domingo, 23 de abril de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1991 A VOLTA DAS FAMÍLIAS AOS ESTÁDIOS

                             “A importância e o poder de decisões dessas pessoas nos
                              clubes está muito grande e tomando um caminho perigoso.”
                                          Zagallo – técnico do Vasco em 1991

1991             A Volta das Famílias aos Estádios

        O crescimento vertiginoso da FJV que chegou a triplicar de tamanho levou os diretores da associação dar um novo passo para a sua melhor organização em meados do ano, dividindo a torcida em várias regiões[1] da cidade do Rio de Janeiro e Niterói. Tudo isto foi decidido após um estudo de viabilidade e segurança de cada núcleo que passou a ser chamado de “família”. Coube a região do Méier, local simbólico de origem da torcida e principal local de arregimentação de torcedores vascaínos, ser a “1ª Família”. Também foi nesta área que surge a primeira sede da associação.
A idéia inicial era garantir o entrosamento e o bom relacionamento entre os membros de um mesmo local e facilitar o encontro dos torcedores para seguirem juntos para os estádios. Por outro lado, facilitar a comunicação entre os diretores (“cabeças”) e as novas lideranças, bem como os novos adeptos.
            Uma mudança importante em julho de 1991 veio com a criação do GEPE (Grupamento Especial de Policiamento nos Estádios) pelo recém-eleito governador Leonel Brizola e seu vice, Nilo Batista, que também acumulava o Secretario de Segurança. O GEPE era um órgão ligado a Policia Militar do Rio de Janeiro com a função específica de adotar medidas inovadoras no combate a crescente violência entre as torcidas organizadas na cidade. Com uma política de orientação menos repressiva e mais preventiva, o GEPE procurou um diálogo não só com os torcedores para adotar suas ações como também inovou entrando em contato com Mauricio Murad, professor de Sociologia na UERJ e fundador do Núcleo de Sociologia do Futebol[2] em 1990. Na ocasião, os policiais foram convidados para palestras na Universidade, além da troca de informações com outras instituições que estudavam a violência urbana.
            Nestes anos os jornais fazem inúmeras matérias contra as organizadas, especialmente sobre a Força Jovem, sempre com uma ênfase negativa, com títulos pejorativos, com insinuações de relações perigosas, enfim, desvalorizando a organização e privilegiando os aspectos mais polêmicos, embora estes já permeassem o universo das torcidas há muitos anos.
            Estes são alguns dos exemplos que podemos comprovar do processo de “destruição” das torcidas feitas pela imprensa:
 1 - FORÇA JOVEM: QUANDO A PRESSÃO DA TORCIDA É A VOZ DOS CARTOLAS
Contratadas ou subvencionadas pelas Diretorias de seus Clubes, várias Torcidas Organizadas servem para fazer o que espertos Cartolas evitam pessoalmente. E caso se sintam mais seguras até influem na queda de Presidente, como já aconteceu no Flamengo (...)
Com extrema habilidade, os Dirigentes utilizam, se necessário, as Torcidas Organizadas como massa de manobra. No atual Campeonato Brasileiro, isso ficou claro duas vezes.Quando queriam demitir Zagalo, mas não sabiam como, recorreram a Força Jovem, que passou a perseguir o Treinador até deixá-lo em situação insustentável”[3].
2 - FORÇA JOVEM E PEQUENOS VASCAÍNOS: PAIOL DAS TORCIDAS NO MARACANÃ PODE FECHAR:
A violência no clássico de domingo no Maracanã entre as Torcidas do Vasco e Flamengo pode ter decretado o fim da ocupação de Salas especiais no Estádio pelos torcedores organizados.
O subsecretário de Esporte do Rio, Valter Oaquim admitiu ontem despejar as Torcidas das Salas que usam para guardar material e cortar as vantagens dadas e seus Chefes, como o ingresso gratuito para organizar o grupo em dias de jogos[4].
            Por outro lado, contraditoriamente foi comum ainda encontrar no mesmo período matérias extremamente positivas sobre as mesmas torcidas, com exaltação da figura de seus membros e da paixão desinteressada pelo clube, funcionando quase que como propagandas oficiais:
 1 – “FORÇA JOVEM EM DEFESA DO VASCO DA GAMA SEJA ONDE FOR: Em um grupo de Jovens fãs do Clube de Regatas Vasco da Gama, todos moradores do Méier, resolveu fundar uma Torcida Organizada, que daria muito o que falar nos anos seguintes, o que faz, aliás, até hoje. Surgia então a Força Jovem, considerada hoje a maior facção de Torcida do Vasco, com cerca de 7 mil sócios. Embora disponham atualmente de 2 salas, uma no Maracanã e outra em São Januário, e estejam próximo de ganhar uma terceira, desta vez no Centro, é numa casa do Méier, de propriedade do sócio Hadson Caputo, que os membros da Força Jovem se reúnem em dias normais. Acostumados a defender e a gritar pelas cores do time da cruz de Malta, onde quer que seja (até mesmo fora do Brasil) os rapazes, a proporção de moças na Torcida é bastante pequena, menos de 10% do total, repudiam o rótulo de briguentos e selvagens (...)Hoje a Força conta até com o boletim Informativo, mantido através de anúncios de comerciantes Vascaínos. Gerida como uma Empresa, a Torcida tem um Presidente, um Vice Presidente Geral e mais 3 específicos (Patrimônio, Finanças e Social), 10 diretores (Bandeiras, Bateria, Salas, Festas e Eventos, Carteirinhas, Relações Públicas, Comunicação, Vendas, Mensalidades)”[5].
2 - FESTA EM PRETO E BRANCO:
Tendo o Vasco da Gama como uma paixão, provavelmente a maior de suas vidas, os torcedores quando não estão numa arquibancada fazendo uma festa em Preto e Branco com muito samba, geralmente estão sonhando com o dia em que reviverão esses momentos. Nos dias de grandes clássicos no Maracanã, a Força Jovem apresenta a multidão presente ao Estádio cerca de 80 bandeiras e uma bateria (chamada por eles de nota 10) composta por oito surdos, 15 repiniques, 15 caixas e uma quantidade enorme de chocalhos e tamborins.“E estamos aprontando aquela que será a nossa maior bandeira, com 60 metros quadrados. Ela trará estampada nosso símbolo o Eddie, mascote da banda de heavy metal Iron Maiden,” diz Roberto Monteiro. O Eddie aliás, já aparece em alguns adesivos da Força.Eddie, aliás já aparece em alguns adesivos da Força Jovem.
Sobre rivalidade entre Torcidas de Estados diferentes, eles explicam que ela fez com que surgisse também amizade, como é o caso do bom relacionamento que hoje une a Torcida do Vasco com a do Palmeiras, de São Paulo. “Tudo começou num jogo entre Palmeiras e Flamengo no Maracanã. Naquele dia, torcedores do time paulista pediram a nós que levantássemos uma bandeira do Vasco no meio da Torcida deles, para mexer com os flamenguistas. Começou ali então uma amizade que cresceu muito com o passar dos anos. Sempre que vamos a São Paulo somos bem recebidos por eles, e vice-versa quando eles vêm ao Rio”, diz Roberto, apontando para um troféu na estante dado pela Mancha Verde, uma das facção palmeirenses. Outra ligação dos Vascaínos é com a Torcida do Atlético Mineiro. Do mesmo modo, os rubros negros se consideram amigos dos torcedores do Corinthians, em São Paulo, e do Cruzeiro, em Belo Horizonte. Nessas andanças, os jovens já estiveram em praticamente todos os Estados brasileiros e ainda em países como o Chile e o Paraguai. Também já enviaram representantes as últimas Copas do Mundo (1982, 1986 e 1990). Através dessas peregrinações eles fizeram contatos com Torcidas de países da Europa, e guardam hoje um grande acervo de fotos de Torcidas Italianas, Espanholas, Portuguesas, Alemãs, Inglesas e até Iuguslavas. A Força Jovem já chegou a ser tema de reportagem publicada na revista Italiana “Supertifo”, especializada em Torcidas Organizadas[6].
            Outras reportagens explicam de forma didática como se formam as alianças, embora estes acordos já fossem feitos há mais de 5 anos, mas só agora a imprensa procurava entender as lógicas das rivalidades entre as torcidas dos diferentes estados: “se duas torcidas de clubes diferentes são amigas, elas formam a união, espécie de convênio que, além da amizade entre os torcedores, aumenta a segurança dos que viajam para outros estados acompanhando os clubes. Cariocas, paulistas e mineiros, principalmente, se ajudam entre si, quando uma torcida de fora viaja e pode encontrar outra rival pela frente. Hospedam os companheiros, vão aos jogos com eles e enfrentam o inimigo. É comum ver torcedores do Rio irem até São Paulo “dar uma força aos amigos de lá que também vem aqui nos clássicos em que há perspectiva de porrada.” Conheça as uniões e rivalidades:
Flamengo: Tem união com as Torcidas do Corinthians e do São Paulo. No entanto os rubros negros são inimigos mortais dos torcedores do Palmeiras, Santos e Atlético MG.
Vasco: Os Vascaínos são unidos a palmeirenses e atleticanos. Não suportam o pessoal do Corinthians, São Paulo e Cruzeiro. Recentemente arranjaram mais uma rivalidade, com a Torcida do Internacional de Porto Alegre.
Botafogo: Também tem união com Atlético Mineiro e Palmeiras. São rivais declarados dos torcedores do Corinthians, São Paulo, Cruzeiro e Portuguesa.
Fluminense: A facção Força Flu tem união com os santistas da Sangue Jovem. Os tricolores não se dão com palmeirenses, saopaulinos e atleticanos”[7].
            Em resposta as inúmeras acusações, parte dos torcedores começou a responder na imprensa na seção “carta de leitores” suas impressões sobre o aumento dos confrontos entre as torcidas. Entretanto foram poucos jornais que deram espaço, com exceção do Jornal dos Sports com sua coluna “Bate-bola” onde se permitiu a livre circulação da opinião dos torcedores. Aliás, neste ano, a Força Jovem foi a vencedora do Troféu “A Correspondente do Ano”. Em um tempo que não existia a internet, o JS foi o grande veículo de manifestação do pensamento dos torcedores: “NÓS FAZEMOS A FESTA. Reconhecemos que a violência existe, mas o problema é mundial, e não somente no futebol. A torcida organizada Força Jovem do Vasco, não é uma gangue e nem quadrilha. Somos os responsáveis pela alegria e a beleza dos estádios de futebol. Nós damos o colorido, preparamos a festa com faixas e bandeiras, papel picado e damos o som com a nossa bateria fazendo aquele carnaval, empurrando o Vascão para as grandes vitórias. Os componentes brigões estão na faixa de 17 a 23 anos, são os teenagers, que se afirmam agora como homens. Nós da FJV somos homens e responsáveis. Temos profissão definida e não vivemos de futebol. Pelo contrário, tiramos de nosso bolso para levar a Torcida avante. Abel Silva (Tubarão), 4ª Família de Vilar dos Telles”.
            O clima de rivalidade entre as torcidas de Vasco e Flamengo se intensificou nestes últimos 5 anos e, praticamente em todos os jogos, ocorriam ameaças, brigas e confrontos em torno do estádio: “ENTERRO NO MARACANÃ: Vasco x Flamengo, a Força Jovem proporcionou um dos momentos mais engraçados da história do Maracanã, com um enterro simbólico da Torcida Jovem do Flamengo, com direito ao Padre Passa Fome e caixão na arquibancada e a bateria tocando a marcha fúnebre”. Na verdade o motivo do enterro era a morte de um torcedor do Flamengo assassinado por um vascaíno. Esta, talvez, tenha sido a primeira morte envolvendo as duas torcidas que continuaram o enfrentamento com o uso de armas de fogo pela primeira vez: “As cenas de violência ocorridas no Maracanã, antes e durante a partida entre Vasco e Flamengo, ainda são comentadas em São Januário. Enquanto Antônio Brás, Chefe da Força Jovem, acredita que, contra o Fluminense, o ambiente estará menos carregado, componentes da Torcida Organizada do Vasco (TOV), prevêem mais confusão.“Há rivalidade com todos os times e a Torcida Força Jovem do Vasco parece gostar de briga”, diz Amâncio César da TOV.Alguns dos componentes desta facção foram acusados de disparar contra rubro-negros. Brás está otimista, mas reconhece ser difícil controlar 2 mil componentes de sua Torcida.“Já expulsamos 32 esse ano, mas é difícil evitar tumultos”[8].
            O confronto de maior visibilidade entre as torcidas vascaínas e rubro-negras aconteceu numa partida de basquete no Maracanazinho. No dia seguinte as reportagens esportivas eram todas referentes ao massacre sofrido pelos rubro-negros ( em menor numero). O pouco quantitativo de policiais contribuiu para que os incidentes não ficassem apenas no plano verbal. A cena mais chocante e exibida pelas TVs durante vários dias foi a de um torcedor do Flamengo sendo arrastado pelas arquibancadas, sendo covardemente agredido por vários torcedores. O clamor da imprensa para medidas contra as torcidas se intensificou neste segundo semestre.
            A possibilidade de medidas conjuntas para evitar novos confrontos entre os diferentes atores sociais era vista com ironia pela imprensa que trata as iniciativas de dirigentes e torcedores como verdadeiras farsas para encobrir um problema sem solução: “No churrasco da Paz, promovido ontem pelas Torcidas Organizadas de Vasco e Flamengo, com o apoio financeiro das Diretorias dos Clubes, faltaram carne, cerveja e torcida, cerca de 30 pessoas apenas compareceram. Paz houve. Também a promessa do mesmo estado de ânimo no clássico de hoje por parte dos principais chefes das duas torcidas. Na garagem destinada ao remo do Flamengo, na Lagoa, via-se ontem a tarde mais jornalistas do que pessoas vestidas com camisas dos Clubes. Não se pode dizer, no entanto, que os poucos torcedores não se confraternizaram. Leonardo Ribeiro, da Torcida Jovem do Flamengo, que gosta de ser chamado de Capitão Léo, abraçava-se a Antônio Brás, da Força Jovem, e mantinham conversas em separado. Evandro Bocão, da Raça Rubro Negra, dividia a mesma lingüiça com Érico, da Força Independente Vascaína.Na hora de cortar o primeiro pedaço de alcatra, oferecida pelo Vice Presidente do Vasco, Eurico Miranda, alguém brincou.“Esse churrasco é de carne de torcedor”. Um outro não perdeu a vez: “E esta envenenado”. As duas caixas de cerveja em lata, doadas pelo Presidente do Flamengo, Márcio Braga evaporaram em dez minutos, avidamente consumidas pelos barrigudos chefes de Torcida e alguns nem tão magros jornalistas. A exceção de Evandro Bocão, todos criticaram a iniciativa da Polinter de fichar criminalmente os chefes de torcida que forem flagrados fazendo baderna” [9].
No final do ano, as eleições em São Januário ocorrem com pouca participação e a vitória da dupla Calçada-Eurico, com 1.206 votos, contra a oposição, liderada por Luso Soares e Fernandão, com 612 votos. É o inicio de um grupo que, aos poucos, com muita dificuldade, consegue reunir associados que dariam formação ao MUV (Movimento Unido Vascaíno).
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Eram os seguintes os locais de pontos de encontro: MÉIER: Shopping Center do Méier.ZONA NORTE: Praça Saens Penã.PIEDADE: Norte Shopping. MADUREIRA: Tem Tudo (Bob’s). ZONA SUL: Rio Sul. ZONA LEOPOLDINA: Planalto (Bonsucesso). NITERÓI: Plaza Shopping. NOVA IGUAÇU: Praça da Liberdade. CAMPO GRANDE: Bangu (em frente ao Bradesco). JACAREPAGUÁ: Sendas da Taquara.
[2] Neste período defendi a minha monografia, sendo a primeira pesquisa universitária sobre as torcidas organizadas cariocas. Em São Paulo, Luiz Henrique Toledo defendia seu mestrado estudando sobre as torcidas paulistas.
[3] Fonte: Jornal do Brasil 26 de Maio de 1991.
[4] Fonte; s.d.
[5] Fonte: Jornal O Globo 21 de Agosto de 1991
[6] Fonte: Jornal O Globo 21 de Outubro de 1991   
[7] Fonte desconhecida.
[8] Fonte: Jornal O Globo 20 de Setembro de 1991.
[9] Fonte: Jornal do Brasil 24 de Novembro de 1991.


Vasco Maracanã 1991

Vasco Maracanã 1991


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