domingo, 29 de janeiro de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1968 ACIDENTE NA DUTRA

                                          “Ôlêê, ôláá/ o nosso Vasco/ tá botando pra quebrar!”
                                                                  Canto da torcida

1968                          Acidente na Dutra

Para o time do Vasco que não disputou nada importante no ano anterior restava esperar o ano de 1968 que entrou para a História pela ebulição em todo o mundo com os protestos nas ruas e cidades feitos pelos estudantes. Em fevereiro o clube inicia a temporada com uma excursão para a Bolívia disputando cinco partidas. Coincidentemente a Bolívia era o país em maior evidência naquele período conturbado pois, quatro meses antes, era ali que foi morto o guerrilheiro Che Guevara.
 Em março um estudante era morto no Rio de Janeiro. O jovem Edson Luis foi assassinado por policias num confronto entre estudantes e policiais no restaurante dos secundaristas. Na manhã seguinte a manchete do Jornal dos Sports contrastava entre a alegria da torcida vascaína com a liderança do campeonato carioca e a noticia da morte do estudante. A política invadia outras áreas, o próprio futebol e a imprensa esportiva não ficaria a parte.
Enquanto a ditadura militar aumenta a repressão, o crescimento do movimento estudantil, apontava possíveis novos caminhos para a população oprimida com a ditadura militar e até para os protestos dos torcedores que provocariam, a partir daqueles anos, novas feições as torcidas. Neste período surgem várias dissidências nas torcidas organizadas. Era uma geração de jovens torcedores que questionavam as antigas lideranças. De acordo com o historiador Bernardo Hollanda (2012, p.109), ”os membros mais novatos das torcidas refletiam a seu modo tais questões, de uma maneira, é claro, um tanto diluída, difusa, indireta”.
O novo contexto político-social que sufocava ampliação e o fortalecimento de movimentos reivindicatórios, em função do endurecimento do regime autoritário e do Estado militarizado, criava, ao mesmo tempo, brechas que condensavam os impasses daqueles anos. É o momento onde “o foco da preocupação política foi deslocado da área da Revolução Social para o eixo da rebeldia, da intervenção localizada, da política concebida enquanto problemática cotidiana, ligada a vida, ao corpo, ao desejo, a cultura em sentido amplo”(HOLLANDA e GONÇALVES, 1982, p.66).
            Podemos situar o final dos anos 1960, como um momento importante para redefinir o papel dos torcedores no Rio de Janeiro. O mesmo fenômeno se dava em São Paulo[1] (TOLEDO, 2000) e em diversos outros países (GIULIANNOTI, 2002). Provando que fatores internos e externos ao futebol, traziam novos componentes para as mudanças que configuravam a diversidade de conflitos e contradições das sociedades contemporâneas.
Seguindo a tendência de valorização do povo nas manifestações populares, era lançado, em maio de 1968, uma obra pioneira: o livro “Torcedores de Ontem e de Hoje”, baseada na pesquisa de João Antero de Carvalho retratando em crônicas alguns torcedores cariocas. Entre eles, os tradicionais vascaínos Cartola, Tavares, Ramalho e Dulce Rosalina.
Um marco editorial deste ano foi a publicação de dois livros importantes sobre futebol: Gol de Letra e Olho na Bola. O primeiro era uma antologia deste esporte reunindo os maiores escritores brasileiros. No segundo, 25 famosos cronistas esportivos abordam diversos temas desde o craque até os cartolas suburbanos, tema do cronista Álvaro Nascimento, também conhecido como Zé de São Januário. Álvaro era uma dos mais antigos jornalistas, começando a carreira em 1922. Ele foi o primeiro proprietário do Jornal dos Sports (fundado em 1931). Continuou no jornal depois de vendê-lo para Mario Filho em 1936, escrevendo uma coluna por mais de 40 anos (Uma Pedrinha na Chuteira). Era famoso por sua paixão clubística, sendo Benemérito do Vasco.
Em campo a esperança vascaína de uma conquista veio em junho na decisão do Campeonato Carioca e, mesmo com um time inferior ao Botafogo, a torcida vascaína acreditava na “escrita” e preparava uma grande festa para comemorar o título. A folia começaria no Maracanã e terminaria em São Januário. Os preparativos já haviam sido acertados entre dirigentes e torcedores que levaram muito material de incentivo ao time: “FESTA DO VASCO JÁ ESTÁ PRONTA. O Vasco vai distribuir mil bolas de gás para seus torcedores na entrada do Maracanã. Os balões tem o escudo do Clube e serão soltos pelos torcedores na hora em que o quadro entrar em campo. Além disso, o Vice Presidente Social, Sr Valdemar Diniz, já entregou  cem caixas de serpentinas e outra de confete para Dulce Rosalina, Chefe da Torcida Organizada. Ainda sem saber como entrará com eles no Maracanã, o Vasco pretende distribuir NCr$15 mil de fogos de artifício para seus torcedores e vai dar também 300 faixas para serem colocadas no Estádio e mil bandeiras do Clube no tamanho 1.50 metros por 0.80.FESTA PREPARADA. Para a Festa no Clube, se o quadro for campeão, já foram compradas 500 caixas de cerveja e 200 de refrigerantes. O Ginásio de São Januário foi lavado ontem e já está preparado para um Baile, que contará com a Orquestra Homero e um conjunto de lê-lê-lê[2]”.
O Vasco foi derrotado de forma arrasadora pelo resultado de 4 a 0 e, assim, continuava mais um ano (10 anos) sem o título carioca. A torcida do Botafogo em êxtase comemora provocando os vascaínos gritando “olé” e “”Botafogo”, além de cantar “é ou não é/ piada de salão/ o time português querer ser campeão” (Augusto, 2004).
A festa alvinegra aconteceu em pleno mês de junho. Do lado de fora do estádio aumenta o número de manifestações estudantis violentamente reprimidas. Um dos piores episódios aconteceu no campo do Botafogo em General Severiano, quando a PM encurrala 400 estudantes que faziam uma assembléia na Faculdade de Economia da UFRJ. Em 26 de junho acontece no Rio de Janeiro a Passeata dos Cem Mil. Para o jornalista Zuenir Ventura, autor do livro 1968, o ano que não terminou, este dia “foi um dos espetáculos de rua mais impressionantes a que o Rio de Janeiro jamais assistiu”. Um ano antes, os torcedores liderados por Dulce Rosalina, já apoiavam os jogadores organizados que fizeram uma passeata em defesa da manutenção da taxa da FUGAP no Maracanã[3].
Em agosto, seguindo o clima de organização dos movimentos populares, as torcidas reunidas na Federação Carioca de Futebol recebem uma homenagem e anunciam “uma novidade, com o projeto de formação de uma inédita entidade desportiva: a Associação de Torcedores do Futebol Carioca. Mediante sugestão de um dirigente do América, Ícaro França, firmava-se ali um acordo para a criação da ATFC, uma associação representativa dos interesses dos torcedores cujos patronos seriam o Presidente do Vasco, Reinaldo Reis, e o próprio Jornal dos Sports, conforme assegurava seu diretor-secretário, o professor Ênio Sérvio” (Hollanda, 2010).
A harmonia entre as torcidas cariocas contratrastava com as constantes brigas com as torcidas de estados vizinhos. Assim como em São Paulo, lugar que os cariocas eram recebidos a pedradas, em Minas Gerais, o tratamento não era diferente. Em 1967 ocorreu uma grande briga entre as torcidas de Botafogo e Atlético em Belo Horizonte. A resposta  dos cariocas veio neste ano com a união das torcidas de Vasco e Botafogo, no Maracanã, contra os atleticanos: “os torcedores do Rio de Janeiro não pareciam ter esquecido o que ocorrera em Belo Horizonte em 1967 (Atlético MG X Botafogo). A recepção hostil aos torcedores do Atlético ocorreria em uma partida no Maracanã, contra o Vasco da Gama, válida também pela Taça de Prata. O numeroso deslocamento dos atleticanos ao Rio seria objeto de charges de Henfil, ele próprio um mineiro simpatizante do clube de sua terra, com a chamada: “A torcida do Atlético veio em 20 ônibus”. Na matéria com título dúbio, “Galo cantou no estádio”, um repórter falava da presença marcante da massa atleticana e a reação pouco hospitaleira de setores da torcida cruzmaltina à sua presença. Os vascaínos tentavam intimidar e ameaçar nas arquibancadas os torcedores adversários, com ações antidesportivas que repugnavam aquele repórter. É possível ter uma idéia da gravidade dos confrontos por meio da carta de um correspondente mineiro intitulada “Nem choro nem vela”, na qual articula com clareza memória e ressentimento: “Estamos esperando a torcida do Vasco para o jogo contra o Cruzeiro aqui no Mineirão no próximo dia 27. Saibam os torcedores do Vasco que nós não nos esquecemos do que aconteceu aí no Estádio Mário Filho naquele jogo em que o Atlético perdeu. Fomos vítimas de uma verdadeira selvageria e estamos aguardando o troco para o próximo dia 27. Atenção torcedores do Vasco: venham quentes porque a torcida mais famosa e potente do Brasil – a do Atlético Mineiro – está à espera de vocês. Vocês ainda se lembram do que aconteceu naqueles jogos contra o Botafogo? Pois é, vocês começam e depois não queremos choro nem vela. Vamos ver se os vascaínos são bons cabritos e não berram” (Rômulo Brandão Torsequi, BH, MG)” (Hollanda, 2010).
Anos depois, no programa “O Baú do Esporte” ( Rede Globo), um jovem na torcida do Vasco leva uma guitarra[4] e um amplificador para o estádio e leva o som do rock para as arquibancadas. Em seguida aparecem cenas de brigas e correrias entre os torcedores do Vasco que invadem a área reservada aos atleticanos.
Com a ampliação do número de clubes no campeonato nacional (chamado de Taça de Prata), novas rivalidades começavam a despontar. Agora era a vez da briga entre cariocas e gaúchos. É o que revela a manchete do jornal: “GUERRA EM PORTO ALEGRE: Viagens mais distantes, como ao Rio Grande do Sul, podiam eventualmente trazer dissabores”. Numa carta para o jornal com o título de “Guerra”, uma torcedora cruzmaltina se queixava da maneira pela qual havia sido tratada no Beira-Rio pela Torcida do Internacional, com ofensas, pilhérias e desacatos. A leitora sugeria para Porto Alegre o que já havia sido adotado para o Maracanã: a separação das torcidas pela Polícia, com a divisão de territórios que impedisse o contato entre os torcedores adversários”[5].
Para piorar, em novembro de 1968, um acidente com a torcida do Vasco que ia para São Paulo acompanhar o time em um jogo contra o Corinthians pela Taça de Prata, provocou inúmeras vítimas, inclusive a sua grande liderança nas arquibancadas: Dulce Rosalina ficou bastante ferida “quando um dos ônibus precipitou-se numa ribanceira de cerca de 15 metros de altura, próxima ao quilômetro 195 da Rodovia Presidente Dutra, sem que se registrasse nenhum caso de morte. A Chefe da Torcida Organizada, Dulce Rosalina Ponce, sofreu fraturas no braço e na clavícula, e só 2 feridos voltaram ao Rio, já que os outros 16 continuam internados no Hospital”[6].
O ano terminaria sem título para o Vasco e péssimo para as liberdades democráticas. Se com o golpe de 1964 já havia uma época de bastante opressão, a partir da edição do Ato Institucional n 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, as manifestações praticamente se extinguiriam.
            A liderança de Jaime de Carvalho e Dulce Rosalina, por exemplo, continuariam prevalecendo no seio de suas torcidas, a despeito do surgimento de novos grupos e da aglutinação destes em outros setores dos estádios, principalmente atrás dos gols. De fato, as Torcidas Jovens sinalizavam o caráter renovador das torcidas e mostrava o processo de extrema dinamicidade que traria dimensões de grande extensão aos antagonismos e conflitos entre os torcedores.
            Não seria mais possível encobrir a existência de divergências nesta nova formação social nas arquibancadas. Revelava-se um acentuado descompasso entre a liderança tradicional dos torcedores-símbolos e o novo quadro de críticas que se avolumavam entre as novas lideranças, que exigiam uma ruptura de princípios básicas que sustentaram a formação das torcidas organizadas nos anos 1940. O ideário de consenso entre os torcedores seria substituído por um desejo de romper qualquer limitação no monopólio de representação das torcidas.
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Em 1969 surgia  a Gaviões da Fiel (Corinthians).
[2] Fonte: Jornal do Brasil 09 de Junho de 1968.
[3] Fonte: Jornal Diário de Notícias 09 de Junho de 1967.
[4] É sempre bom lembrar que este período foi bastante agitado na cena musical com os festivais lotando auditórios e ginásios  e o público torcia como se estivesse em um estádio de futebol.
[5]  Fonte: Jornal dos Sports Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 1968.
[6] Fonte: Jornal do Brasil 21 de Novembro de 1968 

Vasco Jornal O Globo 1968

Vasco Revista O Cruzeiro 1968

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