“Antigamente, a torcida era ingênua, a torcida só foi
ficar criativa na década de 1970”
Sérgio Cabral
1978 Outras
Palavras
Em 1978 os sinais de enfraquecimento da ditadura
militar se refletiam no recrudescimento dos movimentos sociais reivindicativos,
seja entre jovens estudantes, entre trabalhadores e seus sindicatos e nas
organizações das inúmeras associações de moradores por toda a cidade do Rio de
Janeiro. Fenômeno este que se refletiu nas arquibancadas com o surgimento de
centenas de microtorcidas oriundas de bairros e regiões da cidade e do Grande
Rio.
Outras palavras se integram ao repertório dos
torcedores e assustam os dirigentes, aparecem os primeiros movimentos de
boicote em função do aumento dos ingressos e da inflação, os torcedores já
falam em lançar seus próprios candidatos a presidência do clube, protestos
contra a ditadura, por mais liberdade de expressão, a preocupação com a
independência das torcidas com o clube está na pauta do dia. Por outro lado, o
clientelismo dos dirigentes, o paternalismo e o caráter elitista dos dirigentes
ainda predominavam em um ambiente notadamente conservador.
A primeira manifestação crítica dos vascaínos foi
contra um capitão do exército que também
comandava a seleção brasileira. Claudio Coutinho recebeu inúmeras vaias dos
vascaínos no jogo entre Brasil e Tchecoslováquia, em amistoso no Maracanã no
mês de maio. Tudo por conta da escalação de Reinaldo (Atlético-MG) em vez de
Roberto. A reportagem explica como seria a manifestação: “Em sinal de protesto,
levarão uma faixa preta e farão o enterro simbólico do treinador da Seleção
Brasileira, o técnico Cláudio Coutinho. Ely Mendes, o mais irritado, afirma: “se
é bagunça, então vamos bagunçar”. Mais adiante há uma outra ameaça: “Em
Niterói, vários componentes das Torcidas Vasconçalo e Vascaraí prometem uma
passeata monstro caso seja consumado o corte do atacante Vascaíno. E as duas
alas de torcedores de Niterói prometem engrossar o coro da vaia ao atacante
Reinaldo e toda força possível a Roberto”.
Na
Copa do Mundo na Argentina, o atacante Zico era a principal esperança da imprensa
carioca de uma nova conquista mundial. No entanto, nos dois primeiros jogos, tanto a seleção quanto o
atleta do Flamengo mostraram um futebol muito abaixo do esperado. Restou ao
técnico fazer modificações e a principal dela foi a entrada de Roberto Dinamite
no comando do ataque. Ao fazer o gol da vitória e classificar o Brasil, o
atacante vascaíno começava a ganhar a titularidade. Nos próximos jogos, ele e
Dirceu, seu colega de time, foram os grandes nomes da seleção que terminou em
terceiro lugar. Na volta ao Brasil, centenas de torcedores vascaínos recebem a
seleção no aeroporto. Já os rubro-egros marcaram presença tímida, decepcionados
com o pouco brilho dos seus atletas. Da torcida argentina, os cariocas
começaram a copiá-los utilizando o papel higiênico na entrada do time em campo.
Em julho uma dissidência da torcida Vasgonçalo
organiza a Vasco Raça após desentendimentos com o líder da Vasgonçalo,
considerado um ditador pelos revoltosos. O nome da nova torcida seria uma
homenagem “ao próprio Clube, primeiro a abrir suas portas ao negro e também a
integração de raças no desporto brasileiro”, afirma o integrante.
Em setembro o clube contratava o goleiro da seleção
brasileira, Leão, no entanto, a reação da torcida que tinha em Mazaropi um dos
ídolos, foi de protesto contra a diretoria e de ameaça ao novo contratado.
Amâncio Cesar, líder da TOV, afirmava: “por que o Leão? pra que o Leão? É bom
ele ficar sabendo que existe muita união entre os jogadores aqui no Vasco. Ele
que não ouse tentar quebrar essa união, senão faremos com que ele volte
rápido”.
Mas o principal protesto foi a
ameaça de boicote ao time em outubro. Algo inédito no futebol: “Ely, Chefe da
Força Jovem, é o principal líder do movimento de boicote ao time, afirma mesmo
que já conversou com os companheiros pedindo que esqueçam a partida de amanhã.
Ele pretende estender o protesto com a adesão de outros Chefes de Torcidas, que
certamente o apoiarão. Nem faixas, segundo Ely, devem ser levadas ao Maracanã”.
Em novembro uma reportagem do Jornal do Brasil, que era considerado um
dos jornais mais democráticos e
defensores da liberdade de expressão denuncia o comportamento dos torcedores
nos estádios e o hábito que se formou nos anos 1970 de falar palavrão: “o que
não mudou e parece não haver campanha capaz de alterar o velho hábito de se
manifestar contra juízes, bandeirinhas e jogadores em coros de palavrões.
Basicamente as reações das Torcidas são iguais. No lado do Vasco, a Força Jovem
e a TOV são os líderes de todos os movimentos coletivos, enquanto no do
Fluminense a Força Flu se destaca. As várias facções gritam incentivando seu
time e xingando adversários da mesma forma, poucas encontram refrão novo. As
mulheres porém, principalmente as
Vascaínas começam a se destacar pelo vocabulário pouco ortodoxo, pelo número de
palavrões que dizem sem a menor preocupação em dissimular, é o palavrão atualmente
não é motivo para provocar briga no Maracanã, já que especialmente entre os
mais jovens, os casais participam dos coros com a maior naturalidade”.
O tom moralista da reportagem não percebe que o hábito já existia na
sociedade de uma forma geral, nem se preocupa em afirmar que são principalmente
as vascaínas e não as tricolores, de uma classe social mais alta e mais fina...
A campanha contra os palavrões nos estádios contou com a iniciativa da
grande imprensa, com apoio do governo e da polícia militar. Em agosto, o jornal
O Globo, defendendo as novas lideranças entre as torcidas revela: “com apenas
21 anos, o estudante de Direito Rogério, um dos Chefes da Força Jovem do Vasco,
é um dos que tem procurado terminar com os palavrões em coro. Quando a minha
Torcida começa a gritar palavrões eu mando parar a bateria. Sem o
acompanhamento dela, o torcedor se intimida”.
Após a Copa do Mundo na Argentina em
1978, Vasco e Grêmio disputaram uma partida decisiva para passar as semifinais do campeonato brasileiro de
1978. O cenário é de guerra e a partida é transmitida para o Rio de Janeiro. As
imagens envolvendo conflitos generalizados com os torcedores são mostrados numa
das primeiras cenas ao vivo de violência explicita entre torcidas de estados
diferentes: “em termos de violência o que ocorreu dentro de campo perdeu de
goleada para o que se viu nas arquibancadas. A violência no futebol brasileiro
não se limita mais as tradicionais brigas entre jogadores, dirigentes e juízes.
O torcedor também entrou na guerra. E talvez seja o mais empolgado com ela”. Em
entrevista para o jornal, o líder da Força Jovem descreve o que aconteceu e
promete vingança: “ninguém fugiu. Apanhamos, mas também batemos um bocado. E
lógico que levamos desvantagem, pois eles estavam em maioria. O troco, porém,
pode demorar, mas não deixará de ser dado. O Grêmio virá jogar no Maracanã e ai
será a hora de acertarmos as contas.”
A repercussão dos episódios de
violência continuou no dia seguinte com a internação de Adélia Coimbra, 67
anos, integrante da Torcida Feminina
Camisa 12 do Vasco e tia do jogador Zico. A torcedora levou uma garrafada
provocando um corte, 12 pontos e fratura no nariz. A vascaína acusa também a
omissão da polícia gaúcha que não agiu de forma correta: “os policiais
encarregados da segurança ficaram olhando a gente apanhar da Torcida do Grêmio
e não deram nenhuma proteção. Depois, essa Torcida ficou jogando coisas em cima
da gente e acabei recebendo uma garrafada no rosto”.
Tristeza maior somente no fim do ano
quando Vasco e Flamengo decidiram o segundo turno do campeonato carioca. Diante
de mais de 100 mil pagantes, em um jogo disputadíssimo, a vitória coube ao
rival com o gol de Rondinelli aos 43 minutos do segundo tempo. Esta foi a
derrota mais dolorosa para este adversário em toda a década de 1970. Nas arquibancadas
a confiança antes do jogo era imensa: “o certo é que todas as torcidas do Vasco
se preparam com um ardor jamais visto para fazer hoje um verdadeiro carnaval no
Maracanã (...) Será a coisa mais deslumbrante da história do Maracanã. Uma
glória total. Até alegorias ensaiamos (...) Na arquibancada de São Januário, um
grupo de torcedores estendia dezenas de bandeiras pretas e brancas para secar
ao sol. No almoxarifado, funcionários do Clube, confeccionavam as pressas,
bandeiras brancas com a Cruz de Malta vermelho” .
Embora a torcida em nenhum momento
defendesse o seu clube como se estivesse em um campo de batalha, dando ênfase
durante toda a semana através do trabalho e sacrifício de inúmeros membros para
fazer uma autentica festa nas arquibancadas, a manchete era DUAS TORCIDAS JÁ
ESTÃO PRONTAS PARA A GRANDE GUERRA.
A reportagem dá grande destaque para
os preparativos de cada lado tentando ser imparcial, explica como a torcida
vascaína carregará para o estádio seu material: “a preparação das Torcidas para
um jogo decisivo como o de hoje, é tratada por seus componentes com muita
seriedade. Para incentivar seus Times, eles trabalham durante toda semana,
muitas vezes durante a noite, em atividades que vão desde a confecção de
bandeiras, faixas gigantes e papel picado até cortar mastros e afinar
instrumentos musicais.No Vasco, as Facções ao todo são cerca de 50, tiveram
diversas reuniões com dirigentes do Clube, que lhe deram total apoio inclusive
financeiro, para os preparativos do jogo de hoje. Entre outras formas de apoio
a equipe, fizeram uma faixa com 100 metros de comprimento por 1.60m de largura,
na qual se ler Campeão da Taça Rio. Além disso, cortaram 3 mil 500 mastros de
bambu, fizeram duas mil bandeirolas, compraram duas mil bolas de encher, três mil
apitos, 1 mil 500 rolos de papel higiênico, contrataram cerca de 300 músicos.
Além de uma inovação, 500 Cruz de Malta vermelha , feitas com purpurina como as
alegorias de mão” .
A imparcialidade é logo quebrada com
a descarada informação que a torcida do Flamengo não terá auxilio do clube para
o jogo (paternalismo só do outro lado): “no Flamengo, os Chefes de Torcida
reuniram-se com o presidente Márcio Braga e abriram mão de qualquer auxilio
financeiro, em vista dificuldades que o Clube esta enfrentando (...) A Torcida
do Vasco, por exemplo, recebe dinheiro do Clube e entra toda enfeitada, mas na
hora do grito, o que se houve mesmo é Mengo ”.
Para finalizar os dois lideres das
torcidas desconversam sobre as brigas entre os torcedores rivais. Cada um foge
da preocupação do repórter e aponta o problema para a massa: “esse negócio de
briga entre Torcidas, não existe há mais de 10 anos. Hoje, os Chefes de Torcida
do Vasco são adversários dos Chefes de Torcidas do Flamengo durante 90 minutos.
Depois conversamos. Sou muito amigo, inclusive, de alguns Rubros Negros, diz
Ely. Ricardo Muel é da mesma opinião e diz que quando há briga no Maracanã, ela
é normalmente, provocada por torcedores avulsos. As Torcidas Organizadas tem
seus lugares fixos, mas o torcedor comum não”.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito
pelo historiador Jorge Medeiros.
Vasco Jornal O Globo 1978 |
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