domingo, 11 de junho de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 2004 MORRE DULCE ROSALINA

                                                            “Minha única tristeza é saber que um dia 
                                                          vou fechar os olhos e nunca mais ver o Vasco”.
                                                                                       Dulce Rosalina

2004                    Morre Dulce Rosalina

        No ano em que a TOV comemorava oficialmente os 60 anos de fundação, sua torcedora mais ilustre falecia no dia 24 de janeiro. A morte de Dulce Rosalina (1934-2004) consternou toda a população carioca que tinha na Tia Dulce um símbolo do espírito de nossa cidade boa e acolhedora.
            Os jornais e o site oficial do clube narram a sua trajetória de torcedora desde a infância acompanhando o clube de São Januário, “meu pai me contava a luta do clube contra o racismo” lembrava, até assumir o comando da TOV em 1956. Sendo a única mulher naquele tempo a liderar uma torcida. Além disso, Dulce se destacava pelo seu pioneirismo e abnegação pelo clube: “além de animar a torcida, inovar trazendo bateria, papel picado e serpentina, ela exercia uma forte influencia no sentido de fazer com que os torcedores na época se associassem ao Clube. Para ela o mais importante era ajudar o crescimento do Vasco”[1].
            Em 1976 Dulce fundava a Renovascão para apoiar a candidatura de Medrado Dias a presidência do clube e continuou na torcida para sempre, embora sua presença assídua nos estádios fosse dificultada por sua saúde.
Em abril o vereador Áureo Ameno transforma uma rua perto de São Januário no nome de Dulce Rosalina numa homenagem que contou com o apoio do clube que também abre sua sede para a comemoração dos 60 anos da TOV, com a presença do artilheiro do clube, Valdir.
Durante o campeonato carioca deste ano a grande dor de cabeça da torcida era o maior rival, o Flamengo. Depois de alguns resultados ruins contra o adversário da Gávea, integrantes da FJV se reúnem com o time e cobram mais empenho do time para superar o rubro-negro: “Após o treino desta sexta-feira, 12 integrantes da Força Jovem conversaram com Fábio, Rodrigo Souto, Wescley e Beto. Os torcedores falaram durante dez minutos e Marcelo Granzoto, Presidente da Torcida, mostrou um pouco do sentimento do torcedor vascaíno para a partida de domingo. – O torcedor comum do Vasco já não acredita mais quando o jogo é contra o Flamengo. A Torcida Organizada vai acreditar sempre, mas também vai cobrar”. A entrada dos torcedores em campo não contou com o apoio do técnico Geninho: “acho inoportuna a cobrança porque os jogadores podem assimilá-la de forma errada, partindo para uma forma desmedida de determinação”. Já o atacante Beto tentou minimizar a cobrança, assumindo o compromisso com os torcedores: “. Quando cheguei, conversei com eles de outra maneira, por conta de minha passagem pelo Flamengo. Agora, sinto que o carinho por mim está aumentando, porque tenho mostrado vontade em campo” [2].
Antes da final do campeonato carioca com o Flamengo, o Vasco disputou a semifinal com o Fluminense e saiu vencedor. Na segunda partida contra o tricolor, a Força Jovem lança um boletim distribuído aos torcedores nos estádio. No editorial escrito pelo ex-presidente da torcida Roberto Monteiro, ele convoca os torcedores: “chegamos as finais da Taça Rio superando as próprias limitações do nosso time e o momento financeiro difícil que o clube atravessa. Nossa torcida, como sempre, chegou junto e foi fator decisivo para chegarmos ao jogo contra o Fluminense. E mais uma vez, está em nossas mãos a missão de empurrar nosso time para a decisão do campeonato”. Neste período a FJV inaugurava a sua sede na rua Bela em São Cristóvão.
Depois de perder o campeonato carioca para o maior rival o Vasco é eliminado da Copa do Brasil em casa para o desconhecido XV de Novembro de Campo Bom (RS). Além da derrota, o pior foi uma briga entre integrantes da Força Jovem que brigavam entre si. Neste dia o ex-presidente da torcida Marcelo He-man é agredido. Em um blog sobre a história da torcida há uma explicação para o triste acontecimento: “após descontentamento com os rumos da torcida, (Marcelo) se afasta, mas não larga a militância, com seus belos e contundentes cartazes. Seu último jogo do Vasco que ele assistiu in loco (Vasco 0 x 3 XV de Novembro em 07/04/2004) é marcado com uma tragédia e a maior vergonha da história da Força Jovem, ele foi severamente espancado por dez capangas do seu antigo "amigo", pelo simples motivo de defender o ideal de independência da torcida!”[3].

Neste ano é lançado o documentário “Pelé Eterno”. No filme aparecem as imagens consagradas de Pelé, como aquela histórica, marcando o gol 1.000, no jogo com o Vasco. Mas as cenas mais impactantes para os vascaínos são aquelas de 1957, quando o jovem atacante vestiu a camisa do Vasco no combinado Vasco-Santos. Nas partidas brota um futuro craque marcando gols. Um deles, um golaço contra o Flamengo.
Começa o campeonato brasileiro e o time faz uma campanha inicial vitoriosa, ao contrário do Flamengo. No primeiro jogo entre as duas equipes há uma polêmica entre os dirigentes Marcio Braga (Flamengo) e Eurico Miranda. O rubro-negro quer a renda do jogo só para o seu clube. Eurico faz um apelo para a torcida vascaína boicotar o jogo: “a maioria das Torcidas Organizadas acatou o pedido do dirigente, como a TOV, Renovascão e a Pequenos Vascaínos. A Força Jovem compareceu, mas muitos de seus integrantes preferiram ir para a geral para não dar dinheiro ao rival. Os da Vasqueire foram ao Maracanã normalmente”[4].
Um mês antes deste jogo a FJV ocupa um treinamento do elenco e faz uma homenagem ao técnico Geninho selando um pacto de apoio ao jovem time montado treinador: “nesse sábado, às 18:00h, no Estádio de São Januário, a equipe cruzmaltina faz a sua 5ª partida pelo Campeonato Brasileiro enfrentando o Grêmio. Integrantes da Força Jovem, maior facção de torcida do Vasco, após o término do treinamento estiveram com o elenco e homenagearam o técnico Geninho com a entrega de um troféu”[5].
Em 2004 é lançado o livro “Os Perigos da Paixão – visitando jovens torcidas cariocas”, da antropóloga Rosana Teixeira, fruto de sua pesquisa de mestrado defendida em 1998. A pesquisa é premiada pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, sendo o primeiro livro lançado sobre o assunto na nossa cidade. Nele, a autora mostra os dilemas das torcidas que se tornavam cada vez mais profissionais, burocráticas e empresariais. Além das dissidências internas, o trabalho mostra o embate com dirigentes e imprensa que estigmatizavam cada vez mais as torcidas organizadas.
Outro trabalho acadêmico sobre torcidas organizadas é estudado pela jornalista Graziella Gastaldo, que desenvolve uma pesquisa pioneira com a utilização da internet como meio de comunicação e provocação entre as torcidas. Baseada neste universo, abria-se novas possibilidades de investigação: “percebemos o crescente número de sites, blogs, listas de discussão, comunidades, livros de visita criados por torcedores muitas vezes com o objetivo de exaltar seu time, manter a memória, a identidade e a tradição dos clubes e torcidas com as novas tecnologias de comunicação como um “lugar de memória” das torcidas organizadas”. Entre o trabalho de Rosana, concluído em 1998 e o estudo de Graziella em 2004, a diferença é de apenas 6 anos, mas tempo suficiente para entender as mudanças nas formas de sociabilidade e de se comunicar entre as torcidas (aumento da intolerância e de manifestações de ódio explícito), e uma nova forma de interação do pesquisador com os pesquisados. Muitas das informações que, antes eram guardadas em sigilo pelos torcedores, agora eram divulgados pelos próprios que ostentavam uma sucessão de vitórias sobre os rivais. Para exemplificar, apresentamos uma narrativa de confrontos entre vascaínos e rubro-negros: “RÁDIO CAPITAL- (FJV invadiu a rádio e atropelou os diretores da TJFraca, tadinho do Cap.Léo e companhia, pergunta ao Cap.Léo que cicatriz é aquela na cara dele, depois disso a TJFraca pensou 10 vezes em ironizar a FJV por rádio, foi no Tiro? ahahauhuahuahuahuauahauhauhuhauhauh.
*BARRA DO PIRAÍ-(FJV 2 ônibus , TJF-RRN-GAVIÕES 5 ônibus no total , e quem levou a melhor em minoria? TJF-RRN 26 feridos e FJV em minoria 6 feridos , foi no Tiro?
*COMBINADO DE RIO-SP VAS-FLA X PAL-COR-(Que correria foi aquela lá fora ,TJF e RRN correndo juntas da FJV? Nego pulando no canal da Av.Maracanã? Agente por acaso deu Tiro? auhuhuhauhauhauhauhauhauauauhahahah.
*BRASIL X PARAGUAI COPA AMÉRICA 89-(Coitadinha da TJFraca lá fora de novo , correu da porrada porque? correu geral porque? Não aguentou o bonde? Foi no Tiro isso? ahuahuauhauhauauhuauahauhauhahuah.
*BARIRI 88-(FJV invadindo o lado de vocês , que surra hein , André Rico dando direto na cara do Germano e o mongol rolando as escadas , Metralhas batendo e rindo da cara da diretoria da TJFraca , foi no Tiro? auhuahuahuahuahaauahuauauahuauauhauhauh.
*BARIRI 93-(FJV invadindo o lado de vocês de novo? 6a Família encurralando vocês? correu de novo , um tal de Neme do 5oPLT estirado? foi no Tiro?uahhhuhuahuahuhuahuhuauahuauahu.
*BARIRI 98-(FJV em minoria enfrentou vocês na divisória e vocês tacaram rojões e morteiros encima da gente , grandes merdas e na hora da porrada? Se encurralaram nos cantos do Ginásio , e na hora da divisória vocês muito maiores , peidaram , e tem mais , me diga quem foi aquele muleke de casaco do mickey que o Snoopy socorreu desmaiado? ahuhuauahauhuahuauahuah , por acaso foi no Tiro?
*LARGO DO BICÃO-(FJV varrendo o largo , a briga foi marcada , e cadê os diretores da TJFraca? Acabou sobrando para os componentes indefesos mesmo né? Muito tapa na cara esse dia , Foi no Tiro? ahuauhahaahuahuhuahauhauhauauhuauauuah.
*AMÉRICA 98-(Eles falam da tal enchadada , engraçado , e a cabeça do Saddam rachada? E a moto dele destruída? E o neguinho que ficou no chão ensangüentado? Porque vocês não contam isso? Isso não saiu no jornal , aliás o que é jornal O Povo? Putz ,Foi no Tiro isso? Ahhuhuahuhuaauhuuahuahuahuauauahuauauah”[6].
A extensa lista continua com inúmeros outros episódios em que “a violência passa a ser utilizada como uma importante “ferramenta” na construção da memória desses grupos”. Algo que seria bastante improvável de um torcedor relatar para um pesquisador até os anos 90, pois havia uma grande preocupação das lideranças em criar outra imagem da torcida para os pesquisadores.
Em agosto de 2004, o geógrafo Fernando Ferreira da Costa, defende sua dissertação de mestrado na UFF com enfoque no “estudo das múltiplas identidades herdadas e construídas pelo Club de Regatas Vasco da Gama, responsáveis pela formação de uma identidade própria, somado à análise do seu papel na história recente do país; para, por fim, chegarmos ao bairro Vasco da Gama propriamente dito”[7].
Em outubro era apresentada uma nova pesquisa realizada pelo jornal Lance![8] com apoio do IBOPE no Estado do Rio de Janeiro com os seguintes números: 1° Flamengo 48,3 %; 2° Vasco 18,7 %;3° Botafogo 9,2 %; 4° Fluminense 8,2 %; 5° São Paulo (SP) 0,5 %; Nenhum 13 %; Outros 2 %”.
O campeonato brasileiro prosseguia e o clube começava a enfrentar uma péssima fase chegando nas últimas rodadas entre os últimos colocados. Na penúltima partida contra o Atlético-PR, em São Januário, a torcida lota o estádio e empurra o time para a vitória e o pesadelo da 2ª divisão, é definitivamente afastado.
No gol do Vasco assume o lugar de Fábio, o ex-goleiro do Olaria, Cássio. Em uma grande entrevista ao jornal O Dia, o jogador revela que estava realizando um sonho de infância ao ser titular no clube de São Januário: “Já fiz parte da Força Jovem (Torcida Organizada) e sofri muito nas arquibancadas. Ainda guardo até hoje a minha caneca da sorte com o escudo do Vascão”[9], afirma Cássio.
            Sem ambiente no Fluminense, Romário depois de duas temporadas no tricolor carioca planeja a sua despedida do futebol. No dia 27 dezembro ele anuncia que queria fazer uma partida de despedida. O comentário pela imprensa era que ele havia negociado com o Vasco um possível retorno ao clube mas que teria sido vetado pela torcida. Também não se sabia qual seria a reação dos torcedores do Vasco em sua despedida em um jogo que ele vestiria a camisa do Vaso em um tempo e a do Flamengo no outro tempo: “Tem razão em temer. Faltou carisma a ele no Vasco” – disse o Presidente da Torcida Força Jovem, Marcelo Granzoto.
            Apesar de tudo isso no ano seguinte Romário voltaria ao Vasco....
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: site oficial do Vasco.
[2] Fonte: O Globo 20 de Março de 2004.
[3] fonte: historiasdafjv.blogspot.com
[4] Fonte: Jornal O Globo 11 de Julho de 2004.
[5] Fonte: Site Oficial do Vasco 08 de Maio de 2004
[6] GASTALDO, Graziella. As novas tecnologias de comunicação como um “lugar de memória” das torcidas organizadas. X Simpósio de Pesquisa em Comunicação da Região Sudeste – SIPEC, Rio de janeiro, 7 e 8 de dezembro de 2004.
[7] O BAIRRO VASCO DA GAMA: UM NOVO BAIRRO, UMA NOVA IDENTIDADE?
[8] Fonte: Lance 4 de outubro de 2004.
[9] Fonte: O Dia  10 de Outubro de 2004.

Dulce Rosalina

Vasco Maracanã 2004

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