“sempre a Força é o tema das conversas. O que
ela cantou, quem ela aplaudiu ou vaiou”.
Pedrinho, atacante e ídolo da torcida.
2001 Ritmo de Festa
Do desastre em São Januário no final
de 2000 até a transferência para o dia do jogo no Maracanã em janeiro, o
noticiário esportivo foi tomado por uma polêmica envolvendo o dirigente Eurico
Miranda e a TV Globo que detinha a exclusividade dos direitos de imagens da
final do campeonato brasileiro. O cartola acusava a emissora de prejudicar o
clube e a mesma se defendia com reportagens sobre a CPI do Futebol, acusando
Eurico e outros deputados.
O embate ganhou um capítulo-extra
quando o time do Vasco estampa em suas camisas o logotipo do SBT, emissora de
Silvio Santos, rival a TV Globo. Em campo o time do Vasco vencia o São Caetano
e a torcida comprava a briga do dirigente cantando “Ritmo, ritmo de festa”, do
programa do famoso apresentador e gritava “ão, ão, ao Show do Milhão”, também
para provocar a emissora carioca que teve um trabalho redobrado neste dia, com
os seus técnicos de som diminuindo o coro da torcida quando os vascaínos
começavam a cantar músicas provocativas. Quem assistia maravilhados com a
torcida vascaína eram os integrantes do grupo Iron Maiden, Eles que se
apresentariam no Rock in Rio naqueles dias: “o baterista Nicko McBrain, o
baixista Steve Harris e o guitarrista Adrian Smith se declararam amantes do
futebol e receberam camisas do Vasco na chegada ao Maracanã, na metade do
primeiro tempo. Segundo declararam, pretendem utilizar cenas dos torcedores do
Vasco da Gama em seu próximo videoclipe”[1].
Neste momento Eurico não está
sozinho contra este setor da imprensa pois a Força Jovem foi acusada provocar o
incidente. Enquanto o dirigente vai ser acusado de superlotar o estádio, a
torcida organizada foi denunciada de ser a responsável de uma briga entre os
integrantes da facção que teria provocado o corre-corre e a conseqüente
destruição do alambrado e daí a centena de feridos. Em janeiro o presidente da
Força Jovem comparecia à delegacia para prestar depoimento e se defendia: “quem
tinha que dizer se o jogo seria ou não reiniciado eram os comandantes da Defesa
Civil, do Corpo de Bombeiros e do Policiamento, e eles foram favoráveis ao
reinício da partida e na minha opinião, tínhamos perfeitas condições para isso”[2].
Marcelo revelou também que a FJV recebeu uma carga de 3 mil ingressos do Vasco
para o jogo.
Em fevereiro o dirigente, associados
do clube e a FJV promovem uma carreata até a sede da Rede Globo numa manifestação
de desagravo reunindo mais de 200 carros e cerca de 1.000 torcedores que
gritavam palavras de ordem: ““A, e, i, o, u, domingo tem Eurico na banheira do
Gugu”, “CPI para a TV Globo” e “Fora Rede Globo, fora do Brasil”, foram as
principais palavras de ordem na carreata realizada ontem pela Força Jovem do
Vasco, em desagravo ao que os organizadores consideram uma suposta campanha do
Sistema Globo contra o Presidente do Clube, o Deputado Eurico Miranda, acusado
de enriquecimento ilícito em reportagem do Jornal Nacional”[3].
Não era somente a FJV que brigava
com a Rede Globo. Havia uma intensa campanha pelos meios de comunicação de
acabar com as torcidas organizadas em todo o país como forma de debelar a
violência crescente entre os torcedores. Em São Paulo uma série de medidas
judiciais impedia as torcidas de entrarem nos estádios com suas faixas,
bandeiras e camisas. No Rio estas medidas ainda não tinham sido implementadas
mas a pressão contra as organizadas era intensa. A FJV se defende em seu jornal:
“é inadmissível que, ao se discutir a complexa questão da violência nos
Estádios, alguns venham com a simplista solução de “acabar com as Torcidas
Organizadas”. Propor o fim das Organizadas não passa de preguiça mental. Ora,
quem quiser ir para os Estádios apenas para brigar vai continuar indo,
existindo ou não Torcidas Organizadas. Temos aqui próximo o exemplo do Estado
de São Paulo, que proibiu as T.Os. A proibição foi um retumbante e previsível
fracasso. A violência aumentou ainda mais e em dias de clássicos o centro de
São Paulo virá uma praça de guerra”[4].
Em outra reportagem a FJV lembra do
passado do clube de lutar pelos negros e pobres que jogavam em seu time e na
batalha da transformação do futebol em esporte popular contra aqueles que
defendiam um esporte de caráter elitista. Num tom ufanista, a matéria
intitulada “VASCO E FORÇA JOVEM CONTRA TUDO E CONTRA TODOS”, prega a união dos vascaínos contra
todos os que atacam o clube visando defender interesses financeiros ou proteger
os rivais dos vascaínos: “hoje, mais de 100 anos depois da fundação, o Vasco
continua ousado e enfrenta uma poderosa máquina que tenta, a todo custo,
dominar o futebol Nacional. Como em todas as outras batalhas, nessa também o
Vasco sairá vitorioso. A Força Jovem estará na linha de frente para
garantir que o nosso Clube, para amargura e desespero dos nossos adversários,
continue sendo o maior Clube do Futebol do Mundo”[5].
Mas o maior enfrentamento da FJV
neste ano estava por vir. Em maio a torcida passa a hostilizar o ídolo Romário
que responde de forma agressiva. Estava iniciada uma nova batalha que
perduraria até meados de 2002.
Desde que Romário se tornou
profissional em 1986 até 1988, quando ele foi vendido para o futebol holandês,
o jogador saiu do Vasco como um grande ídolo, sem nenhum problema de antipatia
com a torcida. No entanto, a relação foi estremecida com a sua volta ao Brasil
em 1995 para o arqui-rival e para piorar com uma declaração infeliz de Romário:
“o que eu posso falar para torcida do Vasco, é que quando tiver um Vasco e
Flamengo, levar lenço para o Maracanã porque vão chorar muito.” Nem mesmo
algumas grandes atuações de Romário com a camisa do Vasco em sua volta no final
de 1999 fizeram os vascaínos esquecerem aquela declaração, somada as
comemorações tímidas de gols contra o Flamengo.
Em maio após ser vaiado pela torcida
em um jogo pela Copa Mercosul, o artilheiro saiu de campo fazendo gestos
obscenos com os dois dedos médios em riste apontando para a arquibancada na
direção da FJV. A reação da torcida foi imediata e no jogo seguinte levava para
São Januário uma faixa escrita: “Romário, agora é sério. Mexeu com a Força
Jovem, vai parar no cemitério”. Além disso, a torcida começou a gritar o
nome de seu maior desafeto no clube e ídolo da torcida, com o coro de “Ah, é
Edmundo”.
No entanto, a concórdia no seio da
torcida estava longe de ser alcançada. Entre os torcedores da própria FJV havia
divergências sobre gritar o nome de Edmundo. Para completar havia um clima
tenso com os associados do clube que ficavam sentados nas cadeiras e a FJV que
passa a ofendê-los: ““Ei social, vai tomar no c..”.
A Revista Placar faz uma grande
reportagem sobre todos os desentendimentos procurando ouvir todas as partes.
Romário se defende acusando a FJV de interessada apenas em pedir dinheiro dos
jogadores. Diga-se de passagem, uma prática comum no futebol brasileiro,
incentivada pelos atletas, inclusive por Romário. O jogador não poupa críticas:
“eles só sabem pedir dinheiro. É grana para CD com músicas de torcida, para
fazer faixas e bandeiras e para organizar churrasco entre eles. Mas quem quer
ter dinheiro precisa é de trabalho. Comigo não vão ter tostão furado
sequer”.
Jogando lenha na fogueira, a revista
coleta um depoimento de José Carlos Peruano, Presidente da Associação das
Torcidas Organizadas do Flamengo, que afirma querer receber o jogador de volta:
“não temos nada contra Romário, pelo contrário. Ele sempre mostrou muito
respeito pela torcida e pelo Flamengo”.
Eurico Miranda procura apaziguar os
ânimos pois ele tinha um ótimo relacionamento com o jogador e tinha feito as
pazes com a torcida naquele período. Para evitar novos atritos o clube aumenta
a sua segurança e o jogador passa a andar com, pelo menos, 15 homens fazendo
sua proteção pessoal.
Se Romário não tinha o carinho dos
torcedores e Edmundo não estava mais no clube, um novo ídolo era preciso. Entre
os vários craques do time, Pedrinho era o mais identificado com o clube.
Jogador das categorias de base desde os seis anos quando começou no futsal, o
atacante sempre demonstrava nos depoimentos orgulho de vestir a camisa de seu
clube do coração. Em entrevista ao jornal da FJV, ele afirma: “apesar de ser
jogador profissional, nunca vestirei a camisa do Flamengo”. Em seguida ele faz
outra declaração de amor ao clube: “eu me cobro a vitória como profissional e
como torcedor do Vasco. Podem acreditar, quando o Vasco perde eu sofro tanto
quanto qualquer vascaíno”. E na contra-corrente de Romário, o jogador declara o
respeito que ele tinha pela facção: “A Força é fundamental. A gente sabe que
algo tem importância no futebol quando é muito comentado entre os jogadores”.
Os principais conflitos entre as
torcidas organizadas depois dos anos 1990 ficaram longe das imediações dos
estádios. Com o trabalho do GEPE e o auxilio do sistema de monitoramento
através das câmeras, a atuação do JECRIM, ficou mais difícil para os torcedores
agirem impunemente. Entretanto, os atos de violência se expandiram rapidamente
para locais distantes dos jogos e, até mesmo, em dias comuns. Em novembro os
líderes da torcidas aceitam a proposta de Chiquinho da Mangueira, presidente da
SUDERJ e propõem um pacto de paz no Centro de Imprensa do Maracanã: “estavam
lá: Márcio da Torcida Jovem do Flamengo, Paulo Aparício da Raça Rubro Negra,
Papagaio da Força Flu, Marcelo Zona Sul da Força Jovem, Campinho da Young Flu e
André da Fúria Jovem do Botafogo. Eles assumiram o compromisso de acabar com a
violência fora dos Estádios. Dar um fim as brigas que acontecem antes e depois
dos jogos”[6].
Neste ano a USP (Universidade de São
Paulo), principal universidade do país, apresenta uma pesquisa que comprova o
poder da torcida vascaína apresentando-a como a 3ª maior, superando São Paulo e
Palmeiras, como muitas pesquisas então diziam. “De acordo com a pesquisa, o Flamengo lidera com 23,1
milhões de torcedores, seguido pelo
Corinthians com 19 milhões. O time de São Januário viria logo atrás, com 16,5 milhões”[7].
Foram entrevistados 17 mil
brasileiros, nas 100 maiores cidades do Brasil, com idade entre 12 e 60 anos
que também disseram (29%) o que clássico de maior rivalidade do país é Vasco e
Flamengo.
Contudo, a pesquisa de maior
relevância para os vascaínos foi a tese de doutorado de Silvio Ricardo da Silva
na Faculdade de Educação Física da UNICAMP, com o título: “Tua imensa torcida é
bem feliz – A relação do torcedor com o clube”, baseado em sua experiência
pessoal e em entrevistas com torcedores vascaínos, Sílvio investiga a dinâmica
do funcionamento do sentimento dos torcedores e as manifestações atualizadas e
ressignificadas com o tempo. Ele também identifica uma variedade na maneira de
vibrar com o clube o que desfaz a maneira estereotipada de como os torcedores
são representados pelos meios de comunicação. Por isso, ele relativiza os
sentidos da paixão pelo futebol acompanhando o sistema de significados criados
historicamente no ato de torcer, utilizando o instrumental teórico da
antropologia social através da construção cultural do ato de torcer por um
clube.
Entre os fatores que levaram os
entrevistados torcerem pelo Vasco, predominou a influência familiar, mas outras
variáveis foram constatadas, como a identidade portuguesa e a suburbana, ambas
periféricas expressões simbólicas periféricas definidoras da formação histórica
do clube diferentes das torcidas dos outros grandes clubes, localizados na zona
sul e sem uma identidade de imigrantes na cidade do Rio de Janeiro. Além disso,
uma fase de sucesso do clube é apontada como fator de orgulho e fonte de
afirmação na sua escolha clubística. Nesse sentido são apontados quatro
momentos históricos fundamentais na disputa esportiva: os anos 20, a época do
“Expresso da Vitória” nos anos 40, os anos 70 com o ídolo Roberto Dinamite e a
geração anos 90 com grandes times e título da Libertadores.
Enquanto Edmundo jogava pelo Cruzeiro
no campeonato brasileiro, Romário vinha sofrendo perseguição implacável da
torcida. Apesar de o “baixinho” estar em ótima fase, o confronto entre os dois
em São Januário mostrou que a FJV continuava do lado do “Animal”. Embora o
Vasco tenha vencido por 3 a 0, com três gols de Romário, durante toda a
partida, a facção gritou o nome do atacante do Cruzeiro (ele entrou no segundo
tempo, pois vinha de uma contusão). Na hora que o Cruzeiro teve um pênalti a
seu favor, Edmundo cobra e o goleiro Helton defende. Ao final do jogo, em
entrevista a caminho do vestiário, Edmundo confessa que não iria comemorar o
gol. Em seguida o presidente do Cruzeiro declara que ele não jogaria mais em
seu clube e que deveria jogar no Vasco.
Na partida seguinte, Romário enfrenta
o Flamengo e humilha o adversário com três gols na goleada por 5 a 1. Para a
FJV ele faz gestos com a mão no ouvido pedindo para eles gritarem algo contra
ele. O restante da torcida comemora a goleada e tripudia sobre o rival que vive
uma péssima fase e é ameaçado de rebaixamento.
Romário terminaria o campeonato
brasileiro como artilheiro da competição com 21 gols. No fim do ano, contra o
São Paulo, ele é o destaque novamente em outra goleada histórica do time da
colina: 7 a 1 sobre os paulistas. Romário marca três vezes para alegria de seu
filho Romarinho que assiste o jogo atrás da meta do São Paulo recebendo sempre
o abraço carinhoso do pai nos momentos de comemoração dos gols. Ao final da
partida a imprensa indaga ao atacante se ele fica no Vasco. A mesma pergunta é
feita ao garoto de seis anos que diz que sim. Romário diz ter um grande
respeito pela instituição e que todos sabem que ele (o filho) é vascaíno, mas
dependeria de um acordo com os dirigentes.
A relação de amor e ódio entre
Romário e a nossa torcida ainda seria recheado de outros episódios...
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