Estádio é palco de cena esportiva, política e cultural desde 1927. Veja entrevistas, estatísticas, fotos raras e curiosidades da casa histórica do Vasco da Gama
Por Alexandre Lage, Fabio Penna e Raphael
Zarko — Rio de Janeiro
O estádio Vasco da Gama,
conhecido como São Januário desde antes da fundação pela referência da rua de
acesso, completa 90 anos nesta sexta-feira. A história deste templo do futebol
brasileiro se mistura com a cena esportiva, política e até artística nacional e
começa bem antes da inauguração dia 21 de abril de 1927.
Em material especial, o
GloboEsporte.com publica em duas partes homenagens ao histórico palco vascaíno.
Com entrevistas e fotos raras, a reportagem abaixo traça a linha do tempo do
estádio.
Campeão
carioca de 1923, o Vasco foi excluído da liga de futebol do Rio de Janeiro. Se
antes precisava eliminar 12 atletas negros, operários – “de profissão
duvidosa”, como diziam os dirigentes da liga -, o que foi prontamente recusado
e gerou a "Resposta Histórica", agora o time que antes jogava de
aluguel precisaria ter seu campo próprio para jogar contra os times da elite.
Em 1925, o clube comprou o terreno em São Cristóvão.
A campanha
As
doações e a arrecadação – chamada de “Campanha dos 10 mil (sócios)” –
envolveram desde comerciantes portugueses até condutores de bondes,
funcionários públicos, garçons e donos de bares. Em pouco mais de 10 meses o
estádio estava semipronto (faltava a arquibancada curva e os refletores) e foi
inaugurado num amistoso Vasco 3 x 5 Santos. Foi o maior estádio do Brasil até o
Pacaembu ser erguido em 1940, na cidade de São Paulo.
"Em 1926 há verdadeiro manifesto convocando torcedores a se associarem, a famosa campanhas dos 10 mil sócios. O Vasco ainda lançou debêntures no mercado, que o clube dava 9% de juros sobre o título. Vascaínos mais abastados, óbvio, que doaram quantias, mas a base da doação era de donos de botequim, de restaurantes, gente do comércio, trabalhadores comuns que davam suas contribuições individuais e se tornavam sócios também" (Walmer Peres, historiador do Centro de Memória do Vasco)
Anos 20 e 30: o gigante e a maior goleada
Já
com a ferradura fechada e luz artificial desde 1928, o estádio do Vasco – com
capacidade total de 40 mil pessoas - vira caldeirão para os adversários. A
maior goleada da história centenária do clássico Vasco x Flamengo foi em São
Januário, em 1931. Um impiedoso 7 a 0 no Rubro-Negro. Meses antes, outra vítima
e outro recorde: 6 a 0 no Fluminense, também a maior goleada do duelo. Mas o
maior placar de São Januário sairia com o "Expresso da Vitória": 14 a
1 no Canto do Rio, em 1947. Além de outros torneios, o clube ganhou na sua nova
casa até a abertura do Maracanã os Cariocas de 1929, 1934, 1936, 1945, 1947 e
1949.
Não
foi só o “Expresso da Vitória” que encantou São Januário. A escola de samba
Portela foi campeã em 1945, num dos três anos de desfiles no estádio. O campo
do Vasco recebeu também concertos de Villa Lobos, discursos patrióticos de
Getúlio Vargas, de Juscelino Kubistchek e do “Cavaleiro da Esperança” Luis
Carlos Prestes, antigo inimigo político de Vargas. Os dirigentes vascaínos,
acusados de apoiarem a ditadura varguista, abriram as portas para o comício de
oposição do Partido Comunista do Brasil (PCB, na época), que reuniu 100 mil
pessoas no estádio de São Januário.
Anos 50: boxe, vale-tudo e concorrência
Logo
depois de sediar o Sul-Americano em 1949, quando passou por reformas e
melhorias (o Vasco inaugura as primeiras cabines de imprensa acima da
arquibancada e também instala alambrados), São Januário perde o posto de maior
estádio do Rio com o gigantesco Maracanã, construído para a Copa do Mundo. Nos
anos 1950, se os jogos de futebol diminuem a utilização do estádio, o campo
abrigou até mesmo desafios de vale-tudo e lutas de boxe. Carlson Gracie x
Passarito (da luta-livre) levou 20 mil pessoas às arquibancadas de São
Januário. O ringue ficava no espaço que hoje serve de local de aquecimento do
time vascaíno, à frente da arquibancada curva.
Eu sou Flamengo, a maioria da família é Flamengo. O do Fluminense era mais perto, mas o de São Januário era muito bom... Cabia muita gente" (Robson Gracie, que lutou no estádio)
Primeiro
campeão da era Maracanã - no Carioca de 1950 -, o Vasco joga menos em casa.
Coincidência ou não, conhece o maior jejum estadual da história: vai da
conquista do Carioca de 1958 até 1970. No período, os dirigentes colocam de pé
um sonho antigo, o parque aquático - maior do Brasil à época e terceiro maior
do mundo -, e também a igreja de Nossa Senhora das Vitórias - que começou a ser
construída em 1955 e só ficou pronta em 1961.
Anos 70 de Dinamite, o maior artilheiro
Maior artilheiro da
história de todas as edições de Brasileiros é também quem mais fez gols com a
camisa do Vasco (644 gols) e em São Januário, onde marcou 180 vezes. O garoto
Roberto Dinamite estreia em 1972 e inicia a trajetória de maior ídolo do clube
- ele lidera o ranking dos 10 maiores artilheiros que marcaram no estádio
vascaíno. Em 1975, o Vasco, com ajuda da patrocinadora Philips, troca a
iluminação de São Januário. O sistema de iluminação agora tem 120 refletores
espalhados em três postes com 20 refletores cada na arquibancada e 60 pela
cobertura do estádio. Em 1978, no maior público oficial da história de São
Januário (40.209 pagantes), o Vasco perde para o Londrina por 2 a 0
10+ goleadores da história de São Januário
1 -
Roberto Dinamite (1972 a 1992) - 180 gols em 239 jogos (média 0,753)
2 -
Romário (1985 a 2007) - 148 gols em 139 jogos (1,065)
3 -
Ademir (1942 a 1956) - 95 gols em 98 jogos (0,969)
4 -
Russinho (1927 a 1934) - 78 gols em 83 jogos (0,940)
5 -
Edmundo (1992 a 2012) - 62 gols em 95 jogos (0,653)
6 -
Maneca (1947 a 1956) - 45 gols em 69 jogos (0.652)
7 -
Valdir (1992 a 2004) - 40 gols em 88 jogos (0,454)
8 -
Ramon (1996 a 2006) - 40 gols em 91 jogos (0,440)
9 -
Lelé (1943 a 1948) - 39 gols em 56 jogos (0,697)
10
- Bismarck (1988 a 1993) - 38 gols em 94 jogos (0,404)
Fonte:
Centro de Memória do Vasco da Gama
Anos 80: os primeiros de Romário e a placa de Vivinho
Os
primeiros gols da carreira de um baixinho, que chegaria ao milésimo em 2007
neste mesmo palco, começam a encantar os vascaínos. Romário é bicampeão carioca
antes de ganhar o mundo. Em 1985, São Januário foi palco de tragédia no show da
banda porto-riquenha "Menudos". Mais de 100 mil fãs foram assistir ao
show. Duas pessoas morreram pisoteadas no estádio. No fim dos anos 1980, o
Vasco retira a pista de atletismo para aumentar o tamanho do campo. Em 1988, o
atacante Vivinho aplica três lençóis em Capitão e faz um golaço contra a
Portuguesa em São Januário. O jogador, falecido há dois anos, ganhou placa da
diretoria do Vasco.
Anos 90: a era Edmundo e a noite libertadora
Recordista
de gols num jogo só - fez seis contra o União São João de Araras na brilhante
campanha do título Brasileiro de 1997 -, Edmundo pega a linha sucessória de
Dinamite e Romário. Com jogadas geniais, gols e muitas confusões, o atacante
vira ídolo e símbolo da década vencedora do Vasco que começa em 1992 na
conquista caseira do Carioca sem Maracanã - o time de São Januário conquistaria
o tri estadual inédito com os canecos de 1993 e 1994. Em 1998, a noite
inesquecível, com a vitória por 2 a 0 sobre o Barcelona de Guayaquil, em São
Januário, no primeiro jogo da final da Libertadores da América, justamente no
ano do centenário do clube da Colina.
"Do
porteiro ao servente de pedreiro, a moça da cozinha, pessoal da limpeza,
roupeiros... são pessoas que me viram crescer... A gente treinava ali,
convivia... Quando você fazia um gol eram 600 funcionários fazendo junto,
porque todos dependiam do seu sucesso" (Edmundo)
No
segundo grande teste de público em dois anos, um incidente por pouco não virou
nova tragédia. Depois de receber 36.273 pagantes para a final da Libertadores
em 1998, São Januário enche para a final do Brasileiro de 2000, com 32.537
pagantes. Uma confusão na arquibancada faz a multidão pressionar o alambrado,
que cede para o gramado, ferindo torcedores. Um laudo do Instituto de
Criminalística Carlos Éboli concluiu à época que havia 5.231 pessoas a mais do
que a capacidade total de público do estádio. Em decisão da Justiça de 2011, a
juíza Anna Eliza Duarte inocentou o clube pelo acidente e disse que a
superlotação de São Januário não ficou comprovada.
Para
ter ideia do encolhimento do estádio - processo natural em todo o futebol pela
série de limitações que vieram junto ao Estatuto do Torcedor em 2003, aliadas a
mudanças na contagem de pessoas por metro quadrado pelos órgãos oficiais, além
de algumas pequenas adequações de obras no estádio -, a final da Copa do Brasil
de 2011 tem 21.365 pagantes "apenas".
O
título da Copa do Brasil de 2011 - no primeiro jogo, vitória por 1 a 0 em casa
contra o Coritiba - é a melhor lembrança recente do torcedor no seu estádio
depois da maior decepção, com a queda em 2008 - o primeiro e único consumado
dentro da Colina Histórica de São Januário. A comemoração reuniu milhares de
vascaínos, debaixo de um temporal, dentro do campo e nos degraus de cimento,
que completam 90 anos neste dia 21 de abril.
Nos
últimos anos, o Vasco voltou a investir na estrutura do complexo de São
Januário. Antes do aniversário do clube, dia 21 de agosto, o parque aquático
deve ser reinaugurado. O campo anexo e a estrutura de recuperação de atletas
são as maiores intervenções dos últimos anos.
Estatísticas gerais do Vasco em São Januário
Número
de jogos: 1475
Vitórias:
965
Empates:
309
Derrotas:
201
Gols
marcados: 3419
Gols
sofridos: 1372
Fonte:
Centro de Memória do Vasco da Gama
Bibliografia completa:
Fontes
de pesquisa: livro "Memória Social dos Esportes - São Januário,
arquitetura e história" (Clara Monteiro de Barros Malhano e Hamilton
Botelho Malhano); site oficial do Vasco; Centro de Memória do Vasco da Gama;
Sites Netvasco, SempreVasco, Casaca!; arquivo e depoimento historiadores Walmer
Peres, Mauro Praiss; arquivo pessoal Antonio Soares Calçada; arquivo pessoal
família Valente e Gracie; Revistas e jornais: periódicos do Vasco da Gama,
"Polyanthea Vascaína", "Cruzeiro", "Sport
Ilustrado", "O Malho", "O Imparcial", "O
Globo", "Jornal do Brasil"; arquivos Fundação Getúlio Vargas e
Partido Comunista do Brasil.
Fonte:
https://ge.globo.com/futebol/times/vasco/noticia/carnaval-atletismo-luta-gols-sao-januario-completa-90-anos-de-vida.ghtml
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