quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1963 PROTESTO, GREVES E ABAIXO-ASSINADOS

                                       “TORCIDA DO VASCO PODE ENTRAR DE GREVE”
                                                                 Manchete do Jornal


1963             Protesto, Greves e Abaixo-Assinados

Ao ver seus ídolos cada vez mais velhos e sem substitutos a altura dos jogadores vendidos, a torcida começava a se desesperar com o falta de uma política de contratações de grandes jogadores e de uma inoperância na formação de base eficiente. Enquanto Paulinho de Almeida (30 anos), Coronel (31), Sabará (32) e Pinga (38) envelheciam, os novos talentos não despontavam. Somente em 1963 o Vasco conseguiu montar uma dupla de zagueiros que daria confiança a sua torcida novamente: Brito e Fontana, formaram a partir deste ano uma das melhores zagas do país nos próximos anos. Mas a renovação era tímida, apenas Maranhão (que formou dupla de meio-campo com Gerson na seleção brasileira amadora) e Saulzinho (artilheiro do campeonato carioca em 1962), se destacavam e ganharam algum cartaz.
Enquanto os craques saíam e não chegavam os técnicos entravam e saíam em profusão. O Vasco durante os anos 1960 passou a ser conhecido como cemitério de treinadores[1]. Nem mesmo a contratação de Oto Glória (1963) daria jeito, sendo demitido em poucos meses. Logo ele que se destacaria nos anos seguintes como o técnico que levou a seleção portuguesa a sua melhor colocação numa Copa do Mundo, com o 3° lugar em 1966.
Muitos técnicos eram demitidos após a pressão dos torcedores. Oa protestos e vaias nos estádios e a organização de abaixo-assinados foram os principais instrumentos de pressão da torcida: “Dulce Rosalina, Chefe da Torcida Organizada do Vasco, oferece trégua ao Técnico Jorge Vieira, abrindo-lhe um crédito de confiança desde que pare de sonhar com o Sporting ou Corinthians e respeite seu contrato com o Clube da Colina. Se Jorge aceitar, Dulce trancará na gaveta o memorial que vinha correndo entre os torcedores para expulsar o Técnico e contratar Gentil Cardoso o que já contava com 800 assinaturas”[2].
O apoio a Gentil Cardoso veio através de um plebiscido entre os dois principais técnicos. Cabe lembrar que no início do ano o país passou por um plebiscito que mobilizou toda população para definir se o país seria parlamentarista ou presidencialista.
Neste ano o grande jogo da seleção brasileira foi contra os argentinos que não se enfrentaram na Copa do Chile em 1962. Brasil e Argentina disputavam a 9ª edição da Copa Roca. Depois de perder por 3 a 2 no Morumbi, a seleção nacional contou com todo o apoio da torcida carioca que lotou o Maracanã no maior público da história do clássico: mais de 130 mil pessoas. Enfrentando Pelé estava um goleiro que, pela primeira vez, atuava no Maracanã: o goleiro argentino Andrada, que foi o grande nome dos argentinos no jogo. Sua ótima atuação despertou o interesse dos dirigentes vascaínos em contratá-lo, o que foi concretizado somente em 1969. Mas Pelé estava impossível neste dia, marcou 3 gols na vitória do Brasil por 5 a 2. Os argentinos tiveram que ouvir por mais de 5 minutos os gritos de “olé” pelos torcedores cariocas que incorporaram de vez este cântico mexicano.
O ano de 1963 foi um momento privilegiado e a batalha para implantar as Reformas de Base esteve em pauta durante o governo de João Goulart (1961-64). Defendidas por amplos setores populares, através de comícios, passeatas e manifestos que defendiam as mudanças. Entretanto, as mobilizações das camadas populares acabaram gerando intensa oposição de setores conservadores, com um desfecho terrível. O acirramento de contradições provocava uma sucessão de crises políticas, culminando com o Golpe Militar em 1964.
O clima quente no país chegou ao clube com a punição a Dulce Rosalina numa atitude que antecipava as cassações poíticas implementadas pela ditadura militar no ano seguinte com o Golpe de 1964. “REAÇÃO DA TORCIDA. A divulgação da punição de Dulce Rosalina, provocou tremenda reação dos associados e torcedores que tem procurado os dirigentes do Clube para interpelá-los sobre a medida, declarando de forma veemente seu descontentamento. Ainda ontem, o Vice Jaime Soares Alves foi procurado por um associado que fez ver ao dirigente que o protesto ouvido em São Januário,quando da derrota para o São Cristóvão não partira apenas de Dulce , mais sim de todos os verdadeiros Vascaínos, Jaiminho ouviu o protesto e prometeu interferir para evitar a punição que será discutida na primeira reunião de Diretoria” [3].
Em outra reportagem nota-se que o clima era de grande agitação provocando muita apreensão com o desfecho do problema: “o pedido de demissão apresentado pelo Técnico Jorge Vieira foi feito no próprio vestiário e o Vice Presidente de futebol, Jaime Soares Alves, tão logo aceitou, convocou o zagueiro Paulinho, a quem caberá substituir provisoriamente, Jorge Vieira. A apresentação será feita amanhã no Vasco (...) Os ânimos estiveram exaltados em São Januário, ontem, tanto que a torcedora Dulce Rosalina, cercada de companheiros da Torcida Cruzmaltina, quis interpelar o zagueiro Joel, ao final do jogo e este, perdendo a cabeça, quase a agrediu. Houve a interferência de terceiros, mas Dulce Rosalina, visivelmente traumatizada com a atitude do jogador, começou a percorrer as redações dos jornais, pedindo a cabeça da própria Diretoria do Clube....Torcedores, tendo a frente Dulce Rosalina, farão um abaixo-assinado pedindo a demissão de toda a Diretoria José da Silva Rocha, enquanto alguns Conselheiros do Clube pensam em interpelar aos atuais dirigentes a respeito da má campanha do Time no Campeonato da Cidade[4].
O problema se prolongou por vários dias com os envolvidos procurando intervir de acordo com seus interesses: “TORCIDA VASCAÍNA QUER RENUNCIA DE TODA DIRETORIA: Tendo a frente Dona Dulce Rosalina, a Torcida Organizada do Vasco fez, durante a noite de ontem, uma passeata de protesto, contra toda a Diretoria Cruz Maltina, o Técnico Jorge Vieira e o lateral direito Joel, este por ter ofendido os torcedores.Os torcedores Vascaínos também estiveram na Redação de UH, tendo todos mostrados seu descontentamento pela derrota ante o São Cristóvão. Como providências imediatas, a Torcida Vascaína quer a renúncia de toda a Diretoria do Clube, a contratação de um Técnico competente e a punição para o zagueiro Joel, que insultou a Chefe da Torcida, Dona Dulce Rosalina, e alguns associados. Aliás, conforme testemunho de vários associados, que também estiveram na Redação de UH, os próprios companheiros de Joel, como Canário, Humberto, Vevé, Décio e Ramos foram contra o lateral, explicando-lhe que os associados é que lhe pagavam”[5].
A divisão no clube pendeu para o lado dos dirigentes que afastam a torcedora apsesar do empenho da liderança em manter sua posição:”TORCIDA DO VASCO PODE ENTRAR DE GREVE: DULCE. A Torcida do Vasco da Gama poderá entrar de greve se ficar confirmada a punição que o Dirigente Eurico Lisboa pediu para ser imposta a Dulce Rosalina que, segundo o Dirigente, atacou o Clube em declarações proferidas a um Jornal da Cidade[6].VASCO SUSPENDE CHEFE DA TORCIDA: O Vasco resolveu suspender por 6 meses, proibindo sua entrada em todas as dependências do Clube, da Dulce Rosalina, Chefe da Torcida do Clube, que foi enquadrada no artigo 25 de seus Estatutos, por ter dado entrevista sobre a questão do Técnico, considerada inoportuna e desrespeitosa aos Dirigentes Vascaínos[7]. Na eleição para a presidencia do clube para o biênio 1964-65, Dulce faz  a campanha de Manoel Joaquim Lopes da Tradição Vascaínamas o Foi eleito é José da Silva Rocha, conhecido como Rochinha.
A politização do futebol se intensificou com o lançamento “Os Subterrâneos do Futebol” (1963), de João Saldanha. Na TV, era criada a “mais famosa mesa-redonda da televisão brasileira”: A Grande Resenha Facit, em 1963. O debate inteligente reunia personagens polêmicos e temas provocantes, comandado por Luiz Mendes. Entre os debatedores, Nelson Rodrigues, João Saldanha, Armando Nogueira, entre outros, faziam daquele programa esportivo “um programa obrigatório aos domingos para o torcedor carioca e eterno modelo para gerações futuras” (RIBEIRO, 2007, p.191). O jornalista Vitorino Vieira era o representante do Vasco no programa.
Segundo a "Revista do Esporte", principal publicação esportiva do país na década de 1960, Dulce Rosalina era capaz de gastar tudo o que tinha, sair de casa às 9h da manhã, debaixo de sol ou de chuva, para ir o mais longe que fosse "pelo prazer de torcer por seu Clube do coração”.  As vezes, saía dos jogos só com o dinheiro das passagens dela e dos filhos. O que tivera a mais pagara o coletivo e a entrada da turma do bolso furado. “Não recebo nenhuma ajuda do Vasco. Fazemos tudo e coração, porque somos vascaínos”, afirmou ela à "Revista do Esporte" Nº 237, 21 de Setembro de 1963. Por aquela época, ela tinha na Torcida Organizada colabores como Ivan Monteiro, Osvaldo da Silva, José Luis Farias, Raimundo Gadelha, Fernando Xavier, Fernando Uchoa, José Bezerra, Cartola e a ala feminina formada por Aída, Conceição, Ermelinda, Idalina e Madame Bastos e Norma Uchoa, principalmente.  
 No meio da Torcida, Dulce agitava ao som da Bandinha do Almirante, chefiada por Laerte Crema, que tomava conta do reco-reco e liderava a bateria, tocada, por Paulo e Zacarias. Monteiro cuidava dos pratos, Francisco da Rosa das maracás e o incrível Domingos Ramalho fazia o seu barulho, com um talo de mamona, enquanto Eli e Tião puxavam os gritos de “casaca, casaca”. Antes daquilo rolar, Tião ajudava Dulce a fazer painéis e bandeirinhas. “O reco-reco foi presente da Torcida do mexicano Toluca trazido pelo Humberto (Torgado, goleiro)”, contava Dulce.
O goleiro Humberto tinha simpatia de Dulce até mesmo para torcer para o Bangu contra o Vasco. O motivo do apoio da torcida vascaína era a campanha que os jogadores banguenses deram para Humberto na eleição do Sindicato dos Jogadores, além de impedir o campeonato do Flamengo caso o clube de Moça Bonita vencesse..
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] “Formou-se a lenda de que o Vasco era um cemitério de técnicos. De 1960 a 1969, o Vasco trocou de técnico nada menos do que 22 vezes. Durante este período, o único que permaneceu no cargo por duas temporadas foi Zezé Moreira, quando o Vasco conquistou seus únicos títulos significativos da década”. Cf. www.netvasco/mprais
[2] Fonte: Jornal Diário Carioca 04 de Julho de 1963.
[3] Fonte: Jornal Diário Carioca 28 de Agosto de 1963.
[4] Fonte: Jornal A Noite 16 de Setembro de 1963.
[5] Fonte: Jornal Última Hora 16 e 18 de Setembro de 1963.
[6] Fonte: Jornal A Noite 26 de Setembro de 1963
[7] Fonte: Jornal Correio da Manhã 02 de Outubro de 1963.

Vasco Jornal Última Hora 1963

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