domingo, 7 de maio de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1994 TRI REAL

                                          “Recordar é viver, Jardel acabou com você”
                                                                                         Canto da torcida

1994                              Tri Real

Uma viagem da esperança a desesperança nas arquibancadas é o que podemos resumir do ano. Dois fatos emblemáticos marcam a situação das torcidas organizadas em 1994. Em fevereiro, as associações realizam um abraço no estádio do Maracanã, promovendo sua pintura, se confraternizam e se comprometem junto com a ASTORJ de fazer um acordo definitivo de paz[1] a partir daquela data em que se comemorava os 100 anos de futebol no Brasil. Porém, em dezembro, o presidente da Suderj, executa a desocupação das salas das torcidas do Maracanã e lança um pacote de medidas em que acusa as organizadas de promoverem a violência no futebol.
Neste ano o samba mais destacado foi o da Mangueira com o enredo em homenagem aos baianos dos Doces Bárbaros (Caetano, Gil, Betânia e Gal Costa), com a musica cantada pelo vascaíno Jamelão, a Verde-e-Rosa conquista o campeonato tem sua música na memória de todos. Acompanhando o embalo, a Força Jovem do Vasco fez uma adaptação que logo virou hit nas arquibancadas: “Me leva que eu vou/ Sonho meu/ atrás da Força Jovem/ Só não vai quem já morreu”.
A morte rondou o futebol em 1994 com um desastre que chocou os torcedores cariocas. Contratado no início do ano, o jovem atacante Dener, se encaixou perfeitamente no time e virou o xodó da torcida com seus dribles desconcertantes, sua habilidade incomum, além de seu sorriso “moleque”. Mas uma fatalidade entrou no caminho desta promessa de ídolo vascaíno. Em abril, um desastre de automóvel interrompe abruptamente a carreira do jogador que morre enforcado com o cinto de segurança. Era o fim de um jogador com o mesmo estilo de Ronaldinho Gaúcho e Neymar (craques das gerações posteriores), mas que não teve o tempo suficiente de se consagrar nos gramados.
No 1º jogo disputado após o acidente quando jogaram Vasco e Flamengo, a Força Jovem presta uma grande homenagem com vários pára-quedistas descendo dentro do Maracanã, com bandeiras da FJV e uma bandeira escrito o nome de DENER. Nesta partida outra homenagem uniu as duas torcidas, para o piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna que falecera naquele domingo em acidente automobilístico que comoveu todo o país: “o Maracanã presenciou um espetáculo cada vez mais raro: durante 10 minutos, as torcidas de Flamengo e Vasco, em coro uníssono, prestaram emocionante homenagem a Senna (Assaf e Martins, 1999, p.81).
Um mês depois a torcida esquecia a morte do craque e comemorava mais um título carioca. Era o tricampeonato vencido sobre o Fluminense com dois gols do jovem atacante, Jardel. Além do artilheiro, o destaque ficou por canta da nova queima de fogos. Este recurso pirotécnico nos jogos contra o Fluminense nas decisões dos estaduais de 1993 e 1994 foi um marco nas comemorações dentro do Maracanã, o feito virou Capa da Revista Espanhola Hincha, Vasco Tri Campeão Carioca. TRI,TRI, o Vasco é Tri, UhTêrêrê! , grito da Força Jovem na final do Estadual, copiado do grito... Uh! Têrêrê!”, onomatopéia da batida norte-americana tocada nas rádios (“− Uh! That it is!”). No jogo da entrega das faixas, em São Januário contra o Cruzeiro, a FJV realiza uma linda cascata, nela está escrito “Força Jovem Vasco TRI Campeão.
Em junho veio a Copa do Mundo nos EUA e o Brasil que já amargava 24 anos sem um título mundial finalmente levanta a taça graças ao brilho da dupla de atacantes Romário e Bebeto. Foi uma conquista que deu um novo ânimo para o futebol brasileiro e a promessa que agora nosso esporte principal se modernizaria. No entanto, o que se via era o futebol europeu fazer cada vez mais contratações destruindo as visões mais otimistas. Dos 22 convocados apenas 5 jogavam no Brasil. Entre eles Ricardo Rocha, único jogador do Vasco na seleção, apesar dos vascaínos vibrarem com Romário e Mazinho, formados no clube e Bebeto, que havia saído do clube em 1992, como grande ídolo e a promessa de voltar a São Januário.
A Copa nos EUA teve números impressionantes dentro e fora dos gramados, Com os jogos transmitidos para todos os lugares do mundo, a final teve a audiência de um em cada seis habitantes do planeta. A audiência total da Copa totalizou mais de 31 bilhões de espectadores. Venderam praticamente todos os ingressos disponíveis (3,6 milhões) em um país que 62% da população nao sabia o que era uma Copa do Mundo de Futebol e 71% não sabiam que seria nos EUA, conforme uma pesquisa realizada um mes antes da competição.
A recepção de milhões de brasileiros pelas ruas do país na viagem de volta demonstrava que o gosto pelo futebol e a importância simbólica deste esporte não podiam ser desprezadas. O otimismo seria expandido quando Fernando Henrique Cardoso criou o Plano Real para conseguir debelar o fantasma da inflação que atormentava a vida dos brasileiros. Com o sucesso do Plano sua eleição foi garantida no primeiro turno. Quem garantia sua presença no parlamento federal era Eurico Miranda, que aproveitando o tricampeonato carioca lançou o slogan de sua campanha “vascaíno vota em vascaíno”, alcançando 85 mil votos.
No começo do campeonato brasileiro o otimismo geral cedia espaço a preocupação dos confrontos entre os agrupamentos. No jogo entre Vasco e Santos em São Januário, as cenas do massacre sobre os santistas ganham grande repercussão além de outros episódios. Terminando com o pacote de medida da Suderj que retirou as salas do Maracanã de todas as torcidas: “SUDERJ PACOTE ANTI VIOLÊNCIA”
1- Fica suspenso o convênio entre a Suderj e Ferj em relação à distribuição de ingressos gratuitos para os Clubes nas arquibancadas.
 2 - Os ingressos de cortesia passam a ser limitados a 200 por jogo, apenas para as cadeiras especiais e coloridas.
 3 - Os torcedores pegos em flagrante por causar tumulto serão detidos no módulo cartorário da polícia, dentro do Maracanã, e será aberto um inquérito. O objetivo é prender os baderneiros.
 4 - Os Clubes passam a ser responsáveis pelas salas ocupadas pelas Torcidas organizadas.
5 -  Caso aconteçam arruaças dentro ou fora dos estádios em dias de jogos, os clubes não poderão utilizar o Maracanã por 30 dias.
6 - Em caso de reincidência, a punição aumentará para 60 dias de punição[2]
Uma grande reportagem escrita pelo famoso jornalista Oldemário Touguinho, endossa todas as medidas repressivas e registra que apenas duas associações (comandadas por mulheres), não mais representavam a “nova realidade das torcidas”, Eis na íntegra a matéria que, de certa forma, representava a opinião geral da imprensa:
DUAS SANTAS DO FUTEBOL
Consumou-se o despejo dos bunkers do Maracanã. Eram Salas do Estádio ocupadas pelos desocupados do futebol. Tinham lá seus torpes artesanais, bem guardados. Ninguém pagava aluguel. Ali estavam com o aval dos cartolas de Clubes, aos quais servem, desservindo o futebol. São massas de manobra. A Polícia levou porretes, cacos de vidros, socos ingleses, estiletes, o diabo. Vendilhões do futebol.Tinham, ao todo 17 Salas. Duas delas, porém, eram de fato cantinhos de devoção. Dois santuários, um do Fluminense, outro do Vasco.
Ambos cuidados por duas mulheres: a do Vascaína Dulce Rosalina (Renovascão), legendária torcedora do Vasco, que conheci há muitos anos, ora sambando, ora chorando com o seu querido Clube.Na outra salinha, só troféus, flâmulas, bandeiras e retratos do Fluminense. Paixão eterna da Tia Helena (Fiel Tricolor), uma celebridade tricolor da estima do futebol. Tia Helena e Dulce Rosalina poderiam ter ficado com suas Salas. Duas capelinhas. O Secretário de Esportes, Jack London, deixou a vontade. Elas não quiseram. Estão desencantadas.
Não com os Clubes, que hão de amar sempre, com o vandalismo que tem feito sangrar o coração do verdadeiro torcedor.Tia Helena e Dulce são herdeiras de Jaime de Carvalho (Charanga Rubro Negra), santo homem que alegrava as arquibancadas do Maracanã com a Charanga do Flamengo. Dois pistons, uma clarineta, um trombone de vara, um pandeiro, um imenso bumbo, dois taróis. Se o Flamengo fazia um gol, a bandinha atacava o hino do Clube, levando ao delírio o Estádio, majestoso. Era uma prévia do Carnaval Carioca.Tia Helena e Dulce Rosalina pertencem a uma família de torcedores que começou a desaparecer com a morte de Jaime de Carvalho. Havia também um cidadão símbolo do Botafogo. Era um marujo, que sentava sempre no ponto mais alto da arquibancada. Sempre fardado. De lá, como um farol sonoro, o marujo erguia um talo de mamão, seu clarim e arrancava dele uma pungente sonata de louvor a Estrela Solitária. Musicalmente, não queria dizer nada, mas tocava fundo o coração botafoguense.Recém chegado ao Rio, essa classe de torcedor me fascinava. Eu era simpatizante do Botafogo, mas admirava o coração pacífico de Jaime de Carvalho.Depois, o torcedor do Maracanã foi se tornando mais tenso, menos lúdico. Mais implacável.Mais impiedoso. Se seu Time vencia, não bastava. Queria mais. Queria que o Time do amigo, jogando noutro campo, perdesse. Era assim a máxima de Jules Renard: “Não basta ser feliz, é preciso que os outros não sejam...” Daí pro vandalismo foi um passo.Triste sina do futebol, Tia Helena e Dulce Rosalina, que Deus as proteja.[3]
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] A idéia nasceu do Presidente da ASTORJ, Armando Giesta, e foi encampada pelo Secretário de Esportes do Estado Jorge Picciani. O esforço de pacificação das Torcidas teve também o apoio do Vice Governador e Secretário de Polícia Civil, Nilo Batista. Fonte: Jornal do Brasil 18 de Fevereiro de 1994 .
2] fonte Jornal do Brasil 27 de outubro de 1994. Em novembro ocorrem novas medidas.  Ao todo eram 23 salas no 3º andar do Maracanã são desocupadas. Do Vasco saíram a FJV, TOV, Pequenos Vascaínos e Renovascão.
[3] Fonte: Jornal do Brasil 13 de Novembro de 1994.

Vasco 1994

Vasco Folha do Esporte 1994


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