“Eurico acha que é dono do mundo”
Roberto Dinamite
2002 Expulso da Tribuna
Era
uma partida de pouca importância na abertura do torneio Rio-São Paulo entre
Vasco e Ponte Preta. Havia poucos torcedores no estádio de São Januário.
Certamente seria mais um jogo que passaria despercebido por todos. Entretanto,
um atrito entre o presidente do clube e o maior ídolo do Vasco veio à tona
naquele dia que marcará a década. De um lado estava o todo poderoso deputado
federal Eurico Miranda, do outro, uma legião de vascaínos tomando as dores do
seu ex-craque, com apoio de grande imprensa que transforma Roberto Dinamite em
mais uma vítima do poder autoritário do dirigente vascaíno.
Convidado pelo presidente de honra
do Vasco, Antônio Soares Calçada, o ex-jogador levou o filho Rodrigo, de 9
anos, para sentar-se na tribuna de honra do estádio de São Januário. No
intervalo do jogo, pai e filho tiveram de deixar a tribuna. Tinham sido
expulsos a mando do presidente do Vasco.
O
motivo da discórdia entre os dois teria sido a declaração de Roberto contrário
a intenção de Eurico aposentar a camisa 11 em homenagem a Romário, segundo
declarou Eurico naquela semana. Curiosamente, Roberto havia votado em Eurico na
última eleição para presidente do Vasco em 2000. A partir daí começa uma
campanha pela imprensa e associados do Vasco em ter Dinamite como presidente em
oposição a administração de Eurico.
Outra
briga que agitou São Januário no início de 2002 foi a disputa de Rainha da
Força Jovem. Depois de três anos ostentando o posto mais cobiçado entre as
vascaínas, Viviane Araújo, também Rainha de bateria da Mocidade Independente de
Padre Miguel, é destituída do cargo e em seu lugar assume Renata Santos, 19
anos e Rainha de bateria da Acadêmicos de Santa Cruz. “Do jogador Felipe, a Rainha recebeu a
coroa e do Goleiro Helton, recebeu a faixa com a inscrição “Rainha da Força
Jovem” destacada com muita purpurina. “Sou Vasco desde 15 anos, quando comecei
a me interessar por futebol, e assumo o compromisso de ir a todos os jogos do
Vasco”, garante Renata[1].
Neste
ano é lançado o primeiro livro de um ambicioso trabalho de pesquisa que o Vasco
incentivou com apoio da FAPERJ e do professor de História da UFRJ, Francisco
Carlos Teixeira da Silva. Trata-se de “São Januário - Arquitetura e História”
(Kit com livro e três CDs), de Clara Malhano e Hamílton Malhano. Este primeiro
volume da série Memória Social dos Esportes é um kit que inclui, além do livro
com a análise detalhada da arquitetura do Estádio de São Januário e sua
história, três CDs com imagens das fichas originais de quase todos os atletas
que defenderam o Vasco entre 1937 e 2002.
Nesta
época Francisco Carlos atuava como o responsável do Centro de Memória do Vasco
da Gama. Para ele, a obra era um marco nas pesquisas históricas sobre o esporte
nacional: “nunca um estádio brasileiro mereceu um trabalho de pesquisa
histórica, arquitetônica e iconográfica, como o trabalho que ora apresentamos”
(p. 13). Segundo o diretor da FAPERJ, Luis Fernandes, professor de Relações
Internacionais da PUC-RJ, a construção ultrapassava as fronteiras esportivas e
assumia dimensões de uma nova identidade nacional que a sociedade exigia:
“ergue-se muito mais do que um estádio de futebol (...) um palco na ‘periferia’
da então Capital Federal em que o público, tão mestiço e misturado como o time
a que ia assistir, podia, enfim se identificar” (p. 10).
Antes
da Copa do Mundo de 2002, são lançados vários livros sobre futebol. Para os
vascaínos, o melhor presente era ganhar a obra que reunia as crônicas e poesias
de Carlos Drummond de Andrade, no livro intitulado “Quando é Dia de Futebol”. O
poeta, que completaria 100 anos em 2002, recebe uma série de homenagens ao
longo do ano. No prefácio escrito por Pelé, há o registro da paixão torcedora do
poeta: “uma preferência sua me emociona em particular: seu amor pelo Vasco da
Gama, cuja camisa vesti com muita honra no início de minha carreira”. Quem
confirma sua paixão pelo nosso clube é o seu neto que relembra que o poeta
mineiro passou a torcer pelo Vasco quando veio morar no Rio de Janeiro nos anos
1930 e a razão da escolha tinha motivos políticos: “por ter sido o primeiro
clube carioca a contratar jogadores negros”. Embora não fosse um torcedor
fervoroso, nem freqüentasse os estádios, o poeta tinha uma visão muito apurada
sobre o futebol como paixão humana capaz de mobilizar muitos sentimentos
divergentes. “Aparentemente, a opinião dos torcedores de um clube é maciça.
Pois sim. Cada torcedor tem a sua ótica, a sua concepção, a sua verdade. Amam todos
o mesmo clube, mas de maneiras distintas, e divergem, profundamente, na
apreciação dos fatos, das técnicas do jogo, sobretudo das pessoas”(p.127).
Em
abril de 2002 as relações do atacante Romário com a torcida vascaína são cada
vez mais tensas, mostrando a todos que sua permanência no clube era
insustentável. A Força Jovem do Vasco emite uma nota oficial e anuncia a
produção de 50 mil panfletos para serem distribuídos nos estádios fazendo uma
série de acusações contra o jogador. O principal motivo de insatisfação dos
torcedores era a reação de Romário diante das críticas e suas declarações no
passado: “em suas passagens pelo Flamengo fez questão de afirmar sua
preferência por esse clube, além de provocar os torcedores vascaínos com
declarações que ironizavam a própria instituição VASCO DA GAMA (...) A FORÇA
JOVEM não fez qualquer ameaça ao jogador Romário. Apesar de xingada de
"frouxa" e de outros adjetivos (...) a nossa facção está unida em
torno do entendimento de que Romário não tem identificação com o nosso clube e
com sua torcida e, dessa forma, não merece continuar vestindo a sagrada camisa
(...)não cansamos de incentivá-lo e inclusive foi a FJV que lançou o grito de
"Romário Chapa Quente", que virou marca registrada nas arquibancadas,
com o coro sempre puxado pela FJV”[2].
Depois
da Copa do Mundo de 2002, Romário sai do Vasco e vai para o Fluminense no ano
de seu centenário. A torcida vascaína comemora na estréia do time no
Brasileiro, dia 10, contra o Figueirense, em São Januário. Várias faixas (uma de
20 metros) e bolas foram levadas pela torcida.
Depois
de Romário, o alvo dos xingamentos da torcida recaem sobre Eurico Miranda,
principalmente nos dias que se aproximavam para a eleição de deputados
federais, senadores, governador e presidente. Eurico concorria para a sua
reeleição mas enfrentava forte oposição da imprensa que fazia inúmeras
denúncias com base na CPI do Futebol e
contra os deputados que formavam a “Bancada da Bola”.
Para
manter o apoio dos torcedores-eleitores, Eurico contrata o principal jogador do
Flamengo e o maior carrasco do Vasco nos últimos dois anos. O sérvio Petkovic é
anunciado como a principal contratação do clube do ano. A chegada do jogador ao
time coincide com o período em que o jornalista Franklin Foer estava no Brasil para
escrever seu livro sobre o futebol em um mundo globalizado. No Brasil a obra
recebeu o título de “Como o futebol explica o mundo”. O jornalista reserva um
capítulo especial para o Brasil com ênfase na figura dos “cartolas”. Na obra, o
dirigente Eurico Miranda é retratado
como um político oportunista. O presidente “me convida para visitar São
Januário na manhã seguinte aos 104° aniversário do clube (...) nessa manhã ele
convocou sua coletiva na imprensa para anunciar a contratação de (...) Petkovic é uma peça de uma jogada
política, uma tentativa de última hora de reenergizar a torcida do clube.
Miranda não faz muito esforço para ocultar suas motivações” ( 2004, p.121).
Os resultados positivos não vêm como o dirigente esperava
e a torcida manifestava sua contrariedade com o time e o presidente. Depois de
ser xingado pelos torcedores (a maioria da FJV), Eurico ainda acreditando na
sua base eleitoral, resolver punir a torcida e anuncia o fim dos ingressos
gratuitos (cerca de 2 mil) para a facção: “A Força Jovem não ganhará mais
ingressos para assistir aos jogos durante o Brasileiro nem terá viagens
financiadas pelo clube para partidas fora do Rio. Além disso, teve que
retirar materiais que estavam guardados em uma Sala em São Januário”[3].
A
diretoria da FJV anunciava que apoiaria os vascaínos Edmilson Valentim e Sérgio
Cabral para Deputado Estadual e Bernardo Ariston para Deputado Federal.
Resultado: com pouco mais de 25 mil votos, Eurico não consegue se reeleger. A
“Bancada da Bola” é derrotada e os deputados que participam da CPI do Futebol
são eleitos.
No
jogo entre Vasco e Flamengo pelo campeonato brasileiro o ex-atacante do
Flamengo e carrasco do Vasco, o sérvio Petkovic fazia uma bela exibição na
partida que terminou com a vitória do Vasco por 3 a 1. No confronto entre as
torcidas, a vascaína também saiu vencedora: “a guerra de nervos entre as
torcidas começou quase uma hora antes da partida: arquibancada lotada por rubro
negros, o contraste visual era avassalador. A festa parecia ser vermelho e
preto. A voz dos vascaínos foi abafada por ampla maioria. Já com os times em
campo os flamenguistas provocaram os adversários, cantado o famoso “Recordar é
viver, Pet acabou com você!”, lembrando o estadual de 2001. A galera de São
Januário, imediatamente, respondeu na mesma moeda e deixou o goleiro Júlio
César abalado com uma rima desagradável sobre a sua mulher, Suzana Werner e
Ronaldinho”[4].
Apesar
do time não fazer grande campanha pelo campeonato nacional, a vitória sobre o
rival reacende a velha rixa. O novo ídolo vascaíno saía de campo consagrado
pela torcida que gritava: “Pet, Pet, Pet”, para os adversários os gritos eram
de “ão, ão, ão, Segunda Divisão”. Uma alusão a péssima campanha do rival
ameaçado naquele ano de rebaixamento.
Na
campanha presidencial que elegeu Lula presidente pela primeira vez, a FJV fez
campanha para o líder do PT, inclusive levando uma bandeira com o rosto de
Lula. A imprensa registra o apoio explícito da torcida ao líder petista: “ontem
à tarde, torcedores se reuniram para definir como será a homenagem de amanhã.
Marcelo Granzotto, Presidente da principal Torcida Organizada Vascaína,
adiantou que serão estendidas diversas faixas, uma delas com os seguintes
dizeres: ‘A história de Lula, assim como a do Vasco, representa o povo
brasileiro’[5].
Enquanto
Lula chegava, Romário planejava sua volta ao Vasco para 2003. No entanto, a
torcida preferia a volta de Edmundo: "Tenho certeza de que ele não volta e
nem penso nessa hipótese. A torcida é totalmente contrária porque ele não
respeita a camisa do Vasco. Espero que a diretoria pese os prós e os contras e
tome a decisão certa, que é manter este jogador longe do Vasco"[6],
comentava o líder da FJV. Com
Romário fora dos planos da torcida, o sonho era
com o retorno do "Animal" Edmundo. Segundo Granzotto, o
jogador, que costuma comemorar acintosamente gols marcados contra o Flamengo,
encarna o espírito Vascaíno. "São poucos os jogadores que atuam com amor
no futebol de hoje e o Edmundo é um deles. Ele vibra com o Vasco, joga com
alegria", analisa.
O sonho dos vascaínos de contar
novamente com Edmundo em 2003 (ele estava no Japão) só será realizado no meio
do ano seguinte. No entanto, as polêmicas em torno dele, Romário, Eurico e
Roberto Dinamite estavam longe de terminarem e a divisão dos torcedores seria
uma tendência marcante nestes próximos anos.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte:
Jornal O Dia 06 de Março de 2002.
[2] Fonte: WWW.netvasco.com.br
[3] Fonte: Lancenet 31 de
Agosto de 2002
[4] Fonte: Jornal O Globo 17
de Outubro de 2002.
[5] Fonte: Jornal O Dia 30 de
Outubro de 2002
[6] Fonte: Pelé.Net e
Netvasco 11 de Dezembro de 2002
Vasco Jornal do Brasil 2002 |
Vasco Jornal O Dia 2002 |
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