“Vocês querem Bacalhau?”
Chacrinha
1964 Torcida
Jovem Guarda
Até
1964 a TV podia transmitir ao vivo os jogos principais dos campeonatos
regionais. No entanto este seria o último ano com o impedimento legal
conseguido pelos dirigentes dos clubes. Ao longo de todo ano este debate esteve
na ordem do dia colocando em lados opostos empresários da TV e dirigentes
esportivos. Mesmo com o rádio ainda sendo o principal veículo de comunicação de
massa, a TV dava os primeiros passos de se tornar o principal veículo de
comunicação. Para se ter uma idéia em 1970, 24% dos lares já tinha um aparelho.
O
sucesso da TV ia revelando novos ídolos, neste ano a dupla de cantores
vascaínos, Roberto e Erasmo Carlos, lança o sucesso “Eu sou Terrível”. Era o início
da Jovem Guarda e a “vertiginosa transformação no comportamento dos jovens e
sua crescente influência na sociedade e no mercado consumidor”(Motta,
2000,p.89).Os programas musicais transformavam-se em verdadeiros espetáculos de
disputas entre torcidas e fãs-clubes com vaias e aplausos para os artistas
preferidos. Também pela TV, o vascaíno e apresentador Chacrinha começava a
fazer sucesso com seu programa de auditório estimulando a intensa participação
do público, Seguindo uma linha diferente, o sambista Paulinho da Viola dava
seus primeiros passos numa Casa de Samba que marcou época, mas durou somente
três anos (1963-1965), o Zicartola. Era um espaço cultural de resistência que
teve entre os seus maiores promotores, o jornalista Sérgio Cabral, defensor da
boa música de raiz e um dos vascaínos mais entusiastas de todos os tempos. Lá
ele conheceu e reforçou a amizade com muitos sambistas de primeira linha,
muitos deles também torcedores do seu time: “Nelson Cavaquinho, Jamelão, Ismael
Silva, Clementina de Jesus, Araci de Almeida, todo mundo é vascaíno. Paulinho
da Viola, Aldir, Guinga (...) todos os sambistas são vascaínos. Os que não são,
são exceções” afirma em depoimento para o artigo “Vidas Vascaínas”, do livro
Memória Social dos Esportes (2006).
Enquanto
isso, no cinema brasileiro aparecem os primeiros filmes tentando entender o
comportamento da massa nos estádios de futebol. É nítida a ênfase sociológica
ao comparar a atitude do torcedor com o fanático religioso, sendo o futebol visto
como uma variação da religião no século XX[1].
Esta crítica ficou evidente em alguns filmes como em Subterrâneos do Futebol
(1965), de Maurice Capovilla, Rio 40 graus (1955), de Nélson Pereira dos
Santos, A Falecida (1965), de Leon Hirszman, Garrincha, Alegria do Povo (1963),
de Joaquim Pedro de Andrade[2], O Corintiano (1966), de
Milton Amaral, uma comédia onde o ator cômico Mazzaropi vive o papel de um
barbeiro fanático pelo Corinthians, com a participação de Elisa,
torcedora-símbolo daquele time.
Mas
a melhor lembrança da relação entre cinema e futebol nestes anos vem com o
Canal 100 (1959-1985). O cinejornal do Canal 100 apresentava notícias como os
outros cinejornais mas terminava com as imagens mais esperadas que eram as que
traziam as cenas do Maracanã vistas de um ângulo totalmente diferente. Além dos
jogadores havia uma interação com cenas dos torcedores e suas expressões
físicas capazes de emocionar quem estava numa poltrona do cinema provocando uma
identificação imediata com o público dos estádios e a platéia do cinema. Além
disso, tinha uma música inesquecível que fazia uma marca registrada do canal
100. “A tela grande enchia os olhos e encantava gerações, unindo duas paixões:
o cinema e o futebol (...) são nítidas as marcas na memória daqueles que o
viram. O segredo era a técnica aliada a uma linguagem poética, expressiva,
combinando som e imagem de forma nunca antes vista no Brasil” afirma o
historiador Paulo Maia no artigo “Canal 100 e a Construção do Imaginário”.
O
Botafogo deixava por algum tempo de ser a maior equipe do futebol carioca em
função da venda de seus craques e das constantes lesões de Garrincha. Nos próximos anos, a dupla
Fla-Flu, predominou no futebol carioca, com os títulos de 1963 e 1965 para o
Flamengo e 1964 para o Fluminense. No campeonato de 1963, a final entre
Flamengo e Fluminense, contou com o maior público pagante na história do
Maracanã, na disputa entre clubes, com a presença de mais de 177.000 pessoas.
A
má-fase de Garrincha levou até a torcida vascaína que andava cabisbaixa naquele
ano, a zombar do maior ídolo alvinegro. Ruy Castro cita o coro da torcida
vascaína para zombar de Garrincha e da torcida do Botafogo, com a atuação do
inexpressivo lateral do Vasco: “o Pereira é o fino/ o Garrincha é o grosso/ o
Pereira botou/ o Garrincha no bolso” (Castro, 1995, p.328).
Durante
os anos 1960, o Maracanã foi o palco principal da seleção brasileira se
apresentar para a torcida brasileira nos diversos jogos marcados (a maioria era
amistoso). Para se ter uma idéia da importância deste estádio e do Rio de
Janeiro para a seleção nacional neste período, em comparação com São Paulo,
aconteceram 31 partidas no RJ (média de 3 por ano), enquanto em São Paulo
ocorreram 9 partidas (nenhuma das eliminatórias). Ou seja, o Rio teve o triplo
de jogos disputados em São Paulo. Se compararmos com Minas Gerais, que
inaugurou o Mineirão em 65, a diferença ainda é maior, foram disputados apenas
5 jogos. Quer dizer, 6 vezes menos jogos que no Rio de Janeiro.
A
Argentina foi a principal adversária sendo disputadas 5 partidas. Nestas
disputas apenas um empate e 4 vitórias de goleadas. Nunca o Brasil venceu
tantas vezes nossos vizinhos em outra década (o platinismo estava
definitivamente sepultado). Um outro adversário de destaque foi a seleção
inglesa, derrotada antes da Copa na Inglaterra por goleada (5 a 1 em 1964).
Um registro daquele ano foi o comportamento
esportivo das duas maiores torcidas diante da atuação do goleiro Marcelo
(Vasco) contra o Flamengo. Ao falhar bisonhamente em um gol, o arqueiro foi
substituído ainda durante o primeiro tempo. Na saída para o vestiário o goleiro
caminha aos prantos. As duas torcidas então, num gesto surpreendente e inédito,
comovidas com o desespero do atleta, aplaudiram respeitosamente o jogador
(Nogueira, 1973).
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] o
historiador inglês Eric Hobsbawn chamou o futebol de “a religião leiga da
classe operária”.
[2] De
acordo com Luiz Carlos Barreto, o diretor Joaquim Andrade “que não curtia muito
futebol, revolucionou a forma de filmar futebol e torcida introduzindo a
teleobjetiva de 1 metro para captar em close-up,
as emoções da jogada e das reações do torcedor. Daí para frente o Canal 100
passou a adotar a mesma técnica”. (ORICCHIO, 2006, p.336).
Vasco Jornal O Globo 1964 |
Vasco Canal 100 1964 |
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