quarta-feira, 1 de março de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1977 A BARREIRA DO INFERNO

                                      “Enquanto houver um coração infantil o Vasco será imortal”
                                                                           Ciro Aranha

1977                 A Barreira do Inferno
A construção do estádio de São Januário com apoio da união e do esforço de milhares de torcedores vascaínos tornou-se simbólico para o imaginário positivo de sua torcida. Em 1977, o estádio completaria 50 anos e a torcida queria um time forte para lembrar os velhos tempos do Expresso da Vitória.
A diretoria atendeu aos apelos da torcida e era montado um time seguindo a tradição dos grandes elencos do passado. Vários jogadores de outros clubes cariocas eram contratados, em destaque o meia Dirceu (Fluminense) e os defensores Orlando e Geraldo (América).
Enquanto o novo elenco treinava e ganhava entrosamento a cidade parava para se integrar ao carnaval de 1977. Neste ano a folia contou com inúmeros sambas-enredos que caíram no gosto popular e foram entoados nas arquibancadas a plenos pulmões. Dentre as músicas mais famosas estava “Domingo”, da União da Ilha do Governador. A própria escola levou centenas de torcedores organizados para desfilar na avenida. Carlinhos Português, um dos participantes relembra: “a União da Ilha chamou várias Torcidas Organizadas para desfilar, entre elas a Força Jovem, a Torcida Jovem do Flamengo, a Torcida Organizada do Botafogo (TOB), a Fiel Tricolor, a porrada comeu no fim do desfile entre a gente e a Jovem do Flamengo, porque eles queriam ser o primeiro da Ala e a Escola mandou a gente sair na frente, já que nós tínhamos a faixa mais bonita, estávamos todos uniformizados, eles não gostaram e no final a porrada comeu.”
No mês de fevereiro a Revista Placar traz uma excelente reportagem sobre a presença da música no Maracanã. Desde a Copa do Mundo com o coro entoava As Touradas de Madri, até os tempos atuais, inúmeras marchinhas e paródias se tornavam o conta das torcidas, ao lado dos hinos dos clubes, criados por Lamartine Babo nos anos 1940.
O texto aponta para a torcida do Almirante como a primeira a inventar uma paródia cantada por milhares de pessoas. Foi em 1951 durante a final do campeonato de 1950 disputado por Vasco e América:
“Oi Zum-zum-zum- zum-zum-zum-zum
Tá faltando um
Ademir pegou a bola
E desapareceu
O Osni ta procurando
Onde a bola se meteu
Oi Zum-zum-zum- zum-zum-zum-zum
Vasco dois a um.”
Ao contrário da época anterior ao Maracanã, pois as torcidas não ficavam divididas se tornando difícil um coro evoluir rapidamente o novo estádio: “deu as Torcidas um sentido de unidade antes impossível. Nos extintos Estádios do Fluminense, nas Laranjeiras e do Botafogo, em General Severiano, assim como no do Vasco, em São Januário e no do Flamengo, na Gávea, a Torcida sempre existiu como um elemento fracionado, não como grupo homogêneo reunido numa mesma porção da arquibancada. Embora no meio da multidão, o torcedor não perdia a sensação de isolamento, seus acessos de euforia eram contidos pela certeza da proximidade de um inimigo, cuja reação não podia prever”.
A principal divisão do Maracanã foi feita entre as duas maiores torcidas cariocas em 1950 e desde então esta separação seria respeitada: o Vasco ficaria do lado direito das cabines de rádio e das tribunas e cadeiras especiais e o Flamengo do lado esquerdo: “com o correr dos anos, o Maracanã criou tradições que identificam as Torcidas: os cantos, os gritos, os refrões, os coros de toda natureza, inclusive de palavrões ritmados......Nem só de xingar o adversário vive o cancioneiro futebolístico. Todas as Torcidas tem também os refrões melodiosos de estímulo a seus times. A melodia se esgota na simples repetição de um fonema: Vascô-ô-ô-ô ou Fogô-ô-ô-ô-ô. As vezes não há nem esta modulação, bastando a repetição ritmada do nome do Clube, uma partícula dele ou mesmo outra palavra significativa: Vascô, Vascô, Mengô, Mengô, Fogô, Fogô, Nense, Nense, Sangue, Sangue....No entanto, a inventividade das Torcidas se revela com mais pureza nas paródias criadas de repente ao sabor de um resultado favorável a seu time.”
‘Em seguida a reportagem explica como surgiu um dos cantos principais no início dos anos 1970 sendo cantado por todas as torcidas mas que começou com a torcida do Vasco aproveitado a manchete do Jornal dos Sports ”Vasco Botou para Quebrar”. “Na semana seguinte, entoou com garra aquele que é hoje o grito de combate e de triunfo de tantas Torcidas”.
“Olê-olá
O nosso Vasco
Tá botando pra quebrar”
Em maio de 1977, com a torcida entusiasmada pela campanha do time, foi feito uma paródia com o samba do Império Serrano na final da Taça Guanabara contra o Botafogo: “panfletos com o samba do Império Serrano (“Brasil Berço dos Imigrantes” ... É tempo de Carnaval, Hoje as cores do Império, Vem saudar a imigração...) em homenagem ao time, foram se não me engano 100 mil panfletos que foram distribuídos no Maracanã, eu vi o Estádio todo cantando o Samba com a letra em relação ao time:
É tempo de futebol,
veja as cores do Vascão,
que já pintou como campeão,
na arquibancada é alegria,
 na geral é euforia,
o Estádio em toda empolgação,
do Vascão ao entrar ...
“Esse foi o samba, que pela primeira vez uma Torcida Organizada, levou para o Maracanã, um show que nunca vou esquecer”, recorda Carlinhos Português. Quem não tem boas lembranças deste ano foram os fundadores da torcida Raça Rubro-Negra que fez sua estreia justamente no momento em que o Vasco massacrou o Flamengo por 3 a 0.
Neste ano até a Flapress teve que se render e não faltaram notícias e reportagens sobre as torcidas vascaínas, especialmente a Força Jovem que passa a ter uma cobertura nunca como nunca teve antes. “As peças da bateria estão espalhadas no corredor que conduz as arquibancadas, de couro novo e prontas para ser utilizadas. Um grupo de meninas arruma cuidadosamente as bandeiras em enormes bambus. Numa Sala escura e coberta de papel picado no chão, Ely Mendes faz uma rápida reunião, instruindo os Diretores da Força Jovem do Vasco. Ele não quer erros. A participação da Força Jovem no clássico tem que ser decisiva.“Mas não pode também haver brigas. Viemos ao Estádio para torcer, não pra brigar.”As 10 horas, Ely e a Diretoria da Força estavam no Maracanã. Eles tem credenciais especiais cedidas pela SUDERJ. No Portão 18, passaram por uma revista demorada (...) O negócio era trabalhar, terminar os preparativos para o jogo. Ely coordena todo o trabalho, se preocupa com os mínimos detalhes. Luís Marrucho, um dos mais interessados, cumpre o seu papel, que nada tem a ver com couros e bateria ou bandeiras, distribui folhetos avisando da caravana que irá a Volta Redonda, dia 1º de Maio. O preço será de Cr$: 40,00  ida e volta. As passagens estarão a venda em São Januário a partir de hoje. É fácil pertencer a Força Jovem, basta preencher um formulário e dar 2 retratos 3X4. A mensalidade é de Cr$ 5,00, para ajudar nas despesas dos jogos como explica Marrucho.“Para este jogo contra o Flamengo gastamos cerca de Cr$ 4 mil. Os couros da bateria são muitos caros e a cada jogo, há necessidade de mudarmos pelo menos 20, temos 90 peças ao todo e além dos couros, ainda há as baquetas”.Ely sai da Sala com uma bandeira nova, pronta para ser colocada no bambu, Marrucho fala de seu preço.“Entre pano e costureira, gastamos cerca de Cr$ 300,00 para fazer cada bandeira desta. As faixas grandes, em média ficam por Cr$ 800,00. A despesa é maior do que a receita.
A fonte de arrecadação tem por base as mensalidades pagas pelos sócios. Ely explica que também são vendidas camisas nas arquibancadas, durante o jogo.“Ganhamos em média Cr$ 5,00 por camisa vendida. Temos que usar muitos meios para ganhar dinheiro para a Torcida. Não faltam os oferecimentos, mas poucos ajudam.”Eles gastam do próprio dinheiro para comprar material. Ely lembra que já pagou até passagem de torcedor para viajar.“O que posso fazer? Coordenar esta Torcida é parte de minha vida.”E sai para reclamar de uma menina que não estava amarrando a bandeira direito. “A bandeira tem que ficar bem no alto tremulando, mostrando as cores do nosso Clube e o nome de nossa Torcida, composta por um grupo dedicado e trabalhador”.   
Com a festa se estendendo do Maracanã até o estádio de São Januário, a torcida caminhou por todo este percurso fazendo a tradicional algazarra pelas ruas e bares da região. Tudo era motivo para festejar. Mesmo o roubo do material da Força Jovem na sala do Maracanã durante a semana teve como resposta a ironia do responsável da torcida que escreve para o jornal: “sexta-feira passada, quando preparados para reparar nossa bateria no maior Estádio do Mundo, levamos um susto, uma tristeza enorme invadiu nossos corações, pois o que tentaram fazer foi ‘calar a Força Jovem do Vasco’... ‘Um grupo de pessoas penetrou em propriedade Estadual (Mário Filho) e se apoderou de toda nossa bateria que se encontrava no Estádio, insatisfeitos atearam fogo no restante do material’... só se esqueceram que nós da Força Jovem temos um patrimônio neste setor, muito invejado, até por Escolas de Samba, o que esses vândalos conseguiram foi nos dar ao trabalho de voltar a São Januário e reparar nossa bateria naquele Estádio e transportá-la para o Mário Filho, além de ter sido um aviso para o policiamento constante que é designado para o Estádio Mário Filho”.
O melhor de 1977 estaria a caminho com o último jogo do segundo turno entre Vasco e Flamengo e, como nas decisões nestes anos, mais de 100 mil pessoas (fora os “caronas”) e a sensação que não cabia mais ninguém no estádio: “E a festa do povão já percorria o Maracanã, repleto, dividido. Em partes iguais. De um lado, a alvoroçada massa  Rubro Negra se ajeitava. De outro, a confiante Torcida Vascaína já cantava o Título: “Se a canoa não virar, olé olé olâ, eu chegou lá, se o Tricolor for vigarista, vou.....do Flamenguista. A resposta ensaiava surgir, a certeza Vascaína não deixava: “É Campeão, é Campeão”, invejada invencibilidade, a sua irretocável campanha.“Vascôôôô, ô ô ô, Oleleô, Oleleô, Vasco”. O Título de Campeão Carioca de 1977 a ser conquistado ali, na guerra das Torcidas. Daí a loucura, envolvida por um natural suspense. Um suspense cruciante, asfixiante como o próprio calor Carioca, numa noite de primavera colorida por um sem número de bandeiras. Frente à frente, as duas maiores Torcidas, frente à frente, os dois melhores times do Rio. O grito Cruzmaltino cortava todo o Maracanã, destacando a acentuada diferença que existia naquela noite da semana passada. O Vasco era todo confiança.....“O Vascão  ta mesmo injuriado hem cara? Quero ver esses m...., marcarem gol no Mazaropi (...) Vascachaça,Vasgonçalo,Vascancela, Vascoelho, Vascaraí, Força Jovem, Pequenos Vascaínos, TOV, Vasbicão, Saravasco, Vascaé, uma infinidade de Torcidas comungava a mesma confiança. A batucada ritmada, o papel picado, bandeiras pequenas, médias e enormes, adereços, alegoria de mão,a cachaça e a cerveja correndo de mão em mão, de boca em boca. Um a um os ídolos eram saudados. De dentro do campo, batendo bola, eles acenavam. Os fogos estouravam ensurdecendo a própria batucada, colorindo ainda mais o Maracanã....Ao longe, Ely Mendes gesticulava comandando a Força Jovem. Mais distante ainda, a graciosa Dulce Rosalina a frente da Torcida Renovascão. O jogo terminou como começou, 0 X 0, decisão por Pênaltis.......”
A expectativa da torcida  do Flamengo era se vingar e vencer o rival da mesma forma. De preferência vendo o maior ídolo do Vasco, o atacante Roberto (um exímio batedor de pênaltis), errar como fez Zico no ano anterior. “Mas o chute de Roberto é seco, rasteiro, no canto esquerdo de Cantarelli, que nem vai na bola. Já é madrugada no Rio, mas a festa do Bacalhau estava apenas começando.
Durante a semana uma reportagem acompanhou o trabalho da polícia e algumas ideias que seriam adotadas no futuro já eram cogitadas, como a proibição da venda de bebidas alcoólicas, Revólver, faca, gilete. Cenas de tamanha pancadaria não chegam a ser comuns nos campos de futebol do Brasil, mas a violência costuma aumentar nessa época do ano, quando os Campeonatos regionais vão chegando ao final. Por isso, há cada vez mais polícia assistindo o jogo de futebol no País.Afinal desde a década de 1940, quando o Uruguaio Ondino Vieira, definiu os campeonatos regionais brasileiros como autênticas guerras, jogadores e torcedores vêm mantendo elevado o índice de violência nos Estádios. No último Vasco X Flamengo, na quarta feira passada, no Rio de Janeiro, a Polícia aprendeu dois revolveres e mais de 300 armas brancas, de facas a giletes, na prática revista as portas do Maracanã (...). O ideal, acreditam alguns policiais cariocas, seria proibir a venda de bebidas alcoólicas dentro do Estádio. Ely, Chefe da Força Jovem, acha que não adiantaria. “É que o torcedor já chega ao Estádio mamado”, comenta. As Torcidas Organizadas, cujos gritos, coros e bandeiras costumam agitar os Estádios, nem sempre são as mais agressivas, pois costumam operar em acordo com a Polícia, que lhes reserva lugar na arquibancada e oferece proteção (...). Ultimamente, contudo o pessoal da segurança do Estádio notou que muitas Torcidas, trocaram a vara de bambu que sustenta as bandeiras por bastão, que pode se tornar uma arma bastante perigosa”.
O sucesso do time se refletia no crescimento do número sócios do clube e, no mesmo sentido, aumentam as torcidas e surgem outras. A Força Jovem se consolida e vive o melhor momento dos anos 1970, são feitas filiais em vários estados e cidades por todo o Brasil surgem pedidos de camisas e  outros materiais da torcida.
A Força Jovem iniciava a reforma da Sala no Maracanã Orçada em Cr$ 10 mil, seriam construídas prateleiras e um compartimento especial para guardar o material de bateria e bandeiras. A torcida anunciava a venda de 200 camisas a Cr$ 50,00 para cobrir os custos das despesas e declarava que 15 novas bandeiras seriam feitas e que se juntariam aos 40 instrumentos de percussão.
Começa o campeonato brasileiro e a expectativa é grande pois foi mantido o mesmo elenco e o clube é apontado como um dos favoritos. Mas a decepção viria com a eliminação para o Londrina em São Januário. Antes, na cidade paranaense além de perder a partida ocorreram inúmeras brigas entre as torcidas causando o ferimento de inúmeros vascaínos. Com uma caravana de apenas 3 ônibus, a torcida foi massacrada: “tenho acompanhado o Vasco por muitos lugares e foi a primeira vez que tivemos problemas sérios. Viemos aqui em Londrina apenas para torcer, sem nenhuma intenção de menosprezar o público da Cidade. Infelizmente nem todos estão preparados para conviver em paz. É uma pena, porque o Campeonato Brasileiro permite a integração de todas as Torcidas do País.” reclamava um dos líderes.
O líder da Força Jovem, Ely Mendes prometia fazer uma série de denúncias junto a CBD, cujo presidente era o almirante Heleno Nunes, reconhecido vascaíno, pois a torcida só conseguiu sair da cidade com o acompanhamento de um Choque da Policia Militar.
O ano terminava com o 1º Concurso para eleição da Rainha das Torcidas Organizadas do Vasco da Gama no dia 09 de Dezembro, na Casa do Espinho, em Braz de Pina. Durante anos este concurso foi promovido e se tornou uma tradição no clube.
Movimentando as diferentes facções que apresentavam a cada ano suas concorrentes tinha como apoio principal e organização a cargo da Torcida Feminina Camisa 12, criada por Iara Barros em 1973. Este concurso era incentivado pela diretoria do clube que abriu seus salões por diversas vezes para a promoção de mais uma atividade que gerava a confraternização entre as torcidas e o clube.
No ano seguinte o concurso aconteceu na luxuosa sede da Associação dos Empregados do Comércio, na Av. Rio Branco. Participaram 18 Torcidas que foram julgadas por um júri de peso: Danuza Leão, Sônia Braga, Elke Maravilha e Paulinho da Viola, vascaínos renomados que elegeram Isabel Cristina Manteiga da Torcida Vasteles como a nova rainha.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.

Vasco Jornal O Globo 1977

Vasco Jornal dos Sports 1977



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