quarta-feira, 7 de setembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1929 O PRIMEIRO ESQUADRÃO

“El Tigre Carioca”
Russinho- chamado pela imprensa

1929                    O Primeiro Esquadrão

Uma final entre Vasco e América nos dias atuais seria praticamente uma decisão com uma única torcida. Nos anos 1920 a situação era bem diferente. Os rubros apesar de ser a 5ª torcida da cidade tinham um grande apelo popular e conseguiram dividir com os vascaínos o estádio das Laranjeiras nos três jogos decisivos entre os dois times. Para acompanhar o movimento das torcidas o jornal Crítica de Mário Rodrigues fez uma enquete com os torcedores sobre o palpite de cada um sobre o resultado da final.
O jornal “Crítica” surge no final de 1928 quando o jornalista perde o controle de seu ex-jornal “A Manhã” para o seu sócio Antonio Faustino Porto. O periódico tinha na chefia da redação esportiva, o jovem Mário Filho e um dos repórteres esportivos era Nelson Rodrigues, ambos filhos de Mário Rodrigues. O diário da família Rodrigues é lançado em novembro de 1928 e logo vira um sucesso de vendas, concorrendo com mais de 20 diários em 1929.
Com o apoio do vice-presidente da Republica, Melo Viana, o jornal adota uma linha de sensacionalismo policial, cobertura política de forma polêmica e uma abordagem diferente da reportagem esportiva da época com mais destaque para fotos dos jogadores sem terno e gravata, se exercitando durante os treinos, entrevistas mais profundas com os atletas e repercutindo as discussões dos torcedores nas vésperas de jogos importantes.
No dia anterior da decisão do campeonato de 1929 uma página inteira do jornal é dedicada a ouvir a opinião dos torcedores. Intitulada “Quem vencerá? América ou Vasco?”, dezenas de torcedores dão o seu palpite. Em cada depoimento é possível traçar um breve panorama das discussões futebolísticas no final dos anos 1920. Em muitas expressões dos torcedores dá para perceber como eram aqueles últimos anos de amadorismo, quais os principais ídolos e as características das duas torcidas. Certas gírias, palavras e gozações são incompreensíveis para quem não viveu aquele momento. Para dizer que a partida era fácil eles usavam “O Vasco vai ser sopa”, “o Vasco vai sapecar 3 a 1”, “o Vasco vai ensopar o América”, “o América é canja” ou a previsão de brigas “vai ter muito sururu”, e muitas apostas “quem quiser apostar comigo que me procure” afirmava um torcedor que dizia o placar e dava o seu endereço. As expressões em inglês ainda eram comuns: “o match de domingo” ou “o sportamn aposta no clube de seu coração”, e a ainda atual: “Americano roxo”.
 O jornal afirmava ter 100 mil leitores e promoveu os prognósticos da partida por telefone e por meio de cartas e bilhetes que os torcedores entregavam na redação do jornal no centro da cidade. Outras expressões coletadas: “os diabos rubros”, eu só quero ver a choradeira copiosa do Fontainha”, “o América vencerá se o Vasco não adotar o sistema da tourada”, “o estrilho dos americanos vai ser monstro”, “um vascaíno fuzarqueiro”, “vai fazer um candomblé para seu América vencer”, “uma torcida americana renitente”, “um americano de classe para a pugna de amanhã” , “é vascaína “rubra”, “diz a quatro ventos que seu clube vencerá”.
O placar final terminou com uma vitória por 5 a 0 para o Vasco e muita polêmica nos anos seguintes, com a acusação do jogador Floriano (América) ter entregue o jogo. O próprio jogador escreverá um livro depois se defendendo e fazendo uma série de denúncias sobre os tempos de futebol amador.
Nestes últimos anos antes do profissionalismo os maiores vencedores nos anos 1920 no futebol carioca foram os clubes da zona norte. Entre 1922 e 1929 os suburbanos ficaram com 5 títulos, enquanto as equipes da zona sul conquistaram três campeonatos (1924, 1925 e 1927). Em 1928 e 1929 os dois primeiros colocados eram da zona norte: Vasco e América. Ambos conseguiam lotar os estádios e comprovar que a realidade do futebol neste fim de década era bem diferente da anterior que teve a supremacia inegável dos clubes da zona sul, área mais rica da cidade.
Mario Filho (2003, p.170) relembra como foram os 3 jogos decisivos neste ano no estádio das Laranjeiras. em novembro: “o estádio do Fluminense transbordando no primeiro, no segundo, no terceiro jogo, cada vez mais gente. Era América e Vasco, todo mundo queria ver. O rumor da multidão, oceânico, chegava até o vestiário, parecia que estavam forçando as portas de ferro”.
No entanto prevalecia uma imagem de torcedor da zona norte como violento e que os estádios desta região como locais perigosos. Este juízo foi construído pelos jornais e torcedores da zona sul, que mesmo possuindo estádios em condições semelhantes (com exceção do Fluminense) chamavam os estádios da zona norte de “galinheiros”,
O próprio Mario Filho em seu livro mais famoso, ao retratar a conquista do São Cristóvão em 1926, passa a relatar o que era disputar um jogo no campo do alvinegro da zona norte: “Quem entrava em Figueira de Melo tinha de sair pelo corredor, os torcedores do São Cristóvão de um lado e de outro, brandindo bengalas e pedaços de pau (...) os brancos dos outros clubes recebiam cachações na geral, na arquibancada, no corredor de saída, corria até o risco de levar uma navalhada” (2003, p.151-152).
No revista teatral “É da fuzarca” de 1928, temos um outro exemplo do preconceito com uma letra de música chama atenção para o medo que causava enfrentar um clube no subúrbio: “Futebol é um esporte que provoca sururu/ Eu sou lá da zona norte e torcida do Bangu”.
Bem diferente era uma outra opinião da torcida do Vasco sobre aquele período e o elenco de 1929. O pesquisador cruzmaltino Mauro Prais relata no site Netvasco uma informação de Maurício Wanderley, um antigo vascaíno sobre o time, conhecido como o primeiro esquadrão vascaíno e lembrado por muitas gerações com uma escalação que os mais velhos sabiam de cor: “tinha 9 anos e já torcia para o Vasco. O time era este mesmo. E é sobre isto que gostaria de levar ao seu conhecimento - talvez você não saiba. Nós, meninos da época, discutindo com outros colegas sobre futebol, times, torcidas, etc., fazíamos o seguinte comentário (que fazia qualquer um calar a boca) e que os outros meninos não podiam comentar coisa alguma depois de ouvir: JAGUARÉ foi na ITÁLIA comprar BRILHANTE. Assistiu com TINOCO a ópera FAUSTO, sentado numa cadeira de MOLA. Na volta, PASCHOAL encontrou OITENTA E QUATRO RUSSINHOS junto com MÁRIO MATOS na Igreja de SANTANA."
 Aos poucos o clube ia transformando seu estádio com várias instalações para dar mais conforto e comodidade para seus torcedores, como a “INAUGURAÇÃO DO SALÃO DO RESTAURANTE DE SÃO JANUÁRIO. Acaba de ser inaugurado o luxuoso restaurant do Stadium do Club Vasco da Gama. É mais um melhoramento na importantíssima sociedade, que é uma das maiores da América e um padrão de glória dos nossos compatriotas, que são, como se sabe, os seus mais fortes esteios. A nossa gravura apresenta um aspecto tomado após a inauguração, vendo-se a directoria (sentada) e, em pé, os representantes da imprensa e cronistas esportivos, presentes a cerimônia”[1].
O final dos anos 1920 termina com mais um título do remo para o Vasco, conquistando o tricampeonato (1927-28-29). Em toda a década este era o quinto título. O clube seguia dominando no ranking como o maior vencedor nas regatas. Confirmando o título de “Campeão na terra e mar”.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Revista Lusitania 16 de Agosto de 1929.

Vasco Revista Lusitania 1929

Vasco Revista O Malho 1929


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