domingo, 4 de junho de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 2002 EXPULSO DA TRIBUNA

                                                                    “Eurico acha que é dono do mundo”
                                                                                   Roberto  Dinamite

2002                        Expulso da Tribuna

         Era uma partida de pouca importância na abertura do torneio Rio-São Paulo entre Vasco e Ponte Preta. Havia poucos torcedores no estádio de São Januário. Certamente seria mais um jogo que passaria despercebido por todos. Entretanto, um atrito entre o presidente do clube e o maior ídolo do Vasco veio à tona naquele dia que marcará a década. De um lado estava o todo poderoso deputado federal Eurico Miranda, do outro, uma legião de vascaínos tomando as dores do seu ex-craque, com apoio de grande imprensa que transforma Roberto Dinamite em mais uma vítima do poder autoritário do dirigente vascaíno.
            Convidado pelo presidente de honra do Vasco, Antônio Soares Calçada, o ex-jogador levou o filho Rodrigo, de 9 anos, para sentar-se na tribuna de honra do estádio de São Januário. No intervalo do jogo, pai e filho tiveram de deixar a tribuna. Tinham sido expulsos a mando do presidente do Vasco.
O motivo da discórdia entre os dois teria sido a declaração de Roberto contrário a intenção de Eurico aposentar a camisa 11 em homenagem a Romário, segundo declarou Eurico naquela semana. Curiosamente, Roberto havia votado em Eurico na última eleição para presidente do Vasco em 2000. A partir daí começa uma campanha pela imprensa e associados do Vasco em ter Dinamite como presidente em oposição a administração de Eurico.
Outra briga que agitou São Januário no início de 2002 foi a disputa de Rainha da Força Jovem. Depois de três anos ostentando o posto mais cobiçado entre as vascaínas, Viviane Araújo, também Rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, é destituída do cargo e em seu lugar assume Renata Santos, 19 anos e Rainha de bateria da Acadêmicos de Santa Cruz.Do jogador Felipe, a Rainha recebeu a coroa e do Goleiro Helton, recebeu a faixa com a inscrição “Rainha da Força Jovem” destacada com muita purpurina. “Sou Vasco desde 15 anos, quando comecei a me interessar por futebol, e assumo o compromisso de ir a todos os jogos do Vasco”, garante Renata[1].
Neste ano é lançado o primeiro livro de um ambicioso trabalho de pesquisa que o Vasco incentivou com apoio da FAPERJ e do professor de História da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira da Silva. Trata-se de “São Januário - Arquitetura e História” (Kit com livro e três CDs), de Clara Malhano e Hamílton Malhano. Este primeiro volume da série Memória Social dos Esportes é um kit que inclui, além do livro com a análise detalhada da arquitetura do Estádio de São Januário e sua história, três CDs com imagens das fichas originais de quase todos os atletas que defenderam o Vasco entre 1937 e 2002.
Nesta época Francisco Carlos atuava como o responsável do Centro de Memória do Vasco da Gama. Para ele, a obra era um marco nas pesquisas históricas sobre o esporte nacional: “nunca um estádio brasileiro mereceu um trabalho de pesquisa histórica, arquitetônica e iconográfica, como o trabalho que ora apresentamos” (p. 13). Segundo o diretor da FAPERJ, Luis Fernandes, professor de Relações Internacionais da PUC-RJ, a construção ultrapassava as fronteiras esportivas e assumia dimensões de uma nova identidade nacional que a sociedade exigia: “ergue-se muito mais do que um estádio de futebol (...) um palco na ‘periferia’ da então Capital Federal em que o público, tão mestiço e misturado como o time a que ia assistir, podia, enfim se identificar” (p. 10).
Antes da Copa do Mundo de 2002, são lançados vários livros sobre futebol. Para os vascaínos, o melhor presente era ganhar a obra que reunia as crônicas e poesias de Carlos Drummond de Andrade, no livro intitulado “Quando é Dia de Futebol”. O poeta, que completaria 100 anos em 2002, recebe uma série de homenagens ao longo do ano. No prefácio escrito por Pelé, há o registro da paixão torcedora do poeta: “uma preferência sua me emociona em particular: seu amor pelo Vasco da Gama, cuja camisa vesti com muita honra no início de minha carreira”. Quem confirma sua paixão pelo nosso clube é o seu neto que relembra que o poeta mineiro passou a torcer pelo Vasco quando veio morar no Rio de Janeiro nos anos 1930 e a razão da escolha tinha motivos políticos: “por ter sido o primeiro clube carioca a contratar jogadores negros”. Embora não fosse um torcedor fervoroso, nem freqüentasse os estádios, o poeta tinha uma visão muito apurada sobre o futebol como paixão humana capaz de mobilizar muitos sentimentos divergentes. “Aparentemente, a opinião dos torcedores de um clube é maciça. Pois sim. Cada torcedor tem a sua ótica, a sua concepção, a sua verdade. Amam todos o mesmo clube, mas de maneiras distintas, e divergem, profundamente, na apreciação dos fatos, das técnicas do jogo, sobretudo das pessoas”(p.127).
Em abril de 2002 as relações do atacante Romário com a torcida vascaína são cada vez mais tensas, mostrando a todos que sua permanência no clube era insustentável. A Força Jovem do Vasco emite uma nota oficial e anuncia a produção de 50 mil panfletos para serem distribuídos nos estádios fazendo uma série de acusações contra o jogador. O principal motivo de insatisfação dos torcedores era a reação de Romário diante das críticas e suas declarações no passado: “em suas passagens pelo Flamengo fez questão de afirmar sua preferência por esse clube, além de provocar os torcedores vascaínos com declarações que ironizavam a própria instituição VASCO DA GAMA (...) A FORÇA JOVEM não fez qualquer ameaça ao jogador Romário. Apesar de xingada de "frouxa" e de outros adjetivos (...) a nossa facção está unida em torno do entendimento de que Romário não tem identificação com o nosso clube e com sua torcida e, dessa forma, não merece continuar vestindo a sagrada camisa (...)não cansamos de incentivá-lo e inclusive foi a FJV que lançou o grito de "Romário Chapa Quente", que virou marca registrada nas arquibancadas, com o coro sempre puxado pela FJV”[2].
Depois da Copa do Mundo de 2002, Romário sai do Vasco e vai para o Fluminense no ano de seu centenário. A torcida vascaína comemora na estréia do time no Brasileiro, dia 10, contra o Figueirense, em São Januário. Várias faixas (uma de 20 metros) e bolas foram levadas pela torcida.
Depois de Romário, o alvo dos xingamentos da torcida recaem sobre Eurico Miranda, principalmente nos dias que se aproximavam para a eleição de deputados federais, senadores, governador e presidente. Eurico concorria para a sua reeleição mas enfrentava forte oposição da imprensa que fazia inúmeras denúncias com base na CPI do Futebol  e contra os deputados que formavam a “Bancada da Bola”.
Para manter o apoio dos torcedores-eleitores, Eurico contrata o principal jogador do Flamengo e o maior carrasco do Vasco nos últimos dois anos. O sérvio Petkovic é anunciado como a principal contratação do clube do ano. A chegada do jogador ao time coincide com o período em que o jornalista Franklin Foer estava no Brasil para escrever seu livro sobre o futebol em um mundo globalizado. No Brasil a obra recebeu o título de “Como o futebol explica o mundo”. O jornalista reserva um capítulo especial para o Brasil com ênfase na figura dos “cartolas”. Na obra, o dirigente  Eurico Miranda é retratado como um político oportunista. O presidente “me convida para visitar São Januário na manhã seguinte aos 104° aniversário do clube (...) nessa manhã ele convocou sua coletiva na imprensa para anunciar a contratação  de (...) Petkovic é uma peça de uma jogada política, uma tentativa de última hora de reenergizar a torcida do clube. Miranda não faz muito esforço para ocultar suas motivações” ( 2004, p.121).
Os resultados positivos não vêm como o dirigente esperava e a torcida manifestava sua contrariedade com o time e o presidente. Depois de ser xingado pelos torcedores (a maioria da FJV), Eurico ainda acreditando na sua base eleitoral, resolver punir a torcida e anuncia o fim dos ingressos gratuitos (cerca de 2 mil) para a facção: “A Força Jovem não ganhará mais ingressos para assistir aos jogos durante o Brasileiro nem terá viagens financiadas pelo clube para partidas fora do Rio. Além disso, teve que retirar materiais que estavam guardados em uma Sala em São Januário”[3].
A diretoria da FJV anunciava que apoiaria os vascaínos Edmilson Valentim e Sérgio Cabral para Deputado Estadual e Bernardo Ariston para Deputado Federal. Resultado: com pouco mais de 25 mil votos, Eurico não consegue se reeleger. A “Bancada da Bola” é derrotada e os deputados que participam da CPI do Futebol são eleitos.
No jogo entre Vasco e Flamengo pelo campeonato brasileiro o ex-atacante do Flamengo e carrasco do Vasco, o sérvio Petkovic fazia uma bela exibição na partida que terminou com a vitória do Vasco por 3 a 1. No confronto entre as torcidas, a vascaína também saiu vencedora: “a guerra de nervos entre as torcidas começou quase uma hora antes da partida: arquibancada lotada por rubro negros, o contraste visual era avassalador. A festa parecia ser vermelho e preto. A voz dos vascaínos foi abafada por ampla maioria. Já com os times em campo os flamenguistas provocaram os adversários, cantado o famoso “Recordar é viver, Pet acabou com você!”, lembrando o estadual de 2001. A galera de São Januário, imediatamente, respondeu na mesma moeda e deixou o goleiro Júlio César abalado com uma rima desagradável sobre a sua mulher, Suzana Werner e Ronaldinho”[4].
Apesar do time não fazer grande campanha pelo campeonato nacional, a vitória sobre o rival reacende a velha rixa. O novo ídolo vascaíno saía de campo consagrado pela torcida que gritava: “Pet, Pet, Pet”, para os adversários os gritos eram de “ão, ão, ão, Segunda Divisão”. Uma alusão a péssima campanha do rival ameaçado naquele ano de rebaixamento.
Na campanha presidencial que elegeu Lula presidente pela primeira vez, a FJV fez campanha para o líder do PT, inclusive levando uma bandeira com o rosto de Lula. A imprensa registra o apoio explícito da torcida ao líder petista: “ontem à tarde, torcedores se reuniram para definir como será a homenagem de amanhã. Marcelo Granzotto, Presidente da principal Torcida Organizada Vascaína, adiantou que serão estendidas diversas faixas, uma delas com os seguintes dizeres: ‘A história de Lula, assim como a do Vasco, representa o povo brasileiro’[5].
Enquanto Lula chegava, Romário planejava sua volta ao Vasco para 2003. No entanto, a torcida preferia a volta de Edmundo: "Tenho certeza de que ele não volta e nem penso nessa hipótese. A torcida é totalmente contrária porque ele não respeita a camisa do Vasco. Espero que a diretoria pese os prós e os contras e tome a decisão certa, que é manter este jogador longe do Vasco"[6], comentava o líder da FJV. Com Romário fora dos planos da torcida, o sonho era  com o retorno do "Animal" Edmundo. Segundo Granzotto, o jogador, que costuma comemorar acintosamente gols marcados contra o Flamengo, encarna o espírito Vascaíno. "São poucos os jogadores que atuam com amor no futebol de hoje e o Edmundo é um deles. Ele vibra com o Vasco, joga com alegria", analisa.
            O sonho dos vascaínos de contar novamente com Edmundo em 2003 (ele estava no Japão) só será realizado no meio do ano seguinte. No entanto, as polêmicas em torno dele, Romário, Eurico e Roberto Dinamite estavam longe de terminarem e a divisão dos torcedores seria uma tendência marcante nestes próximos anos.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Jornal O Dia 06 de Março de 2002.
[2] Fonte: WWW.netvasco.com.br
[3] Fonte: Lancenet 31 de Agosto de 2002
[4] Fonte: Jornal O Globo 17 de Outubro de 2002.
[5] Fonte: Jornal O Dia 30 de Outubro de 2002
[6] Fonte: Pelé.Net e Netvasco 11 de Dezembro de 2002

Vasco Jornal do Brasil 2002

Vasco Jornal O Dia 2002

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