“Eu
quero ver o Mengo/Pererê- Pererê- Pererê/
oi, sambando na roda do Vasco”
canto da Torcida
1965
Torcida Bossa Nova
As comemorações do quarto centenario da fundação da
cidade do Rio de Janeiro se estenderam por todo o ano em diversos campos,
inclusive o esportivo que teve no torneio intenacional em janeiro o seu ponto
de partida, com a participação de dois clubes cariocas: Vasco e Flamengo,
terminando com a vitória vascaína em ritmo de festa: “com músicas do carnaval
passado, entre as quais “É Com Esse Que Eu Vou” e “Saci Pererê”, e outras
melodias populares com letras arranjadas na hora para exaltar o Vasco, como o
“Joga A Chave Meu Amor”, os torcedores Vascaínos festejaram em delírio a
vitória sobre o Flamengo, como se a conquista do Torneio IV Centenário valesse
tanto quanto um Campeonato Mundial, num extravasamento dos complexos adquiridos
nos últimos anos e adotaram o “pois-pois” como réplica do “Olé”.
A
ausência de títulos já incomodava bastante a torcida quando mais um técnico
(mais um!!!) era contratado. Desta vez Zezé Moreira, famoso por levar times com
poucos supercraques aos títulos (como aconteceu com o Fluminense em 1951 e
1959). Logo o treinador caiu nas graças da galera virando o tema das canções: “BOSSA
É POIS-POIS. Em meio dos festejos, explicaram os torcedores que o Vasco não deu
Olé no Flamengo, porque isso é coisa já superada. Que agora a bossa é o
pois-pois, que faz o adversário ficar na roda mais uma homenagem aos
portugueses, que são a alma do Clube. As musicas cantadas durante o pois-pois
no campo e repetidas depois nos bares, estavam com as seguintes letras.“É com
esse que eu vou/ abre a roda ia-ía/ esse é o Vasco da Gama/ com Zezé pra
ganhar.”Essa letra era cantada com a música do Bafo da Onça.Com a música de
Saci Pererê, também do Bafo da Onça, os torcedores cantavam.“Eu quero ver o
Mengo/Pererê- Pererê- Pererê/ oi, sambando na roda do Vasco/ imitando Saci
Pererê. Quero ver.”Além dessas e da “joga a Chave”, muitas outras foram
cantadas, em todas havendo uma letra exaltando o Vasco e mexendo com o Flamengo
e seus torcedores.Quando alguém criticava a euforia demasiada dos Vascaínos,
Dulce Rosalina respondiam que era porque ninguém sabe o que é ficar tantos anos
sofrendo e sendo ironizado por todos[1].
E enfim o novo Vasco, que a barulhenta Torcida
Organizada por Dulce Rosalina cantou no Maracanã, com a música de Mulata Bossa
Nova, após a goleada sobre o Flamengo.
O Vasco Bossa Nova
Caiu no hully-gully
E só deu ele
Zé, Zé, Zé, Zé, Zé, Zé, Zezé
É culpa dele[2].”
O
entusiasmo dos torcedores fez com que o clube conseguisse levar 17 ônibus para
São Paulo para a primeira partida do torneio Rio-Sao Paulo, no jogo contra o
Corinthians. Neste dia ocorrem muitos confrontos entre os torcedores, com o
ferimento de vários cariocas.
Vasco
e Botafogo protagonizaram várias partidas de destaque nos anos 1960. Mesmo em
sua década de melhor desempenho, os alvinegros tiveram muito trabalho para
superar a equipe da Colina. Em tempo que ainda era um jovem torcedor
rubro-negro, Zico recorda do clima do Maracanã nos grandes clássicos: “(na
final entre Botafogo e Flamengo em 1962)
lembro do estádio lotado, chegamos no sexto andar e saímos do elevador e vimos
de um lado preto e branco, do outro preto e vermelho, é uma imagem maravilhosa.
A imagem que se tinha do elevador na chegada ao sexto andar era maravilhosa,
tinha gente que chegava atrasado de propósito para ver as cadeiras e
arquibancadas cheias, é bonito ver o estádio com as cores. É uma coisa
linda, fantástica. Gosto quando é Fla x Flu, verde e vermelho, ou preto e vermelho,
e já vi Vasco e Botafogo também é bacana, pois fica todo branco e preto e o
contraste com o verde do gramado”[3].
Em 1965 a vitória do Botafogo foi atribuida a péssima
arbitragem do juiz Armando Marques que foi xingado pelos cruzmaltinos, o que
provocou a prisão de vários torcedores: “ a torcida do Vasco é quem reclama. E
contra o Árbitro Armandes Marques, que foi por ela xingado no Maracanã. Ontem a
tarde, Dona Dulce Rosalina, Chefe da Torcida Organizada, conversou com o senhor
Antônio Calçada e lhe pediu em nome dos Vascaínos para que não deixasse nunca
mais Armando Marques apitar um jogo do Clube. O Vice Presidente de Futebol
ainda tentou explicar que o Juíz não teve interferência no resultado, mais
Dulce Rosalina não se convenceu e manteve seu pedido, explicando ainda que
muitos dos torcedores foram presos por terem se manifestado, com ofensas contra
Armando Marques[4].
Disputada
a primeira Taça Guanabara em 1965 (um torneio que teria a importância de
indicar o vencedor para disputar a Copa Brasil), e o Vasco finalmente alcançou
seu objetivo: vence a competição, com destaque para os atacantes Célio[5] e Nado. A disputa era
anunciada como uma batalha no campo e nas arquibancadas: “DUELO ENTRE
TORCIDAS TEM FIBRA DE D. DULCE DE UM LADO E O EXEMPLO DE TARZÃ DO OUTRO. Vasco
e Botafogo já escolheram padrinhos, já aprontaram armas, já tomaram mil outras
providências e estão prontos para mais um duelo de Torcidas, amanhã a tarde no
Maracanã, onde será decidida a Taça Guanabara. Do lado direito da Tribuna de
Honra, no meio de uma bateria enfezada, bem perto do reco-reco do Paulinho, do
talo de mamona do Ramalho e dos dentes com escudo do Vasco do velho Cartola,
Dona Dulce estará chefiando, disposta a tudo, até mesmo a trocar alguns
bofetões com um inimigo em lugar errado, a vibrante Torcida Organizada do
Vasco. Do outro lado, embora tenham perdido com Tarzã um Líder de primeira,
Samar, Camélia e o grupo do Coelho se unirão aos rapazes do Colégio Pedro II e
ao sempre embandeirado Bertoldo, para dar ânimo a apaixonada Torcida
Botafoguense.Dona Dulce, que não se intimida com palavrão, pois ela mesma não
consegue evitar que algum lhe escape, nem tem medo de polícia, lembrando que já
foi presa por amor ao Vasco, promete uma festa barulhenta e colorida, com
foguetes explodindo e chuva de papel picado.Bertolo ou Beto para os mais
íntimos, também já picou papel em quantidade e acha que a festa, afinal será
mesmo do Botafogo, cuja Torcida fez muito bem em trocar o velho símbolo do
pacato Pato Donald pela cara amarrada do Galo Carijo. Tudo isso será feito de
modo bem carioca, bem apaixonado, bem a altura de um drible de Garrincha ou de
uma investida de Célio, e bem ao gosto de duas Torcidas imensas como as de
Vasco e Botafogo[6].
No mesmo dia o Jornal do Brasil faz uma entrevista com
Dulce destacando seu amor ao clube, sua dedicação e abnegação levando-a a
enfrentar a polícia pelo clube do coração: “não só presa, como também briguei
já muito. A última vez em que fui presa, por coincidência, foi no jogo com o Botafogo,
pelo Torneio Rio-São Paulo. Estavamos no estádio, eu e meus dois filhos,
Poncinho de 15 anos, Maria de Lourdes, de 12, um guarda arrancou das mãos do
garoto um embrulho com papel picado. Eu reagi, chamei-o de rubro negro e ele
prendeu as duas crianças, colocando-nos num xadrez que estava cheio de
marginais. Esta diretoria do Vasco, contudo, dá todo apoio aos torcedores, o
Presidente Lopes e o Dr Agatirno Gomes, do Departamento Jurídico, foram nos
soltar, ameaçando, inclusive que o Vasco não jogaria se continuássemos presos.
Quanto a briga, chegamos a trocar bofetões até com o Tarzã, que hoje é meu
grande amigo e já brigou duas a três vezes do nosso lado”.
A reportagem prossegue com Dulce revelando ter sido
convidada para a diretoria do clube mas ter recusado, além de explicar como era
o perfil social da organizada: “meu lugar é na arquibancada. Chefiar a torcida
dá tanto trabalho como ser dirigente, e eu prefiro ficar lá. Dona Dulce é Chefe
da Torcida do Vasco há 9 anos. Este encargo foi herdada de outra mulher: Dona
Margarida, que era auxiliada pelo seu irmão Mário. A torcida organizada do
Vasco conta com cerca de 100 pessoas que vão sempre aos jogos, com chuva ou
sol. Das 100, 15 são mulheres, que segundo Dona Dulce, adotam a tese de que “os
palavrões que são proferidos em campo entram por um ouvido e saem pelo outro.
Mas no entusiamo as vezes até nós mesmas dizemos algum”.
. O jogo que decidia a Taça Guanabara de 1965
foi vencido pelo Vasco (2 a 0). No finalzinho houve então o olé, que foi
comemorado e cantado em coro pela torcida vascaína nas arquibancadas. Na saída
do estádio a torcida ainda gritava o tradicional "1, 2, 3, Botafogo é
freguês", e um novo refrão: "Garrincha foi João, e o Vasco é
campeão" (Castro, 1995).
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: Jornal Diário Carioca 16 de
Janeiro de 1965.
[2] Fonte: Jornal do Brasil 23 de Janeiro
de 1965.
[3]
ALMEIDA, ROSÂNGELA DE SENA. DE COPA A COPA: Memórias do Estádio de futebol do
Maracanã. Rio de Janeiro, 2014.
[4] Fonte: Jornal do Brasil 13 de Agosto de
1965.
[5] O
atacante Célio, que, depois de chegar a ser testado na seleção, foi vendido
para o Nacional de Montevidéu, onde tornou-se um ídolo. Cf. www.netvasco/mprais
[6] Fonte: Jornal do Brasil 04 de Setembro
de 1965.
Vasco Jornal do Brasil 1965 |
Vasco Jornal do Brasil 1965 |
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