O Brasil vivenciava no final do século XIX um conjunto
de mudanças que reorganizaram a sua estrutura política e econômica. O fim da
escravidão, em 13 de maio de 1888, e a Proclamação da República, em 15 de
novembro de 1889, trouxeram ares de mudança para o país. Com o advento da
República buscou-se melhor inserir o Brasil no cenário internacional,
consequentemente, observou-se a necessidade de modernizar a capital Rio de
Janeiro e adequá-la aos padrões estéticos das grandes metrópoles europeias,
marcadamente inspiradas em Londres e Paris. Estratégia esta que só viria ser
melhor concretizada com as reformas urbanas do prefeito Pereira Passos, já no
século XX.
Novos hábitos iam sendo adquiridos e dentre eles uma
nova estética corporal começava a ganhar as ruas cariocas. Um novo modelo de
homem passa a ser gerado com o avanço da modernidade sobre a cidade. Os médicos
e arquitetos ("cientistas") defendiam a valorização de um típico
físico condicionado aos novos padrões de higiene e saúde. Nesse contexto, a
prática esportiva do remo adequava-se perfeitamente aos padrões de modernidade
que se espraiavam pela cidade.
O remo passa a ser visto como o esporte moderno,
ligado ao urbano, prática de uma burguesia ascendente. Por outro lado, o turfe,
que havia se organizado anteriormente e sido pioneiro na estruturação do campo
esportivo do Rio, guardava um ar mais aristocrático, relacionado ao rural.
Outrossim, no remo, o protagonismo cabia ao homem, que deveria com as próprias
forças e músculos vencer o mar e seu oponente. Enquanto isso, no turfe, os
jóqueis franzinos eram coadjuvantes em relação aos cavalos, verdadeiros
"donos" do espetáculo.
Os primeiros passos para a institucionalização remo
foram dados na cidade vizinha, Niterói, com os Mareantes (1851). No Rio de
Janeiro, no ano de 1862 surgiram o grupo Regata e o British Rowing Club, por
influência de imigrantes ingleses na cidade. Em 1967 é fundado o Club de
Regatas, mas, o grande marco para o impulso do remo no Rio de Janeiro foi dado
com a criação do Club Guanabarense, no ano de 1874. Depois vieram Grupo de
Botafogo (1878), o Club de Regatas Cajuense (1885), Club Náutico Saldanha da
Gama (Niterói-1876) e Club de Regatas Internacional (1887).
Entre as décadas de 1880 e 1890 as regatas tornaram-se
constantes, entretanto, as associações não possuíam o controle total da prática,
permitindo-se que não-membros tornassem parte dos eventos. No intuito de
estabelecer uma uniformização da prática, os clubes adotaram como justificativa
a assaz necessidade de se combater as apostas, que se popularizaram
simultaneamente ao crescimento do público que acompanhava as regatas.
Na última década do século, os clubes de remos vão se
proliferando, constituindo o ambiente favorável para a criação da União de
Regatas Fluminense (1897), instituição destinada a organizar o campeonato da
cidade do Rio de Janeiro. Neste período surgiram o Union de Conotiers
(Sociedade dos Franceses, 1892), Club de Regatas Fluminense (1892), Club de
Regatas Paquetaense (1892), Club de Regatas Botafogo (1894), Grupo de Regatas
do Flamengo (1895), Grupo de Regatas Praia Vermelha (1896), Club de Natação e
Regatas (1896), Club de Regatas Boqueirão do Passeio (1897), Club de Regatas do
Caju (1897), Club de Regatas Guanabara (1899) e o Club de Regatas de São
Christovão (1899).
A "febre do remo" vai ganhando a cidade:
"O Remo, começou então a ser conhecido e a descêr
do seu retiro em Botafogo para a cidade [...] começou a fallar-se num novo
clube, no centro comercial"(FREITAS, José Lopes de, 1945, s.p.)
Às portas do limiar do século XX, impulsionados pelos
ares da modernidade, pelo desejo de praticarem um esporte símbolo dos novos
tempos, homens ligados à chamada classe caixeiral, que na sua maioria
trabalhavam no comércio do centro da cidade, decidiram criar um novo clube para
a prática do remo, eis que surge o Club de Regatas Vasco da Gama.
"Henrique Monteiro era o maioral dessa ideia e
encontrou semelhante companheiros em Luiz Rodrigues Teixeira de Sousa, Avellar
Rodrigues e Lopes de Freitas que traçaram logo o caminho a seguir avante e aos
quaes se juntaram com o mesmo entusiasmo Leonel Borba, Carlos Rodrigues, João
Campos, Francisco Alberto da Silva, Manoel Lixa, Frazão Salgueiro, Antonio
Fernando Seixas [...] que fizeram tão intensa propaganda, que em pouco tempo a
ideia era vencêdora [...] O desejo desses rapazes tornou-se realidade em pouco
tempo. A propaganda feita nos meios comerciaes deu excellentes resultados [...]
Nos botequins, nos barbeiros e até no mercado do caffé, não se fallava n'outra
coisa. A fundação de um novo Club de Regatas, que se chamaria Vasco da Gama..."(FREITAS,
José Lopes de, 1945, s.p.).
José Lopes de Freitas, popularmente conhecido como Zé
(ou José) da Praia, um dos fundadores do Clube e, posteriormente, cronista do Jornal
do Commercio, esclarece que o Vasco surge da confluência dos desejos de homens
e jovens rapazes que trabalhavam no comércio do centro do Rio de Janeiro, como
funcionários ou proprietários, para a formação de um clube no qual pudessem
congregar os seus ideais.
A despeito da importância de homens como Henrique
Ferreira Monteiro, Luís Antônio Rodrigues, José Alexandre d'Avelar Rodrigues,
Manuel Teixeira de Souza Júnior e o próprio José Lopes de Freitas, por
incentivarem e aglutinarem um grupo de pessoas em prol da ideia da fundação do
clube, é preciso ter em mente que o Vasco nasce através do anseio de vários
homens por uma instituição que congregasse brasileiros e portugueses. Talvez,
muitos outros homens além desses citados por toda uma tradição literária
vascaína, tenham contribuído de igual monta à fundação do Vasco, mas, por questões
de escassez de fontes, historicamente não sejam lembrados.
As comemorações do IV Centenário da Descoberta do
Caminho Marítimo para as Índias influenciaram no nome da nova instituição
náutica e nos seus símbolos, principalmente, o maior deles, a cruz que os
fundadores do Clube deram ao Vasco, inspirada naquela presente nas naus
portuguesas no período das Grandes Navegações. De acordo com Freitas:
"O nome e symbolo, nasceu pode-se dizer d'um
feliz acaso. Por esse tempo tinha-se festejado pomposamente no Rio de
janeiro o Quarto Centenário da descoberta do caminho marítimo das Índias por
Vasco da Gama. E por toda a parte aparecia, nas festas, nos cortejos, nas
revistas e jornaes ao lado do nome do grande navegante a Cruz de Christo usadas
nas Caravellas (a que nos acustumanos a chamar de Malta [...] Dahi o nome e
symbolo, aceito entusiasticamente por todos, podendo dizer-se que já tinha
nome, antes de vir ao mundo!"(José Lopes de Freitas, 1945, s.p.).
Concomitante aos anseios desses rapazes do Centro do Rio,
soube-se que pela região do bairro da Saúde um grupo chefiado pelos irmãos
Couto - Francisco (que viria a ser o primeiro Presidente), Antonio, Adolpho,
Alfredo e José -, com João Amaral, Marciano Rosas e Dr. Henrique Lagden
possuíam o mesmo propósito, qual seja, fundar um clube de regatas. Eis que
através do intermédio de Henrique Monteiro, houve a união dos interesses de
todos, possibilitando a fundação de um único clube.
Após algumas reuniões preliminares, em 21 de agosto de
1898, na Rua da Saúde n.º 293 (atual n.º 345 da rua Sacadura Cabral), é fundado
o CLUB DE REGATAS VASCO DA GAMA! Nesta primeira reunião, elegeu-se a diretoria
e Francisco Gonçalves Couto Junior foi eleito presidente. Todavia, o número
total de sócios fundadores não estava presente. Foram 62 os sócios fundadores
que estiveram reunidos na Assembeia Geral que fundou o clube, mas, como a
própria Ata de Fundação nos diz, entre os próprios eleitos: "alguns
d'elles achavam-se ausentes". (Para mais informações a respeito do local
de fundação do clube, ver: http://www.memoriavascaina.com/2014/01/rua-da-saude-n-293-o-vasco-nasceu-para.html)
Sem perder muito tempo, os vascaínos iniciaram a vida
administrativa do novo clube. Definiu-se uma sede provisória, alugaram para
este fim um sobrado na antiga Rua da Saúde n.º 127 (atual n.º 167 da rua
Sacadura Cabral), em frente Largo da Imperatriz. Enquanto isso, preparavam a
sede definitiva, na Praia Formosa, localizada na Ilha das Moças, onde o clube
se instalou em novembro de 1898 (ver: http://www.memoriavascaina.com/2014/01/a-primeira-sede-do-vasco-rua-da-saude-n.html).
Em sua sede provisória, uma das iniciativas pioneiras
do Vasco, tendo a frente José Lopes de Freitas, foi a montagem da primeira
escola para a prática do remo na cidade do Rio de Janeiro. Os sócios vascaínos
tinham aulas noturnas e muitos deles davam os passos iniciais no sport.
"Foi ali também que se organizou a primeira
Escola de Remo dirigida pelos dois Freitas, o José Lopes e o João Cândido.
Tôdas as noites das sete as dez (dezenove e vinte e duas) davam eles aulas
práticas no "VAGAROSO", bote alugado e armado a quatro remos com
palamenta, e, na "IARA" cedido por João Amaral, barquito de quatro
metros de comprimento, armado com quatro remos de voga com pretensões a
baleeira." (FREITAS apud ROCHA, 1975, p. 17).
Essa iniciativa do Vasco, de certa forma, permitia o
acesso das camadas populares à prática do remo, haja vista que muitos de seus
associados eram funcionários do comércio do centro do Rio. Através do controle
da União de Regatas Fluminense, o acesso à prática das regatas passou a ser
restrito aos clubes, muitos dos quais possuíam estatutos restritivos ao acesso
das camadas populares.
As esses rapazes inicialmente se faziam
representar entre competidores não filiados ou, principalmente, entre o público
que acompanhava as regatas, que crescia cada vez mais. Além disso estavam entre
os apostadores combatidos pela União. Ao abrir-se para os funcionários do
comércio, muito deles oriundos das camadas mais desprivilegiadas da sociedade
carioca, o Vasco escapava da tendência elitista do remo. Essa aproximação do
Clube com as camadas populares seria ainda mais forte com o advento do futebol
na instituição.
As elites, no intuito de constituir a prática do remo
como símbolo de status e
distinção social, buscavam se destacar e criar espaços específicos e
privilegiados para acompanhar as competições de remo. Assim, eram montadas
arquibancadas com espaços destinados à "fina flor carioca", deixada
separada do povo que fazia esse sport crescer.
Nesse contexto, foi fundado o Pavilhão de Regatas (1904), na Praia de Botafogo.
A obra, bastante famosa à época, foi financiada pela Prefeitura do Rio e fez
parte das reformas urbanas empreendidas por Pereira Passos.
No dia 28 de agosto de 1898, reunidos na sede do Club
Recreativo Estudantina Arcas Comercial, foi empossada a primeira diretoria e
eleita a comissão para elaboração do primeiro estatuto. O primeiro
uniforme foi aprovado em reunião de diretoria (Atas da Diretoria Administrativa, 06 de setembro de 1898).
Todavia, com a aprovação do estatuto em Assembleia
Geral de 10 de setembro de 1898, baseando-nos na documentação enviada para
União de Regatas Fluminense, houve alteração na camisa e ficou definida com a
Cruz sobre o peito, não mais metade sobre o preto e metade sobre o branco.
Posteriormente, haveria uma nova mudança, no contexto das reformas pós-cisão de
1899. Melhores informações na matéria "Os 116 anos da criação do principal
uniforme do Vasco": http://www.vasco.com.br/site/noticia/detalhe/11061/os-116-anos-da-criacao-do-principal-uniforme-do-vasco.
Em 03 de novembro de 1898, como parte da documentação
enviada à União de Regatas Fluminense para a filiação, o clube demonstra a sua
precoce pujança e envia o nome dos seus 187 fundadores. O Vasco nasceu com o
destino de ser um gigante do esporte brasileiro. (Documentos da primeira filiação, 03 de novembro de 1898).
Os primeiros barcos vascaínos foram a Zoca (canoa a
quatro remos de voga), a Vaidosa (baleeira a quatro remos de voga) e a Volúvel
(baleeira a seis remos de voga). A empolgação dos vascaínos fundadores com o
início das atividades náuticas do Clube é assim descrita por Freitas (1945,
s.p.):
"E como já havia um grupo de remadores, não
perfeitos ainda, mas cheios de bôa vontade, foram-se organizando conjuntos,
para as tripular. E pela Guanabara, começaram a apparecer, reunidas do fundo da
Bahia remadas, umas certas e outras ... "pêanada" (guarnição que
remava desacertada) novas embarcações, novos uniformes, novas flamulas! Era o
Vasco, o Vasco que ahi está hoje!"
Necessitando organizar-se melhor após o seu
nascedouro, o Vasco começou a competir no ano seguinte, em 1899. Como
demonstração de sua força, logo em seu ano de estreia veio a primeira vitória
em provas, com a Volúvel, no primeiro páreo e ainda um segundo lugar com a
Victória (recém-incorporada), uma baleeira a quatro remos. Embora a prova não
valesse para o campeonato, chamou a atenção de todos o feito dos vascaínos:
"O Vasco inscreveu-se em canoas a 4 com Zoca (que
não correu), em baleeiras 4 com a Victoria e a Vaidosa e em baleeiras a seis
com a Voluvel, sendo premiados os seus esforços, com a victoria da Voluvel em
1.º lugar e aVictoria em 2º lugar, o que na epocha foi considerado um grande
feito, não só competindo com gente já bem treinada e conhecedora dos segredos
do remo. E ainda porque alguns clubes competidores, por la andavam a mais tempo
sem serem trapejados pela victoria".
Os anos se passaram e as conquistas do Vasco foram se
acumulando. Em 1904, vieram os dois primeiros troféus, a Prova Clássica
Sul-América e a Prova Clássica Jardim Botânico. Logo após os seus primeiros
anos de fundação, o clube tornou-se bicampeão de remo da cidade em 1905 e 1906,
demonstrando a sua grandeza e realizando um feito que outros clubes mais
antigos não haviam conseguido.
Um grandioso tricampeonato em 1912, 1913 e 1914 veio
consolidar o Vasco como o maior clube náutico do Rio de Janeiro e um gigante do
remo no Brasil. Nessa época, a ginástica e o tiro já eram praticados pelos
sócios vascaínos. Outrossim, acompanhando uma tendência que se espalhava pela
cidade, crescia cada vez mais a influência do futebol entre o quadro
associativo vascaíno e muitos sócios começavam a solicitar inserção desta
prática no clube, fato que viria a ser consumado a partir de 26 de novembro de
1915.
As vitórias no esporte náutico seguiram correntes
constantes. Na contemporaneidade, o clube tem orgulho de ostentar seu pavilhão
centenário pelas águas cariocas. Dentre os títulos e conquistas de regatas,
podemos citar:
- 46 títulos cariocas de remo (masculino), sendo o
único a conquistar 16 vezes seguidas o título (1944-1959):
1905, 1906, 1912, 1913, 1914, 1919, 1921, 1924, 1927,
1928, 1929, 1930, 1931, 1932, 1934, 1935, 1936, 1937, 1938, 1939, 1944, 1945,
1946, 1947, 1948, 1949, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1955, 1956, 1957, 1958,
1959, 1961, 1970, 1982, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2005 e 2008
- Campeonato Brasileiro Masculino (1987, 1998, 1999,
2000, 2001, 2002, 2007, 2008 e 2009)
- Campeonato Brasileiro Feminino (2005 e 2007)
- Troféu Brasil de Remo (1987, 1998, 2000, 2001,2002,
2007, 2008 e 2009)
- Troféu Brasil Unificado: (2007, 2008, 2009).
Glória eterna ao Gigante vascaíno, que nasceu no mar e
fez-se grandioso na terra com a luta de todos.
Como diz um antigo dito vascaíno:
"O Vasco é um clube rico de adeptos
trabalhadores e dedicados"
VASCO!!
Vice-Presidência do Departamento de Relações
Especializadas
Divisão Centro de Memória
Equipe:
Denis
Antonio Carrega Dias (Vice-Presidente do Departamento de Relações
Especializadas)
Henrique
Hübner (Diretor)
Raphael
Milenas (Diretor)
Walmer
Peres Santana (Historiador)
Fonte:
http://www.vasco.com.br/site/noticia/detalhe/11296/117-anos-de-um-gigante e NETVASCO
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Vasco Ata de Fundação 1898 |
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