“Se não
fosse humano seria um peixe, mais precisamente um bacalhau”.
Guilherme Tâmega
2003
A Torcida na Era da Internet
Nem só de futebol vive uma torcida
apaixonada e a chance de incentivar o clube em outros esportes é uma tradição
dos vascaínos que tem nos esportes marinhos um apreço especial. Afinal, o clube
nasceu do remo. Em 2003 a
torcida festejava o sexto título mundial de bodyboarding de Guilherme Tâmega,
reconhecido torcedor do Vasco e frequentador das arquibancadas no local da
Força Jovem. Cerca de 100 torcedores compareceram ao Aeroporto Internacional
para prestigiar o atleta que retornava do Havaí.
Não
era somente nas ondas internacionais que a torcida do Vasco ganhava brilho,
agora era a vez da construção do primeiro site de torcida organizada mostrando
que os tempos eram outros. “Quando todos os territórios já pareciam
conquistados, a caravela Vascaína surpreende novamente. Em pleno aniversário da
Torcida, entrou no ar o Site Oficial do G.R.T.O. Força Jovem do Vasco: o
melhor, mais completo e atualizado Site de Torcida do Brasil. O endereço é
simples – www.forcajovem.com.br -, conta com a credibilidade do “.com.br”, para
favorecer ao integrante, já que a facção faz questão que cada Vascaíno navegue
nesta onda”[1].
A
inovação tecnológica traz novas possibilidades de fonte de arrecadação para a
torcida que promete para breve a realização de vendas on-line de materiais da
torcida. Certamente era uma nova fonte de renda. Algo impossível de se fazer
poucos anos antes, o comércio virtual começa a se desenvolver e promete
revolucionar o tipo de interação entre os torcedores com a chance de expansão
para todo o país e o exterior. “Favorecerá principalmente aos apaixonados pela
FJV que moram fora do país e a parceria com o programa Casaca na Rádio, no ar
toda segunda-feira, às 20 horas, que o torcedor vai poder ouvir na home page da Torcida a qualquer momento
e em qualquer dia da semana, que sempre conta com a participação de uma
personalidade da facção. Outro ponto positivo é o espaço exclusivo à interatividade.
Nele, há um chat (sala de bate-papo), fórum, onde vascaínos e componentes da
torcida já trocam idéias sobre diversos assuntos, e enquetes sobre os temas
mais polêmicos da atualidade”.
A internet passa ser fonte
de consulta inclusive para as novas pesquisas sobre as torcidas. A jornalista
Graziella Cataldo pesquisará para a sua dissertação de mestrado em Comunicação
na UERJ no ano seguinte, utilizando as salas de bate-papo e o Orkut.
Ainda para comemorar os seus 33 anos
a FJV preparava a inauguração de sua sede e, comparativamente aos anos 1920,
quando a torcida vascaína se mobilizou para construir São Januário, desta vez
era a primeira organização a ter sede própria: “e mais, não é um simples
imóvel, é uma sede digna da Maior Torcida do Brasil, com bastante espaço, ótima
localização e próxima ao Estádio da Colina”[2].
Embora
o início do ano a relação entre a torcida o time não tenha sido positiva pois
já na segunda rodada do campeonato carioca, a torcida do Vasco demonstrava sua
insatisfação com o elenco e o atacante Petkovic que foi o principal alvo de
vários xingamentos depois do empate com o Botafogo. O time consegue dar a volta
por cima e vence vários clássicos.
O
time conseguia vencer a Taça Guanabara superando o Flamengo na final. Durante a
semana seguinte aparecem as fotos na imprensa do presidente Lula na residência
oficial vestindo uma camisa do Vasco com o número 13 nas costas.
A euforia também tomava conta da
torcida que comemorava a vitória no basquete sobre o Flamengo no Tijuca Tênis
Clube com a presença massiva dos vascaínos no local da disputa. Uma nova
seqüência de vitórias no futebol deu ao clube o título de campeão carioca com a
torcida apelidando o ataque de “Quarteto Fantástico” (Petkovic, Marcelinho,
Valdir e Léo Lima). Nos jogos finais contra o Fluminense, a torcida lamentava
as medidas de segurança: “fica aqui um apelo aos responsáveis: fogos, papéis
picados e fumaça colorida não são armas, e os números de incidentes causados
pelos mesmos nos estádios são irrelevantes, por isso revejam seus conceitos e
colaborem conosco para que a festa nas arquibancadas não fique só em lembranças
do passado”. Em seu lugar a FJV promoveu uma festa levando 700 sinalizadores do
estilo “pisca-pisca”.
Quem voltava a São Januário depois
de 20 anos de ausência era Ramalho, uma antiga liderança da torcida vascaína,
famoso pelo som de seu “clarim”: “Domingos do Espírito Santo Ramalho, o homem
que extraía toques de clarim de um talo de mamona para comandar durante quase
40 anos a Torcida do Vasco, não cabia em si de contentamento e emoção ao ver
como está o clube de seu coração, ocupando até mesmo o espaço da casa em que
morou durante anos, naquele quarteirão que foi incorporado ao patrimônio pela
administração Calçada-Amadeu-Eurico Miranda (...). Natural da Bahia, o torcedor
chegou ao Rio em pleno momento em que o Expresso da Vitória vencia todos os
seus jogos: “Ramalho passou a tocar o talo de mamona em São Januário até que,
num jogo Vasco x Botafogo, em 1947, vencido pelo Vasco por 2 a 0, Cyro Aranha o
convidou para a Tribuna de Honra. Estava oficializado o clarim de mamona, que
iria comandar a Torcida por muitos e muitos anos. Era mais um exemplo da
democracia Vascaína, ao serem estabelecidos e estreitados os laços entre a
diretoria, através de um dos maiores Presidentes do Clube, e o torcedor de
arquibancada, representado pelo Ramalho”[3].
O tempo de Ramalho e do Maracanã com
milhares de torcedores reunidos e torcendo em paz e com poucos incidentes mais
graves, era outro. O que estava valendo em 2003 era a preocupação do novo
Governo do Brasil em criar medidas legais para conter a violência nos estádios.
Em ação conjunta dos Ministérios da Justiça e do Esporte, forma-se um grupo
técnico em março e que redige a Carta de Brasília, um conjunto de recomendações
para a formulação e implementação de uma Política Nacional de Prevenção da
Violência e Segurança nos Estádios. Pouco depois é criado o Estatuto do
Torcedor. Lei nº 10.671/03 sendo sancionado pelo Presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, em 15 de maio. O Estatuto recebe muitas críticas dos
torcedores pois não há nenhum artigo no Estatuto, por exemplo, que proteja os
torcedores do processo de elitização do futebol brasileiro. No entanto, a maior
crítica é contra o artigo 39 b que criminaliza facilmente as torcidas
organizadas: “de inovação
das mais draconianas por atribuir à torcida organizada responsabilidade por ato
perpetrado por um de seus componentes, qualquer que seja a circunstância, desde
que no trajeto que leva ao estádio. E pior: ao estender essa responsabilidade
aos seus membros”[4].
No
Rio de Janeiro tem início o Ciclo de Palestras e Debate do Maracanã – 53 Anos,
realizado no dia 10 de Julho de 2003, no
Auditório da Suderj. O seminário abordou principalmente o Estatuto do Torcedor
e as Torcidas Organizadas. O
Secretário de Esportes e Presidente da Suderj, Francisco Manuel de Carvalho, o
Chiquinho da Mangueira, fez questão de enfatizar aos presentes que a Força
Jovem é a Torcida mais Organizada do Estado. Já o Promotor de Justiça, Alexandre
Vasconcelos, além de citar a organização, elogiou o desempenho da mesma junto
ao estatuto do torcedor e ao juizado especial criminal, sendo vista por todos
como um exemplo a ser seguido. Depois dos merecidos elogios e do reconhecimento
público, Marcello Granzotto pediu a palavra, levantando questões importantes e
defendendo bravamente as Torcidas. Ao final de seu discurso demonstrou gratidão
aos anfitriões. “Agradeço ao apoio dado pelas autoridades e o voto de
confiança, até para não extinguir as Torcidas[5]”,
Enquanto a FJV mantinha um diálogo
com as autoridades esportivas ela declarava guerra com a possibilidade da
contratação do ex-jogador do Flamengo, Beto. Em entrevista Marcelo Granzotto,
Presidente da Força Jovem declarava: “tenho certeza de que esta contratação não
vai vingar. Fomos consultados pela Diretoria e vetamos. Não é por ele ter
jogado no Flamengo, mas por ter desrespeitado o Vasco enquanto esteve por lá” –
explicou.
O
desfecho do impasse termina com a contratação do jogador e a exibição de uma
foto com uma camisa escrito FJV – Dignidade, Respeito ao Vasco. Além disso o
atleta teve o apoio de Edmundo que intercede pedindo a torcida que cede com
ressalvas, mas impõe: “o jogador passou na sede da Torcida Força Jovem para
conversar com os diretores sobre as declarações que deu na época em que atuava
pelo Flamengo. No entanto, nem o pedido de desculpas e a conversa franca com os
representantes da Força Jovem parecem ter mudado a mágoa que os torcedores têm
com o jogador”[6].
Com
o título “A Farra de São Januário”, a Revista Placar denunciava uma prática
comum entre dirigentes e torcidas organizadas que eram as cortesias. No
entanto, o teor principal da reportagem é o enriquecimento dos torcedores que
vendiam os ingressos distribuídos. “Nos jogos do Vasco, difícil é achar quem
pagou ingresso (...) e se o Vasco perde dinheiro com as cortesias, as torcidas
aproveitam para fazer um extra”. Para a revista tratava-se de um conluio
habitual no futebol brasileiro em que o maior prejudicado era o próprio clube
que perdia dinheiro com a venda de ingressos e estimulava uma relação promíscua
entre os dirigentes e torcedores. A revista foi implacável no empenho em
denunciar estas práticas lesivas bem como de exigir novas medidas para
controlar os abusos dos dirigentes.
Outro
assunto que dominou as manchetes dos jornais era a polêmica eleição de Eurico
Miranda em novembro. Numa acirrada disputa com Roberto Dinamite, Eurico
consegue a sua reeleição ao vencer por 1.474 votos contra 1.363 votos. O pleito
foi bastante tumultuado com a oposição acusando a situação de fraudar a lista
de sócios. No dia da eleição, o ex-atleta de vôlei Fernandão (MUV) foi agredido
por integrantes de uma torcida organizada que apoiava Eurico.
Da
mesma forma que a imprensa marcava em cima das torcidas organizadas, estas não
perdiam a chance de ameaçar os jogadores que não cumprissem com as promessas. O
maior alvo da intolerância dos torcedores do Vasco no fim de 2003 foi novamente
o jogador Beto que disse, antes de se transferir para São Januário, de que
preferia vestir a camisa do Madureira do que a do Vasco de Eurico Miranda.
Mesmo
após o pacto de união selado pelos dois lados, a FJV emitiu uma nota no final
do ano repudiando o jogador acusando-o de distribuir duas camisas do Flamengo no
local de treinamento do Vasco, após a derrota para o rival naquela semana:
“Lideranças da Torcida encaminharão um pedido junto à Diretoria do Clube para o
desligamento imediato do meia Beto, em virtude do episódio no Vasco-Barra, no
qual o jogador apareceu portando duas camisas do Flamengo”[7].
Pior
que a atitude de Beto era ver nossos ex-craques brilhando nos outros clubes.
Romário era o destaque no Fluminense e Felipe era o grande maestro no Flamengo.
No primeiro campeonato brasileiro com pontos corridos, o Vasco faz uma campanha
bem modesta para uma equipe que nos anos anteriores disputou títulos
internacionais (chegou em 17° lugar na competição que reuniu 24 clubes, com
índice de aproveitamento de 39%). Era o começo de um grande jejum que a
torcida parecia pressentir.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: www.forcajovem.com.br
[2] Fonte: www.casaca.com.br
[3] Fonte: Site Oficial do
Vasco (texto: Ubiratan Solino) 2003.
[4] GOMES, L. F. et al. Estatuto do Torcedor comentado.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
[5] Fonte:
http://www.casaca.com.br
[6] Fonte: Lancenet
[7] Fonte: Jornal O Dia 16 de
Outubro de 2003.
Vasco Guilherme Tâmega 2003 |
Vasco Maracanã 2003 |
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