso não foi surpresa que uma escola de samba fizesse uma
homenagem escolhendo-o como figura central do enredo da Escola de Samba Em Cima
da Hora, do bairro de Cavalcanti, no subúrbio carioca.
Nascido
no mesmo bairro da escola, Cabral levou centenas de amigos para desfilarem para
o enredo “Sérgio Cabral a Cara do Rio”, entre eles estavam centenas de
torcedores vascaínos, muitos deles das torcidas organizadas, como a Força
Jovem.
Passado
o carnaval e enquanto o clube disputava o campeonato carioca, a torcida
vascaína fez parte das gravações do videoclip da banda de rock mineira Skank[1],
com uma música de grande sucesso: “É uma partida de futebol”.
A
relação entre o rock e o futebol no Brasil não é tão intensa quanto o samba e a
MPB construíram ao longo dos anos. Poucos roqueiros se aventuraram neste
universo, até mesmo para os músicos demonstrarem suas paixões clubísticas. Por
outro lado, entre os jogadores, são poucos os que declaram ter maior interesse
por este estilo. Entretanto, independente de gostos específicos, a música e o
clip tiveram grande repercussão graças a qualidade da letra melodia e da
produção das imagens que contou com cenas das torcida no Mineirão e no
Maracanã. No estádio carioca as imagens se concentraram na Força Jovem. A
explicação para a escolha recair sobre a torcida vascaína pode estar ligada a
relação entre os membros da banda e o DJ Maurício Valladares, vascaínos
fanático.
A Força Jovem tinha um novo
presidente, Marcelo He-Man, uma antiga liderança que assumia a torcida em um
momento difícil com o rompimento de relações com os dirigentes do clube e a
perda da sala em São Januário. “Em 1997, assumi a Presidência, em um período
que a torcida passava grandes dificuldades. Havia um esvaziamento, motivado,
principalmente, por campanhas pífias do Vasco a nível nacional”, relembra o
ex-presidente.
Entre as primeiras medidas
inovadoras estava uma reestruturação do marketing da associação e a criação do
primeiro site na internet, numa época em que a rede virtual dava seus primeiros
passos no país.
Outra
mudança promovida foi a localização no estádio de São Januário: “convenci boa
parte dos integrantes para irmos para embaixo da marquise já que existia as
vantagens. Muitos queriam ir para lá, só que os mais tradicionalistas não.
Existia ou foi colocada a pouco tempo no limite da marquise uma grade. Em um
jogo pulamos a grade e deu uma grande confusão com a PM. Naquele jogo
conversamos com o Vice de Patrimônio do Vasco e conseguimos convencê-lo a tirar
a grade. A partir daí começamos a ficar lá. Por algum tempo ainda ficavam
alguns componentes no local antigo”, afirma Marcelo He Man.
Nem mesmo a derrota para o Botafogo
nas finais do campeonato carioca, desanimou a torcida. Na Câmara dos
Vereadores, Áureo Ameno, recém-eleito vereador com os votos de milhares de
torcedores, presta uma homenagem ao clube, fazendo todos os presentes se
emocionarem ao ouvirem os discursos dos políticos vascaínos presentes. Ameno,
abriu a sessão proferindo várias partes da história do Vasco da Gama, logo em
seguida deu a palavra ao ídolo do Vasco e Deputado Estadual Roberto Dinamite,
que agradeceu por tudo que o Vasco fez pela sua vida, sendo aplaudido nas
galeria da Câmara que recebeu a presença das torcidas organizadas, Tulipas
Vascaínas, TOV, Renovascão, entre outras.
Em novembro durante a eleição para a
presidência do clube, novamente a chapa encabeçada por Calçada-Eurico saiu
vencedora mas ocorre a mais renhida[2]
disputa da década com a oposição formando o MUV (Movimento Unido Vascaíno),
liderada por Arthur Sendas, Olavo Monteiro de Carvalho, Luso Soares e
Fernandão. O candidato da
oposição era Jorge Salgado, economista eleito 1º vice-presidente geral de
Calçada em 1988 e ex-diretor de futebol da CBF. Entre as torcidas, a TOV apoiou
a situação e a Força Jovem se alinhou com os opositores: “precisamos mudar a
imagem do clube. Queremos um Vasco vencedor, mas fiscalizado. Chega de Eurico e
Calçada. Acabou-se o que era doce. Agora é Salgado”[3],
diz Marcelo He-Man, presidente da Força Jovem.
Mas as melhores lembranças de 1997
vieram do campeonato brasileiro e com uma série de partidas emocionantes, com
Edmundo comandando a festa. A cada semana a torcida promovia um espetáculo
diferente e mais empolgante. Como nas semifinais contra o Flamengo quando o
atacante vascaíno arrasou com o rival e chegou a marca de impressionantes 29
gols (recorde até então).
Nesta época a antropóloga Rosana
Teixeira acompanhava as torcidas cariocas como trabalho de pesquisa de campo
para a pioneira dissertação de mestrado pela UFRJ, investigando o fenômeno das
arquibancadas que passavam por um processo de criminalização da imprensa,
especialmente após a tragédia em São Paulo 3m 1995. No entanto, a pesquisadora
procurou não reforçar os estereótipos veiculados pela mídia, privilegiando um
conhecimento mais amplo do tema, sem cair nos “chavões” da violência
irracional. No seu trabalho a cientista social reforça as palavras do sociólogo
Mauricio Murad (UERJ) que desde a fundação do Núcleo de Sociologia do Futebol
em 1990, apontava para a necessidade de não associar torcida com violência, de
forma mecânica e apressada.
Acompanhando e dia-a-dia dos
torcedores, freqüentando os estádios e fazendo entrevistas, Rosana pode
conhecer melhor o universo dos
torcedores, especialmente as torcidas Força Jovem do Vasco e Torcida Jovem do
Flamengo. Entre as várias conclusões ela destaca “que a compreensão da
violência dos torcedores deve ser articulada a uma reflexão sobre as diferentes
práticas de violência presentes em nossa sociedade” [4].
A imagem negativa construída tinha
efeitos reais. O melhor exemplo se deu na final do campeonato brasileiro
disputado entre duas torcidas consideradas aliadas, mas que a reação policial
foi tratar como um jogo de alto nível de risco de confusão. Na ocasião foram
proibidos pela polícia diversos apetrechos das torcidas e a reação da imprensa
diante da aliança das torcidas era de ironia e surpresa: “Imagine um estádio
sem foguetes, bandeiras, nem gritos ofensivos ao adversário. Parece até culto
religioso, mas teoricamente, este será o cenário da decisão de hoje no Morumbi,
entre Palmeiras e Vasco. A proibição dos foguetes, instrumentos e bandeiras
fica por conta da Polícia Paulista. Já os cânticos provocativos serão evitados
por ambas as Torcidas, que nutrem uma antiga relação de amizade. Vamos
festejar, sem gritos ou xingamentos. Acima de tudo está o respeito que temos
por eles. Os palmeirenses vão nos receber com um churrasco”, diz Fernando Leal,
Vice Presidente da Força Jovem. No Rio de Janeiro, o jornal carioca alertava
para as proibições : “a Força Jovem não poderá levar para o Estádio a imensa
bandeira que costuma desfraldar no Maracanã e em São Januário, em virtude de a
polícia de São Paulo proibir bandeiras com escudos de Torcida Organizada. Para
compensar levará cinco mil balões”[5].
O que leva uma torcida se unir a
outra? Como explicar a aliança entre uma torcida carioca com uma paulista, se o
bairrismo entre os dois estados é um sentimento muito arraigado? Pode uma
torcida trocar de amizade ou virar inimiga de uma torcida amiga? Estas questões
permearam o universo de dúvidas que a imprensa lançou sobre os torcedores
vascaínos e palmeirenses para explicar algo que parecia insólito.
Como a decisão foi marcada para dois
jogos, sendo o primeiro em São Paulo e o segundo para o Rio de Janeiro e, em
ambas as cidades, havia demonstrações explícitas de cordialidade e
esportividade, a imprensa buscava respostas. Em princípio buscou-se uma
explicação histórica da aliança: “a união começou em 1979, quando 300 Vascaínos
foram ao Maracanã apoiar o Palmeiras num jogo contra o Flamengo. Os Paulistas
venceram por 4 X 1 e depois os Palmeirenses passaram a freqüentar São Januário
sempre que vinham ao Rio”, recorda Amâncio César de 47 anos, membro da TOV, que
tem 800 sócios, Amâncio repudia a união com a Mancha Verde.
No
Maracanã não foi diferente a repressão desnecessária, com o registro incrédulo
dos jornais que antes repudiavam as torcidas diante das inúmeras brigas e
confrontos entre as torcidas de Vasco e Flamengo, agora a paz era louvada como
um milagre: “Torcedores da Força Jovem do Vasco e da Mancha Verde do Palmeiras
voltaram a se confraternizar ontem no Maracanã, momentos antes do início da
decisão do Campeonato Brasileiro.Abraços, apertos de mão, beijos no rosto
pareciam selar uma inusitada amizade entre os torcedores Vascaínos e
Palmeirenses.Uma camaradagem explícita traduzida pelo bordão cantado pelas duas
Torcidas, “Vascão, Verdão, Torcida de Irmão.”Vascaínos gritavam refrões contra
a Raça Rubro Negra, Torcida Organizada do Flamengo, ajudados pelos Palmeirenses
e faziam coro com os torcedores paulistas, quando eles gritavam bordões contra
os Gaviões da Fiel (...) Antes de o jogo começar, os 1.2 mil policiais
Militares que ocupavam os setores internos e externos praticamente não tiveram
trabalho[6].
“Antes do jogo, Vascaínos e Palmeirenses davam provas explícitas de que são
mesmos Torcidas irmãs, ainda que a colônia portuguesa em São Paulo esteja mais
ligada a Lusa. Em frente a Estátua de Bellini, torcedores da Torcida
Uniformizada do Palmeiras (TUP) e da Força Jovem improvisaram um concurso de
trovas e gritos de guerra que tinham
invariavelmente o mesmo tema, os rivais Flamengo. A paz estava selada:
Porco e Bacalhau era gritos que não tinham o menor tom pejorativo. Entre o
Portão 19 e a Estátua de Bellini paulistas e cariocas uniam forças para acabar
com o estoque de cerveja dos vendedores ambulantes “ [7].
Mesmo
com todas as demonstrações das torcidas a atitude da polícia foi proibir e
controlar os torcedores como pessoas “não-confiáveis”: “um busto gigante do
Eddie foi criado para incrementar ainda mais as arquibancadas, mas a polícia
impediu que ele entrasse no Maracanã, alegando que poderia ter problemas de
segurança (...) As Torcidas do Vasco e do Palmeiras foram proibidas ontem de
entrar com bandeiras com mastro de bambu no Maracanã. Em reunião com o comando
do 6º Batalhão da Polícia Militar do Rio, representantes das duas Torcidas
conseguiram a liberação de faixas e instrumentos musicais no Estádio, que
também estavam na lista de proibições. Estão vetados também fogos e
sinalizadores. As faixas poderão ser usadas desde que não atrapalhem o campo de
visão das filmadoras que serão usadas pelos policiais para identificar causadores
de tumultos.A Força Jovem já tinha confeccionado 80 bandeiras de 4 X 4 m, com
mastros de bambu de 7 m de comprimento cada, segundo o seu Presidente, Marcelo
He Man, 31 anos, além de outra de 40 X 60 m, também proibida[8].
A conquista do tricampeonato brasileiro
e a liderança de Edmundo comandando um ótimo elenco davam a torcida vascaína
plena confiança de que no ano seguinte quando comemoraríamos o nosso
centenário, novas conquistas fossem alcançadas. Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: Jornal Folha de São
Paulo 04 de Março de 1997.
[2] O resultado do pleito foi:
Chapa "Azul" de Calçada : 1930 votos e Corrente "Oposição
Unida": 1167 Fonte: http//www.wikipedia.com/antoniosoarescalçada.
[3] Fonte: Jornal do Brasil 02
e 09 de Novembro de 1997.
[4] TEIXEIRA, Rosana. Os
perigos da paixão. Rio de Janeiro. Annablume, 2003, p.179.
[7] Fonte: Jornal do Brasil 22
de Dezembro de 1997.
[8] Fonte: Jornal Folha de São
Paulo 19 e 20 de Dezembro de 1997
Vasco Maracanã 1997 |
Vasco Jornal do Brasil 1997 |
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