“A partida de futebol é mais disputada por torcedores
do que por atletas no campo”
Drummond, poeta e vascaíno
2016
Aqui
é Vasco
A temporada vascaína neste
ano foi bem esquizofrênica. No primeiro semestre a caravela do Almirante
atravessou os mares atropelando os adversários cariocas e levantou com brilho o
bicampeonato estadual. O time permaneceu 34 jogos invictos e apresentou todas
as melhores credenciais para fazer uma ótima campanha pela Série B no segundo
semestre. No entanto, o que se viu foi uma travessia marcada por muitas
turbulências, com derrotas para times inexpressivos e um desempenho pífio.
Resultado: estádios vazios e desânimo geral da torcida com o elenco.
Logo no início do ano, o clube
inicia uma campanha de sócio-torcedores intitulada “Gigante”. A iniciativa
visava aumentar o número de associados e era baseada em modernos conceitos de
marketing esportivo, com promoções diversas e outros atrativos. Por outro lado,
o presidente Eurico Miranda, sugeria uma “Bolsa Torcedor”, criando um sistema
de cotas para os adeptos mais carentes com ingressos de baixo custo.
Em ano de Olimpíada na Cidade
Maravilhosa no mês de agosto, os clubes cariocas ficaram sem os dois estádios
reservados para o evento: o Maracanã e o Engenhão permaneceram fechados nestes
meses. Para o Vasco isso não foi um
grande problema pois o estádio de São Januário foi utilizado pelo clube em
diversos jogos, como na partida com o Flamengo, em fevereiro. Ao terminar a disputa
com vitória vascaína, o principal jogador do elenco, Nenê, resolver inverter as
ações e filma a festa da torcida vascaína. Em tempos de popularização de smartphones, as imagens se multiplicam
pelas redes sociais. Foi-se o tempo em que os torcedores se aproximavam dos
ídolos para pedir um autógrafo. A moda nestes anos era tirar uma selfie com o craque e postar nas redes
sociais.
O campeonato prosseguia e o clube
permanece com uma campanha tranqüila jogando com o Fluminense (decisão da Taça
Guanabara) e Flamengo em Manaus, na Arena Amazonas. Nesta cidade novas vitórias
levam o clube disputar o campeonato com o Botafogo em maio. A partida contra o
rubro-negro, particularmente, teve um sabor especial, com a seqüência de nove
partidas sem conhecer derrotas para o principal rival.
Nas duas partidas da final do
estadual, os clubes conseguem a reabertura do Maracanã. O estádio recebeu nas duas
vezes um público estimado em 60 mil torcedores por partida. Na segunda, a
torcida vascaína era maioria absoluta. A festa do título foi marcada com o
mosaico “Aqui é Vasco”. Uma frase proferida pelo capitão do time, o zagueiro
Rodrigo, em alusão aos torcedores e jogadores do Flamengo, inconformados com a
superioridade dos cruzmaltinos na
temporada. Era o 24° título estadual, sendo o 6° invicto.
Começa o campeonato brasileiro na Série B e o
clube é apontado pela imprensa como favorito absoluto. Os resultados iniciais
confirmam as expectativas e a torcida se empolga com a possibilidade do time
bater o recorde histórico de mais de 35 partidas invictas, feito alcançado na
década de 1950.
Em
junho, o jornal O Dia, promove a festa da Seleção do Campeonato Carioca e vários
jogadores vascaínos foram escolhidos. Um deles, o zagueiro Luan, convocado para
disputar o título inédito de Medalha de Ouro nas Olimpíadas, que agradece o
apoio dos torcedores. Outro premiado foi o técnico Jorginho que ressaltou:
"quero agradecer de todo coração à votação de todos os torcedores. Fico
muito feliz de ter sido escolhido o melhor treinador do Carioca. Isso aconteceu
pela federação e também pelo voto popular. Fico muito lisonjeado e grato
porque, com certeza, marquei meu nome na história do futebol Carioca e do Vasco”[1].
Na
mesma época, o jornalista André Schmidt, lança o livro “Da queda ao Bi – a trajetória
do Vasco em crônicas”. Uma coletânea de artigos escritos no período de
recuperação da auto-estima dos vascaínos sob o comando do técnico Jorginho.
Mesmo fazendo uma campanha de recuperação no final de 2015, o treinador não
consegue reverter a situação. Mais uma vez a torcida amargava o dissabor de
acompanhar o clube viver a experiência negativa de rebaixamento por 3 vezes em
8 anos.
Talvez
estes insucessos expliquem o baixo público em São Januário durante o ano com
média de 6.000 torcedores. Uma pesquisa para identificar os motivos da baixa
média de público da equipe na Colina, realizada pela Comissão de Festas
Cruz-Maltinas[2],
apontou outros dois problemas
principais: o alto valor dos ingressos e a dificuldade de acesso ao estádio.
Apesar do departamento de marketing ter lançado o novo plano de sócios
(Gigante), os números alcançados ainda decepcionantes. Segundo os dados do
Movimento Por um Futebol Melhor, o Vasco ocupava a 21ª posição no ranking de
sócio-torcedores.
Em
campo, a perda da invencibilidade veio com o resultado adverso de 2 a 1 para o
Atlético-GO, em Cariacica (ES). Era o primeiro indício de que o elenco tinha
problemas. O deslocamento constante por regiões distantes do eixo Rio-São
Paulo, prejudicava o grupo que contava com muitos jogadores com mais de 30
anos.
Em
agosto o movimento “Guerreiros do Almirante” completava dez anos de existência
comemorando com uma grande festa. No campeonato carioca os torcedores tinham
confeccionado uma grande bandeira com o rosto da torcedora-símbolo Dulce
Rosalina.
Numa
outra pesquisa, promovida pelo Jornal Lance/IBOPE, revelou que o Vasco contava
com 3 milhões de torcedores no RJ. Porém, em comparação com os números da
primeira pesquisa (1998), houve um aumento dos torcedores rubro-negros. Os números indicavam que a torcida
do Flamengo era maior do que as de Vasco, Fluminense e Botafogo juntas. Em 1998
representava 38 %, agora são 48,3%. Na pesquisa, o Vasco agregava 18,7% dos
cariocas, percentual que superava o total de tricolores e botafoguenses
(17,4%). Juntas, as duas torcidas tiveram uma redução de 4,6%. Se esta notícia
agradou a turma da Flapress, para os vascaínos, o que valeu no ano foram as
inúmeras gozações que os rubro-negros sofreram neste ano. Uma das músicas mais
cantadas pelos vascaínos dizia: “Oh mulambo, tu não tem Estádio,/Oh mulambo, tu
não tem Estádio,/ pediu pra jogar, em São Januário,/Eurico falou joga na casa
do c.....”
O
desempenho irregular no campeonato da Série B acabou gerando inevitáveis
protestos dos torcedores. A reação do clube foi punir algumas torcidas
organizadas: “(estas tem) sofrido punições nos últimos jogos. Diante do Avaí,
por exemplo, a diretoria solicitou à Polícia Militar a proibição de
instrumentos, faixas, bandeiras e outros materiais de todas elas. Já diante do
Luverdense, a restrição se deu somente à Guerreiros do Almirante e à Força
Independente. As duas, além da Ira Jovem, recentemente divulgaram notas de
repúdio ao ato”[3].
No mesmo dia um grupo de cerca de 50 torcedores propõem uma reunião com o
capitão do time, o zagueiro Rodrigo.
Nos
jogos contra CRB, Avaí e Luverdense o presidente Eurico Miranda foi hostilizado
pela torcida, que pediu sua saída do comando. Em nota oficial, a maior torcida
organizada do Vasco, a Força Jovem, esclarece sua posição diante do impasse
entre os torcedores e o clube: “O G.R.T.O Força Jovem Do Vasco, vem, através de
sua diretoria unificada em caráter de esclarecimento, externar, que nenhum
integrante de nosso quadro social esteve presente na data de hoje (11/11/16),
em São Januário. Lembramos que nossa instituição esteve presente ontem
(10/11/16), representada por 50 sócios, em uma reunião pacífica e ordeira com o
departamento de futebol do Vasco, visando melhorias no desempenho do time em
campo”[4].
Os
últimos jogos da Série B foram dramáticos para a torcida que acompanhava
incrédula ver o time perder a liderança e cair para o 4° lugar sendo ameaçado
de ser o único clube grande não conseguir voltar para a Série A. O desânimo dos
torcedores tomou conta dos torcedores que se ausentam dos jogos em São
Januário. A decepção com o time fica evidente numa crônica de um jovem torcedor
em sua coluna no site Guerreiros da Colina “é bem compreensível a total falta
de vontade de acompanhar o time em uma situação tão calamitosa quanto a atual.
Acabou a paciência, os vascaínos não agüentam mais essa crescente coleção de
fracassos"[5].
No
dia 27 de novembro[6]
os jornais cariocas estampavam em suas capas as duas manchetes principais: a
morte do líder cubano Fidel Castro e a classificação do Vasco para a Série A
após vencer o Ceará no Maracanã, no último jogo do campeonato. O estádio
recebeu o maior público do Vasco no segundo semestre (49.259 pagantes),
revelando que a torcida abraçava o clube apesar do descrédito no time e em seus
dirigentes. Ao final da partida o que se viu não foram cantos de entusiasmo,
mas xingamentos para o presidente Eurico Miranda.
Terminamos
nossa pesquisa recorrendo a uma crônica de Carlos Drummond de Andrade pouco
conhecida dos vascaínos. Nela o poeta faz uma homenagem a um dos ascensoristas
do prédio do Ministério da Educação e torcedor fanático do Vasco.
O
contraste entre a vida de um humilde funcionário que realiza um trabalho
repetitivo e sua expressão constante de felicidade chama a atenção do escritor:
“sem motivo algum para agradecer à vida, ele agradecia e nos comunicava o
otimismo gratuito (...) ninguém sabia que ele se chamava Afonso Ventura. Mas
todos sabiam que o seu maior amor era o Vasco da Gama. Liam-se no seu rosto as
vitórias do Vasco. As derrotas não era possível ler, pois o rosto do Amigo
continuava a espelhar a vitória da semana atrasada ou já espelhava a da semana
que vem, que esta seria infalível, 4 a 0, ‘é o Maior’. O Vasco, para ele, não
perdia nunca; no máximo, deixava de ganhar, ‘dessa vez’ (...)”[7].
A
lição de vida deste torcedor demonstra o poder que a paixão por um clube tem
para transformar nosso cotidiano de pouco brilho num turbilhão contínuo de emoções
e sentimentos capazes de realizar os desejos fundamentais do ser humano.
Esperamos
que a alegria contagiante do torcedor anônimo seja a marca de nossa torcida
sempre. Que venham mais 100 anos!!!
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito
pelo historiador Jorge Medeiros.
[1]
Fonte: Jornal O Dia. 23 de junho de 2016.
[2]
Grupo que organiza mosaicos e bandeirões
[3]
Fonte: UOL. 9 de novembro de 2016.
[4]
http://www.forcajovem.com.br , 11 de novembro de 2016.
[5] Rafael Serfaty em crônica "Presente sombrio,
futuro nefasto"
[6]
Neste mês o Jornalista Cláudio Nogueira, autor de vários livros de futebol,
lança o e-book “Vamos cantar de coração:
Os 100 anos do futebol do Vasco da Gama” (Biblioteca Digital do Futebol
Brasileiro).
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