“TORCIDA DO VASCO PODE ENTRAR DE GREVE”
Manchete do Jornal
1963
Protesto, Greves e Abaixo-Assinados
Ao
ver seus ídolos cada vez mais velhos e sem substitutos a altura dos jogadores
vendidos, a torcida começava a se desesperar com o falta de uma política de
contratações de grandes jogadores e de uma inoperância na formação de base
eficiente. Enquanto Paulinho de Almeida (30 anos), Coronel (31), Sabará (32) e
Pinga (38) envelheciam, os novos talentos não despontavam. Somente em 1963 o
Vasco conseguiu montar uma dupla de zagueiros que daria confiança a sua torcida
novamente: Brito e Fontana, formaram a partir deste ano uma das melhores zagas
do país nos próximos anos. Mas a renovação era tímida, apenas Maranhão (que
formou dupla de meio-campo com Gerson na seleção brasileira amadora) e
Saulzinho (artilheiro do campeonato carioca em 1962), se destacavam e ganharam
algum cartaz.
Enquanto
os craques saíam e não chegavam os técnicos entravam e saíam em profusão. O
Vasco durante os anos 1960 passou a ser conhecido como cemitério de treinadores[1]. Nem mesmo a contratação de
Oto Glória (1963) daria jeito, sendo demitido em poucos meses. Logo ele que se
destacaria nos anos seguintes como o técnico que levou a seleção portuguesa a
sua melhor colocação numa Copa do Mundo, com o 3° lugar em 1966.
Muitos técnicos eram demitidos após a pressão dos
torcedores. Oa protestos e vaias nos estádios e a organização de
abaixo-assinados foram os principais instrumentos de pressão da torcida: “Dulce
Rosalina, Chefe da Torcida Organizada do Vasco, oferece trégua ao Técnico Jorge
Vieira, abrindo-lhe um crédito de confiança desde que pare de sonhar com o
Sporting ou Corinthians e respeite seu contrato com o Clube da Colina. Se Jorge
aceitar, Dulce trancará na gaveta o memorial que vinha correndo entre os
torcedores para expulsar o Técnico e contratar Gentil Cardoso o que já contava
com 800 assinaturas”[2].
O apoio a Gentil Cardoso veio através de um plebiscido
entre os dois principais técnicos. Cabe lembrar que no início do ano o país
passou por um plebiscito que mobilizou toda população para definir se o país
seria parlamentarista ou presidencialista.
Neste
ano o grande jogo da seleção brasileira foi contra os argentinos que não se
enfrentaram na Copa do Chile em 1962. Brasil e Argentina disputavam a 9ª edição
da Copa Roca. Depois de perder por 3 a 2 no Morumbi, a seleção nacional contou
com todo o apoio da torcida carioca que lotou o Maracanã no maior público da
história do clássico: mais de 130 mil pessoas. Enfrentando Pelé estava um
goleiro que, pela primeira vez, atuava no Maracanã: o goleiro argentino
Andrada, que foi o grande nome dos argentinos no jogo. Sua ótima atuação
despertou o interesse dos dirigentes vascaínos em contratá-lo, o que foi
concretizado somente em 1969. Mas Pelé estava impossível neste dia, marcou 3
gols na vitória do Brasil por 5 a 2. Os argentinos tiveram que ouvir por mais
de 5 minutos os gritos de “olé” pelos torcedores cariocas que incorporaram de
vez este cântico mexicano.
O
ano de 1963 foi um momento privilegiado e a batalha para implantar as Reformas
de Base esteve em pauta durante o governo de João Goulart (1961-64). Defendidas
por amplos setores populares, através de comícios, passeatas e manifestos que
defendiam as mudanças. Entretanto, as mobilizações das camadas populares
acabaram gerando intensa oposição de setores conservadores, com um desfecho
terrível. O acirramento de contradições provocava uma sucessão de crises
políticas, culminando com o Golpe Militar em 1964.
O clima quente no país chegou ao clube com a punição a
Dulce Rosalina numa atitude que antecipava as cassações poíticas implementadas
pela ditadura militar no ano seguinte com o Golpe de 1964. “REAÇÃO DA TORCIDA.
A divulgação da punição de Dulce Rosalina, provocou tremenda reação dos
associados e torcedores que tem procurado os dirigentes do Clube para
interpelá-los sobre a medida, declarando de forma veemente seu
descontentamento. Ainda ontem, o Vice Jaime Soares Alves foi procurado por um
associado que fez ver ao dirigente que o protesto ouvido em São Januário,quando
da derrota para o São Cristóvão não partira apenas de Dulce , mais sim de todos
os verdadeiros Vascaínos, Jaiminho ouviu o protesto e prometeu interferir para
evitar a punição que será discutida na primeira reunião de Diretoria” [3].
Em outra reportagem nota-se que o clima era de grande
agitação provocando muita apreensão com o desfecho do problema: “o pedido de
demissão apresentado pelo Técnico Jorge Vieira foi feito no próprio vestiário e
o Vice Presidente de futebol, Jaime Soares Alves, tão logo aceitou, convocou o
zagueiro Paulinho, a quem caberá substituir provisoriamente, Jorge Vieira. A
apresentação será feita amanhã no Vasco (...) Os ânimos estiveram exaltados em
São Januário, ontem, tanto que a torcedora Dulce Rosalina, cercada de
companheiros da Torcida Cruzmaltina, quis interpelar o zagueiro Joel, ao final
do jogo e este, perdendo a cabeça, quase a agrediu. Houve a interferência de
terceiros, mas Dulce Rosalina, visivelmente traumatizada com a atitude do
jogador, começou a percorrer as redações dos jornais, pedindo a cabeça da
própria Diretoria do Clube....Torcedores, tendo a frente Dulce Rosalina, farão
um abaixo-assinado pedindo a demissão de toda a Diretoria José da Silva Rocha,
enquanto alguns Conselheiros do Clube pensam em interpelar aos atuais
dirigentes a respeito da má campanha do Time no Campeonato da Cidade[4].
O problema se prolongou por vários dias com os
envolvidos procurando intervir de acordo com seus interesses: “TORCIDA VASCAÍNA
QUER RENUNCIA DE TODA DIRETORIA: Tendo a frente Dona Dulce Rosalina, a Torcida
Organizada do Vasco fez, durante a noite de ontem, uma passeata de protesto,
contra toda a Diretoria Cruz Maltina, o Técnico Jorge Vieira e o lateral
direito Joel, este por ter ofendido os torcedores.Os torcedores Vascaínos
também estiveram na Redação de UH, tendo todos mostrados seu descontentamento
pela derrota ante o São Cristóvão. Como providências imediatas, a Torcida
Vascaína quer a renúncia de toda a Diretoria do Clube, a contratação de um
Técnico competente e a punição para o zagueiro Joel, que insultou a Chefe da
Torcida, Dona Dulce Rosalina, e alguns associados. Aliás, conforme testemunho
de vários associados, que também estiveram na Redação de UH, os próprios
companheiros de Joel, como Canário, Humberto, Vevé, Décio e Ramos foram contra
o lateral, explicando-lhe que os associados é que lhe pagavam”[5].
A divisão no clube pendeu para o lado dos dirigentes
que afastam a torcedora apsesar do empenho da liderança em manter sua posição:”TORCIDA
DO VASCO PODE ENTRAR DE GREVE: DULCE. A Torcida do Vasco da Gama poderá entrar
de greve se ficar confirmada a punição que o Dirigente Eurico Lisboa pediu para
ser imposta a Dulce Rosalina que, segundo o Dirigente, atacou o Clube em
declarações proferidas a um Jornal da Cidade[6].VASCO
SUSPENDE CHEFE DA TORCIDA: O Vasco resolveu suspender por 6 meses, proibindo
sua entrada em todas as dependências do Clube, da Dulce Rosalina, Chefe da
Torcida do Clube, que foi enquadrada no artigo 25 de seus Estatutos, por ter
dado entrevista sobre a questão do Técnico, considerada inoportuna e
desrespeitosa aos Dirigentes Vascaínos[7].
Na eleição para a presidencia do clube para o biênio 1964-65, Dulce faz a campanha de Manoel Joaquim Lopes da
Tradição Vascaínamas o Foi eleito é José da Silva Rocha, conhecido como
Rochinha.
A politização do futebol se intensificou com o
lançamento “Os
Subterrâneos do Futebol” (1963), de João Saldanha. Na TV, era criada a “mais
famosa mesa-redonda da televisão brasileira”: A Grande Resenha Facit, em 1963.
O debate inteligente reunia personagens polêmicos e temas provocantes,
comandado por Luiz Mendes. Entre os debatedores, Nelson Rodrigues, João
Saldanha, Armando Nogueira, entre outros, faziam daquele programa esportivo “um
programa obrigatório aos domingos para o torcedor carioca e eterno modelo para
gerações futuras” (RIBEIRO, 2007, p.191). O jornalista Vitorino
Vieira era o representante do Vasco no programa.
Segundo a "Revista do Esporte", principal
publicação esportiva do país na década de 1960, Dulce Rosalina era capaz de
gastar tudo o que tinha, sair de casa às 9h da manhã, debaixo de sol ou de
chuva, para ir o mais longe que fosse "pelo prazer de torcer por seu Clube
do coração”. As vezes, saía dos jogos só com o dinheiro das
passagens dela e dos filhos. O que tivera a mais pagara o coletivo e a entrada
da turma do bolso furado. “Não recebo nenhuma ajuda do Vasco. Fazemos tudo e
coração, porque somos vascaínos”, afirmou ela à "Revista do Esporte"
Nº 237, 21 de Setembro de 1963. Por aquela época, ela tinha na Torcida
Organizada colabores como Ivan Monteiro, Osvaldo da Silva, José Luis Farias,
Raimundo Gadelha, Fernando Xavier, Fernando Uchoa, José Bezerra, Cartola e a
ala feminina formada por Aída, Conceição, Ermelinda, Idalina e Madame Bastos e
Norma Uchoa, principalmente.
No meio da Torcida, Dulce agitava ao som da
Bandinha do Almirante, chefiada por Laerte Crema, que tomava conta do reco-reco
e liderava a bateria, tocada, por Paulo e Zacarias. Monteiro cuidava dos
pratos, Francisco da Rosa das maracás e o incrível Domingos Ramalho fazia o seu
barulho, com um talo de mamona, enquanto Eli e Tião puxavam os gritos de
“casaca, casaca”. Antes daquilo rolar, Tião ajudava Dulce a fazer painéis e
bandeirinhas. “O reco-reco foi presente da Torcida do mexicano Toluca trazido
pelo Humberto (Torgado, goleiro)”, contava Dulce.
O goleiro Humberto tinha simpatia de Dulce até mesmo
para torcer para o Bangu contra o Vasco. O motivo do apoio da torcida vascaína
era a campanha que os jogadores banguenses deram para Humberto na eleição do
Sindicato dos Jogadores, além de impedir o campeonato do Flamengo caso o clube
de Moça Bonita vencesse..
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] “Formou-se a lenda de que o Vasco era um cemitério de
técnicos. De 1960 a 1969, o Vasco trocou de técnico nada menos do que 22 vezes.
Durante este período, o único que permaneceu no cargo por duas temporadas foi
Zezé Moreira, quando o Vasco conquistou seus únicos títulos significativos da
década”. Cf. www.netvasco/mprais
[2] Fonte: Jornal Diário Carioca 04 de
Julho de 1963.
[3] Fonte: Jornal Diário Carioca 28 de
Agosto de 1963.
[4] Fonte: Jornal A Noite 16 de Setembro de
1963.
[5] Fonte: Jornal Última Hora 16 e 18 de
Setembro de 1963.
[6] Fonte: Jornal A Noite 26 de Setembro de
1963
[7] Fonte: Jornal Correio da Manhã 02 de
Outubro de 1963.
Vasco Jornal Última Hora 1963 |
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