“Não tememos esse ridículo combinado de
Torcidas”
Amâncio César, TOV
1980 Dinamite
entre o Papa e Sinatra
Criada no final do ano de 1979, a CBF tinha como
desafio maior dar um novo rumo para o futebol brasileiro e iniciar um processo
de modernização deste esporte. O primeiro passo foi a criação do técnico
exclusivo: Telê Santana deixava o Palmeiras e passava a dar toda atenção ao
selecionado brasileiro.
No Vasco a principal mudança era a contratação de
Jorge Mendonça para cobrir a saída do ídolo Roberto Dinamite vendido para o
futebol espanhol. Os dois eram craques e brilharam na Copa de 1978, mas eram
jogadores de estilos bem diferentes (Roberto era centroavante e Mendonça era
meia esquerda), contudo para Dulce Rosalina valia o ditado “rei morto, rei
posto”, para ela o ex-atacante do Palmeiras, seria o jogador perfeito para dar
um toque refinado ao time e ser o principal elo de ligação com o centroavante
Paulinho. Não seria uma tarefa tão simples como os dirigentes e a
torcedora-símbolo apostavam, mas a rivalidade com o Flamengo reaproximaria
Roberto ao Vasco em questão de poucos meses.
Antes da visita do papa ao Maracanã, o nome mais
ouvido pelos gritos da galera era Roberto Dinamite, após três meses em
Barcelona e insatisfeito com o novo clube, o ídolo foi sondado por dirigentes
de Flamengo que negociavam sua volta para o Brasil e formar uma dupla de ataque
com Zico.
Marcio Braga, principal dirigente rubro-negro,
antecipava pelos jornais a contratação do atacante e provocava a torcida
vascaína. Neste momento dirigentes vascaínos passam a negociar também. A
disputa entre os diretores dos clubes rivais acirrava o debate entre os torcedores
que aguardavam com imensa expectativa o desfecho daquele confronto.
Para o Vasco virou uma questão de honra não
deixar o rival colocar a sua camisa rubro-negra no principal ídolo cruzmaltino
dos anos 1970. E foi o que aconteceu: Roberto volta ao Brasil com uma recepção
calorosa no aeroporto feita pelas torcidas.
A resposta do Flamengo viria a seguir com a partida
entre Vasco e Corinthians no Rio de Janeiro. Na semana da estreia de Roberto no
Maracanã a polêmica foi apimentada por Marcio Braga que, desmoralizado com sua
torcida, tenta dar a volta por cima resolvendo acirrar os ânimos entre cariocas
e paulistas, ao promover a união das torcidas de Flamengo e Corinthians contra
o Vasco.
Sua estratégia de marketing era criar a “Fla-Fiel”,
uma alusão a junção da torcida do Flamengo com a maior torcida organizada do
Corinthians, a Gaviões da Fiel. O objetivo era incentivar uma nova invasão
corintiana como foi feita em 1976. Mas o golpe completo foi marcar rodada dupla
(o Vasco foi contra) com a preliminar entre Flamengo e Bangu, também pelo
campeonato brasileiro (mas em outra chave). A partida principal ficaria entre
Vasco e Corinthians.
O resultado final deixou qualquer vascaíno em
êxtase e até hoje faz questão de lembrar: goleada por 5 a 2, com 5 gols de
Dinamite. Marcio Braga e a torcida do Flamengo querem esquecer para sempre
aquele dia...
Em 1980 o Maracanã deixou em duas ocasiões de ser o
palco principal do futebol para receber duas atrações extra-esportivas. A
primeira foi em janeiro com o cantor norte-americano Frank Sinatra que visitava
o país pela primeira vez. Ele conseguiu levar mais de 100 mil pessoas ao
estádio que conheceu, neste dia, um dos personagens mais folclóricos da década,
mais conhecido como o Beijoqueiro.
Se Sinatra fez sucesso no Maracanã, poucos meses
depois ele seria suplantado por uma figura religiosa de grande popularidade: a
visita do Papa João Paulo II ao Brasil. Aquela seria a sua primeira vez no país
e, sem dúvidas, a mais importante. Percorrendo varias cidades, o papa conseguiu
arrebanhar milhares de pessoas pelos estádios por onde passou, sem contar com a
transmissão ao vivo pela TV em alguns locais.
Na ocasião uma música[1] marcaria o contato do sumo
pontífice com as multidões. A canção em sua homenagem “A benção João de Deus”
era cantada em todos os cantos do país, tornando-se um ícone no imaginário
popular da época. Logo a música seria incorporada pelas torcidas de seus
clubes nos estádios. Em principio ela não tinha identificação com nenhum clube
específico.
Antes da visita do Papa ao Brasil o Flamengo conquistaria seu primeiro
campeonato brasileiro. Para fazer frente a Flapress que vivia endeusando o
clube da Gávea, o Vasco fazia uma nova grande contratação. Trazia do Grêmio o
tricampeão mundial, Paulo César Caju. O atacante que já havia jogado pelo
Botafogo, Flamengo e Fluminense, agora seria a nova estrela vascaína. Empolgada
com a contratação, a torcida da cruz de malta foi maioria absoluta nos mais de
60.000 pagantes[2]
que prestigiavam a estréia do craque no primeiro jogo da Taça Guanabara de
1980.
Mas não era somente PC que a torcida queria ver, tinha também um elenco
feminino especial que entraria em campo: as “foguetes”. Uma novidade lançada
pelo apresentador de TV Carlos Imperial. As “lebres do Imperial” entraram em
campo com uma bandeira gigante do Botafogo e distribuindo flores. Foram
recebidas calorosamente pela torcida vascaína aos gritos de “Piranhas,
piranhas”.
Mas a gozação maior veio no final do ano com a derrota do Flamengo para
o Serrano com o gol de Anapolina. Com este resultado, o rubro-negro viu o Vasco
assumir a liderança do campeonato e depender só dele para conquistar o título.
O que acabou acontecendo na semana seguinte com a vitória sobre o Americano em
São Januário. O troféu do segundo turno foi comemorado intensamente pelos
vascaínos que lotaram o seu estádio (mais de 20.000 pessoas) e viram seu clube
fazer o gol da vitória no último minuto. Ao final da partida uma multidão
invadiu o gramado para comemorar com os jogadores e fazer um verdadeiro
carnaval em campo. Foi uma das partidas mais emocionantes de todos os tempos no
nosso glorioso estádio[3].
A festa dos vascaínos ficaria completa no fim do ano com a conquista do
campeonato carioca pois quebraríamos a “escrita” diante do Fluminense. No
entanto, o time não estava inspirado e o tricolor venceu o Vasco por 1 a 0, gol
de falta de Edinho[4].
Pouco antes da cobrança, na tensão do empate, os tricolores resolveram entoar a
“canção do Papa”. Daí em diante ficou para sempre na lembrança dos tricolores. Era a senha para os tricolores incorporarem em
definitivo a canção como uma graça divina alcançada. Virou o “hino da torcida
tricolor”.
[1] Nas rádios de todo o Brasil, o “Balancê”, era a música de
maior sucesso na voz da cantora baiana Gal Costa. A sua letra seria adaptada
pela torcida do Vasco em 1992 para gozar com os rubro-negros, na tragédia do
Maracanã naquele ano.
[2] Apesar do aumento expressivo no
preço das arquibancadas que passou de Cr$ 80,00 para Cr$ 120,00, o que provocou
uma reação da torcida. Dulce Rosalina chegou a sugerir uma greve dos torcedores
como protesto pela majoração dos ingressos.
[3] O locutor
esportivo da TV e colunista do Jornal dos Sports, Carlos Lima, comentou: “Em quase 30 anos de carreira, com
muitas Copas, Olimpíadas, pentacampeonato do meu Esporte Clube Bahia, nunca vi
o que Vasco e Americano proporcionaram na quarta passada: vi gente desfalecendo
e vi gente chorando"
[4] No duelo das
torcidas no estádio, o Jornal do Brasil do dia seguinte fez a seguinte
comparação: “Visualmente na entrada dos times em campo, a torcida do Vasco
levou vantagem: as bandeiras, papéis brancos e foguetes fizeram maior efeito do
que o talco e foguetório dos tricolores. Em entusiasmo, no entanto, perdeu
nitidamente para o Fluminense, principalmente depois do gol”.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
Vasco Jornal do Vasco 1980 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário