“Fica, fica, fica”.
Despedida de
Pelé da seleção no Maracanã.
1971 JOVENS PROMISSORES
A
promessa de uma grande temporada começava com o lançamento da Revista Grandes
Clubes do Futebol Brasileiro. O número 1 é dedicado ao Vasco. Na capa uma foto
principal traz uma panorâmica dos vascaínos empunhando as suas bandeiras na arquibancada
do Maracanã lotado. Na revista aparecem inúmeras fotos dos torcedores
comemorando o campeonato carioca de futebol e o título do remo no ano anterior.
Ainda mereceu destaque uma página inteira de propaganda apresentando Chacrinha
como o maior vascaíno da Rede Globo de televisão, além de uma grande foto e
entrevista com a torcedora-símbolo Dulce Rosalina. Esta ainda lamenta não poder
continuar frequentando os estádios com a assiduidade dos anos 1960 e lamenta: “não
dá mais para acompanhar todos os jogos, mas sempre que posso estou lá torcendo
pelo meu Vasco” (p.74).
A
conquista do bicampeonato carioca era a grande esperança da torcida vascaína
para o ano de 1971. No entanto, a péssima campanha do time ao longo de toda a
competição, fez com que as atenções fossem voltadas para o time juvenil[1] que conseguia vitórias
empolgantes nas preliminares.
Depois
de conquistar o campeonato juvenil em 1969, surgia uma outra geração liderada
pelo goleador Roberto. Enquanto a equipe principal acumulava derrotas e
decepções, as jovens promessas de São Januário conseguiam de maneira brilhante
levar mais um título para o salão de troféus.
A
situação do time principal era tão preocupante que a Revista Placar (lançada no ano anterior) faz uma grande reportagem
de duas páginas com a manchete: “Rezem pelo Vasco. Promessas mentirosas,
campanha, ridícula, beirando a lanterna”. No texto, a explicação de um
desempenho sofrível de apenas 8 vitórias em 25 partidas “na sua mais lamentável
campanha dos últimos tempos”. O maior alvo da reportagem são as promessas dos
dirigentes que ouviam sempre o nome de prováveis reforços para o time: “semana
que vem a torcida vai ter uma grande surpresa. Toda sexta-feira a mesma
mentira. Natal, Aladim, Afonsinho, o time inteiro do Cruzeiro, o time inteiro
do Olaria (...) nada. Tudo mentira”.
Verdade
ou mentira, o fato foi que o Vasco conseguiu “metade do time do Olaria” para
disputar o primeiro campeonato brasileiro com 28 clubes de diversos estados do
país. Foi do clube da Zona da Leopoldina (o Olaria foi a grande surpresa do
campeonato carioca ao chegar em 3° lugar) que vieram os maiores reforços para
São Januário. Passaram a vestir a camisa vascaína os zagueiros Haroldo, Miguel
e Alfinete. E o grande destaque do time o meia Afonsinho, famoso por sua imensa
barba e por ter conseguido o passe livre numa luta jurídica com o Botafogo.
Depois
do campeonato carioca, em julho de 1971, Pelé se despedia da seleção brasileira
em jogo no Maracanã[2].
O apelo em todo estádio de milhares de torcedores ecoa com o grito de “Fica,
fica”. Era a última partida do rei no estádio como jogador da seleção. Pelé
ainda jogaria mais três anos como jogador do Santos.
No
mês de julho uma matéria na imprensa carioca revela o interesse do presidente
do Vasco, Agathyrno Gomes, ao sugerir a saída de Dulce Rosalina da chefia da
TOV, sendo substituída por Ely Mendes que havia saído da TOV para liderar a
Força Jovem. O motivo da desavença era a interferência da torcedora querendo a
mudança de treinador.
A
entrada de Ely Mendes na Força Jovem deu um outro impulso a torcida que passou
a contar com a experiência de Ely e de outros amigos[3] que trocaram a TOV pela
Força Jovem. A boa relação do novo líder com os dirigentes vascaínos e sua
capacidade de aglutinar pessoas para um trabalho coletivo, foi logo
reconhecido. Em pouco tempo a Força Jovem dá um salto qualitativo em sua
organização e torna-se a torcida organizada mais importante do clube.
Entretanto, a liderança de Dulce Rosalina junto a imprensa ainda era maior, bem
como a identificação do grande público.
Empolgada
com os reforços do Olaria a torcida cruzmaltina começou a acreditar no título
brasileiro quando o Vasco derrotou o campeão carioca de 1971 na terceira
rodada. Não era uma vitória qualquer, era também o fim de uma escrita que já
durava 3 anos diante do Fluminense[4].
No
segundo semestre começaria o primeiro campeonato brasileiro e o fenômeno das
caravanas dos torcedores começa a ser acompanhado com mais interesse pela
imprensa que registra a movimentação dos torcedores pelos diversos estados,
especialmente aquelas realizadas no eixo Rio-São Paulo.
Na
medida que o campeonato brasileiro incorporava novos clubes de vários estados
do país, chegando até 94 clubes em 1979, diferentes lugares se integravam no
horizonte dos torcedores. Com a proliferação das caravanas a partir da criação
do campeonato nacional em 1971, as torcidas ganhariam um componente identitário
mais aventureiro e juvenil.
As
caravanas dos anos 1960 juntavam geralmente dois ônibus para alguns jogos de
maior interesse. Agora, as torcidas mais estruturadas passaram a contar com a
organização dos clubes para o contato com empresas de transporte, usar a sede
para vender as passagens e principalmente financiar as viagens. A título de
exemplo, uma viagem para São Paulo em 1971 de ida e volta custava Cr$ 20,00,
quando o preço normal custava 25% a mais.
O
grande destaque do ano em relação as caravanas[5] aconteceu em setembro
quando a torcida do Vasco conseguiu reunir milhares de torcedores que partiram
em 83 ônibus rumo a São Paulo para enfrentar o Corinthians, no Parque
Antártica. Este jogo ficou marcado pelo confronto dos torcedores dentro e fora
do estádio. Para os padrões da época foi uma briga de grandes proporções mas
nada comparado com os conflitos depois dos anos 1990. Apesar disso foi a maior
briga entre torcidas de diferentes estados já registrada, gerando por
definitivo uma rivalidade entre as duas torcidas, antes mesmo da aliança que
seriam realizadas entre as torcidas de Vasco e Palmeiras e a de Flamengo e
Corinthians.
Em
outubro era realizado outro grande clássico: era o primeiro jogo entre Vasco e
Flamengo pelo campeonato brasileiro. Os jornais davam destaque ao duelo entre o
zagueiro Moisés e a jovem promessa do Flamengo: Zico, com apenas 18 anos.
Aquela seria a segunda vez de Zico com o Vasco que fizera sua estréia
justamente contra o Vasco, em julho.
As palmas unânimes dos quase 100 mil
torcedores das duas equipes vieram para o goleiro argentino Andrada, grande
destaque daquele jogo e de toda a competição. Andrada receberia o Bola de Prata
da Revista Placar como o melhor goleiro da competição. Mais do que nunca, os
vascaínos tinham certeza de poder confiar no maior ídolo da camisa 1 do Vasco
depois de Barbosa.
Não era apenas Zico que fazia a sua
estréia no profissional naquele ano. No final da temporada, a pedido dos
torcedores das arquibancadas o técnico do Vasco Admildo Chirol, dava as
primeiras chances ao jovem atacante Roberto. E foi no dia 25 de novembro[6], no Maracanã, que veio o
primeiro gol no time titular no jogo diante do Internacional, na vitória por 2
a 1. Começava a surgir o “Dinamite”[7]nas páginas do Jornal dos
Sports.
Era o Jornal dos Sports que dava a
maior cobertura para os torcedores expressarem suas idéias. Não foram poucas as
vezes que os vascaínos escreviam para a seção de carta de leitores. Buscando
incentivar esta participação, o “Cor-de-Rosa”, inovava com uma página voltada
para resenhas de jornalistas esportivos apaixonados por seus clubes. Coube a
Sérgio Cabral, escrever o que pensavam os vascaínos. Entre as inúmeras crônicas
deste fim de ano, intitulada o clube mais popular, Cabral destaca uma pesquisa
de 1969[8] em que o Vasco perdia para
todos os clubes na preferência na classe A: “ na classe A nós escolhemos os
torcedores. Perdemos em quantidade e ganhamos em qualidade. Quem é o melhor
poeta brasileiro? Carlos Dummond de Andrade. É vascaíno. O maior comunicador?
Chacrinha. É vascaíno. Os maiores nomes da chamada música jovem? Roberto e
Erasmo Carlos. São vascaínos. E Paulinho da Viola? E Edu Lobo? E Zé Keti? E
Nelson cavaquinho? E Doris Monteiro? E Danusa Leão? E Araci de Almeida. São
todos vascaínos. Há muitos outros para citar mas acabou o espaço”.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador
Jorge Medeiros
[1] No
ano de 1971 foi editado o livro de Levy Magalhães de Melo sobre os 30 anos da
História do Departamento de Infanto-Juvenil do Vasco da Gama (1941-1971, Bodas
de Pérola).
[2] Na
preliminar jogou o time juvenil do Vasco ( campeão em 1971) contra a seleção
carioca.
[3] Francisco
Carlos Português relembra em 2010: “juntos vieram o Aroldo, a Márcia, Beth,
Paulinho, Marcel, Carlinhos Bicudo, Rogério Alves, Fernando Salves, Suely,
entre outros”.
[4]
Foram 13 jogos. A maior escrita da história desse clássico. De acordo com o livro
de Sergio Frias, “Eurico Miranda. Todos contra ele” (2012, p.102).
[5]
Outra caravana importante foi para Belo Horizonte quando saíram 25 ônibus.
Fonte: Jornal Correio da Manhã, 04 de Setembro de 1971.
[6] Conhecido
pelos frequentadores de São Januário, o atacante já tinha virado notícia na
semana anterior quando a torcida Força Jovem pediu a sua escalação contra o
Bahia, conforme noticiou o Correio da Manhã, no dia 13 de novembro.
[7] Os
jornalistas vascaínos do Jornal dos Sports, Sérgio Cabral e Aparício Pires
conversavam sobre um apelido para aquele jovem e surgia o “Roberto Dinamite”,
criado por Aparício Pires.
[8] No
fim de 1971, a Revista Placar publica uma nova pesquisa realizada pelo
Instituto Gallup, revelando o percentual das torcidas: Flamengo 35%, Vasco 18%,
Fluminense 16% e Botafogo 14%.
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