quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1965 TORCIDA BOSSA NOVA

                                               “Eu quero ver o Mengo/Pererê- Pererê- Pererê/
                                                                     oi, sambando na roda do Vasco”
                                                                             canto da Torcida

1965                                                                Torcida Bossa Nova

As comemorações do quarto centenario da fundação da cidade do Rio de Janeiro se estenderam por todo o ano em diversos campos, inclusive o esportivo que teve no torneio intenacional em janeiro o seu ponto de partida, com a participação de dois clubes cariocas: Vasco e Flamengo, terminando com a vitória vascaína em ritmo de festa: “com músicas do carnaval passado, entre as quais “É Com Esse Que Eu Vou” e “Saci Pererê”, e outras melodias populares com letras arranjadas na hora para exaltar o Vasco, como o “Joga A Chave Meu Amor”, os torcedores Vascaínos festejaram em delírio a vitória sobre o Flamengo, como se a conquista do Torneio IV Centenário valesse tanto quanto um Campeonato Mundial, num extravasamento dos complexos adquiridos nos últimos anos e adotaram o “pois-pois” como réplica do “Olé”.
A ausência de títulos já incomodava bastante a torcida quando mais um técnico (mais um!!!) era contratado. Desta vez Zezé Moreira, famoso por levar times com poucos supercraques aos títulos (como aconteceu com o Fluminense em 1951 e 1959). Logo o treinador caiu nas graças da galera virando o tema das canções: “BOSSA É POIS-POIS. Em meio dos festejos, explicaram os torcedores que o Vasco não deu Olé no Flamengo, porque isso é coisa já superada. Que agora a bossa é o pois-pois, que faz o adversário ficar na roda mais uma homenagem aos portugueses, que são a alma do Clube. As musicas cantadas durante o pois-pois no campo e repetidas depois nos bares, estavam com as seguintes letras.“É com esse que eu vou/ abre a roda ia-ía/ esse é o Vasco da Gama/ com Zezé pra ganhar.”Essa letra era cantada com a música do Bafo da Onça.Com a música de Saci Pererê, também do Bafo da Onça, os torcedores cantavam.“Eu quero ver o Mengo/Pererê- Pererê- Pererê/ oi, sambando na roda do Vasco/ imitando Saci Pererê. Quero ver.”Além dessas e da “joga a Chave”, muitas outras foram cantadas, em todas havendo uma letra exaltando o Vasco e mexendo com o Flamengo e seus torcedores.Quando alguém criticava a euforia demasiada dos Vascaínos, Dulce Rosalina respondiam que era porque ninguém sabe o que é ficar tantos anos sofrendo e sendo ironizado por  todos[1].
E enfim o novo Vasco, que a barulhenta Torcida Organizada por Dulce Rosalina cantou no Maracanã, com a música de Mulata Bossa Nova, após a goleada sobre o Flamengo.
O Vasco Bossa Nova
Caiu no hully-gully
E só deu ele
Zé, Zé, Zé, Zé, Zé, Zé, Zezé
É culpa dele[2].”
            O entusiasmo dos torcedores fez com que o clube conseguisse levar 17 ônibus para São Paulo para a primeira partida do torneio Rio-Sao Paulo, no jogo contra o Corinthians. Neste dia ocorrem muitos confrontos entre os torcedores, com o ferimento de vários cariocas.
            Vasco e Botafogo protagonizaram várias partidas de destaque nos anos 1960. Mesmo em sua década de melhor desempenho, os alvinegros tiveram muito trabalho para superar a equipe da Colina. Em tempo que ainda era um jovem torcedor rubro-negro, Zico recorda do clima do Maracanã nos grandes clássicos: “(na final entre Botafogo e Flamengo em 1962) lembro do estádio lotado, chegamos no sexto andar e saímos do elevador e vimos de um lado preto e branco, do outro preto e vermelho, é uma imagem maravilhosa. A imagem que se tinha do elevador na chegada ao sexto andar era maravilhosa, tinha gente que chegava atrasado de propósito para ver as cadeiras e arquibancadas cheias, é bonito ver o estádio com as cores. É uma coisa linda, fantástica. Gosto quando é Fla x Flu, verde e vermelho, ou preto e vermelho, e já vi Vasco e Botafogo também é bacana, pois fica todo branco e preto e o contraste com o verde do gramado”[3].
Em 1965 a vitória do Botafogo foi atribuida a péssima arbitragem do juiz Armando Marques que foi xingado pelos cruzmaltinos, o que provocou a prisão de vários torcedores: “ a torcida do Vasco é quem reclama. E contra o Árbitro Armandes Marques, que foi por ela xingado no Maracanã. Ontem a tarde, Dona Dulce Rosalina, Chefe da Torcida Organizada, conversou com o senhor Antônio Calçada e lhe pediu em nome dos Vascaínos para que não deixasse nunca mais Armando Marques apitar um jogo do Clube. O Vice Presidente de Futebol ainda tentou explicar que o Juíz não teve interferência no resultado, mais Dulce Rosalina não se convenceu e manteve seu pedido, explicando ainda que muitos dos torcedores foram presos por terem se manifestado, com ofensas contra Armando Marques[4].
Disputada a primeira Taça Guanabara em 1965 (um torneio que teria a importância de indicar o vencedor para disputar a Copa Brasil), e o Vasco finalmente alcançou seu objetivo: vence a competição, com destaque para os atacantes Célio[5] e Nado. A disputa era anunciada como uma batalha no campo e nas arquibancadas: “DUELO ENTRE TORCIDAS TEM FIBRA DE D. DULCE DE UM LADO E O EXEMPLO DE TARZÃ DO OUTRO. Vasco e Botafogo já escolheram padrinhos, já aprontaram armas, já tomaram mil outras providências e estão prontos para mais um duelo de Torcidas, amanhã a tarde no Maracanã, onde será decidida a Taça Guanabara. Do lado direito da Tribuna de Honra, no meio de uma bateria enfezada, bem perto do reco-reco do Paulinho, do talo de mamona do Ramalho e dos dentes com escudo do Vasco do velho Cartola, Dona Dulce estará chefiando, disposta a tudo, até mesmo a trocar alguns bofetões com um inimigo em lugar errado, a vibrante Torcida Organizada do Vasco. Do outro lado, embora tenham perdido com Tarzã um Líder de primeira, Samar, Camélia e o grupo do Coelho se unirão aos rapazes do Colégio Pedro II e ao sempre embandeirado Bertoldo, para dar ânimo a apaixonada Torcida Botafoguense.Dona Dulce, que não se intimida com palavrão, pois ela mesma não consegue evitar que algum lhe escape, nem tem medo de polícia, lembrando que já foi presa por amor ao Vasco, promete uma festa barulhenta e colorida, com foguetes explodindo e chuva de papel picado.Bertolo ou Beto para os mais íntimos, também já picou papel em quantidade e acha que a festa, afinal será mesmo do Botafogo, cuja Torcida fez muito bem em trocar o velho símbolo do pacato Pato Donald pela cara amarrada do Galo Carijo. Tudo isso será feito de modo bem carioca, bem apaixonado, bem a altura de um drible de Garrincha ou de uma investida de Célio, e bem ao gosto de duas Torcidas imensas como as de Vasco e Botafogo[6].
No mesmo dia o Jornal do Brasil faz uma entrevista com Dulce destacando seu amor ao clube, sua dedicação e abnegação levando-a a enfrentar a polícia pelo clube do coração: “não só presa, como também briguei já muito. A última vez em que fui presa, por coincidência, foi no jogo com o Botafogo, pelo Torneio Rio-São Paulo. Estavamos no estádio, eu e meus dois filhos, Poncinho de 15 anos, Maria de Lourdes, de 12, um guarda arrancou das mãos do garoto um embrulho com papel picado. Eu reagi, chamei-o de rubro negro e ele prendeu as duas crianças, colocando-nos num xadrez que estava cheio de marginais. Esta diretoria do Vasco, contudo, dá todo apoio aos torcedores, o Presidente Lopes e o Dr Agatirno Gomes, do Departamento Jurídico, foram nos soltar, ameaçando, inclusive que o Vasco não jogaria se continuássemos presos. Quanto a briga, chegamos a trocar bofetões até com o Tarzã, que hoje é meu grande amigo e já brigou duas a três vezes do nosso lado”.
A reportagem prossegue com Dulce revelando ter sido convidada para a diretoria do clube mas ter recusado, além de explicar como era o perfil social da organizada: “meu lugar é na arquibancada. Chefiar a torcida dá tanto trabalho como ser dirigente, e eu prefiro ficar lá. Dona Dulce é Chefe da Torcida do Vasco há 9 anos. Este encargo foi herdada de outra mulher: Dona Margarida, que era auxiliada pelo seu irmão Mário. A torcida organizada do Vasco conta com cerca de 100 pessoas que vão sempre aos jogos, com chuva ou sol. Das 100, 15 são mulheres, que segundo Dona Dulce, adotam a tese de que “os palavrões que são proferidos em campo entram por um ouvido e saem pelo outro. Mas no entusiamo as vezes até nós mesmas dizemos algum”.
.    O jogo que decidia a Taça Guanabara de 1965 foi vencido pelo Vasco (2 a 0). No finalzinho houve então o olé, que foi comemorado e cantado em coro pela torcida vascaína nas arquibancadas. Na saída do estádio a torcida ainda gritava o tradicional "1, 2, 3, Botafogo é freguês", e um novo refrão: "Garrincha foi João, e o Vasco é campeão" (Castro, 1995).
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Fonte: Jornal Diário Carioca 16 de Janeiro de 1965.
[2] Fonte: Jornal do Brasil 23 de Janeiro de 1965.
[3] ALMEIDA, ROSÂNGELA DE SENA. DE COPA A COPA: Memórias do Estádio de futebol do Maracanã. Rio de Janeiro, 2014.
[4] Fonte: Jornal do Brasil 13 de Agosto de 1965.
[5] O atacante Célio, que, depois de chegar a ser testado na seleção, foi vendido para o Nacional de Montevidéu, onde tornou-se um ídolo. Cf. www.netvasco/mprais
[6] Fonte: Jornal do Brasil 04 de Setembro de 1965.

Vasco Jornal do Brasil 1965

Vasco Jornal do Brasil 1965


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