“Bicha,
Bicha, Bicha!!!”
Protesto contra o juiz Armando Marques
1966 Campanha Contra os Caronas (CCC)
O ano começa com a expectativa do Brasil conquistar o
tricampeonato mundial na Inglaterra. Para o Vasco o começo de ano não foi
positivo. Além da preocupação com a contratação de reforços para o time voltar
a ser competitivo, os torcedores pediam para o presidente do clube Manoel Lopes
não sair. Mas este estava irredutível. A crise vascaína nos anos 1960 parecia
não ter fim.
No torneio Rio-São Paulo, o entusiasmo de 1965 deu
lugar ao temor diante dos episódios de violência dos paulistas: “o medo de
novas baixas como na última refrega, quando alguns companheiros voltaram com
pernas e cabeças quebradas a pedradas, impediu a Senhora Dulce Rosalina, chefe
da Torcida Organizada do Vasco, de reunir mais de 20 pessoas para ir hoje, a
São Paulo, animar a equipe do Vasco contra o Corinthians”[1].
Aquela não seria uma partida qualquer. Era a primeira
partida de Garrincha pelo Corinthians, contratado junto ao Botafogo e maior
esperança dos paulistas do fim de jejum de 11 anos sem o campeonato paulista. E
o receio dos cariocas realmente fazia sentido pois o Pacaembu ficou lotado para
a estreia de seu novo ídolo. Em campo, quem brilhou foi o Vasco, que vence por
3 a 0.
No
aniversário de Dulce, em março, comparecem lideres de várias torcidas. Entre
eles: Paulista do Fluminense, Trazan do Botafogo e Jaime de Almeida do
Flamengo, além de dirigentes do Vasco que cedem a sede no centro como o local
da festa.
Mal
comemorava o aniversário, Dulce investia suas garras contra os dirigentes do
Santos dispostos a levar o zagueiro Brito para a equipe paulista: “Os Chefes da
Torcida Vascaína, Dulce Rosalina e Ramalho, prometeram comparecer hoje ao
Aeroporto Santos Dumont, para hostilizar o Presidente do Santos, que segundo se
anuncia, vêm fazer nova tentativa para contratar o zagueiro central Brito para
o Santos. A torcida vascaína promete fazer tudo que estiver a seu alcance para
dissuadir os dirigentes do Santos do seu intento”[2].
Pela
primeira vez o torneio Rio-São Paulo termina com o título dividido por quatro
clubes (Vasco, Botafogo, Santos e Corinthians) em função da falta de datas para
uma disputa entre os finalistas. A maior preocupação para os dirigentes era a
seleção brasileira e até aquele momento ninguém sabia quem seria escolhido.
A
preparação da seleção para a Copa do Mundo na Inglaterra foi a pior possível e
a convocação de 44 jogadores, formando 4 times que disputavam entre si qual
seria o grupo final, provocou indisciplina, disputas e intrigas entre jogadores
e dirigentes, com acusações contra tudo e todos. O resultado foi previsível
para muitas pessoas com a eliminação do Brasil ainda na primeira fase. O
vascaíno e poeta Carlos Drummond resumia a tristeza generalizada no país com a
derrota: “não há nada mais triste do que
o papel picado, no asfalto, depois de um jogo perdido. São esperanças picadas”[3] .
De
volta ao Brasil, os dirigentes fazem de tudo para impedir a fúria dos
torcedores no aeroporto. Com chegada prevista para as 9 horas da manhã de
domingo, o vôo é transferido para chegar às 11 da noite. Novos atrasos e finalmente
o desembarque é feito na madrugada de segunda-feira.
O resultado pífio na Inglaterra
mostrava que medidas urgentes deveriam ser tomadas para melhorar a
administração do futebol. Neste intuito, dirigentes da Federação carioca de
Futebol reuniram as principais lideranças dos torcedores: “sugeriram
que os sócios dos Clubes paguem uma arquibancada em jogos no Maracanã em local
reservado, a extinção da FUGAP e a revogação da lei que da 15% aos jogadores
quando a venda de seus passes. Os Chefes das Torcidas foram a FCP a fim de
tratar com o Sr Ícaro França do concurso para eleger a melhor Torcida, mas como
o dirigente pediu que dessem sugestões, ao mesmo tempo em que sugeria que os
torcedores formassem uma Associação”[4].
Além disso os líderes pediram para acabar com as gratuidades que os dirigentes
tem direitos, chegando a mais de 1.000 por partida, segundo denúnica dos
torcedores.
Com a fraca
campanha no campeonato carioca o alvo principal de parte da torcida recaiu
sobre os ombros de Zéze Moreira, técnico do clube desde 1965, que tem seu nome
numa faixa pedindo a sua saída. No entanto, os protestos partem de outro setor
diferente da TOV: “Dona Dulce Rosalina contou que a Torcida Organizada nada tem
a ver com relação a esta faixa. Esclareceu, inclusive, que as pessoas que
fizeram a faixa tentaram colocá-la no lugar onde fica a Torcida Organizada e
ela não consentiu”[5].
No
dia primeiro de novembro os jornais anunciam que o presidente do Vasco, João
Silva, proíbe Dulce Roslaina de frequentar as dependencias do clube, acusando-a
de atrapalhar o trabalho do técnico. No dia seguinte vem a resposta de Dulce
que “decidiu recolher as bandeiras em sinal de protesto, ou o clube despede
Zezé Moreira, o técnico, ou ela, Dona Dulce, leva a torcida a greve, esvaziando
as arquibancadas do Maracanã, lado direito da Tribuna de Honra. É um direito
que tem a moça atribuir ao treinador a culpa de tanta derrota, mas gostaria de
pedir a dona Dulce que, na medida do possível, procure maneirar a torcida do
Vasco que anda muito desbocada. No mais, Dona Dulce, dou razão a senhora: O
Time do Vasco da Gama está justificando uma greve unânime da classe Vascaína[6].
A promessa de uma greve em plena ditadura militar era um sinal que os
torcedores não queriam mais ser tratados de forma passiva e passavam a
incorporar discursos e praticas de resistencias ao regime excludente.
Mesmo
o Jornal do Brasil sendo apontado como um período liberal e simpático aos
movimentos populares da época, o tratamento que uma notícia dá para Dulce
Rosalina é o pior possível, acusando-a de não saber se portar como torcedor,
comparando com as atitudes de Jaime, em que este dá total apoio ao clube: “D.
Dulce Rosalina deu com os burros nágua em sua Campanha contra o Time do Vasco.
Nessa jogada, D. Dulce perdeu todo o prestigio, porque se portou como péssima
torcedora. Torcedor, D. Dulce é o Jaime de Carvalho, que leva sua Charanga para
apoiar o Flamengo, seja quem for o Técnico, esteja o Time como estiver, é o
Juarez, do Bangu, que bota a camisa do Clube no corpo, pinta sua casa de
vermelho e branco e já perdeu a conta das vezes que chorou nas decisões
perdida”[7].
Satisfação
em 1966 ocorreu somente com a vitória do Bangu sobre o Flamengo na final do
campeonato carioca. O Maracanã viu juntar as torcidas de Vasco, América, Fluminense
e Botafogo, que comemoraram um dos maiores bailes numa final, além de uma
incrível pancadaria em campo, protagonizada pelo nosso ex-ídolo Almir,
inconformado com o “olé” dos jogadores banguenses e prometendo aos dirigentes
rubro-negros que o Bangu não daria a volta olímpica.
Quando
Almir iniciou a briga, a torcida do Flamengo estava revoltada. Ele relembra:
“Assim que voltei, a torcida do Flamengo, mais de 100 mil presentes, começou a
gritar”:
-
Por-ra-da ! Por-ra-da ! Por-ra-da !
Depois do jogo a briga se estendeu
para as arquibancadas, com confrontos generalizadas entre os torcedores. Numa
das maiores brigas no Maracanã até então. O jogo
terminou com o resultado de Bangu
3 a 0 no Flamengo, levando um público de 143.978 no dia 18 de Dezembro.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: Jornal Diário de Notícias 02 de
Março de 1966.
[2] Fonte: Jornal Correio da Manhã 11 de
Março de 1966.
[3]
Drummond, Carlos. Quando é dia de futebol. Rio de Janeiro; Record, 2002. p.82.
Crônica publicada no jornal Correio da Manhã
em 17 de julho de 1966.
[4] Fonte: Jornal do Brasil 23 de Agosto de
1966.
[5] Fonte: Jornal do Brasil 18 de Outubro
de 1966.
[6] Fonte: Jornal do Brasil Coluna “Na
grande área” de Armando Nogueira 02 de Novembro de 1966
Nenhum comentário:
Postar um comentário