“o Vasco é o time da Virada, o Vasco
é o time do Amor”
Canção consagrada pelos vascaínos
2000 “Ahh, é Chocolate!!!”
O
ano começava com as atenções voltadas para a disputa do Campeonato Mundial de
Clubes organizado pela FIFA e disputado no Rio de Janeiro e em São Paulo, com a
final marcada para o Maracanã. Aliás, era o momento do público conhecer como
ficou o estádio remodelado, interditado para obras que teria sua divisão das
arquibancadas em 3 cores de cadeiras (brancas, verdes e amarelas). Enquanto
isso a tradicional Geral era fechada por orientação da entidade máxima do
futebol.
Havia
a expectativa da revanche contra o Real Madrid que ficou no grupo de São Paulo,
mas para isso o Vasco deveria passar na primeira fase pelo Manchester United,
um time também de altíssimo nível e que trazia muitas estrelas do futebol
internacional.
O
jogo entre Vasco e Manchester foi disputado no Maracanã que recebeu milhares de
vascaínos que também assistiram ao vivo em todo o Brasil, inclusive RJ, pela TV
Bandeirantes. A Rede Globo por ser excluída, boicotou a divulgação dos jogos,
se limitando a mostrar os gols nos dias seguintes.
No
estádio Mario Filho além das tradicionais torcidas organizadas vascaínas, uma
estranha torcida intitulada Flamanchester viu Edmundo e Romário fazerem uma
exibição soberba na vitória do Vasco por 3 a 1.
Classificado
para a final contra o Corinthians (que superou o Real Madrid), o Vasco empata
sem gols o que acabou provocando a disputa por pênaltis. O jogo foi tenso de
início ao fim e a torcida vascaína sentiu mais este clima angustiante e não
teve um papel decisivo. Os corintianos, em menor número, não sentiram o peso do
favoritismo vascaíno e estavam satisfeitos com o jogo defensivo das duas
equipes. Talvez estivessem mais confiantes no bom desempenho do goleiro Dida na
cobrança de pênaltis. E foi o que aconteceu: a cobrança errada de Edmundo deu a
vitória aos paulistas que comemoraram em cima dos vascaínos uma chance tão sonhada
para os cariocas.
A
“insuspeita” Revista Placar comenta a atitude tímida dos vascaínos no final:
“os líderes negam ter perdido no grito, mas admitem que havia algo errado.
A torcida do Vasco é assim. Se com 5 minutos sente que o negócio não está
bom, ela se retrai”, analisa Alexandre de Lima, o Cebola, Presidente da Força
Jovem. “A Torcida só esfriou na prorrogação, com a tensão”, diz Amâncio
Cezar, Presidente de Honra da TOV. Um possível motivo é que algumas
Organizadas não conseguiram nem metade dos ingressos pedidos[1].
Enquanto
os vascaínos viam com dissabor seu título ser perdido em casa, a modelo e
rainha da Força Jovem, Viviane Araújo, continuava com uma carreira em ascensão.
Ainda em janeiro, pela segunda vez, ela seria capa da Revista Sexy e estrelava
na televisão no programa humorístico de Chico Anísio (outro vascaíno),
Escolinha do Professor Raimundo, interpretando a fogosa aluna Rosinha.
Começa
o campeonato carioca e também uma disputa pessoal pela liderança do grupo entre
Romário e Edmundo, revelando que a união entre os dois astros durante o Mundial
em janeiro era temporária. Edmundo reclama publicamente de Romário que se torna
o capitão do time e cobrador oficial de pênaltis e de Eurico Miranda, cartola
que dá apoio a Romário. Na primeira oportunidade Edmundo dá uma entrevista e
chama Romário de “príncipe” e Eurico de “rei” do clube. Pouco tempo depois,
Romário dá o troco em uma entrevista no intervalo de um jogo e após marcar um
gol: “todos estão felizes, o rei, o príncipe e o bobo”. A guerra pública entre
os dois ídolos estava declarada. A torcida ficava mais com Edmundo, mas o
melhor momento em campo era de Romário que se consagraria na final da Taça
Guanabara de 2000 contra o Flamengo em pleno domingo de Páscoa. Romário marca 3
vezes na goleada de 5 a 1 com direito a ovos distribuídos antes da partida
pelos dirigentes do Vasco e gritos de “Ahh, é chocolate” e “Sai da frente que o
Romário é chapa quente”. Foi o melhor momento do clube naquele semestre que
perderia o campeonato carioca para o maior rival[2] e
veria Edmundo trocar o Vasco pelo Santos.
O
campeonato brasileiro começava e a torcida vascaína tinha que ouvir das rivais
a provocação intolerável depois de perder duas vezes o carioca, o Mundial e o
Rio-São Paulo: “ooooôôô, vice de novo”. A resposta viria no final do ano...
No
final do ano com as eleições para prefeitos e vereadores e para presidente do
clube, novamente a política agita a agremiação. Áureo Ameno, radialista e
famoso vascaíno se elege pedindo votos aos torcedores e Roberto Monteiro,
ex-presidente da Força Jovem se candidata pela primeira vez a vereador
ostentando o apoio de Lula (que seria eleito presidente em 2002).
Em
novembro Eurico Miranda vence a eleição pela primeira vez como presidente do
clube. A campanha conta com o apoio das maiores figuras do clube e com ajuda da
FJV que faz campanha para Eurico nos estádios.
O
melhor momento dos vascaínos estava reservado para a final com o Palmeiras pela
Copa Mercosul. Os dois times já haviam se enfrentado numa final no início deste
ano com a vitória dos paulistas no torneio Rio-São Paulo. Na ocasião a torcida
vascaína estava repartida com Edmundo que foi vaiado e aplaudido pela FJV que
estava dividida. Uma parte da torcida gritava “ahh, é Edmundo” e outra xingava
“Edmundo vai tomar no cu”. Estas tensões internas na torcida foram objeto de
estudo da dissertação de mestrado em Antropologia na UFF, de Fernando Manuel
Bessa Fernandez, intitulado “Campo
de força: sociabilidade em uma torcida organizada de futebol”, defendido em
setembro de 2000 e orientado por Simoni Guedes.
Dessa
vez Edmundo não estava mais no Vasco e a final (3ª partida) era em São Paulo no
Parque Antártica. A virada histórica por 4 a 3 é a melhor lembrança daquele ano
na partida que ficou conhecida como a “Virada do Século”. Nunca os gritos de “o
Vasco é o time da virada, o Vasco é o time do Amor”, fizeram tanto sentido. A
partida transmitida ao vivo pela Rede Globo, pode ser acompanhada por todo o
Brasil que viu uma verdadeira festa dos torcedores no estádio que gritavam em
alto e bom som “oooôôô, vice é o caralho”. A vingança dos vascaínos era contra
todos aqueles que cantaram durante o ano em qualquer partida do Vasco por todo
o Brasil.
Esta
partida entrou para o imaginário do torcedor vascaíno que logo ganhou contornos
épicos em campo e ares mitológicos na memória da torcida. A lembrança do local
e com quem assistiu o jogo, a frustração e o sentimento de revolta com o
resultado inicial, terminando com a explosão de alegria ao fim da partida, foi
a reação mais comum. No entanto, outros torcedores foram a extremos. O cantor
Erasmo Carlos relata o que aconteceu em sua casa: “meu filho Carlos Alexandre
(depois do 3° gol) no ato prometeu: ‘se o Vasco fizer mais um eu fico 3 horas
na piscina’. O detalhe é que chovia no Rio de Janeiro e a temperatura estava
bastante fria (...) quando Romário fez o 4° gol meu filho se jogou na água e lá
ficou até o fim da promessa. Nunca chorei nem gritei tanto como naquele dia”[3],
relembra o músico.
Talvez
se o Vasco tivesse vencido nos pênaltis o Corinthians no início do ano pelo
Mundial não gerasse tanto impacto emocional como esta partida rendeu para os
torcedores. Simbolicamente, a Copa Mercosul de 2000, não era um campeonato tão
importante como o Mundial em janeiro, mas a forma como foi conquistada (com 1 a
menos, no campo do adversário e de virada) deu uma marca histórica que nos
consagrava como o “Time da Virada”.
Faltava
ainda terminar com “Chave de Ouro” e vencer o Campeonato Brasileiro no final do
ano contra o surpreendente São Caetano. O primeiro jogo era no mesmo palco da
“Virado do Século”, o Parque Antártica. Pelo lado da torcida do Vasco não
faltou motivação já que cerca de 6.000 vascaínos invadiram São Paulo em 100
ônibus carregando as torcidas organizadas, além de um avião fretado e mais os
que foram por conta própria.
Na
última partida em São Januário milhares de pessoas superlotam o estádio.
Entretanto, uma briga nas arquibancadas provoca a derrubada do alambrado,
centenas de feridos e a interrupção do jogo. Foi uma tragédia mostrada ao vivo
para todo o país que poderia ter manchado aquele grande título. A decisão
dependeria das autoridades esportivas e mais uma polêmica com os meios de
comunicação que acusavam o clube de abarrotar o estádio.
O capitulo final deste ano só seria
escrito em janeiro de 2001...
[1] Fonte:
Revista Placar 2000.
[2] Pedrinho
fez embaixadinhas na Taça Guanabara e na decisão do Campeonato Carioca do mesmo
ano (2000), o Flamengo estava sagrando-se campeão estadual e o flamenguista
Beto resolveu responder Pedrinho na mesma moeda: com embaixadinhas. A torcida
foi à loucura com os gritos de “Uh embaixadinha! Uh embaixadinha!”.
[3] Fonte: Mesquita,
Alexandre; Leal, Eugênio e Almeida, Jefferson. Jogos Memoráveis do Vasco. Rio
de Janeiro. Editora IVentura, 2012.
Vasco Maracanã 2000 |
Vasco Jornal O Globo 2000 |
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