“Recordar é viver, Jardel acabou com você”
Canto da torcida
1994 Tri Real
Uma
viagem da esperança a desesperança nas arquibancadas é o que podemos resumir do
ano. Dois fatos emblemáticos marcam a situação das torcidas organizadas em
1994. Em fevereiro, as associações realizam um abraço no estádio do Maracanã,
promovendo sua pintura, se confraternizam e se comprometem junto com a ASTORJ
de fazer um acordo definitivo de paz[1] a
partir daquela data em que se comemorava os 100 anos de futebol no Brasil.
Porém, em dezembro, o presidente da Suderj, executa a desocupação das salas das
torcidas do Maracanã e lança um pacote de medidas em que acusa as organizadas
de promoverem a violência no futebol.
Neste
ano o samba mais destacado foi o da Mangueira com o enredo em homenagem aos
baianos dos Doces Bárbaros (Caetano, Gil, Betânia e Gal Costa), com a musica
cantada pelo vascaíno Jamelão, a Verde-e-Rosa conquista o campeonato tem sua
música na memória de todos. Acompanhando o embalo, a Força Jovem do Vasco fez
uma adaptação que logo virou hit nas arquibancadas: “Me leva que eu vou/ Sonho
meu/ atrás da Força Jovem/ Só não vai quem já morreu”.
A
morte rondou o futebol em 1994 com um desastre que chocou os torcedores
cariocas. Contratado no início do ano, o jovem atacante Dener, se encaixou
perfeitamente no time e virou o xodó da torcida com seus dribles
desconcertantes, sua habilidade incomum, além de seu sorriso “moleque”. Mas uma
fatalidade entrou no caminho desta promessa de ídolo vascaíno. Em abril, um
desastre de automóvel interrompe abruptamente a carreira do jogador que morre
enforcado com o cinto de segurança. Era o fim de um jogador com o mesmo estilo
de Ronaldinho Gaúcho e Neymar (craques das gerações posteriores), mas que não teve
o tempo suficiente de se consagrar nos gramados.
No
1º jogo disputado após o acidente quando jogaram Vasco e Flamengo, a Força
Jovem presta uma grande homenagem com vários pára-quedistas descendo dentro do
Maracanã, com bandeiras da FJV e uma bandeira escrito o nome de DENER. Nesta
partida outra homenagem uniu as duas torcidas, para o piloto de Fórmula 1,
Ayrton Senna que falecera naquele domingo em acidente automobilístico que
comoveu todo o país: “o Maracanã presenciou um espetáculo cada vez mais raro:
durante 10 minutos, as torcidas de Flamengo e Vasco, em coro uníssono,
prestaram emocionante homenagem a Senna (Assaf e Martins, 1999, p.81).
Um
mês depois a torcida esquecia a morte do craque e comemorava mais um título
carioca. Era o tricampeonato vencido sobre o Fluminense com dois gols do jovem
atacante, Jardel. Além do artilheiro, o destaque ficou por canta da nova queima
de fogos. Este recurso pirotécnico nos jogos contra o Fluminense nas decisões
dos estaduais de 1993 e 1994 foi um marco nas comemorações dentro do Maracanã,
o feito virou Capa da Revista Espanhola Hincha, Vasco Tri Campeão Carioca.
TRI,TRI, o Vasco é Tri, UhTêrêrê! , grito da Força Jovem na final do Estadual,
copiado do grito... Uh! Têrêrê!”, onomatopéia da batida norte-americana tocada
nas rádios (“− Uh! That it is!”). No jogo da entrega das faixas, em São
Januário contra o Cruzeiro, a FJV realiza uma linda cascata, nela está escrito
“Força Jovem Vasco TRI Campeão.
Em
junho veio a Copa do Mundo nos EUA e o Brasil que já amargava 24 anos sem um
título mundial finalmente levanta a taça graças ao brilho da dupla de atacantes
Romário e Bebeto. Foi uma conquista que deu um novo ânimo para o futebol
brasileiro e a promessa que agora nosso esporte principal se modernizaria. No
entanto, o que se via era o futebol europeu fazer cada vez mais contratações
destruindo as visões mais otimistas. Dos 22 convocados apenas 5 jogavam no
Brasil. Entre eles Ricardo Rocha, único jogador do Vasco na seleção, apesar dos
vascaínos vibrarem com Romário e Mazinho, formados no clube e Bebeto, que havia
saído do clube em 1992, como grande ídolo e a promessa de voltar a São
Januário.
A
Copa nos EUA teve números impressionantes dentro e fora dos gramados, Com os
jogos transmitidos para todos os lugares do mundo, a final teve a audiência de
um em cada seis habitantes do planeta. A audiência total da Copa totalizou mais
de 31 bilhões de espectadores. Venderam praticamente todos os ingressos
disponíveis (3,6 milhões) em um país que 62% da população nao sabia o que era uma
Copa do Mundo de Futebol e 71% não sabiam que seria nos EUA, conforme uma
pesquisa realizada um mes antes da competição.
A
recepção de milhões de brasileiros pelas ruas do país na viagem de volta
demonstrava que o gosto pelo futebol e a importância simbólica deste esporte
não podiam ser desprezadas. O otimismo seria expandido quando Fernando Henrique
Cardoso criou o Plano Real para conseguir debelar o fantasma da inflação que
atormentava a vida dos brasileiros. Com o sucesso do Plano sua eleição foi garantida
no primeiro turno. Quem garantia sua presença no parlamento federal era Eurico
Miranda, que aproveitando o tricampeonato carioca lançou o slogan de sua
campanha “vascaíno vota em vascaíno”, alcançando 85 mil votos.
No começo do campeonato
brasileiro o otimismo geral cedia espaço a preocupação dos confrontos entre os
agrupamentos. No jogo entre Vasco e Santos em São Januário, as cenas do
massacre sobre os santistas ganham grande repercussão além de outros episódios.
Terminando com o pacote de medida da Suderj que retirou as salas do Maracanã de
todas as torcidas: “SUDERJ PACOTE ANTI VIOLÊNCIA”
1- Fica suspenso o convênio entre a
Suderj e Ferj em relação à distribuição de ingressos gratuitos para os Clubes
nas arquibancadas.
2 - Os ingressos de cortesia passam a ser
limitados a 200 por jogo, apenas para as cadeiras especiais e coloridas.
3 - Os torcedores pegos em flagrante por
causar tumulto serão detidos no módulo cartorário da polícia, dentro do
Maracanã, e será aberto um inquérito. O objetivo é prender os baderneiros.
4 - Os Clubes passam a ser responsáveis pelas
salas ocupadas pelas Torcidas organizadas.
5 -
Caso aconteçam arruaças dentro ou fora dos estádios em dias de jogos, os
clubes não poderão utilizar o Maracanã por 30 dias.
6 - Em caso de
reincidência, a punição aumentará para 60 dias de punição[2]
Uma
grande reportagem escrita pelo famoso jornalista Oldemário Touguinho, endossa
todas as medidas repressivas e registra que apenas duas associações (comandadas
por mulheres), não mais representavam a “nova realidade das torcidas”, Eis na
íntegra a matéria que, de certa forma, representava a opinião geral da
imprensa:
DUAS SANTAS DO FUTEBOL
Consumou-se o despejo dos bunkers do
Maracanã. Eram Salas do Estádio ocupadas pelos desocupados do futebol. Tinham
lá seus torpes artesanais, bem guardados. Ninguém pagava aluguel. Ali estavam
com o aval dos cartolas de Clubes, aos quais servem, desservindo o futebol. São
massas de manobra. A Polícia levou porretes, cacos de vidros, socos ingleses,
estiletes, o diabo. Vendilhões do futebol.Tinham, ao todo 17 Salas. Duas delas,
porém, eram de fato cantinhos de devoção. Dois santuários, um do Fluminense,
outro do Vasco.
Ambos cuidados por duas mulheres: a do
Vascaína Dulce Rosalina (Renovascão), legendária torcedora do Vasco, que
conheci há muitos anos, ora sambando, ora chorando com o seu querido Clube.Na
outra salinha, só troféus, flâmulas, bandeiras e retratos do Fluminense. Paixão
eterna da Tia Helena (Fiel Tricolor), uma celebridade tricolor da estima do futebol.
Tia Helena e Dulce Rosalina poderiam ter ficado com suas Salas. Duas
capelinhas. O Secretário de Esportes, Jack London, deixou a vontade. Elas não
quiseram. Estão desencantadas.
Não com os Clubes, que hão de amar
sempre, com o vandalismo que tem feito sangrar o coração do verdadeiro
torcedor.Tia Helena e Dulce são herdeiras de Jaime de Carvalho (Charanga Rubro
Negra), santo homem que alegrava as arquibancadas do Maracanã com a Charanga do
Flamengo. Dois pistons, uma clarineta, um trombone de vara, um pandeiro, um
imenso bumbo, dois taróis. Se o Flamengo fazia um gol, a bandinha atacava o
hino do Clube, levando ao delírio o Estádio, majestoso. Era uma prévia do
Carnaval Carioca.Tia Helena e Dulce Rosalina pertencem a uma família de
torcedores que começou a desaparecer com a morte de Jaime de Carvalho. Havia
também um cidadão símbolo do Botafogo. Era um marujo, que sentava sempre no
ponto mais alto da arquibancada. Sempre fardado. De lá, como um farol sonoro, o
marujo erguia um talo de mamão, seu clarim e arrancava dele uma pungente sonata
de louvor a Estrela Solitária. Musicalmente, não queria dizer nada, mas tocava
fundo o coração botafoguense.Recém chegado ao Rio, essa classe de torcedor me
fascinava. Eu era simpatizante do Botafogo, mas admirava o coração pacífico de
Jaime de Carvalho.Depois, o torcedor do Maracanã foi se tornando mais tenso,
menos lúdico. Mais implacável.Mais impiedoso. Se seu Time vencia, não bastava.
Queria mais. Queria que o Time do amigo, jogando noutro campo, perdesse. Era
assim a máxima de Jules Renard: “Não basta ser feliz, é preciso que os outros
não sejam...” Daí pro vandalismo foi um passo.Triste sina do futebol, Tia
Helena e Dulce Rosalina, que Deus as proteja.[3]
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] A
idéia nasceu do Presidente da ASTORJ, Armando Giesta, e foi encampada pelo
Secretário de Esportes do Estado Jorge Picciani. O esforço de pacificação das
Torcidas teve também o apoio do Vice Governador e Secretário de Polícia Civil,
Nilo Batista. Fonte:
Jornal do Brasil 18 de Fevereiro de 1994 .
2] fonte Jornal do
Brasil 27 de outubro de 1994. Em novembro ocorrem novas medidas. Ao todo eram 23 salas no 3º andar do Maracanã
são desocupadas. Do Vasco saíram a FJV, TOV, Pequenos Vascaínos e Renovascão.
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