“Minha única tristeza é saber que um dia
vou fechar os olhos e nunca mais ver o Vasco”.
Dulce
Rosalina
2004 Morre Dulce Rosalina
No ano em que a TOV comemorava
oficialmente os 60 anos de fundação, sua torcedora mais ilustre falecia no dia
24 de janeiro. A morte de Dulce Rosalina (1934-2004) consternou toda a
população carioca que tinha na Tia Dulce um símbolo do espírito de nossa cidade
boa e acolhedora.
Os jornais e o site oficial do clube
narram a sua trajetória de torcedora desde a infância acompanhando o clube de
São Januário, “meu pai me contava a luta do clube contra o racismo” lembrava,
até assumir o comando da TOV em 1956. Sendo a única mulher naquele tempo a
liderar uma torcida. Além disso, Dulce se destacava pelo seu pioneirismo e
abnegação pelo clube: “além de animar a torcida,
inovar trazendo bateria, papel picado e serpentina, ela exercia uma forte
influencia no sentido de fazer com que os torcedores na época se associassem ao
Clube. Para ela o mais importante era ajudar o crescimento do Vasco”[1].
Em 1976 Dulce fundava a
Renovascão para apoiar a candidatura de Medrado Dias a presidência do clube e
continuou na torcida para sempre, embora sua presença assídua nos estádios
fosse dificultada por sua saúde.
Em abril o vereador Áureo Ameno transforma uma rua perto de
São Januário no nome de Dulce Rosalina numa homenagem que contou com o apoio do
clube que também abre sua sede para a comemoração dos 60 anos da TOV, com a
presença do artilheiro do clube, Valdir.
Durante
o campeonato carioca deste ano a grande dor de cabeça da torcida era o maior
rival, o Flamengo. Depois de alguns resultados ruins contra o adversário da
Gávea, integrantes da FJV se reúnem com o time e cobram mais empenho do time
para superar o rubro-negro: “Após o treino desta sexta-feira, 12 integrantes da
Força Jovem conversaram com Fábio, Rodrigo Souto, Wescley e Beto. Os torcedores
falaram durante dez minutos e Marcelo Granzoto, Presidente da Torcida, mostrou
um pouco do sentimento do torcedor vascaíno para a partida de domingo. – O
torcedor comum do Vasco já não acredita mais quando o jogo é contra o Flamengo.
A Torcida Organizada vai acreditar sempre, mas também vai cobrar”. A entrada
dos torcedores em campo não contou com o apoio do técnico Geninho: “acho
inoportuna a cobrança porque os jogadores podem assimilá-la de forma errada,
partindo para uma forma desmedida de determinação”. Já o atacante Beto tentou
minimizar a cobrança, assumindo o compromisso com os torcedores: “. Quando
cheguei, conversei com eles de outra maneira, por conta de minha passagem pelo
Flamengo. Agora, sinto que o carinho por mim está aumentando, porque tenho
mostrado vontade em campo” [2].
Antes
da final do campeonato carioca com o Flamengo, o Vasco disputou a semifinal com
o Fluminense e saiu vencedor. Na segunda partida contra o tricolor, a Força
Jovem lança um boletim distribuído aos torcedores nos estádio. No editorial
escrito pelo ex-presidente da torcida Roberto Monteiro, ele convoca os
torcedores: “chegamos as finais da Taça Rio superando as próprias limitações do
nosso time e o momento financeiro difícil que o clube atravessa. Nossa torcida,
como sempre, chegou junto e foi fator decisivo para chegarmos ao jogo contra o
Fluminense. E mais uma vez, está em nossas mãos a missão de empurrar nosso time
para a decisão do campeonato”. Neste período a FJV inaugurava a sua sede na rua
Bela em São Cristóvão.
Depois
de perder o campeonato carioca para o maior rival o Vasco é eliminado da Copa
do Brasil em casa para o desconhecido XV de Novembro de Campo Bom (RS). Além da
derrota, o pior foi uma briga entre integrantes da Força Jovem que brigavam
entre si. Neste dia o ex-presidente da torcida Marcelo He-man é agredido. Em um
blog sobre a história da torcida há uma explicação para o triste acontecimento:
“após descontentamento com os rumos da torcida, (Marcelo) se afasta, mas não
larga a militância, com seus belos e contundentes cartazes. Seu último jogo do
Vasco que ele assistiu in loco (Vasco 0 x 3 XV de Novembro em 07/04/2004) é marcado
com uma tragédia e a maior vergonha da história da Força Jovem, ele foi
severamente espancado por dez capangas do seu antigo "amigo", pelo
simples motivo de defender o ideal de independência da torcida!”[3].
Neste
ano é lançado o documentário “Pelé Eterno”. No filme aparecem as imagens
consagradas de Pelé, como aquela histórica, marcando o gol 1.000, no jogo com o
Vasco. Mas as cenas mais impactantes para os vascaínos são aquelas de 1957,
quando o jovem atacante vestiu a camisa do Vasco no combinado Vasco-Santos. Nas
partidas brota um futuro craque marcando gols. Um deles, um golaço contra o
Flamengo.
Começa
o campeonato brasileiro e o time faz uma campanha inicial vitoriosa, ao
contrário do Flamengo. No primeiro jogo entre as duas equipes há uma polêmica entre
os dirigentes Marcio Braga (Flamengo) e Eurico Miranda. O rubro-negro quer a
renda do jogo só para o seu clube. Eurico faz um apelo para a torcida vascaína
boicotar o jogo: “a maioria das Torcidas Organizadas acatou o pedido do
dirigente, como a TOV, Renovascão e a Pequenos Vascaínos. A Força Jovem
compareceu, mas muitos de seus integrantes preferiram ir para a geral para não
dar dinheiro ao rival. Os da Vasqueire foram ao Maracanã normalmente”[4].
Um
mês antes deste jogo a FJV ocupa um treinamento do elenco e faz uma homenagem
ao técnico Geninho selando um pacto de apoio ao jovem time montado treinador:
“nesse sábado, às 18:00h, no Estádio de São Januário, a equipe cruzmaltina faz
a sua 5ª partida pelo Campeonato Brasileiro enfrentando o Grêmio. Integrantes
da Força Jovem, maior facção de torcida do Vasco, após o término do treinamento
estiveram com o elenco e homenagearam o técnico Geninho com a entrega de um
troféu”[5].
Em
2004 é lançado o livro “Os Perigos da Paixão – visitando jovens torcidas
cariocas”, da antropóloga Rosana Teixeira, fruto de sua pesquisa de mestrado
defendida em 1998. A pesquisa é premiada pela Secretaria Municipal de Cultura
do Rio de Janeiro, sendo o primeiro livro lançado sobre o assunto na nossa
cidade. Nele, a autora mostra os dilemas das torcidas que se tornavam cada vez
mais profissionais, burocráticas e empresariais. Além das dissidências
internas, o trabalho mostra o embate com dirigentes e imprensa que
estigmatizavam cada vez mais as torcidas organizadas.
Outro trabalho acadêmico
sobre torcidas organizadas é estudado pela jornalista Graziella Gastaldo, que
desenvolve uma pesquisa pioneira com a utilização da internet como meio de
comunicação e provocação entre as torcidas. Baseada neste universo, abria-se
novas possibilidades de investigação: “percebemos o crescente número de sites,
blogs, listas de discussão, comunidades, livros de visita criados
por torcedores muitas vezes com o objetivo de exaltar seu time, manter a
memória, a identidade e a tradição dos clubes e torcidas com as novas tecnologias
de comunicação como um “lugar de memória” das torcidas organizadas”. Entre o
trabalho de Rosana, concluído em 1998 e o estudo de Graziella em 2004, a
diferença é de apenas 6 anos, mas tempo suficiente para entender as mudanças
nas formas de sociabilidade e de se comunicar entre as torcidas (aumento da
intolerância e de manifestações de ódio explícito), e uma nova forma de
interação do pesquisador com os pesquisados. Muitas das informações que, antes
eram guardadas em sigilo pelos torcedores, agora eram divulgados pelos próprios
que ostentavam uma sucessão de vitórias sobre os rivais. Para exemplificar,
apresentamos uma narrativa de confrontos entre vascaínos e rubro-negros: “RÁDIO
CAPITAL- (FJV invadiu a rádio e atropelou os diretores da TJFraca, tadinho do
Cap.Léo e companhia, pergunta ao Cap.Léo que cicatriz é aquela na cara dele,
depois disso a TJFraca pensou 10 vezes em ironizar a FJV por rádio, foi no
Tiro? ahahauhuahuahuahuauahauhauhuhauhauh.
*BARRA
DO PIRAÍ-(FJV 2 ônibus , TJF-RRN-GAVIÕES 5 ônibus no total , e quem levou a
melhor em minoria? TJF-RRN 26 feridos e FJV em minoria 6 feridos , foi no Tiro?
*COMBINADO
DE RIO-SP VAS-FLA X PAL-COR-(Que correria foi aquela lá fora ,TJF e RRN
correndo juntas da FJV? Nego pulando no canal da Av.Maracanã? Agente por acaso
deu Tiro? auhuhuhauhauhauhauhauhauauauhahahah.
*BRASIL
X PARAGUAI COPA AMÉRICA 89-(Coitadinha da TJFraca lá fora de novo , correu da
porrada porque? correu geral porque? Não aguentou o bonde? Foi no Tiro isso?
ahuahuauhauhauauhuauahauhauhahuah.
*BARIRI
88-(FJV invadindo o lado de vocês , que surra hein , André Rico dando direto na
cara do Germano e o mongol rolando as escadas , Metralhas batendo e rindo da
cara da diretoria da TJFraca , foi no Tiro? auhuahuahuahuahaauahuauauahuauauhauhauh.
*BARIRI
93-(FJV invadindo o lado de vocês de novo? 6a Família encurralando vocês?
correu de novo , um tal de Neme do 5oPLT estirado? foi no
Tiro?uahhhuhuahuahuhuahuhuauahuauahu.
*BARIRI
98-(FJV em minoria enfrentou vocês na divisória e vocês tacaram rojões e
morteiros encima da gente , grandes merdas e na hora da porrada? Se
encurralaram nos cantos do Ginásio , e na hora da divisória vocês muito maiores
, peidaram , e tem mais , me diga quem foi aquele muleke de casaco do mickey
que o Snoopy socorreu desmaiado? ahuhuauahauhuahuauahuah , por acaso foi no
Tiro?
*LARGO
DO BICÃO-(FJV varrendo o largo , a briga foi marcada , e cadê os diretores da
TJFraca? Acabou sobrando para os componentes indefesos mesmo né? Muito tapa na
cara esse dia , Foi no Tiro? ahuauhahaahuahuhuahauhauhauauhuauauuah.
*AMÉRICA
98-(Eles falam da tal enchadada , engraçado , e a cabeça do Saddam rachada? E a
moto dele destruída? E o neguinho que ficou no chão ensangüentado? Porque vocês
não contam isso? Isso não saiu no jornal , aliás o que é jornal O Povo? Putz
,Foi no Tiro isso? Ahhuhuahuhuaauhuuahuahuahuauauahuauauah”[6].
A
extensa lista continua com inúmeros outros episódios em que “a violência passa a ser utilizada como
uma importante “ferramenta” na construção da memória desses grupos”. Algo que
seria bastante improvável de um torcedor relatar para um pesquisador até os
anos 90, pois havia uma grande preocupação das lideranças em criar outra imagem
da torcida para os pesquisadores.
Em
agosto de 2004, o geógrafo Fernando Ferreira da Costa, defende sua dissertação
de mestrado na UFF com enfoque no “estudo das múltiplas identidades herdadas e
construídas pelo Club de Regatas Vasco da Gama, responsáveis pela formação de
uma identidade própria, somado à análise do seu papel na história recente do
país; para, por fim, chegarmos ao bairro Vasco da Gama propriamente dito”[7].
Em
outubro era apresentada uma nova pesquisa realizada pelo jornal Lance![8]
com apoio do IBOPE no Estado do Rio de Janeiro com os seguintes números: 1°
Flamengo 48,3 %; 2° Vasco 18,7 %;3° Botafogo 9,2 %; 4° Fluminense 8,2 %; 5° São
Paulo (SP) 0,5 %; Nenhum 13 %; Outros 2 %”.
O
campeonato brasileiro prosseguia e o clube começava a enfrentar uma péssima
fase chegando nas últimas rodadas entre os últimos colocados. Na penúltima
partida contra o Atlético-PR, em São Januário, a torcida lota o estádio e
empurra o time para a vitória e o pesadelo da 2ª divisão, é definitivamente
afastado.
No
gol do Vasco assume o lugar de Fábio, o ex-goleiro do Olaria, Cássio. Em uma
grande entrevista ao jornal O Dia, o jogador revela que estava realizando um
sonho de infância ao ser titular no clube de São Januário: “Já fiz parte da
Força Jovem (Torcida Organizada) e sofri muito nas arquibancadas. Ainda guardo
até hoje a minha caneca da sorte com o escudo do Vascão”[9],
afirma Cássio.
Sem ambiente no Fluminense, Romário
depois de duas temporadas no tricolor carioca planeja a sua despedida do
futebol. No dia 27 dezembro ele anuncia que queria fazer uma partida de
despedida. O comentário pela imprensa era que ele havia negociado com o Vasco
um possível retorno ao clube mas que teria sido vetado pela torcida. Também não
se sabia qual seria a reação dos torcedores do Vasco em sua despedida em um
jogo que ele vestiria a camisa do Vaso em um tempo e a do Flamengo no outro
tempo: “Tem razão em
temer. Faltou carisma a ele no Vasco” – disse o Presidente da Torcida Força
Jovem, Marcelo Granzoto.
Apesar de tudo isso no ano seguinte
Romário voltaria ao Vasco....
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[3] fonte:
historiasdafjv.blogspot.com
[4] Fonte: Jornal O Globo 11
de Julho de 2004.
[5] Fonte: Site Oficial do
Vasco 08 de Maio de 2004
[6] GASTALDO, Graziella. As novas tecnologias de comunicação como um
“lugar de memória” das torcidas organizadas. X Simpósio de Pesquisa em
Comunicação da Região Sudeste – SIPEC, Rio de janeiro, 7 e 8 de dezembro de
2004.
[7] O BAIRRO VASCO DA GAMA: UM NOVO BAIRRO, UMA NOVA IDENTIDADE?
[8] Fonte: Lance 4 de outubro
de 2004.
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