SOMOS OS MELHORES:
Sérg..., Corintiano, foi pisoteado em um Estádio de Futebol no dia 12 de Outubro. Morreu. Nel.., São-paulino foi atropelado por um trem ao fugir de inimigos, no dia 15. Morreu. Sérg..., Flamenguista foi espancado, no dia 16. Morreu. Wag..., Palmeirense, foi baleado no dia 22. Morreu.
Apenas um motivo explica a chacina a conta gotas. As vítimas não sabiam que na terra do Tetra é proibido circular com camisa de time de futebol. Ignoraram o perigo que é ir a um Estádio assistir a uma simples partida do Campeonato Brasileiro. Sobrou pra eles.
Os assassinos de torcedores estão espalhados por todo país. Seus inimigos são qualquer um. Basta torcer para o time adversário.
Geralmente, eles agrupam-se em sangrentas gangues que se integram as Torcidas Organizadas. Seu grito de guerra diz tudo:
“Vou dar porrada e ninguém vai me segurar”.
“Vou dar porrada e ninguém vai me segurar”.
Nesse caudal de insanidades, um estudante de informática tenta reencontrar o prazer de ser torcedor: Marcos de 19 anos, Presidente da Força Jovem , expulsou e denunciou 3 dos associados da Torcida, sob a suspeita de terem participado da briga que resultou na morte do flamenguista Sérg...
“O caminho é esse. Só assim a violência no futebol vai acabar”, sentencia o jovem Presidente.
“O caminho é esse. Só assim a violência no futebol vai acabar”, sentencia o jovem Presidente.
Marquinhos não é um Betinho do futebol.
Nos Estádios, ele continua defendendo que “xingar a outra Torcida é uma guerra justa”.
Para ele, o que se fala não é o que se faz.
Nos Estádios, ele continua defendendo que “xingar a outra Torcida é uma guerra justa”.
Para ele, o que se fala não é o que se faz.
Mesmo contraditória, sua decisão de denunciar companheiros inspirou um acordo envolvendo as Torcidas Organizadas dos principais Clubes de São Paulo, Gaviões da Fiel, Mancha Verde, Independente e Torcida Jovem do Santos, decidiram punir os vândalos que fazem parte dos seus próprios quadros.
Serão expulsos das Torcidas todos os que matarem ou agredirem. Marquinhos admite que tem medo de ir ao Estádio.
Serão expulsos das Torcidas todos os que matarem ou agredirem. Marquinhos admite que tem medo de ir ao Estádio.
“Mas eu gosto de futebol. Se ficar em casa vou vegetar”.
Foi justamente em um Estádio, o Maracanã, as vésperas do jogo Vasco x Grêmio que ele recebeu a Veja para a seguinte entrevista:
Foi justamente em um Estádio, o Maracanã, as vésperas do jogo Vasco x Grêmio que ele recebeu a Veja para a seguinte entrevista:
Veja: Porque a Força Jovem a Torcida Organizada do Vasco, denunciou 3 de seus filiados de assassinar um torcedor do Flamengo?
Marquinhos: Para que isso sirva de alerta para todas as Torcidas. A violência das Torcidas Organizadas não pode continuar assim, senão o futebol acaba. Temo-nos reunidos diariamente para discutir a situação dos três torcedores. Eles estão foragidos da Polícia.
Veja: Como o Senhor tem tanta certeza de que esses Três Torcedores são assassinos?
Veja: Como o Senhor tem tanta certeza de que esses Três Torcedores são assassinos?
Marquinhos: Estamos fazendo uma investigação interna para apurar as responsabilidades na morte do torcedor do Flamengo. Quero salientar que não estamos dizendo que os acusados são mesmo culpados. São suspeitos de fazer parte do grupo que linchou o torcedor. Não queremos cometer nenhum tipo de injustiça. No ano passado, alguns torcedores da Força Jovem foram acusados de ter atirado coquetéis molotov contra um ônibus da torcida do Flamengo. Eles eram inocentes, mais foram acusados por alguns passageiros. A Polícia não apurou nada. Não investigou nada. Limitou-se a ir ao juiz. Pegou um mandado de prisão e executou. Dez meses depois os torcedores foram inocentado em julgamento. Foi um escândalo.
Veja: O Senhor não teme ser tachado de dedo duro pelos companheiros de Torcida?
Veja: O Senhor não teme ser tachado de dedo duro pelos companheiros de Torcida?
Marquinhos: Não. Nosso modo de ação para coibir a violência nos Estádios será de dois tipos. Dependendo da gravidade da falta cometida pelo torcedor, nós podemos adverti-lo ou delatá-lo a Polícia.
Veja: Se esse expediente fosse seguido por outras Torcidas, a paz voltaria aos Estádios?
Veja: Se esse expediente fosse seguido por outras Torcidas, a paz voltaria aos Estádios?
Marquinhos: Sem dúvida. Esse tipo de atitude, aliado a um policiamento mais presente, resolveria a violência nos Estádios. O problema é que há Torcidas que não pensam assim. Tem gente que usa a Torcida para crescer politicamente dentro do Clube ou fora. Há muita inveja, ódio, desgosto. É daí que aparece a violência. Há muita competição interna.
Veja: O Senhor não estaria atribuindo uma importância excessiva aos dirigentes de Torcida Organizada? Qual o poder que eles têm de fato para controlar 100.000 pessoas num Estádio?
Veja: O Senhor não estaria atribuindo uma importância excessiva aos dirigentes de Torcida Organizada? Qual o poder que eles têm de fato para controlar 100.000 pessoas num Estádio?
Marquinhos: Esse é um ponto importante. Em geral as diretorias de Torcidas Organizadas são contra a violência. Mas elas têm de lidar com o sentimento incontrolável de ódio e vingança que seus associados alimentam. Se uma Torcida agride a outra, de duas uma, ou a Torcida atacada se defende ou então todo mundo corre e os agressores acabam pegando um ou dois coitados. São coitados porque se machucarão bastante. Isso pra dizer o mínimo. Se a Polícia não dá conta do recado, se ela é incapaz de proteger a integridade física das pessoas, então é o caso de a própria Torcida tomar as providências, certos? Primeiro ela precisa se defender. Afinal ninguém vai dar a cara para tomar tapas. Depois quando a agressão partir de suas próprias fileiras, ela tem de providenciar a punição dos culpados.
Veja: Como acontece a pancadaria entre Torcidas?
Veja: Como acontece a pancadaria entre Torcidas?
Marquinhos: É uma coisa tão ruim, mas tão ruim, que fica difícil explicar. Para entender mesmo, você precisa estar no meio disso. Na hora, sua cabeça vai a mil, a adrenalina sobe. O quebra-quebra começa numa briga corpo a corpo entre dois torcedores. As vezes, eles se desentendem por motivos banais, um torcedor se recusa a sentar e é alvejado com uma pedra por outro mais esquentado. Desse corpo-a-corpo vira corpos-a-corpos. Ai a coisa fica entregue as mãos de Deus.
Veja: O Senhor tem medo de se machucar?
Veja: O Senhor tem medo de se machucar?
Marquinhos: Se meu medo me impedir de fazer o que eu gosto, não farei nada de minha vida. É melhor nem tirar os pés de casa. Tenho medo, mas medo de tudo. Perigo todo mundo sabe que tem. Mas perigo tem em qualquer lugar do Brasil. Se eu ficar em casa, sei que vou vegetar.
Veja: Que armas se usam nas guerras dos Estádios?
Marquinhos: Foguetes, morteiros, coquetéis Molotov, bombas de fabricação caseira, revólver, canivetes, pedras, bambus das bandeiras, garrafas. Vale tudo. O que estiver a mão, numa briga, é arremessado. Isso é grave, mas não podemos crucificar os torcedores Brasileiros. Afinal, violência nos Estádios acontece em qualquer lugar do mundo, as vezes até pior do que aqui.
Veja: Por que pior?
Marquinhos: Aqui, as divergências são entre Torcidas. Não há problema político ou religiosos misturados. Na Europa por exemplo, misturam-se o bairrismo, a questão étnica e as brigas religiosas.
Veja: Que outros tipos de violência o Senhor chegou a ver?
Marquinhos: Já vi gente que fez xixi num copo e depois o arremessou na multidão que estava embaixo de seu degrau. É muito fácil esconder-se na multidão. Sempre tem gente arremessando algo. Já vi gente que pega gelo e atira nos outros. Água, gelo, pedra, joga-se de tudo.
Veja: Quanta gente vai ao jogo para brigar?
Marquinhos: Acredito que 5%, mais ou menos. Em um jogo de Maracanã lotado com 100.000 pessoas, 5.000 são de briga ou então vão roubar. A maioria é mais consciente. Mas que fique claro que a violência não acontece só nas Torcidas Organizadas. Elas são a solução do futebol, e não o problema. Hoje em dia, a grande maioria da juventude ou é de Torcida Organizada ou simpatiza com ela. Houve vários casos de torcedores que balearam ou lincharam gente só porque vestia a camisa do Time adversário. Torcedor comum, de Bairro, que não tem nada a ver com uma Organizada. Quando se trata de violência, não existe diferença entre Torcida comum e Torcida Organizada. Os métodos são os mesmos.
Veja: E os outros 95%, quem são?
Marquinhos: São torcedores que vêm de todas as classes sociais. Na arquibancada tem de tudo. Aliás, quem pratica a violência também é de todas as classes sociais. Violência não é problema de pobre apenas.
Veja: Com tanta coisa contra, qual a vantagem de ir ao Estádio?
Marquinhos: Você pode chegar e fazer o que quiser. É o melhor lugar para assistir a um jogo. Muito melhor do que na frente da TV. Lá, pode-se gritar o que quiser, fazer o que quiser. Pode botar tudo pra fora. De repente, a pessoa se transforma em um entre 100.000. É uma libertação. Existe algum outro lugar na Cidade onde isso seja possível? Na rua ninguém tem a coragem de uma forma que não prejudique ninguém, acho fantástico. É por isso que somos apaixonados pela arquibancada. A arquibancada é um espaço livre, não tem discriminação. Não é como um restaurante chique.
Veja: Até que ponto pode chegar a violência de um torcedor no Estádio?
Marquinhos: Xingar a outra Torcida é uma guerra justa.É uma briga saudável, que fica no grito. Uma Torcida grita mais do que a outra, uma xinga essa, a outra xinga aquela, aí eu não vejo problema. Há quem aprecie sentar justamente na fronteira com a Torcida adversária. Não acho o mais aconselhável, mas enfim, não posso negar que existe um prazer em odiar o adversário. Não sou um desses. Mas reconheço que existe um prazer. Nelson Rodrigues dizia que a grande graça do futebol era tripudiar o adversário.
Veja: Não haveria aí uma distorção, torce-se mais contra o adversário do que a favor do próprio Time?
Marquinhos: É verdade, tem gente que torce mais contra um certo Time do que pelo próprio. Gente que faz parte da Torcida. Gente que odeia mais um Time do que ama o próprio. Palmeirenses que são mais anticorinthians do que Palmeirenses. Tem gente que vai ao jogo porque é antiflamenguista, anticruzeirense, antipalmeirense. Tem gente que não grita o nome do Clube, mas quando é pra xingar o Time adversário se esgoela. Faz parte da natureza da Torcida e do futebol. É espontâneo, a adrenalina fica a mil.
Veja: E os hinos das Torcidas Organizadas. Eles são incitam à violência?
Marquinhos: Há hinos de todos os tipos, desde aqueles que incentivam mesmo a violência até os mais carinhosos. Uma das nossas músicas tradicionais é aquela:
Eu Sou da Força Jovem, eu Sou, O Bicho Vai Pegar, e Ninguém Vai Me Segurar, Nem a PM!, Todas as Torcidas cantam essa, Independente do São Paulo, Gaviões da Fiel, do Corinthians, qualquer uma. Mas há também os hinos mais carinhosos, do tipo:
Eu sou da Força Jovem, onde o Vasco estiver, eu estarei com o meu coração, para exaltar a Cruz de Malta e cantar com toda emoção.
Quem introduz esses gritos é uma espécie de puxador de cantos.
Veja: Não lembra grito de guerra, um sujeito canta e entra todo mundo depois?
Marquinhos: Existem várias Torcidas que lembram Exército. Não é o nosso caso, faço questão de frisar. São Torcidas divididas em Batalhões, Comandos e Pelotões. Algumas Torcidas tem linha de frente, concebidas para enfrentar qualquer situação de violência. Normalmente, são sujeitos mal encarados. Dividem-se em 1º Comando, 2º Comando, 3º Comando e assim por diante. Verdadeiras gangues.
Veja: Existe um ideário básico para fazer paste de um Torcida Organizada?
Marquinhos: Sim, há uma certa ideologia. Acima de tudo, nosso caso, é amar o Vasco. Estar onde ele estiver. Fazer pelo Vasco às vezes até mais do que faz por si mesmo. O pessoal da Mancha Verde, principal Torcida Palmeirense, costuma dizer: "Acima de nós só Deus". É o lema deles, e eu acho até bonito. Mostra a dedicação que eles têm a uma causa.
Veja: E os ídolos das Torcidas Organizadas ? Uma vez, no Morumbi, uma Torcida do Palmeiras ostentava uma bandeira com o Ditador Iraquiano Saddam Hussein travestido de Palmeirense.
Marquinhos: Eu nunca vi essa bandeira. Nós da Força Jovem usamos bastante a figura do Eddie o boneco do grupo de Hevy Metal Iron Maiden. É que o pessoal curte um som heavy. Mas Torcida tem de tudo. Tem até uma Torcida Corinthiana chamada Pavilhão 9, composta de ex detentos do Carandiru. Aqui no Rio, a Torcida do Botafogo utiliza um buldogue bem bravo. A Torcida do Flamengo adora gente que faz uma guerrinha, como Saddan Hussein mesmo, ou o Che Guevara, ou o Fidel Castro. É só o cara fazer uma guerra que ele já vira ídolo da Torcida.
Veja: E os bandidos? Como eles agem nos Estádios?
Marquinhos: Há três tipos básicos de marginal em ação nos Estádios. Há aqueles que aproveitam a aglomeração para roubar. Há outros que ficam no meio da multidão para fumar maconha ou cheirar cocaína. E há pessoas que vão ao Estádio resolver rixas pessoais. Esses três tipos acabam puxando gente que não tem nada a ver para entrar em confusão. A verdade é que quando muita gente se junta, as pessoas enlouquecem. A maioria não se conhece e acha que pode fazer loucuras, sem medo de represálias.
Veja: E como se rouba nas arquibancadas?
Marquinhos: Acredite ou não, no Campeonato Carioca de 1994, houve arrastão, você imagina? Um grupo de vinte ou trinta pessoas ia para lá, saía correndo e roubava um monte de gente. Daí a Polícia decidiu fazer cordão de isolamento de 300 em 300 metros. O que os bandidos fizeram? Foram para as arquibancadas. Esse é um dos maiores problemas dentro dos Estádios Brasileiros hoje em dia.
Veja: Em que medida os membros de Torcidas Organizadas integram as galeras Funk?
Marquinhos: Isso é uma coisa muito recente. Não interessa o que o cara faz fora da Torcida. O que incomoda é uma minoria que age no Estádio como se estivesse num baile funk. A torcida do Flamengo, por exemplo grita " Uh Tererê", o grito de guerra das galeras funk. Esse grito vem de uma música que faz sucesso nos bailes funk . "Uh tererê" é uma gíria adaptada. Significa maconha. Ficam gritando durante o jogo. Sempre há alguém no meio da arquibancada que entra esse grito. Se for Vascaíno, nós pedimos para ele parar com isso.
Veja: A violência praticada no campo tem a ver com aquela das arquibancadas?
Marquinhos: O pessoal gosta de ver uma briguinha em campo. O Edmundo, jogador do Palmeiras,faz o delírio da torcida. Ele é um animal - os palmerenses vivem gritando isso - porque é indisciplinado debochado, mexe com o adversário. Isso dá brilho no jogo, mas não tem nada a ver com o que se faz nas arquibancadas. Não serve como exemplo para os torcedores. Quando Ayrton Senna morreu, Nelson Piquet disse que os acidentes na Fórmula 1 são o delírio dos telespectadores, aquilo que eles mais gostam de ver. Isso vale também no futebol é divertido e até engraçado ver briga entre jogadores ou contra o juiz. Uma briguinha, um tapinha, um empurrão no juiz é super folclórico Faz parte do show. O que ninguém gosta - nem mesmo quem é de briga - são aquelas entradas para destruir o jogador adversário.
Veja: Como é a violência da Torcida Organizada contra os jogadores?
Marquinhos: Vascaíno que é vascaíno pode ser um perna-de-pau, mas tem que suar a camisa. Isso é tudo que cobramos de um jogador. Se continuar, chegamos até a pedir seu desligamento da equipe.
Veja: O jogador Colombiano Andrés Escobar foi assassinado por torcedores revoltados com um gol contra que ele marcou na Copa. O Senhor vê possibilidade de isso ocorrer no Brasil?
Marquinhos: Sinceramente? Sim. A loucura de um torcedor fanático não tem limites.
Veja: O Senhor acha que a identidade de uma pessoa tem a ver com o Time para que ela torce?
Marquinhos: Não tenho dúvidas. Vascaínos têm um modo de pensar totalmente diferente dos Flamenguistas. Somos melhores.
Fonte: Revista Veja 02 de Novembro de 1994
Veja: Que armas se usam nas guerras dos Estádios?
Marquinhos: Foguetes, morteiros, coquetéis Molotov, bombas de fabricação caseira, revólver, canivetes, pedras, bambus das bandeiras, garrafas. Vale tudo. O que estiver a mão, numa briga, é arremessado. Isso é grave, mas não podemos crucificar os torcedores Brasileiros. Afinal, violência nos Estádios acontece em qualquer lugar do mundo, as vezes até pior do que aqui.
Veja: Por que pior?
Marquinhos: Aqui, as divergências são entre Torcidas. Não há problema político ou religiosos misturados. Na Europa por exemplo, misturam-se o bairrismo, a questão étnica e as brigas religiosas.
Veja: Que outros tipos de violência o Senhor chegou a ver?
Marquinhos: Já vi gente que fez xixi num copo e depois o arremessou na multidão que estava embaixo de seu degrau. É muito fácil esconder-se na multidão. Sempre tem gente arremessando algo. Já vi gente que pega gelo e atira nos outros. Água, gelo, pedra, joga-se de tudo.
Veja: Quanta gente vai ao jogo para brigar?
Marquinhos: Acredito que 5%, mais ou menos. Em um jogo de Maracanã lotado com 100.000 pessoas, 5.000 são de briga ou então vão roubar. A maioria é mais consciente. Mas que fique claro que a violência não acontece só nas Torcidas Organizadas. Elas são a solução do futebol, e não o problema. Hoje em dia, a grande maioria da juventude ou é de Torcida Organizada ou simpatiza com ela. Houve vários casos de torcedores que balearam ou lincharam gente só porque vestia a camisa do Time adversário. Torcedor comum, de Bairro, que não tem nada a ver com uma Organizada. Quando se trata de violência, não existe diferença entre Torcida comum e Torcida Organizada. Os métodos são os mesmos.
Veja: E os outros 95%, quem são?
Marquinhos: São torcedores que vêm de todas as classes sociais. Na arquibancada tem de tudo. Aliás, quem pratica a violência também é de todas as classes sociais. Violência não é problema de pobre apenas.
Veja: Com tanta coisa contra, qual a vantagem de ir ao Estádio?
Marquinhos: Você pode chegar e fazer o que quiser. É o melhor lugar para assistir a um jogo. Muito melhor do que na frente da TV. Lá, pode-se gritar o que quiser, fazer o que quiser. Pode botar tudo pra fora. De repente, a pessoa se transforma em um entre 100.000. É uma libertação. Existe algum outro lugar na Cidade onde isso seja possível? Na rua ninguém tem a coragem de uma forma que não prejudique ninguém, acho fantástico. É por isso que somos apaixonados pela arquibancada. A arquibancada é um espaço livre, não tem discriminação. Não é como um restaurante chique.
Veja: Até que ponto pode chegar a violência de um torcedor no Estádio?
Marquinhos: Xingar a outra Torcida é uma guerra justa.É uma briga saudável, que fica no grito. Uma Torcida grita mais do que a outra, uma xinga essa, a outra xinga aquela, aí eu não vejo problema. Há quem aprecie sentar justamente na fronteira com a Torcida adversária. Não acho o mais aconselhável, mas enfim, não posso negar que existe um prazer em odiar o adversário. Não sou um desses. Mas reconheço que existe um prazer. Nelson Rodrigues dizia que a grande graça do futebol era tripudiar o adversário.
Veja: Não haveria aí uma distorção, torce-se mais contra o adversário do que a favor do próprio Time?
Marquinhos: É verdade, tem gente que torce mais contra um certo Time do que pelo próprio. Gente que faz parte da Torcida. Gente que odeia mais um Time do que ama o próprio. Palmeirenses que são mais anticorinthians do que Palmeirenses. Tem gente que vai ao jogo porque é antiflamenguista, anticruzeirense, antipalmeirense. Tem gente que não grita o nome do Clube, mas quando é pra xingar o Time adversário se esgoela. Faz parte da natureza da Torcida e do futebol. É espontâneo, a adrenalina fica a mil.
Veja: E os hinos das Torcidas Organizadas. Eles são incitam à violência?
Marquinhos: Há hinos de todos os tipos, desde aqueles que incentivam mesmo a violência até os mais carinhosos. Uma das nossas músicas tradicionais é aquela:
Eu Sou da Força Jovem, eu Sou, O Bicho Vai Pegar, e Ninguém Vai Me Segurar, Nem a PM!, Todas as Torcidas cantam essa, Independente do São Paulo, Gaviões da Fiel, do Corinthians, qualquer uma. Mas há também os hinos mais carinhosos, do tipo:
Eu sou da Força Jovem, onde o Vasco estiver, eu estarei com o meu coração, para exaltar a Cruz de Malta e cantar com toda emoção.
Quem introduz esses gritos é uma espécie de puxador de cantos.
Veja: Não lembra grito de guerra, um sujeito canta e entra todo mundo depois?
Marquinhos: Existem várias Torcidas que lembram Exército. Não é o nosso caso, faço questão de frisar. São Torcidas divididas em Batalhões, Comandos e Pelotões. Algumas Torcidas tem linha de frente, concebidas para enfrentar qualquer situação de violência. Normalmente, são sujeitos mal encarados. Dividem-se em 1º Comando, 2º Comando, 3º Comando e assim por diante. Verdadeiras gangues.
Veja: Existe um ideário básico para fazer paste de um Torcida Organizada?
Marquinhos: Sim, há uma certa ideologia. Acima de tudo, nosso caso, é amar o Vasco. Estar onde ele estiver. Fazer pelo Vasco às vezes até mais do que faz por si mesmo. O pessoal da Mancha Verde, principal Torcida Palmeirense, costuma dizer: "Acima de nós só Deus". É o lema deles, e eu acho até bonito. Mostra a dedicação que eles têm a uma causa.
Veja: E os ídolos das Torcidas Organizadas ? Uma vez, no Morumbi, uma Torcida do Palmeiras ostentava uma bandeira com o Ditador Iraquiano Saddam Hussein travestido de Palmeirense.
Marquinhos: Eu nunca vi essa bandeira. Nós da Força Jovem usamos bastante a figura do Eddie o boneco do grupo de Hevy Metal Iron Maiden. É que o pessoal curte um som heavy. Mas Torcida tem de tudo. Tem até uma Torcida Corinthiana chamada Pavilhão 9, composta de ex detentos do Carandiru. Aqui no Rio, a Torcida do Botafogo utiliza um buldogue bem bravo. A Torcida do Flamengo adora gente que faz uma guerrinha, como Saddan Hussein mesmo, ou o Che Guevara, ou o Fidel Castro. É só o cara fazer uma guerra que ele já vira ídolo da Torcida.
Veja: E os bandidos? Como eles agem nos Estádios?
Marquinhos: Há três tipos básicos de marginal em ação nos Estádios. Há aqueles que aproveitam a aglomeração para roubar. Há outros que ficam no meio da multidão para fumar maconha ou cheirar cocaína. E há pessoas que vão ao Estádio resolver rixas pessoais. Esses três tipos acabam puxando gente que não tem nada a ver para entrar em confusão. A verdade é que quando muita gente se junta, as pessoas enlouquecem. A maioria não se conhece e acha que pode fazer loucuras, sem medo de represálias.
Veja: E como se rouba nas arquibancadas?
Marquinhos: Acredite ou não, no Campeonato Carioca de 1994, houve arrastão, você imagina? Um grupo de vinte ou trinta pessoas ia para lá, saía correndo e roubava um monte de gente. Daí a Polícia decidiu fazer cordão de isolamento de 300 em 300 metros. O que os bandidos fizeram? Foram para as arquibancadas. Esse é um dos maiores problemas dentro dos Estádios Brasileiros hoje em dia.
Veja: Em que medida os membros de Torcidas Organizadas integram as galeras Funk?
Marquinhos: Isso é uma coisa muito recente. Não interessa o que o cara faz fora da Torcida. O que incomoda é uma minoria que age no Estádio como se estivesse num baile funk. A torcida do Flamengo, por exemplo grita " Uh Tererê", o grito de guerra das galeras funk. Esse grito vem de uma música que faz sucesso nos bailes funk . "Uh tererê" é uma gíria adaptada. Significa maconha. Ficam gritando durante o jogo. Sempre há alguém no meio da arquibancada que entra esse grito. Se for Vascaíno, nós pedimos para ele parar com isso.
Veja: A violência praticada no campo tem a ver com aquela das arquibancadas?
Marquinhos: O pessoal gosta de ver uma briguinha em campo. O Edmundo, jogador do Palmeiras,faz o delírio da torcida. Ele é um animal - os palmerenses vivem gritando isso - porque é indisciplinado debochado, mexe com o adversário. Isso dá brilho no jogo, mas não tem nada a ver com o que se faz nas arquibancadas. Não serve como exemplo para os torcedores. Quando Ayrton Senna morreu, Nelson Piquet disse que os acidentes na Fórmula 1 são o delírio dos telespectadores, aquilo que eles mais gostam de ver. Isso vale também no futebol é divertido e até engraçado ver briga entre jogadores ou contra o juiz. Uma briguinha, um tapinha, um empurrão no juiz é super folclórico Faz parte do show. O que ninguém gosta - nem mesmo quem é de briga - são aquelas entradas para destruir o jogador adversário.
Veja: Como é a violência da Torcida Organizada contra os jogadores?
Marquinhos: Vascaíno que é vascaíno pode ser um perna-de-pau, mas tem que suar a camisa. Isso é tudo que cobramos de um jogador. Se continuar, chegamos até a pedir seu desligamento da equipe.
Veja: O jogador Colombiano Andrés Escobar foi assassinado por torcedores revoltados com um gol contra que ele marcou na Copa. O Senhor vê possibilidade de isso ocorrer no Brasil?
Marquinhos: Sinceramente? Sim. A loucura de um torcedor fanático não tem limites.
Veja: O Senhor acha que a identidade de uma pessoa tem a ver com o Time para que ela torce?
Marquinhos: Não tenho dúvidas. Vascaínos têm um modo de pensar totalmente diferente dos Flamenguistas. Somos melhores.
Fonte: Revista Veja 02 de Novembro de 1994
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