“Não vai ter Copa e vai ter luta”
Manifestações em junho
2013 Vascaínos na Rede
Para
quem acreditava que o brasileiro era um povo acomodado e a internet só servia
para manter as pessoas alienadas em suas redes sociais, teve que refazer seu
pensamento pois o ano foi marcado por intensas manifestações e a as novas
formas virtuais de comunicação se mostraram canais eficientes de propagação de
cidadania.
O sucesso da internet ampliou as
oportunidades dos usuários de todo o mundo entrar em contato com as informações
de uma nova forma revolucionado o comportamento, os costumes e as tradições no
modo do torcedor acompanhar o seu clube do coração. Imagens raras e conteúdos
de pouca circulação passam a ser exibidos em sites de vídeos como o Youtube,
por exemplo. Milhões de imagens são produzidas com o barateamento das máquinas
de filmar e fotografar, gerando uma nova memória coletiva através de um
conteúdo fantástico de cenas dos torcedores nos estádios quase que
instantaneamente. No entanto, um novo conjunto de práticas de crimes virtuais
também se propagam estimulando a intolerância e o acirramento dos conflitos
entre os torcedores. Cenas de brigas passam e ser exibidas ostentadas como
troféus virtuais. Xingamentos e ofensas nas redes se tornam corriqueiros.
Com a
ampliação da banda larga no país se multiplicam os blogs de torcedores e os
tradicionais sites do Vasco aumentam suas receitas modificando a forma de
comunicação entre o público consumidor de noticias esportivas que tem maior
possibilidade de escolha. Finalmente os torcedores podem conhecer objetos que
eram guardados como relíquias pelos colecionadores particulares. Crescem as
publicações que exaltam a história do clube. Toda uma rede se prolifera com
troca de mensagens entre vascaínos de diversos locais do planeta.
É pela
internet e nas ruas que desde o início do ano são realizados atos contra a CBF
(e o seu presidente Ricardo Teixeira) e contra a FIFA, acusada de interferir
nos interesses nacionais, além das constantes denúncias de superfaturamento das
obras dos novos estádios apareciam na imprensa. Diversos setores da sociedade
se manifestavam contra as arbitrariedades que se faziam em nome da Copa de
2014. Uma série de obras no entorno do Maracanã previa a destruição de uma
escola conceituada e de diversos equipamentos esportivos tradicionais. Contra
isso os torcedores foram convocados para um protesto em março com os uniformes
de seus clubes. Cerca de 500 pessoas se reuniram na Praça Saens Peña, na Tijuca
e caminharam até o Maracanã. O ato intitulado A CIDADE É NOSSA! tinha o
objetivo de denunciar o processo de privatização de diversos espaços públicos
da cidade, como a Marina da Glória e o Maracanã. No entorno do estádio, estava
prevista a destruição da Escola Friedenreich, da Aldeia Maracanã, do Estádio de
Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare para a construção
de lojas, bares e estacionamentos para servir a um shopping gerido pela empresa
ganhadora da licitação.
Ainda no
mês de março seis integrantes da FJV foram presos acusados pelo assassinato de
um torcedor do Flamengo em maio de 2012. Eles foram denunciados pelo Ministério
Público pelo crime de homicídio triplamente qualificado (motivo fútil, meio
cruel e impossibilidade de defesa da vítima).
No começo de abril a Força Jovem
promove o "Protesto Público Zero" em São Januário, em frente as
sociais do clube, antes do jogo Vasco x Friburguense. Contando com cerca de 500
pessoas não ocorreu qualquer tipo de ato hostil, brigas, confusões ou transtornos
graves. O alvo maior foi a administração de Roberto, acusando-o de um mau
gestor: “o atual quadro de funcionários é praticamente mais que o dobro do que
uma empresa que fatura. Além disso a qualificação de muitos que ali estão, está
muito abaixo de qualquer tipo de exigências para os cargos que muitos ocupam”.
Neste
período a antropóloga Rosana Teixeira escreveu um artigo que analisava as
“novas torcidas”, entre elas a Guerreiros do Almirante, refletindo sobre o
surgimento dos movimentos populares de torcedores no Rio de Janeiro,
especialmente a partir de fevereiro de 2006. Inspirados nas “barras bravas”
sul-americanas, especialmente naquelas vindas da Argentina, revelavam
discordâncias em relação ao tipo de ação das torcidas organizadas, defendendo
uma forma de sociabilidade torcedora distinta que parece indicar novos sentidos
atribuídos à paixão pelo futebol. Os novos agrupamentos torcedores definiam-se
como movimentos de arquibancada, sem rixas, que pretendiam inaugurar um “novo
conceito de torcida”.
O
livro “Hooliganismo e a Copa de 2014”, organizado por Bernardo Borges Buarque
de Hollanda e Heloisa Helena Baldy dos Reis, apresentava uma série de artigos
sobre a expectativa com todas as mudanças trazidas pela Copa do Mundo, como os
novos estádios – ou “arenas” e os velhos problemas nas arquibancadas. Outra
investigação acadêmica é a de Thiago Moreira da Silva em sua pesquisa de
mestrado na Fundação Getúlio Vargas (RJ) com o título “A Bancada da Bola no
Legislativo Carioca”, analisando a trajetória de diversos políticos cariocas
que tiveram sua origem no esporte. Do Vasco se destacam o deputado estadual
Roberto Dinamite, eleito várias vezes nestes anos e o vereador Roberto
Monteiro, ex-líder da Força Jovem.
O
campeonato brasileiro começou no final de maio e foi até o início do mês de
junho quando foi interrompido na quinta rodada para a disputa da Copa das
Confederações, antecipando o clima festivo da Copa do Mundo com uma grande
campanha nacionalista pela imprensa. No entanto, o mês de junho seria marcado
por uma gigantesca onda de manifestações em várias capitais do país,
especialmente aquelas que sediavam os jogos da Copa das Confederações
(disputada em todo este mês). Os protestos que tinham como objetivo inicial
barrar o aumento das passagens dos transportes municipais, logo ganharam outras
conotações com destaque para o questionamento dos gastos em obras voltadas para
a Copa do Mundo em 2014. Os manifestantes apontavam em seus cartazes as
contradições com os milhões investidos nos novos estádios (“arenas”) sem trazer
maiores benefícios a população brasileira que continuava sofrendo com a baixa
qualidade nos serviços essenciais.
O
“Novo Maracanã” foi o alvo de um grande protesto no dia 20 de junho,
simbolizando uma luta contra a transformação do futebol-negócio em detrimento
dos torcedores para elitizar o perfil de seus frequentadores com a elevação do
preço dos ingressos, a relação escusa entre o governo e o consórcio OLX/
Odebrecht, o controle de uma entidade estrangeira (a FIFA), e os abusos
promovidos pela Lei Geral da Copa. No final um cordão de isolamento feito pela
polícia impediu os manifestantes se aproximarem do estádio.
A
vitória incontestável da seleção brasileira da Copa das Confederações trouxe o
fortalecimento do sentimento nacionalista reforçado pelo canto à capela dos
torcedores nos estádios de todo o hino e não apenas os 30 segundos determinados
pela FIFA, sendo uma das marcas sonoras nos estádios em meio aos protestos do
lado de fora. “A final
disputada no Maracanã, entre Brasil e Espanha, no domingo do dia 29 de junho de
2013, assistiu a intensos embates nas cercanias do estádio. Valendo-se da crítica
aos gastos governamentais e da suspeição de corrupção por parte dos promotores
do evento, manifestantes investiram em ações vandálicas contra a polícia, em
trocas recíprocas de pauladas, pedradas, bombas de efeito moral, gás
lacrimogêneo e balas de borracha”[1].
Com a reabertura do Maracanã para os
clubes cariocas após a Copa das Confederações, uma polêmica logo contagiaria os
dirigentes e as torcidas de Vasco e Fluminense. Tudo por causa da atitude dos
cartolas do tricolor de escolherem ficar no lado direito das tribunas (local
tradicional do Vasco). Apesar de ficar no lado esquerdo, a alegria dos
vascaínos com a vitória sobre o tricolor por 3 a 1 só não foi maior que a de
Juninho Pernambucano que voltava a jogar no Maracanã após 12 anos ausente. Sua
volta foi em grande estilo, com direito a gol e os gritos da platéia que se
vingou dos tricolores com o cântico no fim do jogo “Ôoo, ôôoo, ôôôoo, é o
Destino”.
Neste
ano o site Ludopedio, destinado a pesquisas sobre futebol, realizou uma
entrevista com o professor Silvio Ricardo da Silva que explicou como
desenvolveu sua trajetória acadêmica sempre pontuada por seu amor ao futebol e
o seu clube de coração: “Vasco é anterior a tudo, é o início de tudo”. Sua
relação com o futebol passa principalmente por sua família, em especial seu pai
que lhe transmite o mesmo amor ao clube: “minha história com meu pai era de que
ele não me contava historias de infância e sim histórias de futebol, sobre o
que ele jogou e os feitos do Vasco. Isso foi me contaminando e desde que eu me
lembro como gente, cinco, seis anos de idade, eu já frequentava o estádio. Isso
foi muito forte na minha historia até hoje”. Para sua pesquisa de doutorado na
Unicamp ele utilizou “entrevistas com torcedores, procurando variar idade, organizados,
não-organizados onde também um indicava outro, e além disso observação.
Ajudou-me muito ter contato com a própria história do Vasco. Eu precisava viver
essa historia e falar para o mundo acadêmico essa história”.
O
cineasta vascaíno José Henrique Fonseca fazia um documentário sobre o clube
justamente na temporada em que o clube vivia uma péssima fase no campeonato
brasileiro e era ameaçado de rebaixamento novamente. “Tenho vivido um contraste
grande ao trabalhar numa historia tão bonita e o momento atual. Infelizmente,
tem hora que a torcida não entende que só deveria ir ao estádio se fosse para
apoiar”[2],
lamenta o cineasta.
Em
outubro as chances de o clube cair já estavam em 55%, segundo o matemático
Oswald de Souza. Uma nova derrota para o Goiás provocou protestos da torcida
que invade o vestiário em um dia de treino e cobram uma reunião com o diretor
de futebol, Ricardo Gomes, e o técnico Dorival Júnior. Após o encontro o grupo
vai para a arquibancada e grita "Não
é mole, não. Tem cachaceiro jogando no Vascão", para o jogador Rafael Vaz
e "Ô, ô, ô, ô, Bernardo é cheirador".
O
pior estava por vir com a derrota para o Atlético Paranaense o clube era
rebaixado e a transmissão ao vivo para todo o pais do vexame em campo (derrota
por 5 a 1) só não foi pior que as cenas violência no estádio que contou com
poucos policiais para a segurança dos torcedores. Além de dezenas de feridos, quatro pessoas removidas pela equipe
médica foram levadas para o hospital em estado grave.
O confronto entre torcedores de Atlético-PR
e Vasco em Joinville ganhou repercussão na imprensa mundial. A última rodada do
Campeonato Brasileiro deixou marcas negativas para o país com as imagens para
todo o mundo do país que sediaria a próxima a Copa do Mundo no ano seguinte.
Até o final do ano a imprensa
esportiva acompanhou o trabalho da polícia e da Justiça que prendeu e processou
vários líderes da torcida organizada Força Jovem do Vasco que já haviam se
envolvido em um conflito que teve grande repercussão na imprensa com as imagens
da TV na briga entre vascaínos e corintianos em agosto, em partida disputada em
Brasília.
Após a ação da polícia de 3 estados
prendeu 21 torcedores e estava a procura de mais 10, na operação batizada de
“Cartão Vermelho”. No entanto, a ASTOVAS (Associação da Torcidas Organizadas do
Vasco) lança uma nota defendendo seus torcedores e acusando o Atlético-PR, o
Ministério Público e a Polícia de Santa Catarina de serem os maiores
responsáveis pelo que aconteceu e acusa a diretoria do Vasco de omissão:
“repudiar o tratamento ignominioso que nossos integrantes vem recebendo das
ditas autoridades e de parte da grande imprensa, além de cobrar uma postura
digna e honesta da atual diretoria Vascaína! Como foi inicialmente
mostrado ao vivo, ainda sem possibilidade de cortes e edições farsescas que
posteriormente apareceram, os torcedores do Vasco foram abandonados pela PM de
Santa Catarina (...) Nós fomos agredidos e se não tivéssemos nos defendido, as
conseqüências seriam ainda maiores do que alguns hospitalizados! Qual critério
foi usado para deter apenas torcedores do clube carioca?”.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: Hollanda, Bernardo.
“Hospitalidade à Brasileira? A Cobertura Midiática dos Jogos da Copa de
2014 no Maracanã” in A Copa das Copas? Reflexões sobre o Mundial de Futebol de
2014 no Brasil. / organização José Carlos
Marques.E-book. São Paulo: Edições Ludens, 2015.
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