“São uns marginais, sem vergonhas e
safados”
opinião de Eurico sobre a FJV
1995 O Pior Ataque do Mundo
O
ano de 1995 teria todos os ingredientes para ser esquecido pela torcida
cruzmaltina pois a final do campeonato carioca era decidida entre Fluminense e
Flamengo. O clube da Gávea que comemorava os seus 100 anos trazia de volta para
o Brasil nosso ex-ídolo, Romário, e o Botafogo seria o campeão brasileiro com
Túlio se consagrando artilheiro. No Fluminense, além do título carioca, o
atacante Renato Gaúcho seria “eleito” o “Rei do Rio”. E o Vasco via sua
caravela afundar... Mas por um motivo o ano não foi um desastre total: eram
contratados do Sport de Recife, dois jovens talentos: Leonardo, atacante rápido
e um habilidoso meio campista, chamado de Juninho. Os dois chegaram no meio do
ano e não conseguiram mostrar todo o potencial, sofrendo com a campanha do time
e a dificuldade natural de adaptação. Era apenas o começo de Juninho no clube,
em pouco tempo ele se tornaria um ídolo eterno da torcida.
O
presidente do Flamengo Kleber Leite, que começou sua carreira como repórter
esportivo, se transforma em um dos mais ricos empresários do ramo do marketing
esportivo. Ao assumir o clube promete grandes contratações com apoio de empresas
que ele tinha relações. Surge a possibilidade de trazer Romário de volta ao
Brasil e o desfecho todos conhecem: o atacante deixa o Barcelona fazendo juras
de amor ao novo clube. A reação natural dos vascaínos é de revolta e sentimento
de traição do jogador e da empresa de bebidas (Brahma) que patrocinou sua
compra. Em São Januário, placas da Brahma são pichadas: “não podemos intervir
nas contratações do Flamengo, mas se querem ajudar nosso adversário, não podem
fazer propaganda na nossa casa”, protesta Alexander Martins, diretor da Força
Jovem.
Ao chegar ao Brasil
Romário faz uma série de declarações polêmicas sobre os clubes cariocas rivais
e a resposta veio de imediato nos novos gritos das torcidas com o inimigo comum
(Romário) ofendido nos hinos funkeiros de Vasco, Fluminense e Botafogo. Até
mesmo em um jogo entre Vasco e Botafogo o alvo foi o “baixinho”. O repórter da
Rádio Tupy, Danilo Bahia, revela sua impressão sobre o comportamento das
organizadas cariocas: “fiquei surpreso domingo, porque ao invés dos
Botafoguenses gozarem o Eurico ou o Valdir do Vasco, já estavam atacando o
Flamengo”.
Até o início dos anos 1990
o funk era um estilo musical pouco ouvido nas arquibancadas cariocas apesar do
sucesso que faziam os seus bailes (chegavam a levar mais de 1 milhão de jovens
para os embalos nos fins-de-semana).
Os ritmos musicais que
mais faziam sucesso nesta época eram o sertanejo, o pagode e o axé baiano.
Apenas o último teve alguma entrada nos coros dos torcedores que sempre
adotaram vários ritmos com maior ênfase nos sambas-enredos e nas marchinhas.
Entretanto, o funk foi penetrando aos poucos pois havia um forte preconceito
com um estilo musical considerado de “favelados”. A medida que a classe média
foi aderindo a este ritmo musical o estigma foi se esvaindo e a cada ano ela
seria mais e mais incorporado no Rio e nos demais estados do país.
Entre 1992,93,94 e 95
surgem os primeiros cânticos funkeiros entoados não só pelas torcidas
organizadas mas por toda a extensão da arquibancada. Entretanto não houve uma
substituição total das antigas formas de cantar e dos ritmos tradicionais,
predominando a mistura de sons.
Junto com a música vinham
as coreografias, os gestos, atitudes e palavras de uma origem diferente do
habitual universo de classe média, o que
provocou uma reação inicial de espanto e saudosismo da imprensa que reagiu de
forma negativa com as mudanças que se operavam no interior dos agrupamentos
juvenis: o uso constante de letras provenientes do imaginário funkeiro.
O estigma do funk como um
fenômeno de massa que produz violência gratuita e manifestações irracionais
logo se colaram as torcidas que “perderam suas características originais” e se
tornavam cada vez mais agressivas e anti-sociais.
Neste
sentido se encaixa a reação da imprensa aos vascaínos com o seu próprio
time que fazia uma campanha pífia no
campeonato carioca. Os protestos dos torcedores começariam pacíficos com vaias
e xingamentos, mas terminariam com a invasão de São Januario e o quebra-quebra
sobre o carro dos jogadores, o bar a a boutique do clube. A imprensa divulga a
opinião exclusiva do clube: “os 15 seguranças do clube que vigiam a sede,
afirmam que a maioria dos 120 torcedores estavam com a camisa da Força, que
chegaram em 3 ônibus e mais de 10 carros”[1].
No
mesmo período a imprensa mantendo o estilo de defender e atacar os movimentos
sociais de acordo com seus interesses, exalta a torcida com uma grande matéria
dando um enfoque positivo com o título: “ A GRANDEZA DA FORÇA JOVEM”:
“Fundada
em Fevereiro de 1970, a Força Jovem é a maior torcida Independente do Brasil,
independente porque é a única facção organizada que não precisa de ajuda do
Clube para crescer. E a sua grandeza impressiona. Composta por 45 mil
torcedores, 25 mil só no Rio, ela organiza sempre uma grande festa. Material
para isso não é problema, são 12 faixas, dezenas de bandeiras, 90 peças de
bateria, 120 latas de fumaça, 80 sinalizadores, um Bandeirão, milhares de
balões infláveis. Para os Clássicos
A
Força Jovem é dividida em 59 Famílias, a maior delas é a 4ª Família que inclui,
Madureira, Pavuna e outros bairros, além de São João do Meriti e Nova Iguaçu.
Para os Clássicos a concentração é em São Januário a partir do meio dia. De lá
os torcedores seguem em direção ao Maracanã. Um dos dirigentes mais atuantes da
Força se apressa em negar a fama de que a Torcida é violenta.
“Temos
uma equipe de vigilância para evitar brigas, odiamos covardia e jamais
agredimos povão. Quem tem o hábito de fazer isso é o pessoal do Flamengo”.
As Torcidas do Palmeiras, Atlético MG,
Coritiba e Grêmio são consideradas amigas. No início deste ano a Força recebeu
um presente do Grupo de Heavy Metal Iron Maiden, já que o Eddie, o monstruoso
mascote do grupo Inglês, é o símbolo da
facção. Uma forma de agradecer aos torcedores por divulgá-los. O presente? Um
troféu em forma de cadeira elétrica.”
Como
ocorria nos anos anteriores, em qualquer torcida que visse seu time perder e
não apresentasse um desempenho de luta, logo virava o motivo de protesto dos
torcedores, mas agora a ênfase seria na criminalização dos protestos e a
“necessidade” de intervenção da polícia para conter os manifestantes. Foi o que
aconteceu após a sétima derrota seguida do Vasco no campeonato brasileiro (fato
inédito) quando os torcedores protestavam contra o principal dirigente do
clube, Eurico Miranda, mas a resposta ficou com a atuação das forças
repressivas: “a presença de 70 Policiais do 4º BPM e do Choque acabou evitando
o pior. Armados de escopetas e metralhadoras, os Policiais conseguiram assustar
os torcedores que foram embora”[2].
Mas
as torcidas organizadas sabiam que nem todos as pessoas queriam
criminalizá-los, como o sociólogo Herbert de Souza, uma das figuras centrais da
sociedade civil dos anos 1990, que mobilizou a população brasileira em uma
série de campanhas contra a fome e agora trazia os torcedores para se aliarem
ao seu projeto em uma nova área de
atuação: a campanha pela Paz nos Estádios[3],
contando com o apoio de inúmeras torcidas organizadas da cidade.
Melhor
do que contar com a boa vontade da imprensa para entender a torcida vascaína, o
ideal era produzir seu próprio material. Foi pensando assim que o pesquisador
vascaíno, Mauro Prais, deu início a seu trabalho pioneiro na internet,
coletando materiais espalhados e aproveitando o potencial deste novo meio de
comunicação. Em 1995 a internet ainda era uma realidade distante da maioria
absoluta dos brasileiros, mas o vascaíno soube vislumbrar o potencial daquele
novo veículo de mensagens e foi desenvolvendo um site que se tornou referência
de pesquisa para todos os amantes da história do Vasco. Em entrevista ao site
SempreVasco.com, Mauro Prais lembra o deu desafio: “Na época em que comecei a
fazer o site não havia nada sobre o Vasco na Internet. (...) resolvi me dedicar
a essa atividade como um hobby, com a finalidade de divulgar e marcar a
presença do Vasco na Internet, sem fins lucrativos ou comerciais – até porque,
naquela época, a Internet não era explorada comercialmente. Fiz então uma
expansão da página original e a primeira versão do site estreou no início de
1995”.
No
final do ano os jogos mais importantes foram contra o Flamengo e os alvos dos
protestos eram Eurico Miranda e Romário. Para o dirigente foram confeccionados
panfletos e faixas exigindo sua saída: o vice-presidente de futebol do Vasco,
Eurico Miranda, foi atacado tanto pela torcida de seu clube como pelo técnico
do Flamengo Washington Rodrigues. A torcida organizada Força Jovem distribuiu
cerca de 40 mil panfletos exigindo a saída de Eurico, com o título: “Eurico, o
exterminador do futuro”. Na arquibancada, a torcida abriu uma faixa, “Fora
Eurico”. O dirigente já havia reagido a campanha. Proibiu o presidente da
Força, Antônio Brás de entrar no clube e vetou faixas no estádio do Vasco”[4].
Com a Flapress promovendo
o clube com o “ataque dos sonhos”, restava a realidade comprovar que no futebol
ninguém ganha no papel. A escalação dos três atacantes jamais funcionou como o
esperado e a gozação dos adversários foi crescendo. Neste jogo, a Força Jovem
criava uma paródia de um comercial de sucesso de uma companhia aérea
satirizando com o ataque rubro-negro: “Pior Ataque do Mundo/ Pior Ataque do
Mundo/ Para um pouquinho, descansa um pouquinho/ Romário, Sávio e Edmundo” .
A provocação de Romário
para a torcida vascaína, quando ele afirmou que “eles deveriam levar lenços
para o estádio pois iriam chorar muito” teve efeito contrário e o ex-ídolo viu
poucos motivos para comemorar sua volta ao Brasil ao final do ano de 1995 e a
péssima campanha no campeonato brasileiro. Tanto ele como Edmundo, que fez
gestos obscenos para a torcida do Vasco, o ano terminou em grande frustração
para os atacantes que formavam uma dupla cantando um rap dos “Badboys”. Edmundo acabou se envolvendo
em um acidente automobilístico e no seu indiciamento pela morte no episódio. No
ano seguinte o atacante retornaria ao Vasco e nos próximos anos sempre
declarava o erra de ter vindo jogar pelo rival.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: O Globo 30 de Maio
de 1995.
[2] Fonte:
Jornal do Brasil 13 de Outubro de 1995, com o título: “VASCO PERDE E VIRA CASO
DE POLÍCIA”
[3] Fonte: Jornal Folha de São
Paulo 15 de Setembro de 1995
[4] Fonte: Jornal Folha de São
Paulo 30 de Outubro de 1995
Vasco Maracanã 1995 |
Vasco Jornal O Dia 1995 |
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