“A importância e o poder de decisões dessas
pessoas nos
clubes está muito grande e tomando um caminho
perigoso.”
Zagallo – técnico do Vasco em 1991
1991
A Volta das Famílias aos Estádios
O crescimento vertiginoso da FJV que
chegou a triplicar de tamanho levou os diretores da associação dar um novo
passo para a sua melhor organização em meados do ano, dividindo a torcida em várias
regiões[1] da
cidade do Rio de Janeiro e Niterói. Tudo isto foi decidido após um estudo de
viabilidade e segurança de cada núcleo que passou a ser chamado de “família”.
Coube a região do Méier, local simbólico de origem da torcida e principal local
de arregimentação de torcedores vascaínos, ser a “1ª Família”. Também foi nesta
área que surge a primeira sede da associação.
A
idéia inicial era garantir o entrosamento e o bom relacionamento entre os
membros de um mesmo local e facilitar o encontro dos torcedores para seguirem
juntos para os estádios. Por outro lado, facilitar a comunicação entre os
diretores (“cabeças”) e as novas lideranças, bem como os novos adeptos.
Uma mudança importante em julho de 1991
veio com a criação do GEPE (Grupamento Especial de Policiamento nos Estádios)
pelo recém-eleito governador Leonel Brizola e seu vice, Nilo Batista, que
também acumulava o Secretario de Segurança. O GEPE era um órgão ligado a
Policia Militar do Rio de Janeiro com a função específica de adotar medidas
inovadoras no combate a crescente violência entre as torcidas organizadas na
cidade. Com uma política de orientação menos repressiva e mais preventiva, o
GEPE procurou um diálogo não só com os torcedores para adotar suas ações como também
inovou entrando em contato com Mauricio Murad, professor de Sociologia na UERJ
e fundador do Núcleo de Sociologia do Futebol[2] em
1990. Na ocasião, os policiais foram convidados para palestras na Universidade,
além da troca de informações com outras instituições que estudavam a violência
urbana.
Nestes anos os jornais fazem inúmeras
matérias contra as organizadas, especialmente sobre a Força Jovem, sempre com
uma ênfase negativa, com títulos pejorativos, com insinuações de relações
perigosas, enfim, desvalorizando a organização e privilegiando os aspectos mais
polêmicos, embora estes já permeassem o universo das torcidas há muitos anos.
Estes são alguns dos exemplos que
podemos comprovar do processo de “destruição” das torcidas feitas pela
imprensa:
1 - FORÇA JOVEM: QUANDO A PRESSÃO DA TORCIDA É
A VOZ DOS CARTOLAS
Contratadas ou
subvencionadas pelas Diretorias de seus Clubes, várias Torcidas Organizadas
servem para fazer o que espertos Cartolas evitam pessoalmente. E caso se sintam
mais seguras até influem na queda de Presidente, como já aconteceu no Flamengo
(...)
Com extrema habilidade, os Dirigentes
utilizam, se necessário, as Torcidas Organizadas como massa de manobra. No
atual Campeonato Brasileiro, isso ficou claro duas vezes.Quando queriam demitir
Zagalo, mas não sabiam como, recorreram a Força Jovem, que passou a perseguir o
Treinador até deixá-lo em situação insustentável”[3].
2 - FORÇA
JOVEM E PEQUENOS VASCAÍNOS: PAIOL DAS TORCIDAS NO MARACANÃ PODE FECHAR:
A violência no
clássico de domingo no Maracanã entre as Torcidas do Vasco e Flamengo pode ter
decretado o fim da ocupação de Salas especiais no Estádio pelos torcedores
organizados.
O subsecretário
de Esporte do Rio, Valter Oaquim admitiu ontem despejar as Torcidas das Salas
que usam para guardar material e cortar as vantagens dadas e seus Chefes, como
o ingresso gratuito para organizar o grupo em dias de jogos[4].
Por outro lado, contraditoriamente foi
comum ainda encontrar no mesmo período matérias extremamente positivas sobre as
mesmas torcidas, com exaltação da figura de seus membros e da paixão
desinteressada pelo clube, funcionando quase que como propagandas oficiais:
1 – “FORÇA JOVEM EM DEFESA DO VASCO DA GAMA
SEJA ONDE FOR: Em um grupo de Jovens fãs do Clube de Regatas Vasco da Gama,
todos moradores do Méier, resolveu fundar uma Torcida Organizada, que daria
muito o que falar nos anos seguintes, o que faz, aliás, até hoje. Surgia então
a Força Jovem, considerada hoje a maior facção de Torcida do Vasco, com cerca
de 7 mil sócios. Embora disponham atualmente de 2 salas, uma no Maracanã e
outra em São Januário, e estejam próximo de ganhar uma terceira, desta vez no
Centro, é numa casa do Méier, de propriedade do sócio Hadson Caputo, que os
membros da Força Jovem se reúnem em dias normais. Acostumados a defender e a
gritar pelas cores do time da cruz de Malta, onde quer que seja (até mesmo fora
do Brasil) os rapazes, a proporção de moças na Torcida é bastante pequena,
menos de 10% do total, repudiam o rótulo de briguentos e selvagens (...)Hoje a
Força conta até com o boletim Informativo, mantido através de anúncios de comerciantes
Vascaínos. Gerida como uma Empresa, a Torcida tem um Presidente, um Vice
Presidente Geral e mais 3 específicos (Patrimônio, Finanças e Social), 10
diretores (Bandeiras, Bateria, Salas, Festas e Eventos, Carteirinhas, Relações
Públicas, Comunicação, Vendas, Mensalidades)”[5].
2 - FESTA EM
PRETO E BRANCO:
Tendo o Vasco
da Gama como uma paixão, provavelmente a maior de suas vidas, os torcedores
quando não estão numa arquibancada fazendo uma festa em Preto e Branco com
muito samba, geralmente estão sonhando com o dia em que reviverão esses
momentos. Nos dias de grandes clássicos no Maracanã, a Força Jovem apresenta a
multidão presente ao Estádio cerca de 80 bandeiras e uma bateria (chamada por
eles de nota 10) composta por oito surdos, 15 repiniques, 15 caixas e uma
quantidade enorme de chocalhos e tamborins.“E estamos aprontando aquela que
será a nossa maior bandeira, com 60 metros quadrados. Ela trará estampada nosso
símbolo o Eddie, mascote da banda de heavy metal Iron Maiden,” diz Roberto
Monteiro. O Eddie aliás, já aparece em alguns adesivos da Força.Eddie, aliás já
aparece em alguns adesivos da Força Jovem.
Sobre
rivalidade entre Torcidas de Estados diferentes, eles explicam que ela fez com
que surgisse também amizade, como é o caso do bom relacionamento que hoje une a
Torcida do Vasco com a do Palmeiras, de São Paulo. “Tudo começou num jogo entre
Palmeiras e Flamengo no Maracanã. Naquele dia, torcedores do time paulista
pediram a nós que levantássemos uma bandeira do Vasco no meio da Torcida deles,
para mexer com os flamenguistas. Começou ali então uma amizade que cresceu
muito com o passar dos anos. Sempre que vamos a São Paulo somos bem recebidos
por eles, e vice-versa quando eles vêm ao Rio”, diz Roberto, apontando para um
troféu na estante dado pela Mancha Verde, uma das facção palmeirenses. Outra
ligação dos Vascaínos é com a Torcida do Atlético Mineiro. Do mesmo modo, os
rubros negros se consideram amigos dos torcedores do Corinthians, em São Paulo,
e do Cruzeiro, em Belo Horizonte. Nessas andanças, os jovens já estiveram em
praticamente todos os Estados brasileiros e ainda em países como o Chile e o
Paraguai. Também já enviaram representantes as últimas Copas do Mundo (1982,
1986 e 1990). Através dessas peregrinações eles fizeram contatos com Torcidas
de países da Europa, e guardam hoje um grande acervo de fotos de Torcidas
Italianas, Espanholas, Portuguesas, Alemãs, Inglesas e até Iuguslavas. A Força
Jovem já chegou a ser tema de reportagem publicada na revista Italiana
“Supertifo”, especializada em Torcidas Organizadas[6].
Outras reportagens explicam de forma
didática como se formam as alianças, embora estes acordos já fossem feitos há
mais de 5 anos, mas só agora a imprensa procurava entender as lógicas das
rivalidades entre as torcidas dos diferentes estados: “se duas torcidas de
clubes diferentes são amigas, elas formam a união, espécie de convênio que,
além da amizade entre os torcedores, aumenta a segurança dos que viajam para
outros estados acompanhando os clubes. Cariocas, paulistas e mineiros,
principalmente, se ajudam entre si, quando uma torcida de fora viaja e pode
encontrar outra rival pela frente. Hospedam os companheiros, vão aos jogos com
eles e enfrentam o inimigo. É comum ver torcedores do Rio irem até São Paulo
“dar uma força aos amigos de lá que também vem aqui nos clássicos em que há
perspectiva de porrada.” Conheça as uniões e rivalidades:
Flamengo: Tem união com as Torcidas do
Corinthians e do São Paulo. No entanto os rubros negros são inimigos mortais
dos torcedores do Palmeiras, Santos e Atlético MG.
Vasco: Os Vascaínos são unidos a
palmeirenses e atleticanos. Não suportam o pessoal do Corinthians, São Paulo e
Cruzeiro. Recentemente arranjaram mais uma rivalidade, com a Torcida do
Internacional de Porto Alegre.
Botafogo: Também tem união com
Atlético Mineiro e Palmeiras. São rivais declarados dos torcedores do
Corinthians, São Paulo, Cruzeiro e Portuguesa.
Fluminense: A facção Força Flu tem
união com os santistas da Sangue Jovem. Os tricolores não se dão com
palmeirenses, saopaulinos e atleticanos”[7].
Em
resposta as inúmeras acusações, parte dos torcedores começou a responder na
imprensa na seção “carta de leitores” suas impressões sobre o aumento dos
confrontos entre as torcidas. Entretanto foram poucos jornais que deram espaço,
com exceção do Jornal dos Sports com sua coluna “Bate-bola” onde se permitiu a
livre circulação da opinião dos torcedores. Aliás, neste ano, a Força Jovem foi
a vencedora do Troféu “A Correspondente do Ano”. Em um tempo que não existia a
internet, o JS foi o grande veículo de manifestação do pensamento dos
torcedores: “NÓS FAZEMOS A FESTA. Reconhecemos que a violência existe, mas o
problema é mundial, e não somente no futebol. A torcida organizada Força Jovem
do Vasco, não é uma gangue e nem quadrilha. Somos os responsáveis pela alegria
e a beleza dos estádios de futebol. Nós damos o colorido, preparamos a festa
com faixas e bandeiras, papel picado e damos o som com a nossa bateria fazendo
aquele carnaval, empurrando o Vascão para as grandes vitórias. Os componentes
brigões estão na faixa de 17 a 23 anos, são os teenagers, que se afirmam agora
como homens. Nós da FJV somos homens e responsáveis. Temos profissão definida e
não vivemos de futebol. Pelo contrário, tiramos de nosso bolso para levar a
Torcida avante. Abel Silva (Tubarão), 4ª Família de Vilar dos Telles”.
O
clima de rivalidade entre as torcidas de Vasco e Flamengo se intensificou nestes
últimos 5 anos e, praticamente em todos os jogos, ocorriam ameaças, brigas e
confrontos em torno do estádio: “ENTERRO NO MARACANÃ: Vasco x Flamengo, a Força
Jovem proporcionou um dos momentos mais engraçados da história do Maracanã, com
um enterro simbólico da Torcida Jovem do Flamengo, com direito ao Padre Passa
Fome e caixão na arquibancada e a bateria tocando a marcha fúnebre”. Na verdade
o motivo do enterro era a morte de um torcedor do Flamengo assassinado por um
vascaíno. Esta, talvez, tenha sido a primeira morte envolvendo as duas torcidas
que continuaram o enfrentamento com o uso de armas de fogo pela primeira vez:
“As cenas de violência ocorridas no Maracanã, antes e durante a partida entre
Vasco e Flamengo, ainda são comentadas em São Januário. Enquanto Antônio Brás,
Chefe da Força Jovem, acredita que, contra o Fluminense, o ambiente estará
menos carregado, componentes da Torcida Organizada do Vasco (TOV), prevêem mais
confusão.“Há rivalidade com todos os times e a Torcida Força Jovem do Vasco
parece gostar de briga”, diz Amâncio César da TOV.Alguns dos componentes desta
facção foram acusados de disparar contra rubro-negros. Brás está otimista, mas
reconhece ser difícil controlar 2 mil componentes de sua Torcida.“Já expulsamos
32 esse ano, mas é difícil evitar tumultos”[8].
O
confronto de maior visibilidade entre as torcidas vascaínas e rubro-negras
aconteceu numa partida de basquete no Maracanazinho. No dia seguinte as
reportagens esportivas eram todas referentes ao massacre sofrido pelos
rubro-negros ( em menor numero). O pouco quantitativo de policiais contribuiu
para que os incidentes não ficassem apenas no plano verbal. A cena mais
chocante e exibida pelas TVs durante vários dias foi a de um torcedor do
Flamengo sendo arrastado pelas arquibancadas, sendo covardemente agredido por
vários torcedores. O clamor da imprensa para medidas contra as torcidas se intensificou
neste segundo semestre.
A
possibilidade de medidas conjuntas para evitar novos confrontos entre os
diferentes atores sociais era vista com ironia pela imprensa que trata as
iniciativas de dirigentes e torcedores como verdadeiras farsas para encobrir um
problema sem solução: “No churrasco da Paz, promovido ontem pelas Torcidas
Organizadas de Vasco e Flamengo, com o apoio financeiro das Diretorias dos
Clubes, faltaram carne, cerveja e torcida, cerca de 30 pessoas apenas
compareceram. Paz houve. Também a promessa do mesmo estado de ânimo no clássico
de hoje por parte dos principais chefes das duas torcidas. Na garagem destinada
ao remo do Flamengo, na Lagoa, via-se ontem a tarde mais jornalistas do que
pessoas vestidas com camisas dos Clubes. Não se pode dizer, no entanto, que os
poucos torcedores não se confraternizaram. Leonardo Ribeiro, da Torcida Jovem
do Flamengo, que gosta de ser chamado de Capitão Léo, abraçava-se a Antônio
Brás, da Força Jovem, e mantinham conversas em separado. Evandro Bocão, da Raça
Rubro Negra, dividia a mesma lingüiça com Érico, da Força Independente
Vascaína.Na hora de cortar o primeiro pedaço de alcatra, oferecida pelo Vice
Presidente do Vasco, Eurico Miranda, alguém brincou.“Esse churrasco é de carne
de torcedor”. Um outro não perdeu a vez: “E esta envenenado”. As duas caixas de
cerveja em lata, doadas pelo Presidente do Flamengo, Márcio Braga evaporaram em
dez minutos, avidamente consumidas pelos barrigudos chefes de Torcida e alguns
nem tão magros jornalistas. A exceção de Evandro Bocão, todos criticaram a
iniciativa da Polinter de fichar criminalmente os chefes de torcida que forem
flagrados fazendo baderna” [9].
No
final do ano, as eleições em São Januário ocorrem com pouca participação e a
vitória da dupla Calçada-Eurico, com 1.206 votos, contra a oposição, liderada
por Luso Soares e Fernandão, com 612 votos. É o inicio de um grupo que, aos
poucos, com muita dificuldade, consegue reunir associados que dariam formação
ao MUV (Movimento Unido Vascaíno).
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Eram
os seguintes os locais de pontos de encontro: MÉIER: Shopping Center do Méier.ZONA
NORTE: Praça Saens Penã.PIEDADE: Norte Shopping. MADUREIRA: Tem Tudo (Bob’s). ZONA
SUL: Rio Sul. ZONA LEOPOLDINA: Planalto (Bonsucesso). NITERÓI: Plaza Shopping. NOVA
IGUAÇU: Praça da Liberdade. CAMPO GRANDE: Bangu (em frente ao Bradesco). JACAREPAGUÁ:
Sendas da Taquara.
[2]
Neste período defendi a minha monografia, sendo a primeira pesquisa universitária
sobre as torcidas organizadas cariocas. Em São Paulo, Luiz Henrique Toledo
defendia seu mestrado estudando sobre as torcidas paulistas.
[3] Fonte: Jornal do Brasil 26
de Maio de 1991.
[4] Fonte; s.d.
[5] Fonte: Jornal O Globo 21
de Agosto de 1991
[6] Fonte: Jornal O Globo 21
de Outubro de 1991
[7] Fonte desconhecida.
[8] Fonte: Jornal O Globo 20
de Setembro de 1991.
Nenhum comentário:
Postar um comentário