“Difícil é
acreditar que tudo não seja Vasco”
Rachel de Queiroz
1973 O Ovo da Serpente, entre a Festa e a Guerra
A rivalidade entre os dois clubes das maiores torcidas
no Rio de Janeiro ganha mais emoção com a contratação do armador Zanata que
troca o Flamengo pelo Vasco. A resposta rubro-negra é a compra do artilheiro do
Atlético Mineiro, Dario. Um jogador que foi o alvo da polêmica em 1970 envolvendo
a opinião do então técnico da seleção brasileira, João Saldanha e o Presidente
da República, o General Médici.
O Chefe da Nação era um dos maiores entusiastas do
futebol do atacante e sua contratação era uma forma do Flamengo aproximar o
presidente de seu clube do coração. Por
outro lado, era importante para o governante melhorar sua imagem popular comparecendo
aos jogos do Flamengo na tribuna de honra junto de seu tradicional radinho de
pilha.
Os anos de 1972 e 1973 são decisivos para definir o
comportamento das torcidas organizadas cariocas para toda a década seguinte.
Vasco e Flamengo fizeram 15 partidas nestes anos. Entre elas estava a decisão
da Taça Guanabara de 1973 que teve a maior cobertura da imprensa sobre os
preparativos das torcidas para uma decisão.
Foi neste contexto de grande envolvimento emocional
que a torcida vascaína esteve organizada e mobilizada para um jogo como nunca
antes. Havia a necessidade da torcida provar que ela era superior a rival.
Organizar uma festa memorável, fazer um carnaval fora de época no mês de maio,
este era o intuito dos vascaínos que levaram para o Maracanã: “três mil toneladas de
papel picado, 50 faixas, uma bandeira de 1250 metros quadrados que será
levantada com 150 metros de corda, uma bateria com mais de 50 peças e uma banda
de música, são as armas da Torcida Força Jovem, para ajudar o Vasco a
conquistar a 9ª Taça Guanabara”. Todo este aparato envolveu dias de trabalho e
dedicação dos torcedores. Muito além do envolvimento do torcedor em um dia de jogo. Toda esta entrega,
sacrifício e amor ao clube, forjam aos poucos uma nova identidade nos
torcedores organizadas que começam a se perceberem como “os verdadeiros
torcedores”, os “autênticos”, ao contrário do “torcedor comum” que só chega na
hora da decisão. Aos poucos este sentimento foi se consolidando no seio das
principais torcidas que começavam a cultivar um amor sem paralelo as próprias
torcidas organizadas. Ser da Força Jovem, por exemplo, era mais do que exaltar
seu amor pelo clube, mas provar para si mesmo que ele era capaz de realizar um
trabalho voluntário, coletivo, de união entre pessoas voltadas para o mesmo
ideal.
O trabalho de cortar papel picado por toda a semana,
preparar faixas, arrecadar dinheiro com rifas para ter a bateria inteira,
confeccionar um bandeirão, enfim um ritual de devotamento que consolida uma
nova forma de perceber sua relação com o futebol, com o clube e a própria
torcida marcada pela renúncia, pelo desinteresse, pelo altruísmo de construir
algo maior que a si próprio.
Todo este sacrifício marcado também pelo signo da
festa, da alegria, da comemoração sem limites, da confraternização, do espírito
carnavalesco provoca pelas músicas, pelos cantos e por uma zombaria coletiva
contra os adversários.
A festa e a guerra caminharam juntas com as torcidas,
até que ponto uma leva a outra, ou onde uma começa a outra termina, são
discussões permanentes entre todos aqueles que estudam o fenômeno dos
torcedores.
Neste mesmo ano aparecem várias denuncias de
torcedores organizados ou não nas cartas de leitores alertando para o aumento
da incidência de casos de violência nas arquibancadas e fora dos estádios. A
crítica do torcedor tem um endereço certo: a ausência do poder público em tomar
medidas de revide e fazerem vistas grossas contra atos que se tornavam
rotineiros, mas tratados como meras desavenças: “porque está virando rotina ao
final de cada jogo em que participe o Flamengo, a agressão física e moral aos
torcedores adversários. Gostaria que fossem tomadas providências, pois senão
saberemos revidar esse vandalismo. Existe aquele ditado: quem com ferro fere,
com ferro será ferido”.
Uma reclamação típica dos anos 1990 já é dita neste
período quando os torcedores percebem que o ambiente tenso e agressivo impede e
inibe a presença de crianças e mulheres: “tempo bom aquele amigo, em que podíamos ir ao
Maracanã, com a família. Quem sabe um dia nossos filhos ou nossos netos, possam
também desfrutar desse espírito de cordialidade que havia entre as torcidas”. A
queixa revela que as brigas já vinham aumentando nos anos anteriores e as rixas
se acentuavam no decorrer do tempo. E com lucidez, percebe que não será de um
dia para o outro que o problema ia ser facilmente resolvido.
Alguns torcedores já antecipavam que os chefes não
conseguiam controlar a violência das mesmas e que suas lideranças vinham se
enfraquecendo diante de novos lideres com atitudes diametralmente opostas aos
guias tradicionais. Eis a declaração do torcedor: “alguns componentes da Força
Jovem vão ao estádio apenas para brigar ou fazer confusão... o fato é que o Ely
Mendes é boa pessoa mas não tem pulso suficiente para comandar a Força Jovem do
Vasco, que no início era uma torcida bacana, mas que agora virou bagunça”.
Os próprios torcedores organizados criaram iniciativas
para debelar o comportamento agressivo fazendo encontros antes dos jogos com
demonstrações públicas de que as brigas eram fotos isolados e iniciativas que
não contavam com o apoio das lideranças. Se realizaram encontros chamados “
Conversação da Paz” entre membros da TOV e da Flamante e a Torcida Jovem do
Flamengo.
Neste ano a Revista Placar e o Jornal dos Sports
promovem uma campanha para decidir qual é o clube mais querido do Rio: Vasco ou
Flamengo. O resultado revela a vitória da torcida vascaína, garantindo um total
de 157.157 votos, contra 125.604 do Flamengo, 28.594 do Fluminense e 27.416 do
Botafogo, numa prova incontestável do prestígio cruzmaltino. Os números,
evidentemente, não expressavam a real divisão da popularidade dos clubes nas
cidade. Mas registrava que a forte rivalidade entre os clubes permaneceria nos
anos seguintes. As próximas grandes decisões do decênio provariam isso, incrementadas
pela rivalidade com a ascensão de duas novas estrelas: Roberto e Zico,
assumiriam a condição de eternos ídolos de seus clubes já no ano seguinte.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
Vasco Canal 100 1973 |
Vasco Canal 100 1973 |
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