domingo, 5 de março de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1978 OUTRAS PALAVRAS

   “Antigamente, a torcida era ingênua, a torcida só foi ficar criativa na década de 1970”
                                                       Sérgio Cabral 

1978                       Outras Palavras

Em 1978 os sinais de enfraquecimento da ditadura militar se refletiam no recrudescimento dos movimentos sociais reivindicativos, seja entre jovens estudantes, entre trabalhadores e seus sindicatos e nas organizações das inúmeras associações de moradores por toda a cidade do Rio de Janeiro. Fenômeno este que se refletiu nas arquibancadas com o surgimento de centenas de microtorcidas oriundas de bairros e regiões da cidade e do Grande Rio.
Outras palavras se integram ao repertório dos torcedores e assustam os dirigentes, aparecem os primeiros movimentos de boicote em função do aumento dos ingressos e da inflação, os torcedores já falam em lançar seus próprios candidatos a presidência do clube, protestos contra a ditadura, por mais liberdade de expressão, a preocupação com a independência das torcidas com o clube está na pauta do dia. Por outro lado, o clientelismo dos dirigentes, o paternalismo e o caráter elitista dos dirigentes ainda predominavam em um ambiente notadamente conservador.
A primeira manifestação crítica dos vascaínos foi contra um capitão do exército  que também comandava a seleção brasileira. Claudio Coutinho recebeu inúmeras vaias dos vascaínos no jogo entre Brasil e Tchecoslováquia, em amistoso no Maracanã no mês de maio. Tudo por conta da escalação de Reinaldo (Atlético-MG) em vez de Roberto. A reportagem explica como seria a manifestação: “Em sinal de protesto, levarão uma faixa preta e farão o enterro simbólico do treinador da Seleção Brasileira, o técnico Cláudio Coutinho. Ely Mendes, o mais irritado, afirma: “se é bagunça, então vamos bagunçar”. Mais adiante há uma outra ameaça: “Em Niterói, vários componentes das Torcidas Vasconçalo e Vascaraí prometem uma passeata monstro caso seja consumado o corte do atacante Vascaíno. E as duas alas de torcedores de Niterói prometem engrossar o coro da vaia ao atacante Reinaldo e toda força possível a Roberto”.

Na Copa do Mundo na Argentina, o atacante Zico era a principal esperança da imprensa carioca de uma nova conquista mundial. No entanto, nos dois   primeiros jogos, tanto a seleção quanto o atleta do Flamengo mostraram um futebol muito abaixo do esperado. Restou ao técnico fazer modificações e a principal dela foi a entrada de Roberto Dinamite no comando do ataque. Ao fazer o gol da vitória e classificar o Brasil, o atacante vascaíno começava a ganhar a titularidade. Nos próximos jogos, ele e Dirceu, seu colega de time, foram os grandes nomes da seleção que terminou em terceiro lugar. Na volta ao Brasil, centenas de torcedores vascaínos recebem a seleção no aeroporto. Já os rubro-egros marcaram presença tímida, decepcionados com o pouco brilho dos seus atletas. Da torcida argentina, os cariocas começaram a copiá-los utilizando o papel higiênico na entrada do time em campo.
Em julho uma dissidência da torcida Vasgonçalo organiza a Vasco Raça após desentendimentos com o líder da Vasgonçalo, considerado um ditador pelos revoltosos. O nome da nova torcida seria uma homenagem “ao próprio Clube, primeiro a abrir suas portas ao negro e também a integração de raças no desporto brasileiro”, afirma o integrante.
Em setembro o clube contratava o goleiro da seleção brasileira, Leão, no entanto, a reação da torcida que tinha em Mazaropi um dos ídolos, foi de protesto contra a diretoria e de ameaça ao novo contratado. Amâncio Cesar, líder da TOV, afirmava: “por que o Leão? pra que o Leão? É bom ele ficar sabendo que existe muita união entre os jogadores aqui no Vasco. Ele que não ouse tentar quebrar essa união, senão faremos com que ele volte rápido”.
            Mas o principal protesto foi a ameaça de boicote ao time em outubro. Algo inédito no futebol: “Ely, Chefe da Força Jovem, é o principal líder do movimento de boicote ao time, afirma mesmo que já conversou com os companheiros pedindo que esqueçam a partida de amanhã. Ele pretende estender o protesto com a adesão de outros Chefes de Torcidas, que certamente o apoiarão. Nem faixas, segundo Ely, devem ser levadas ao Maracanã”.
Em novembro uma reportagem do Jornal do Brasil, que era considerado um dos jornais mais democráticos e  defensores da liberdade de expressão denuncia o comportamento dos torcedores nos estádios e o hábito que se formou nos anos 1970 de falar palavrão: “o que não mudou e parece não haver campanha capaz de alterar o velho hábito de se manifestar contra juízes, bandeirinhas e jogadores em coros de palavrões. Basicamente as reações das Torcidas são iguais. No lado do Vasco, a Força Jovem e a TOV são os líderes de todos os movimentos coletivos, enquanto no do Fluminense a Força Flu se destaca. As várias facções gritam incentivando seu time e xingando adversários da mesma forma, poucas encontram refrão novo. As mulheres porém,  principalmente as Vascaínas começam a se destacar pelo vocabulário pouco ortodoxo, pelo número de palavrões que dizem sem a menor preocupação em dissimular, é o palavrão atualmente não é motivo para provocar briga no Maracanã, já que especialmente entre os mais jovens, os casais participam dos coros com a maior naturalidade”.
O tom moralista da reportagem não percebe que o hábito já existia na sociedade de uma forma geral, nem se preocupa em afirmar que são principalmente as vascaínas e não as tricolores, de uma classe social mais alta e mais fina...
A campanha contra os palavrões nos estádios contou com a iniciativa da grande imprensa, com apoio do governo e da polícia militar. Em agosto, o jornal O Globo, defendendo as novas lideranças entre as torcidas revela: “com apenas 21 anos, o estudante de Direito Rogério, um dos Chefes da Força Jovem do Vasco, é um dos que tem procurado terminar com os palavrões em coro. Quando a minha Torcida começa a gritar palavrões eu mando parar a bateria. Sem o acompanhamento dela, o torcedor se intimida”.
            Após a Copa do Mundo na Argentina em 1978, Vasco e Grêmio disputaram uma partida decisiva para passar  as semifinais do campeonato brasileiro de 1978. O cenário é de guerra e a partida é transmitida para o Rio de Janeiro. As imagens envolvendo conflitos generalizados com os torcedores são mostrados numa das primeiras cenas ao vivo de violência explicita entre torcidas de estados diferentes: “em termos de violência o que ocorreu dentro de campo perdeu de goleada para o que se viu nas arquibancadas. A violência no futebol brasileiro não se limita mais as tradicionais brigas entre jogadores, dirigentes e juízes. O torcedor também entrou na guerra. E talvez seja o mais empolgado com ela”. Em entrevista para o jornal, o líder da Força Jovem descreve o que aconteceu e promete vingança: “ninguém fugiu. Apanhamos, mas também batemos um bocado. E lógico que levamos desvantagem, pois eles estavam em maioria. O troco, porém, pode demorar, mas não deixará de ser dado. O Grêmio virá jogar no Maracanã e ai será a hora de acertarmos as contas.”
            A repercussão dos episódios de violência continuou no dia seguinte com a internação de Adélia Coimbra, 67 anos,  integrante da Torcida Feminina Camisa 12 do Vasco e tia do jogador Zico. A torcedora levou uma garrafada provocando um corte, 12 pontos e fratura no nariz. A vascaína acusa também a omissão da polícia gaúcha que não agiu de forma correta: “os policiais encarregados da segurança ficaram olhando a gente apanhar da Torcida do Grêmio e não deram nenhuma proteção. Depois, essa Torcida ficou jogando coisas em cima da gente e acabei recebendo uma garrafada no rosto”.
            Tristeza maior somente no fim do ano quando Vasco e Flamengo decidiram o segundo turno do campeonato carioca. Diante de mais de 100 mil pagantes, em um jogo disputadíssimo, a vitória coube ao rival com o gol de Rondinelli aos 43 minutos do segundo tempo. Esta foi a derrota mais dolorosa para este adversário em toda a década de 1970. Nas arquibancadas a confiança antes do jogo era imensa: “o certo é que todas as torcidas do Vasco se preparam com um ardor jamais visto para fazer hoje um verdadeiro carnaval no Maracanã (...) Será a coisa mais deslumbrante da história do Maracanã. Uma glória total. Até alegorias ensaiamos (...) Na arquibancada de São Januário, um grupo de torcedores estendia dezenas de bandeiras pretas e brancas para secar ao sol. No almoxarifado, funcionários do Clube, confeccionavam as pressas, bandeiras brancas com a Cruz de Malta vermelho” .
            Embora a torcida em nenhum momento defendesse o seu clube como se estivesse em um campo de batalha, dando ênfase durante toda a semana através do trabalho e sacrifício de inúmeros membros para fazer uma autentica festa nas arquibancadas, a manchete era DUAS TORCIDAS JÁ ESTÃO PRONTAS PARA A GRANDE GUERRA.
            A reportagem dá grande destaque para os preparativos de cada lado tentando ser imparcial, explica como a torcida vascaína carregará para o estádio seu material: “a preparação das Torcidas para um jogo decisivo como o de hoje, é tratada por seus componentes com muita seriedade. Para incentivar seus Times, eles trabalham durante toda semana, muitas vezes durante a noite, em atividades que vão desde a confecção de bandeiras, faixas gigantes e papel picado até cortar mastros e afinar instrumentos musicais.No Vasco, as Facções ao todo são cerca de 50, tiveram diversas reuniões com dirigentes do Clube, que lhe deram total apoio inclusive financeiro, para os preparativos do jogo de hoje. Entre outras formas de apoio a equipe, fizeram uma faixa com 100 metros de comprimento por 1.60m de largura, na qual se ler Campeão da Taça Rio. Além disso, cortaram 3 mil 500 mastros de bambu, fizeram duas mil bandeirolas, compraram duas mil bolas de encher, três mil apitos, 1 mil 500 rolos de papel higiênico, contrataram cerca de 300 músicos. Além de uma inovação, 500 Cruz de Malta vermelha , feitas com purpurina como as alegorias de mão” .
            A imparcialidade é logo quebrada com a descarada informação que a torcida do Flamengo não terá auxilio do clube para o jogo (paternalismo só do outro lado): “no Flamengo, os Chefes de Torcida reuniram-se com o presidente Márcio Braga e abriram mão de qualquer auxilio financeiro, em vista dificuldades que o Clube esta enfrentando (...) A Torcida do Vasco, por exemplo, recebe dinheiro do Clube e entra toda enfeitada, mas na hora do grito, o que se houve mesmo é Mengo ”.
           Para finalizar os dois lideres das torcidas desconversam sobre as brigas entre os torcedores rivais. Cada um foge da preocupação do repórter e aponta o problema para a massa: “esse negócio de briga entre Torcidas, não existe há mais de 10 anos. Hoje, os Chefes de Torcida do Vasco são adversários dos Chefes de Torcidas do Flamengo durante 90 minutos. Depois conversamos. Sou muito amigo, inclusive, de alguns Rubros Negros, diz Ely. Ricardo Muel é da mesma opinião e diz que quando há briga no Maracanã, ela é normalmente, provocada por torcedores avulsos. As Torcidas Organizadas tem seus lugares fixos, mas o torcedor comum não”.
            Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.

Vasco Jornal do Brasil 1978

Vasco Jornal O Globo 1978





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