quarta-feira, 7 de junho de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 2003 A TORCIDA NA ERA DA INTERNET

               “Se não fosse humano seria um peixe, mais precisamente um bacalhau”.
                                                        Guilherme  Tâmega

2003               A Torcida na Era da Internet

            Nem só de futebol vive uma torcida apaixonada e a chance de incentivar o clube em outros esportes é uma tradição dos vascaínos que tem nos esportes marinhos um apreço especial. Afinal, o clube nasceu do remo. Em 2003 a torcida festejava o sexto título mundial de bodyboarding de Guilherme Tâmega, reconhecido torcedor do Vasco e frequentador das arquibancadas no local da Força Jovem. Cerca de 100 torcedores compareceram ao Aeroporto Internacional para prestigiar o atleta que retornava do Havaí.
Não era somente nas ondas internacionais que a torcida do Vasco ganhava brilho, agora era a vez da construção do primeiro site de torcida organizada mostrando que os tempos eram outros. “Quando todos os territórios já pareciam conquistados, a caravela Vascaína surpreende novamente. Em pleno aniversário da Torcida, entrou no ar o Site Oficial do G.R.T.O. Força Jovem do Vasco: o melhor, mais completo e atualizado Site de Torcida do Brasil. O endereço é simples – www.forcajovem.com.br -, conta com a credibilidade do “.com.br”, para favorecer ao integrante, já que a facção faz questão que cada Vascaíno navegue nesta onda”[1].
A inovação tecnológica traz novas possibilidades de fonte de arrecadação para a torcida que promete para breve a realização de vendas on-line de materiais da torcida. Certamente era uma nova fonte de renda. Algo impossível de se fazer poucos anos antes, o comércio virtual começa a se desenvolver e promete revolucionar o tipo de interação entre os torcedores com a chance de expansão para todo o país e o exterior. “Favorecerá principalmente aos apaixonados pela FJV que moram fora do país e a parceria com o programa Casaca na Rádio, no ar toda segunda-feira, às 20 horas, que o torcedor vai poder ouvir na home page da Torcida a qualquer momento e em qualquer dia da semana, que sempre conta com a participação de uma personalidade da facção. Outro ponto positivo é o espaço exclusivo à interatividade. Nele, há um chat (sala de bate-papo), fórum, onde vascaínos e componentes da torcida já trocam idéias sobre diversos assuntos, e enquetes sobre os temas mais polêmicos da atualidade”.
A internet passa ser fonte de consulta inclusive para as novas pesquisas sobre as torcidas. A jornalista Graziella Cataldo pesquisará para a sua dissertação de mestrado em Comunicação na UERJ no ano seguinte, utilizando as salas de bate-papo e o Orkut.
            Ainda para comemorar os seus 33 anos a FJV preparava a inauguração de sua sede e, comparativamente aos anos 1920, quando a torcida vascaína se mobilizou para construir São Januário, desta vez era a primeira organização a ter sede própria: “e mais, não é um simples imóvel, é uma sede digna da Maior Torcida do Brasil, com bastante espaço, ótima localização e próxima ao Estádio da Colina”[2]
Embora o início do ano a relação entre a torcida o time não tenha sido positiva pois já na segunda rodada do campeonato carioca, a torcida do Vasco demonstrava sua insatisfação com o elenco e o atacante Petkovic que foi o principal alvo de vários xingamentos depois do empate com o Botafogo. O time consegue dar a volta por cima e vence vários clássicos.
O time conseguia vencer a Taça Guanabara superando o Flamengo na final. Durante a semana seguinte aparecem as fotos na imprensa do presidente Lula na residência oficial vestindo uma camisa do Vasco com o número 13 nas costas.
            A euforia também tomava conta da torcida que comemorava a vitória no basquete sobre o Flamengo no Tijuca Tênis Clube com a presença massiva dos vascaínos no local da disputa. Uma nova seqüência de vitórias no futebol deu ao clube o título de campeão carioca com a torcida apelidando o ataque de “Quarteto Fantástico” (Petkovic, Marcelinho, Valdir e Léo Lima). Nos jogos finais contra o Fluminense, a torcida lamentava as medidas de segurança: “fica aqui um apelo aos responsáveis: fogos, papéis picados e fumaça colorida não são armas, e os números de incidentes causados pelos mesmos nos estádios são irrelevantes, por isso revejam seus conceitos e colaborem conosco para que a festa nas arquibancadas não fique só em lembranças do passado”. Em seu lugar a FJV promoveu uma festa levando 700 sinalizadores do estilo “pisca-pisca”.
            Quem voltava a São Januário depois de 20 anos de ausência era Ramalho, uma antiga liderança da torcida vascaína, famoso pelo som de seu “clarim”: “Domingos do Espírito Santo Ramalho, o homem que extraía toques de clarim de um talo de mamona para comandar durante quase 40 anos a Torcida do Vasco, não cabia em si de contentamento e emoção ao ver como está o clube de seu coração, ocupando até mesmo o espaço da casa em que morou durante anos, naquele quarteirão que foi incorporado ao patrimônio pela administração Calçada-Amadeu-Eurico Miranda (...). Natural da Bahia, o torcedor chegou ao Rio em pleno momento em que o Expresso da Vitória vencia todos os seus jogos: “Ramalho passou a tocar o talo de mamona em São Januário até que, num jogo Vasco x Botafogo, em 1947, vencido pelo Vasco por 2 a 0, Cyro Aranha o convidou para a Tribuna de Honra. Estava oficializado o clarim de mamona, que iria comandar a Torcida por muitos e muitos anos. Era mais um exemplo da democracia Vascaína, ao serem estabelecidos e estreitados os laços entre a diretoria, através de um dos maiores Presidentes do Clube, e o torcedor de arquibancada, representado pelo Ramalho”[3].
            O tempo de Ramalho e do Maracanã com milhares de torcedores reunidos e torcendo em paz e com poucos incidentes mais graves, era outro. O que estava valendo em 2003 era a preocupação do novo Governo do Brasil em criar medidas legais para conter a violência nos estádios. Em ação conjunta dos Ministérios da Justiça e do Esporte, forma-se um grupo técnico em março e que redige a Carta de Brasília, um conjunto de recomendações para a formulação e implementação de uma Política Nacional de Prevenção da Violência e Segurança nos Estádios. Pouco depois é criado o Estatuto do Torcedor. Lei nº 10.671/03 sendo sancionado pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 15 de maio. O Estatuto recebe muitas críticas dos torcedores pois não há nenhum artigo no Estatuto, por exemplo, que proteja os torcedores do processo de elitização do futebol brasileiro. No entanto, a maior crítica é contra o artigo 39 b que criminaliza facilmente as torcidas organizadas: de inovação das mais draconianas por atribuir à torcida organizada responsabilidade por ato perpetrado por um de seus componentes, qualquer que seja a circunstância, desde que no trajeto que leva ao estádio. E pior: ao estender essa responsabilidade aos seus membros”[4].
            No Rio de Janeiro tem início o Ciclo de Palestras e Debate do Maracanã – 53 Anos, realizado no  dia 10 de Julho de 2003, no Auditório da Suderj. O seminário abordou principalmente o Estatuto do Torcedor e as Torcidas Organizadas. O Secretário de Esportes e Presidente da Suderj, Francisco Manuel de Carvalho, o Chiquinho da Mangueira, fez questão de enfatizar aos presentes que a Força Jovem é a Torcida mais Organizada do Estado. Já o Promotor de Justiça, Alexandre Vasconcelos, além de citar a organização, elogiou o desempenho da mesma junto ao estatuto do torcedor e ao juizado especial criminal, sendo vista por todos como um exemplo a ser seguido. Depois dos merecidos elogios e do reconhecimento público, Marcello Granzotto pediu a palavra, levantando questões importantes e defendendo bravamente as Torcidas. Ao final de seu discurso demonstrou gratidão aos anfitriões. “Agradeço ao apoio dado pelas autoridades e o voto de confiança, até para não extinguir as Torcidas[5]”,
            Enquanto a FJV mantinha um diálogo com as autoridades esportivas ela declarava guerra com a possibilidade da contratação do ex-jogador do Flamengo, Beto. Em entrevista Marcelo Granzotto, Presidente da Força Jovem declarava: “tenho certeza de que esta contratação não vai vingar. Fomos consultados pela Diretoria e vetamos. Não é por ele ter jogado no Flamengo, mas por ter desrespeitado o Vasco enquanto esteve por lá” – explicou.
O desfecho do impasse termina com a contratação do jogador e a exibição de uma foto com uma camisa escrito FJV – Dignidade, Respeito ao Vasco. Além disso o atleta teve o apoio de Edmundo que intercede pedindo a torcida que cede com ressalvas, mas impõe: “o jogador passou na sede da Torcida Força Jovem para conversar com os diretores sobre as declarações que deu na época em que atuava pelo Flamengo. No entanto, nem o pedido de desculpas e a conversa franca com os representantes da Força Jovem parecem ter mudado a mágoa que os torcedores têm com o jogador”[6].
Com o título “A Farra de São Januário”, a Revista Placar denunciava uma prática comum entre dirigentes e torcidas organizadas que eram as cortesias. No entanto, o teor principal da reportagem é o enriquecimento dos torcedores que vendiam os ingressos distribuídos. “Nos jogos do Vasco, difícil é achar quem pagou ingresso (...) e se o Vasco perde dinheiro com as cortesias, as torcidas aproveitam para fazer um extra”. Para a revista tratava-se de um conluio habitual no futebol brasileiro em que o maior prejudicado era o próprio clube que perdia dinheiro com a venda de ingressos e estimulava uma relação promíscua entre os dirigentes e torcedores. A revista foi implacável no empenho em denunciar estas práticas lesivas bem como de exigir novas medidas para controlar os abusos dos dirigentes.
Outro assunto que dominou as manchetes dos jornais era a polêmica eleição de Eurico Miranda em novembro. Numa acirrada disputa com Roberto Dinamite, Eurico consegue a sua reeleição ao vencer por 1.474 votos contra 1.363 votos. O pleito foi bastante tumultuado com a oposição acusando a situação de fraudar a lista de sócios. No dia da eleição, o ex-atleta de vôlei Fernandão (MUV) foi agredido por integrantes de uma torcida organizada que apoiava Eurico.
Da mesma forma que a imprensa marcava em cima das torcidas organizadas, estas não perdiam a chance de ameaçar os jogadores que não cumprissem com as promessas. O maior alvo da intolerância dos torcedores do Vasco no fim de 2003 foi novamente o jogador Beto que disse, antes de se transferir para São Januário, de que preferia vestir a camisa do Madureira do que a do Vasco de Eurico Miranda.
Mesmo após o pacto de união selado pelos dois lados, a FJV emitiu uma nota no final do ano repudiando o jogador acusando-o de distribuir duas camisas do Flamengo no local de treinamento do Vasco, após a derrota para o rival naquela semana: “Lideranças da Torcida encaminharão um pedido junto à Diretoria do Clube para o desligamento imediato do meia Beto, em virtude do episódio no Vasco-Barra, no qual o jogador apareceu portando duas camisas do Flamengo”[7].
Pior que a atitude de Beto era ver nossos ex-craques brilhando nos outros clubes. Romário era o destaque no Fluminense e Felipe era o grande maestro no Flamengo. No primeiro campeonato brasileiro com pontos corridos, o Vasco faz uma campanha bem modesta para uma equipe que nos anos anteriores disputou títulos internacionais (chegou em 17° lugar na competição que reuniu 24 clubes, com índice de aproveitamento de 39%). Era o começo de um grande jejum que a torcida parecia pressentir.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: www.forcajovem.com.br
[2] Fonte: www.casaca.com.br
[3] Fonte: Site Oficial do Vasco (texto: Ubiratan Solino) 2003.
[4] GOMES, L. F. et al. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
[5] Fonte: http://www.casaca.com.br
[6] Fonte: Lancenet
[7] Fonte: Jornal O Dia 16 de Outubro de 2003.

Vasco Guilherme Tâmega 2003

Vasco Maracanã 2003


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