“El Tigre Carioca”
Russinho- chamado pela imprensa
1929 O Primeiro Esquadrão
Uma
final entre Vasco e América nos dias atuais seria praticamente uma decisão com
uma única torcida. Nos anos 1920 a situação era bem diferente. Os rubros apesar
de ser a 5ª torcida da cidade tinham um grande apelo popular e conseguiram
dividir com os vascaínos o estádio das Laranjeiras nos três jogos decisivos
entre os dois times. Para acompanhar o movimento das torcidas o jornal Crítica de Mário Rodrigues fez uma enquete
com os torcedores sobre o palpite de cada um sobre o resultado da final.
O
jornal “Crítica” surge no final de 1928 quando o jornalista perde o controle de
seu ex-jornal “A Manhã” para o seu sócio Antonio Faustino Porto. O periódico tinha
na chefia da redação esportiva, o jovem Mário Filho e um dos repórteres
esportivos era Nelson Rodrigues, ambos filhos de Mário Rodrigues. O diário da
família Rodrigues é lançado em novembro de 1928 e logo vira um sucesso de
vendas, concorrendo com mais de 20 diários em 1929.
Com
o apoio do vice-presidente da Republica, Melo Viana, o jornal adota uma linha de sensacionalismo policial, cobertura política de forma polêmica e uma abordagem diferente da
reportagem esportiva da época com mais destaque para fotos dos jogadores sem
terno e gravata, se exercitando durante os treinos, entrevistas mais profundas
com os atletas e repercutindo as discussões dos torcedores nas vésperas de
jogos importantes.
No
dia anterior da decisão do campeonato de 1929 uma página inteira do jornal é
dedicada a ouvir a opinião dos torcedores. Intitulada “Quem vencerá? América ou
Vasco?”, dezenas de torcedores dão o seu palpite. Em cada depoimento é possível
traçar um breve panorama das discussões futebolísticas no final dos anos 1920. Em muitas expressões dos torcedores dá para
perceber como eram aqueles últimos anos de amadorismo, quais os principais
ídolos e as características das duas torcidas. Certas gírias, palavras e
gozações são incompreensíveis para quem não viveu aquele momento. Para dizer
que a partida era fácil eles usavam “O Vasco vai ser sopa”, “o Vasco vai
sapecar 3 a 1”, “o Vasco vai ensopar o América”, “o América é canja” ou a
previsão de brigas “vai ter muito sururu”, e muitas apostas “quem quiser
apostar comigo que me procure” afirmava um torcedor que dizia o placar e dava o
seu endereço. As expressões em inglês ainda eram comuns: “o match de domingo”
ou “o sportamn aposta no clube de seu coração”, e a ainda atual: “Americano
roxo”.
O jornal afirmava ter 100 mil leitores e
promoveu os prognósticos da partida por telefone e por meio de cartas e
bilhetes que os torcedores entregavam na redação do jornal no centro da cidade.
Outras expressões coletadas: “os diabos rubros”, eu só quero ver a choradeira
copiosa do Fontainha”, “o América vencerá se o Vasco não adotar o sistema da
tourada”, “o estrilho dos americanos vai ser monstro”, “um vascaíno
fuzarqueiro”, “vai fazer um candomblé para seu América vencer”, “uma torcida
americana renitente”, “um americano de classe para a pugna de amanhã” , “é
vascaína “rubra”, “diz a quatro ventos que seu clube vencerá”.
O
placar final terminou com uma vitória por 5 a 0 para o Vasco e muita polêmica
nos anos seguintes, com a acusação do jogador Floriano (América) ter entregue o
jogo. O próprio jogador escreverá um livro depois se defendendo e fazendo uma
série de denúncias sobre os tempos de futebol amador.
Nestes
últimos anos antes do profissionalismo os maiores vencedores nos anos 1920 no
futebol carioca foram os clubes da zona norte. Entre 1922 e 1929 os suburbanos
ficaram com 5 títulos, enquanto as equipes da zona sul conquistaram três
campeonatos (1924, 1925 e 1927). Em 1928 e 1929 os dois primeiros colocados
eram da zona norte: Vasco e América. Ambos conseguiam lotar os estádios e
comprovar que a realidade do futebol neste fim de década era bem diferente da
anterior que teve a supremacia inegável dos clubes da zona sul, área mais rica
da cidade.
Mario
Filho (2003, p.170) relembra como foram os 3 jogos decisivos neste ano no
estádio das Laranjeiras. em novembro: “o estádio do Fluminense transbordando no
primeiro, no segundo, no terceiro jogo, cada vez mais gente. Era América e
Vasco, todo mundo queria ver. O rumor da multidão, oceânico, chegava até o
vestiário, parecia que estavam forçando as portas de ferro”.
No
entanto prevalecia uma imagem de torcedor da zona norte como violento e que os
estádios desta região como locais perigosos. Este juízo foi construído pelos
jornais e torcedores da zona sul, que mesmo possuindo estádios em condições semelhantes
(com exceção do Fluminense) chamavam os estádios da zona norte de
“galinheiros”,
O
próprio Mario Filho em seu livro mais famoso, ao retratar a conquista do São
Cristóvão em 1926, passa a relatar o que era disputar um jogo no campo do
alvinegro da zona norte: “Quem entrava em Figueira de Melo tinha de sair pelo
corredor, os torcedores do São Cristóvão de um lado e de outro, brandindo
bengalas e pedaços de pau (...) os brancos dos outros clubes recebiam cachações
na geral, na arquibancada, no corredor de saída, corria até o risco de levar
uma navalhada” (2003, p.151-152).
No
revista teatral “É da fuzarca” de 1928, temos um outro exemplo do preconceito
com uma letra de música chama atenção para o medo que causava enfrentar um
clube no subúrbio: “Futebol é um esporte que provoca sururu/ Eu sou lá da zona
norte e torcida do Bangu”.
Bem
diferente era uma outra opinião da torcida do Vasco sobre aquele período e o
elenco de 1929. O pesquisador cruzmaltino
Mauro Prais relata no site Netvasco uma informação de Maurício Wanderley, um
antigo vascaíno sobre o time, conhecido como o primeiro esquadrão vascaíno e
lembrado por muitas gerações com uma escalação que os mais velhos sabiam de
cor: “tinha 9 anos e já torcia para o Vasco. O time era este mesmo. E é sobre isto
que gostaria de levar ao seu conhecimento - talvez você não saiba. Nós, meninos
da época, discutindo com outros colegas sobre futebol, times, torcidas, etc.,
fazíamos o seguinte comentário (que fazia qualquer um calar a boca) e que os
outros meninos não podiam comentar coisa alguma depois de ouvir: JAGUARÉ foi na
ITÁLIA comprar BRILHANTE. Assistiu com TINOCO a ópera FAUSTO, sentado numa
cadeira de MOLA. Na volta, PASCHOAL encontrou OITENTA E QUATRO RUSSINHOS junto
com MÁRIO MATOS na Igreja de SANTANA."
Aos poucos o clube ia
transformando seu estádio com várias instalações para dar mais conforto e
comodidade para seus torcedores, como a “INAUGURAÇÃO DO SALÃO DO RESTAURANTE DE
SÃO JANUÁRIO. Acaba de ser inaugurado o luxuoso restaurant do Stadium do Club Vasco
da Gama. É mais um melhoramento na importantíssima sociedade, que é uma das
maiores da América e um padrão de glória dos nossos compatriotas, que são, como
se sabe, os seus mais fortes esteios. A nossa gravura apresenta um aspecto
tomado após a inauguração, vendo-se a directoria (sentada) e, em pé, os
representantes da imprensa e cronistas esportivos, presentes a cerimônia”[1].
O final dos anos 1920 termina com mais um título do remo para o Vasco,
conquistando o tricampeonato (1927-28-29). Em toda a década este era o quinto
título. O clube seguia dominando no ranking como o maior vencedor nas regatas.
Confirmando o título de “Campeão na terra e mar”.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge
Medeiros.
[1] Fonte: Revista Lusitania 16 de Agosto de 1929.
Vasco Revista Lusitania 1929 |
Vasco Revista O Malho 1929 |
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