Essa
força que os torcedores apresentavam se consolidava com a formação das alianças
entre as torcidas organizadas que surgiam, sobretudo na década de 1980,
fundamentalmente, incentivadas pela, inicialmente, simbólica aliança entre os
torcedores do Flamengo e do Corinthians.
No
dia 04 de maio de 1980, pelo campeonato brasileiro de futebol, haveria rodada
dupla no Estádio do Maracanã. Na partida preliminar jogariam as equipes do
Flamengo e do Bangu. Em seguida, era a vez de entrarem em campo as equipes do Vasco
da Gama e do Corinthians. Além do retorno triunfante de Roberto Dinamite, no
qual marcou os cinco gols da vitória do clube carioca por 5 a 2 sobre os
paulistas, foi justamente nessa partida que o então presidente do clube carioca
Marcio Braga promoveria a formação da FLA-FIEL.
Esse incipiente relacionamento, conforme
destacado pelo Jornal do Brasil de 1980, entre os torcedores do Flamengo e do
Corinthians se configura como o pontapé inicial desse movimento inicial de
alianças entre torcidas organizadas. Esse contexto é corroborado pelo Marcos
Vieira dos Santos o “Marcão”, ex – integrante da Mancha Alviverde e também da
TUP – importantes torcidas do Palmeiras –, e que viveu esse período.
“E
aí começou a amizade entre Corinthians e Flamengo. Aliança Corinthians e
Flamengo. Aliança forte! Um vinha na sede do outro. Corinthians ia no Rio.
Tinha briga Palmeiras e Flamengo aqui em São Paulo e tinha cara do Corinthians
no meio. Em 1979, teve um jogo no Maracanã, Palmeiras e Flamengo. A briga com o
Flamengo começou mais ou menos aí. O Palmeiras ganhou de 4 a 1 do Flamengo com
um time de moleque, no final de 1979. Em 1980, já acabou o campeonato e começou
outro campeonato que a Globo começou a transmitir partida e começou com esse
negócio de Fla-Fiel.
Em
1979, não tinha briga com o Flamengo. Chegamos no Maracanã cedo. Os caras do
Flamengo colocaram a gente para dentro. Colocamos faixa, bandeira e tudo.
Faltava meia hora para começar o jogo, o pessoal da TOV do Vasco apareceu com
bandeira no Maracanã. Os caras do Flamengo vieram e falaram que nós estávamos
lá o dia inteiro e tal...tira esses caras daí. Nós falamos que não ia tirar
não. Nós não temos nada a ver com a briga de vocês com o Vasco aí. O Palmeiras
ganhou de 4 a 1 e na hora da saída, foi a maior caravana que a torcida do
Palmeiras já fez até hoje. Na hora da saída, os ônibus estavam parados lá fora
e vários ônibus nossos foram apedrejados. Aí veio 1980 e o Corinthians começou
com a amizade com o Flamengo e nessa aí a torcida do Palmeiras começou amizade com
o Vasco. Com a TOV, com a Força Jovem ainda pequena” [Marcos, Mancha Verde].
Tal
como relatado pelo entrevistado, em função dessa aliança entre o rubro – negro
carioca e o alvinegro paulista, inevitavelmente, os torcedores palmeirenses que
nutriam um bom relacionamento com os flamenguistas, aproximam-se ainda mais dos
torcedores vascaínos. Tal cenário se consolida com a aliança formada,
especialmente, entre a Torcida Força Jovem do Vasco e a então Mancha Verde do
Palmeiras. Sobre essa relação, os torcedores destacam duas versões.
A
primeira versão apresenta um viés saudosista, remetendo a década de 1940, antes
mesmo da existência desses dois agrupamentos. Sobre essa versão, o ex –
presidente da Mancha Alviverde, Ricardo Raphael, destaca uma proximidade que
precede o surgimento das torcidas organizadas.
“Palmeiras
e Vasco tem torcidas aliadas antes mesmo de existir Mancha e a Força. Ouço
falar que essa amizade vem desde a década de 1950, no qual elas já eram aliadas
“[Ricardo Raphael, Mancha Verde].
Sobre
essa relação, o Marcão acrescenta que esse vínculo advém da longínqua década de
1940.
“A
amizade com o Vasco veio na época da guerra. Em 1940 o Brasil entrou na guerra
contra o eixo. Alemanha, Japão e Itália. O Palmeiras era Palestra Itália na
época e o São Paulo quis tomar o patrimônio do Palmeiras e um diretor do Vasco,
Capitão Adalberto Mendes, ele vinha muito para São Paulo na época da guerra.
Inclusive ele liberou São Januário para o exército fazer treinamento. Ele vinha
muito para São Paulo e pegou amizade e amor pelo Palestra e na época da guerra
o Palestra não foi tomado por causa dele. Ele entrou até fardado em uma final
contra o São Paulo com a bandeira do Brasil. Naquela época não podia desfilar
com a bandeira do Brasil sem ser cerimonia e ser nada e ele praticamente salvou
o Palestra da extinção porque eles iam tomar o patrimônio do Palmeiras. Eles
acabaram com o time de alemão que era dono do terreno do Canindé. Eles tomaram
o patrimônio deles e foi assim a amizade. Dentro da sala de Troféu do Palmeiras
tem uma bandeira do Vasco junto ao troféu de 1942 em homenagem a esse senhor,
Capitão Adalberto Mendes. Então é uma amizade histórica que vem lá de trás. É
muita coisa junta e quando se fala de Vasco lembra do 1948 Palmeiras e
vice-versa. Você vai ao Rio de Janeiro para Palmeiras e Vasco é a mesma coisa
de você está em casa. A único coisa ruim do Vasco é a cor, preta e branca, por
que o nosso maior rival é preto e branco também. Mas depois a Mancha teve muita
amizade com a torcida da Força Jovem também e a TUP na época era muita amiga da
Torcida Jovem do Botafogo e também é muito amiga da Galoucura também.
Infelizmente a TUP praticamente acabou, mas foi uma grande torcida que nós
fizemos parte, depois nós fomos para a Mancha.” [Marcão, Mancha Verde].
Essa
história apresentada pelos dois ex – membros da torcida organizada palmeirense,
é retratada no próprio site do Palmeiras10.
Em
1942, o Brasil, sob o governo de Getúlio Vargas entraria na segunda guerra
mundial, ao lado dos países Aliados – dentre eles, os Estados Unidos – contra
os países do Eixo, formado por alemães, italianos e japoneses. Em função desse
cenário, foi implementado pelo Estado Novo de Vargas a Campanha de
Nacionalização. Elaborada para construir uma versão da identidade nacional
brasileira, essa ação reprimia representações étnicas e culturais que não se
enquadravam no perfil do considerado genuíno brasileiro. Sobre essa
perspectiva, o Palestra Itália passaria por inúmeras dificuldades nesse período
em razão da sua natureza italiana. Diante desse cenário, a instituição
palestrina não teve outra opção, senão, mudar o seu nome para Sociedade
Esportiva Palmeiras. E a mudança ocorreu dias antes da partida que seria jogada
contra a equipe do São Paulo, considerado por muitos, como um dos principais
responsáveis pela perseguição à equipe alviverde. O agora, Palmeiras precisaria
de apenas uma vitória diante da equipe do Morumbi para sagrar-se campeão
estadual. O jogo foi realizado no Estádio do Pacaembu sob um clima de muita
tensão. No momento de entrada em campo é que, vem o ápice dessa história.
Diante das vaias que se ensaiavam precedendo a entrada do time palmeirense, os
jogadores surgiram no gramado do Estádio do Pacaembu com uma bandeira do
Brasil, puxada pelo Capitão do Exército Brasileiro e vascaíno, Adalberto
Mendes. A partida terminaria 3 a 1 para a equipe do Palmeiras. Essa partida
ficou marcada na história do clube como a “Arrancada Heroica”. Justamente pela
presença de um torcedor do Vasco na história do Palmeiras é que muitos atribuem
essa longevidade da amizade entre os torcedores.
A
segunda versão sobre esse forte vínculo entre palmeirenses e vascaínos remete à
uma figura emblemática na história da Mancha Alviverde. Cléo Sóstenes Dantas da
Silva, ou simplesmente Cléo. Foi presidente da Mancha entre os anos de 1987 e
1988. Sergipano e de família Vascaína, ele é apontado como um dos principais
responsáveis pela manutenção dessa amizade, no caso, no âmbito das duas
torcidas organizadas.
“A
Mancha e a Força Jovem do Vasco começaram a amizade porque o Cléo gostava muito
do Vasco. A família dele era sergipana e torcia pelo Vasco e pelo Palmeiras. E
o Cléo iniciou o contato com a Força Jovem no começo dos anos 1980. A amizade
foi aumentando. O pessoal vinha para São Paulo em churrasco ou jantares da
torcida. O pessoal ia daqui para o Rio de Janeiro também. E tinha outra,
naquela época anos 1980 e início dos anos 90, todo jogo em São Paulo o pessoal
da Mancha ia no jogo do Vasco. Todo jogo do Palmeiras no Rio o pessoal do Vasco
ia também. A gente estava sempre em contato. O Vasco ia jogar contra a
Portuguesa a gente estava lá. O Palmeiras jogava contra o América lá em Caio
Martins, o pessoal do Vasco estava lá. Aí foi fortalecendo a amizade “[Marcão,
Mancha Verde].
“A
respeito dos encontros da Força Jovem, quando nós íamos para São Paulo, quando
íamos encontrar com o pessoal do Palmeiras, o pessoal da Mancha, o pessoal da
TUP e o pessoal da Inferno Verde, a gente encontrava com eles lá no estádio do
Parque Antártica – a galera não tinha sede e nem quadra – em dias de jogos
nossos ou quando tinha uma final do Palmeiras e a galera ia daqui para São
Paulo e nos encontrávamos na casa de amigos lá. Quando eles vinham aqui para o
Rio de Janeiro, a gente encontrava com eles em São Januário. Fazíamos com eles
churrascos. Tinha churrasco tanto em São Paulo quanto no Rio. Eles também
vinham aqui para curtir uma final. Vasco e Flamengo ou Vasco e Fluminense. Jogo
da Seleção Brasileira, o pessoal da mancha vinha com um ônibus, encontrávamos
com eles em São Januário e íamos para o Maracanã” (Delcio Monteiro Índio, FJV].
Fonte:
ALIANÇAS ENTRE TORCIDAS ORGANIZADAS: análise a partir da união estabelecida
entre a Torcida Organizada Galoucura, a Mancha Alviverde e a Força Jovem,
Adriano Lopes de Souza
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Força Jovem e Mancha Verde Morumbi 1988 |
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Força Jovem e Mancha Verde 2015 |
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Força Jovem e Mancha Verde 2015 |
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Força Jovem e Mancha Verde 2015 |