“Fora Calçada”
Pichação em São
Januário
1984 Final
Carioca
Depois de uma péssima campanha no campeonato carioca
de 1983, os dirigentes vascaínos pressionados pela torcida resolvem fazer uma
série de contratações e montar uma equipe forte. Foi o que aconteceu: o time chegou as finais
do brasileiro de 1984 disputando o título com o Fluminense.
Era
uma final inédita desde que o campeonato brasileiro começou a ser disputado,
entre dois clubes da mesma cidade. A expectativa geral de grandes públicos nas
finais e recordes de arrecadação de renda. Nas semifinais os dois clubes
cariocas já tinham demonstrado a força de suas galeras com o Maracanã lotado
apenas com as torcidas cariocas nos jogos entre Vasco e Grêmio e entre
Fluminense e Corinthians.
Nas
finais foram dois jogos com mais de 100 mil pessoas que travaram uma disputa
acalorada no estádio. De um lado o tricolor e o já tradicional canto; “A benção
João de Deus”, de outro, a torcida vascaína contando suas músicas a plenos
pulmões e o mesmo entusiasmo. Na última partida o duelo das torcidas foi
interrompido para a união em torno do grito das “Diretas Já”. No período em que
o país foi tomado por imensas multidões que se reuniam nas ruas pedindo a volta
das eleições diretas para presidente através da Emenda Constitucional, em pleno
estádio do Maracanã as duas torcidas cantavam “um,dois, três, quatro, cinco
mil, queremos eleger o presidente do Brasil”. Era uma manifestação espontânea
que surpreendeu a todos, inclusive aqueles que achavam que o futebol só servia
para alienar as pessoas.
Como
sempre acontecia nos jogos decisivos, os jornais reservavam um espaço para
explicar o que era uma torcida organizada e como aquela festa toda era montada,
sempre destacando o esforço e o sacrifício dos torcedores: “eles chegam ao
Estádio com horas de antecedência, viajam com seus times para qualquer lugar,
gritam, xingam, aplaudem, reclamam dos juízes, e as vezes, ainda brigam. Eles
se agrupam nas chamadas Torcidas Organizadas e fazem de tudo para ver seu time
deixar o campo com a vitórias. Ontem, no Maracanã, estavam presentes dezenas de
Torcidas Organizadas: Vasquita, Motivascão, Vasbicão, Influente, Young Flu,
Fiel Tricolor, Dragões Tricolores, enfim muitas facções do Vasco e Fluminense”.
Outra reportagem registra o uso de fumaças pelos vascaínos pela primeira vez:
“Uma novidade paulista chega ao Rio, para o primeiro jogo da decisão do
Campeonato Brasileiro entre Vasco e Fluminense. As Torcidas do Vasco, seguindo
o exemplo do Palmeiras e Corinthians, encomendaram 50 tubos de fumaça colorida
e garantem que farão um espetáculo maravilhoso, na entrada de seu time em
campo. Um dos Diretores da Força Jovem (considerada a mais fanática do Clube),
José Alberto Pereira, o Beto Metralha, disse que a fumaça tem as cores
vermelha, preta e branca e vai saudar o time”.
Neste
período o futebol italiano campeão do mundo em 1982, dominava o futebol
internacional, contratando os melhores jogadores do mundo para atuarem em seu
país. Com o Brasil o assédio dos italianos não foi diferente. Praticamente 30%
dos jogadores da seleção brasileira de 1982 atuavam na Itália e as investidas
prosseguiam. Falcão, Sócrates, Zico, Edinho, Cerezzo, Júnior, Pedrinho, Dirceu
já estavam lá.
A
intensa mercantilização do futebol foi se consolidando e eram cada vez mais
visíveis as mudanças que se faziam na “economia da bola”. As camisas passavam a
contar com as propagandas desde 1983, o assédio de clubes europeus se
intensificava, inclusive sobre jovens promessas, como Geovani, Mauricinho, Bebeto,
Branco etc.
O
presidente Calçada foi alvo de inúmeros protestos em função da venda de vários
jogadores para o exterior neste período. O problema se estendia para os outros
clubes, a relação entre dirigentes e torcedores eram constantemente estremecidas
a partir deste período com inúmeras acusações de transações feitas de forma
escusa e de enriquecimento dos dirigentes.
O
medo da torcida tinha uma razão clara o Vasco com vice-campeão brasileiro e com
vários jogadores na seleção era um dos alvos preferidos dos clubes
estrangeiros. Em junho o técnico interino da seleção Edu Coimbra, então técnico
do Vasco, convoca a seleção para os três únicos jogos do Brasil. Roberto,
artilheiro do campeonato brasileiro fazia sua ultima apresentação pelo Brasil.
Entre
julho e setembro de 1984, as relações da diretoria do Vasco (especialmente o
presidente Calçada) e as torcidas organizadas do clube estiveram bastante
tensas. A dificuldade na renovação de contrato com Roberto e as derrotas
provocaram uma onde de protestos que estremeceram o bom ambiente do início do
ano. Eis algumas manchetes dos jornais: TORCIDA DO VASCO NÃO IRÁ VER JOGO EM
CAMPOS, CLUBE SE VINGA E BARRA OS TORCEDORES NA PORTA, GRANDE MANIFESTAÇÃO EM
SÃO JANUÁRIO, TORCIDA AMEAÇA QUEBRAR O VASCO.Numa das manifestações o grupo
levou cartazes que diziam: Presidente Mercenário, Fora Diretoria Incompetente,
Calçada Na Rua, Já e Aqui Jaz Calçada”.
Não
só o dirigente foi o alvo das críticas, um manifesto é escrito e entregue a
imprensa prometendo o boicote dos torcedores aos jogos do Vasco em Campos e
Volta Redonda. Entre os assinantes do documento estavam: Dulce Rosalina da
Renovascão, João Teixeira da Vasbicão, Amâncio César da TOV, Ely Mendes da
Força Jovem, Ivan da Motivascão e Geraldo da Furacão da Colina”.
O
presidente parte para o ataque e acusa os torcedores de receberem dinheiro do
clube para as viagens e de não serem sócios e daí não terem legitimidade para
fazer as críticas: ““Alguns torcedores que assinaram o manifesto, nem sócios do
Vasco são. Então, com que direito acham que podem dar palpites nas decisões dos
dirigentes? Alguns dos que estão liderando o boicote ao time, anunciando que
não irão a Campos, volta e meia organizam caravanas com o auxílio do Clube, que
financia parte do aluguel dos ônibus para as viagens”, conclui o dirigente.
Do
lado dos torcedores havia reações mais pacíficas e outras mais agressivas.
Alguns sugeriam pichar os muros, outros diziam que deveria haver quebra-quebra
e ameaçaram jogar ovos no presidente na hora que ele fosse entrar no clube. Um
torcedor resumiu a situação: “estamos cansados de tudo isto. Chegou a hora de
mudar, O Vasco não é um estabelecimento para vender seus jogadores”.
Em
setembro o alvo é a federação carioca de futebol que não aceitou os pedidos do
presidente da ASTORJ, Wilson Amorin, para a redução do preço dos ingressos: “o
Conselho Arbitral da Federação decidiu por 8 votos a 2, manter os novos preços
de ingressos de arquibancada e geral”. Os torcedores, revoltados prometeram
abandonar as arquibancadas em todos os estádios e ocuparem apenas as gerais.
Ely Mendes (FJV), prometeu liderar sua torcida para realizar a manifestação.
A
última grande manifestação da torcida foi promover um protesto diferente
fazendo um silêncio total como se não tivessem torcedores no estádio. Além
disso, não levaram bandeiras ou faixas.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
Vasco Jornal Última Hora 1984 |
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