domingo, 18 de junho de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 2006 O SENTIMENTO NÃO PODE PARAR

                                                 “E a mulambada toda chora, não tem estádio pra jogar”.
                                                                            Canção criada pela GDA

2006              O Sentimento não pode parar

            Em pleno Natal de 2005 a FJV comemorava, no Vasco Barra, o fim de ano com churrasco, piscina e as promessas de que no ano seguinte a paz iria reinar. O que ocorre é o contrário: mal começa o ano e explode a bomba com o surgimento de mais uma torcida organizada do Vasco. Desta vez era uma grande dissidência da FJV que daria origem a Ira Jovem, fundada em 7 de janeiro. De acordo com um antigo membro da FJV, Francisco Português, “perdemos gente boa, como Antônio Mula Manca, um guerreiro, amigo e sincero, mais que resolveu fundar outra torcida, a Ira Jovem, por discordar de tudo que estava acontecendo”.
            Com apoio da diretoria do clube a FJV promove uma grande festa em São Januário para comemorar os 36 anos da torcida. A promessa é de um evento em grande estilo com um avião percorrendo a cidade fazendo a propaganda: “quem for a praia pra olhar a partir de 14:00 o Avião com a nossa faixa vai passar em toda orla e terminara em São Januário as 17:00 horas. Também terá um Helicóptero com uma bandeira da Torcida, e nós conseguimos inaugurar a sede a tempo, mais a partir de quinta-feira, depois do carnaval, será a inauguração da mesma, com um coquetel para os nossos associados (...) já esta comprado 15.000 bolas brancas, vermelhas e pretas, 40 caixas de fita preta e branca e 5.000 apitos”.
            A partir de meados de 2000 a internet se torna cada vez mais popular com a ampliação da banda larga e criação de sites de relacionamento. Esta nova forma fé comunicação teve no ORKUT o principal canal de divulgação de idéias e formação de amizades virtuais. Muitas torcidas aderem ao fenômeno e outras serão criadas nesta nova forma de interação social. Surge a torcida Vascorkut, que depois passaria se chamar Gigantes da Colina. Uma torcida pacífica com o intuito de apoiar o clube e fazer festa nas arquibancadas, sendo distante das disputas políticas no clube.
Outro fenômeno das arquibancadas que contaria com a tecnologia virtual é o surgimento da torcida Guerreiros do Almirante[1] (GDA). Depois da Copa do Mundo na Alemanha, em julho o Vasco disputa a final da Copa do Brasil com o Flamengo e é derrotado nas duas partidas. O site SempreVasco narra como alguns jovens começam a articular uma nova forma de torcer que recusa, inclusive, o nome de torcida organizada, preferindo se auto-intitular movimento: “um grupo de amigos, através de conversas via Internet, resolveu dar um basta nisso. Usando do site de relacionamentos Orkut, como ferramenta para divulgar e alavancar o número de interessados, criaram um novo Movimento. Um Movimento totalmente diferente das tradicionais torcidas organizadas. Seria uma Torcida nos moldes das demais sul-americanas, ou seja, das famosas Barras Bravas. Yuri Kebian e Bernardo Reis foram os idealizadores desse Movimento, que nem nome tinha (afinal o nome não importava). Discutiram sobre a possibilidade de criar a Torcida com amigos, recebendo apoio de alguns, como Rodrigo Melo. A partir daí, escolheram um nome no “improviso”, criaram a comunidade no orkut e convocaram os Vascaínos a entrarem nesta barca. Marcaram a primeira reunião para o dia 04 de agosto e apenas 9 Guerreiros compareceram (Yuri, Bernardo, Juca, Diego, Leonardo Luz, Dudu Luz, Renata Neris, Mondragon e Renan)”. O grupo fez sua estreia em 16 de agosto e a partir da terceira partida no estádio eles começam a levar as faixas verticais e instrumentos. Era o começo de um movimento diferente nas arquibancadas que também podia ser verificado nos outros times cariocas que logo apresentam suas torcidas com esta “nova forma de torcer”.
            A adaptação das torcidas organizadas tradicionais com a internet também foi se consolidando, a Força Jovem adere ao ORKUT mas o controle na rede virtual sobre a marca não é fácil de se fazer. Em entrevista o ex-presidente Marcello Granzotto explica a situação: “no nosso site (www.grtofjv.com.br) temos uma média de 1.000 visitas dia, em época de final isso pode chegar até 3.000 visitas dia (...) As três primeiras Comunidades da FJV foram apagadas se ainda estivessem no Orkut estariam com 70/80 mil membros, a nossa Comunidade no Orkut é uma das mais novas do eixo Rio de São Paulo, a nossa é do dia 26 de Outubro de 2005, no momento temos 33 mil membros”.
            Antes da Copa do Mundo é lançado o livro Memória Social dos Esportes, coordenado pelo professor de História da UFRJ, Francisco Carlos. Na obra estão vários artigos em que o Vasco e sua história são destacados. No último capítulo há uma série de entrevistas com ilustres vascaínos, fruto do trabalho de História Oral em que são coletados vários depoimentos. Intitulada “Vidas Vascaínas – Memórias de Torcedores, Jogadores, Peladeiros e Amigos do Vasco da Gama”, registram-se as experiências de personagens que tiveram suas vidas marcadas pela paixão pelo futebol e pelo Vasco. As entrevistas foram realizadas em 2002 e deram os testemunhos: Sérgio Cabral, jornalista, Mário Lamosa, Grande Benemérito, Guinga, músico, Alberto Moutinho, médico do Vasco, Carlos Alberto Cavalheiro, ex-goleiro e Peron, ex-atleta do atletismo.
            De agosto a dezembro a FJV passaria por novas disputas que geravam um ambiente de muita tensão nos estádios, naus ruas e nas conversas entre os vascaínos que não entendiam o que estava acontecendo com a torcida. O melhor exemplo acontece no segundo jogo da final da Copa Brasil, quando ocorre uma grande briga no meio da FJV, a partir dos 20 minutos do 2º Tempo na arquibancada do Maracanã. A torcida se racha de vez para as próximas partidas. Na ocasião, a Polícia Militar apreende todo o material, bateria, bandeiras, faixa e o bandeirão. 
             O site SuperVasco tenta explicar o que estava acontecendo. Nos jogos do Vasco surgem duas Forças Jovens situadas em locais próximos mas em cadeiras de cores diferentes: “de um lado adeptos da Diretoria (Gustavinho) e do outro adeptos da Oposição (Resgate da História), com a Polícia dividindo os dois grupos”. Com as sucessivas derrotas do time, a liderança do grupo de Gustavinho é enfraquecida e a oposição cresce: “Quem comparece aos jogos do Vasco tem percebido que o apoio incondicional da maior torcida do clube ao dirigente limita-se apenas a alguns membros da antiga direção da torcida. Separados por cordões de policiais os dois grupos seguem por caminhos totalmente opostos e, muitas vezes, se estranham durante os jogos. A minoria apóia Eurico e pouco canta durante os jogos, guardando forças para vaiar qualquer manifestação contrária ao dirigente que parta da maioria. O maior grupo, entoa diversos cantos contra Eurico e, por vezes, ainda grita o nome de Roberto Dinamite”.
            Em um novo clássico no Maracanã a divisão persiste de forma visível e a confusão só aumenta com os gritos diferentes de cada lado: “Quem esteve no Maracanã, no jogo de ontem à noite 25 de Setembro, entre Vasco 0x0 Botafogo, mais uma vez evidenciou alguns fatos. Haviam dois "blocos" de Força Jovem na arquibancada. Um ficava na parte amarela (Resgate da História) e o outro na parte verde (Diretoria) e muito raramente cantavam a mesma música ou juntos”.
A situação incomum persiste até outubro quando o grupo Resgate da História assume o comando da torcida. No jogo com o Palmeiras em São Januário os novos diretores comemoram: “a FJV mostrou que não esta morta e nunca vai morrer, tivemos uma noite digna de um resgate da história, resgatamos o orgulho do associado e de vascaínos entrar na Sala da Torcida em São Januário, admirando e tirando fotos da sala, tendo vida social outra vez, concentração bem antes do jogo, bateria toda concertada, Sala quase toda reformada. Este, com certeza, foi um dia digno de G.R.T.O. Força Jovem Vasco, a maior e mais sinistra torcida do Mundo!!!”
A crise na FJV refletia o ambiente conturbado no clube que continuava fortemente dividido desde as eleições de 2003. A atmosfera pesada continuava neste ano em que ocorreria a mesma disputa envolvendo as tradicionais chapas de Eurico (situação) e de Roberto (oposição). A querela era tão intensa a ponto de ter dois programas de rádio defendendo as posições opostas. Os adeptos de Eurico ouviam “Casaca”, as segundas-feiras. Já os partidários de Dinamite, sintonizavam na mesma emissora as terças para escutar o programa “Só Dá Vasco”. O resultado final consagra novamente Eurico para o 3° mandato (vitória de 1.848 votos contra 1.409), mas a oposição recorre a Justiça pedindo o cancelamento do resultado. O imbróglio só seria resolvido em 2008, com novas eleições.
Na coluna do jornalista Renildo de Almeida para o site SuperVasco há uma bela descrição da novidade nas arquibancadas naquele ano, situando os problemas e possíveis saídas para a crise na torcida vascaína: “Hoje a Torcida Força Jovem está dividida em mais dois grupos que se juntaram e/ou criaram a IRA JOVEM e a SUPER JOVEM. Porém, com todo o respeito que merecem a Força Jovem e suas dissidentes, o movimento que mais tem chamado a atenção pelos lados da Colina com certeza é o surgimento de um grupo, que faz questão de deixar claro que não se transformarão numa Torcida Organizada, denominado, GUERREIROS DO ALMIRANTE. Estes torcedores passam o jogo todo cantando hinos de incentivo ao Clube e aos atletas. Declamam seu amor ao Vasco, suas tradições e vitórias. Encantam. Domingo no péssimo clássico disputado no Maracanã contra o Fluminense, estes GUERREIROS conseguiram até sobressair quando do espalhar dos membros da FJV que saíram das arquibancadas verdes, tradicional ponto de encontro deles, para as arquibancadas amarelas. Foi bonito vê-los entre suas bandeiras estilo "barra-brava", com certeza sem a lendária violência, muito pelo contrário, pois foram ótimos anfitriões para aqueles que perto deles se aconchegavam. Mais anda, quando nesta quarta-feira debaixo de muita chuva e um frio atípico na Cidade Maravilhosa, com uma temperatura média de 14ºC, os rapazes lá estavam ecoando seus cânticos (que já se espalham pelo orkut), sacudindo suas camisas e pulando freneticamente, tentando empurrar o time para frente”.
Aos poucos a curiosidade sobre como pensavam aqueles jovens e para que lado político eles tenderiam, vem na resposta no site ORKUT, com a opção pela neutralidade: “Afinal como eles se auto-definem em sua página no Orkut: "O Movimento GUERREIROS DO ALMIRANTE surgiu do anseio de resgatar aquela torcida vibrante que o Vasco sempre teve. Nosso Movimento não é, nem pretende ser, uma nova torcida organizada. Somos apenas um grupo de VASCAÍNOS que têm como objetivo único apoiar o VASCO o jogo TODO. Não pretendemos utilizar camisas ou faixas com o nome do Movimento GUERREIROS DO ALMIRANTE. Não temos ligação alguma, nem somos contrários a nenhuma torcida organizada, assim como NÃO TEMOS QUALQUER LIGAÇÃO COM GRUPOS POLÍTICOS DO CLUBE. Nossa atuação se restringe apenas à arquibancada dos Estádios. Nosso intuito é apoiar com músicas e gritos de incentivo ao nosso Vascão. Quem quiser se juntar ao movimento, basta ser um fanático torcedor do Vasco e ter gogó para cantar o jogo todo. Qualquer vascaíno que aderir a esse Movimento estará ciente de que será cobrado pelos outros membros se não cantar o jogo todo."
Entre as canções que se popularizaram na massa vascaína estão:
“O Sentimento Não Pode Parar: Ole ole ole ole ole ole ola... Ole ole olé, a cada dia, te quero mais… Sooooou Vascainoo… e o sentimento… Não pode paraaaaaar!!
EU Sou Boêmio Sim Senhor: Eu sou boêmio sim senhor! E bebo todas que vier! O meu único amor! E dá-lhe, dáááááá-lhe meu Vasco! E dá-lhe, dáááááá-lhe meu Vasco! E dá-lhe, dá-lhe meu Vasco!!!
A Mulambada Toda Chora: Ôôôôô, Vascão olê olê olê x3, Ôôô, E no Maraca vou curtir, Em São Janú vou me acabar, E a mulambada toda chora, Não tem Estádio pra jogar.
SEMPRE AO SEU LADO: Sempre ao teu lado até o fim, Minha vida é você, E a torcida do vascão, Sempre tão linda, Nós viemos para te apoiar, Juntos vamos cantar, Na alegria e na dor, O sentimento não para, Pois todo vascaíno, Tem amor infinito, Cantarei de coração, Vasco da gama, Vasco da Gama”.
Em pouco tempo os meios de comunicação começam a dar um tratamento especial para este fenômeno que, passam a ser encarados pelas organizadas, como “os queridinhos da mídia”, com reportagens e matérias especiais que destacam “os torcedores que não cantam palavrões”, que não brigam. Enfim, passam a ser a nova referência para  as arquibancadas que se modernizavam. Em artigo sobre estas novas torcidas, Bernardo Hollanda (2014) salienta que os princípios de conduta destes movimentos são compatíveis com os discursos apregoados pela mídia: “tais princípios são também esperados pelos novos gestores do futebol, que entendem os esportes como fronteira ilimitada para o business, dentro de uma cadeia de consumo inaugurada nas arenas remodeladas para os megaeventos esportivos”. Um perfeito casamento entre os novos torcedores e uma mídia querendo transformar os torcedores em consumidores. O tempo de criminalizar as torcidas organizadas estava chegando ao fim. Agora, a moda era apoiar “as novas torcidas” que na sociedade do espetáculo transformavam o futebol em uma mercadoria mais confiável. Pelo menos é o que muitos que controlavam a  mídia acreditavam ...
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Os primeiros grupos deste tipo no Rio de Janeiro foram fundados em 2006: Loucos pelo Botafogo, Legião Tricolor e Urubuzada.


Vasco São Januário 2006

Vasco São Januário 2006

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