“E a mulambada toda chora, não tem estádio
pra jogar”.
Canção criada pela
GDA
2006 O Sentimento não pode parar
Em pleno Natal de 2005 a FJV
comemorava, no Vasco Barra, o fim de ano com churrasco, piscina e as promessas
de que no ano seguinte a paz iria reinar. O que ocorre é o contrário: mal
começa o ano e explode a bomba com o surgimento de mais uma torcida organizada
do Vasco. Desta vez era uma grande dissidência da FJV que daria origem a Ira
Jovem, fundada em 7 de janeiro. De acordo com um antigo membro da FJV,
Francisco Português, “perdemos gente boa, como Antônio Mula Manca, um
guerreiro, amigo e sincero, mais que resolveu fundar outra torcida, a Ira
Jovem, por discordar de tudo que estava acontecendo”.
Com apoio da diretoria do clube a
FJV promove uma grande festa em São Januário para comemorar os 36 anos da
torcida. A promessa é de um evento em grande estilo com um avião percorrendo a
cidade fazendo a propaganda: “quem for a praia pra olhar a partir de 14:00 o
Avião com a nossa faixa vai passar em toda orla e terminara em São Januário as
17:00 horas. Também terá um Helicóptero com uma bandeira da Torcida, e nós
conseguimos inaugurar a sede a tempo, mais a partir de quinta-feira, depois do
carnaval, será a inauguração da mesma, com um coquetel para os nossos
associados (...) já esta comprado 15.000 bolas brancas, vermelhas e pretas, 40
caixas de fita preta e branca e 5.000 apitos”.
A partir de meados de 2000 a
internet se torna cada vez mais popular com a ampliação da banda larga e criação
de sites de relacionamento. Esta nova forma fé comunicação teve no ORKUT o
principal canal de divulgação de idéias e formação de amizades virtuais. Muitas
torcidas aderem ao fenômeno e outras serão criadas nesta nova forma de
interação social. Surge a torcida Vascorkut, que depois passaria se chamar
Gigantes da Colina. Uma torcida pacífica com o intuito de apoiar o clube e
fazer festa nas arquibancadas, sendo distante das disputas políticas no clube.
Outro
fenômeno das arquibancadas que contaria com a tecnologia virtual é o surgimento
da torcida Guerreiros do Almirante[1]
(GDA). Depois da Copa do Mundo na Alemanha, em julho o Vasco disputa a final da
Copa do Brasil com o Flamengo e é derrotado nas duas partidas. O site
SempreVasco narra como alguns jovens começam a articular uma nova forma de
torcer que recusa, inclusive, o nome de torcida organizada, preferindo se
auto-intitular movimento: “um grupo de amigos, através de conversas via
Internet, resolveu dar um basta nisso. Usando do site de relacionamentos Orkut,
como ferramenta para divulgar e alavancar o número de interessados, criaram um
novo Movimento. Um Movimento totalmente diferente das tradicionais torcidas
organizadas. Seria uma Torcida nos moldes das demais sul-americanas, ou seja,
das famosas Barras Bravas. Yuri Kebian e Bernardo Reis foram os idealizadores
desse Movimento, que nem nome tinha (afinal o nome não importava). Discutiram
sobre a possibilidade de criar a Torcida com amigos, recebendo apoio de alguns,
como Rodrigo Melo. A partir daí, escolheram um nome no “improviso”, criaram a
comunidade no orkut e convocaram os Vascaínos a entrarem nesta barca. Marcaram
a primeira reunião para o dia 04 de agosto e apenas 9 Guerreiros compareceram
(Yuri, Bernardo, Juca, Diego, Leonardo Luz, Dudu Luz, Renata Neris, Mondragon e
Renan)”. O grupo fez sua estreia em 16 de agosto e a partir da terceira
partida no estádio eles começam a levar as faixas verticais e instrumentos. Era
o começo de um movimento diferente nas arquibancadas que também podia ser verificado
nos outros times cariocas que logo apresentam suas torcidas com esta “nova
forma de torcer”.
A adaptação das torcidas organizadas
tradicionais com a internet também foi se consolidando, a Força Jovem adere ao
ORKUT mas o controle na rede virtual sobre a marca não é fácil de se fazer. Em
entrevista o ex-presidente Marcello Granzotto explica a situação: “no nosso
site (www.grtofjv.com.br) temos uma média de 1.000 visitas dia, em época de
final isso pode chegar até 3.000 visitas dia (...) As três primeiras
Comunidades da FJV foram apagadas se ainda estivessem no Orkut estariam com
70/80 mil membros, a nossa Comunidade no Orkut é uma das mais novas do eixo Rio
de São Paulo, a nossa é do dia 26 de Outubro de 2005, no momento temos 33 mil
membros”.
Antes da Copa do Mundo é lançado o
livro Memória Social dos Esportes, coordenado pelo professor de História da
UFRJ, Francisco Carlos. Na obra estão vários artigos em que o Vasco e sua
história são destacados. No último capítulo há uma série de entrevistas com
ilustres vascaínos, fruto do trabalho de História Oral em que são coletados
vários depoimentos. Intitulada “Vidas Vascaínas – Memórias de Torcedores,
Jogadores, Peladeiros e Amigos do Vasco da Gama”, registram-se as experiências
de personagens que tiveram suas vidas marcadas pela paixão pelo futebol e pelo
Vasco. As entrevistas foram realizadas em 2002 e deram os testemunhos: Sérgio
Cabral, jornalista, Mário Lamosa, Grande Benemérito, Guinga, músico, Alberto
Moutinho, médico do Vasco, Carlos Alberto Cavalheiro, ex-goleiro e Peron,
ex-atleta do atletismo.
De agosto a dezembro a FJV passaria
por novas disputas que geravam um ambiente de muita tensão nos estádios, naus
ruas e nas conversas entre os vascaínos que não entendiam o que estava
acontecendo com a torcida. O melhor exemplo acontece no segundo jogo da final
da Copa Brasil, quando ocorre uma grande briga no meio da FJV, a partir dos 20
minutos do 2º Tempo na arquibancada do Maracanã. A torcida se racha de vez para
as próximas partidas. Na ocasião, a Polícia Militar apreende todo o material,
bateria, bandeiras, faixa e o bandeirão.
O site SuperVasco tenta explicar o que estava
acontecendo. Nos jogos do Vasco surgem duas Forças Jovens situadas em locais
próximos mas em cadeiras de cores diferentes: “de um lado adeptos da Diretoria
(Gustavinho) e do outro adeptos da Oposição (Resgate da História), com a
Polícia dividindo os dois grupos”. Com as sucessivas derrotas do time, a
liderança do grupo de Gustavinho é enfraquecida e a oposição cresce: “Quem comparece
aos jogos do Vasco tem percebido que o apoio incondicional da maior torcida do
clube ao dirigente limita-se apenas a alguns membros da antiga direção da
torcida. Separados por cordões de policiais os dois grupos seguem por caminhos
totalmente opostos e, muitas vezes, se estranham durante os jogos. A minoria
apóia Eurico e pouco canta durante os jogos, guardando forças para vaiar
qualquer manifestação contrária ao dirigente que parta da maioria. O maior
grupo, entoa diversos cantos contra Eurico e, por vezes, ainda grita o nome de
Roberto Dinamite”.
Em um novo clássico no Maracanã a
divisão persiste de forma visível e a confusão só aumenta com os gritos
diferentes de cada lado: “Quem esteve no Maracanã, no jogo de ontem à noite 25
de Setembro, entre Vasco 0x0 Botafogo, mais uma vez evidenciou alguns fatos.
Haviam dois "blocos" de Força Jovem na arquibancada. Um ficava na
parte amarela (Resgate da História) e o outro na parte verde (Diretoria) e
muito raramente cantavam a mesma música ou juntos”.
A
situação incomum persiste até outubro quando o grupo Resgate da História assume
o comando da torcida. No jogo com o Palmeiras em São Januário os novos
diretores comemoram: “a FJV mostrou que não esta morta e nunca vai morrer,
tivemos uma noite digna de um resgate da história, resgatamos o orgulho do
associado e de vascaínos entrar na Sala da Torcida em São Januário, admirando e
tirando fotos da sala, tendo vida social outra vez, concentração bem antes do
jogo, bateria toda concertada, Sala quase toda reformada. Este, com certeza,
foi um dia digno de G.R.T.O. Força Jovem Vasco, a maior e mais sinistra torcida
do Mundo!!!”
A
crise na FJV refletia o ambiente conturbado no clube que continuava fortemente
dividido desde as eleições de 2003. A atmosfera pesada continuava neste ano em
que ocorreria a mesma disputa envolvendo as tradicionais chapas de Eurico
(situação) e de Roberto (oposição). A querela era tão intensa a ponto de ter
dois programas de rádio defendendo as posições opostas. Os adeptos de Eurico
ouviam “Casaca”, as segundas-feiras. Já os partidários de Dinamite,
sintonizavam na mesma emissora as terças para escutar o programa “Só Dá Vasco”.
O resultado final consagra novamente Eurico para o 3° mandato (vitória de 1.848
votos contra 1.409), mas a oposição recorre a Justiça pedindo o cancelamento do
resultado. O imbróglio só seria resolvido em 2008, com novas eleições.
Na
coluna do jornalista Renildo de Almeida para o site SuperVasco há uma bela
descrição da novidade nas arquibancadas naquele ano, situando os problemas e
possíveis saídas para a crise na torcida vascaína: “Hoje a Torcida Força Jovem
está dividida em mais dois grupos que se juntaram e/ou criaram a IRA JOVEM e a
SUPER JOVEM. Porém, com todo o respeito que merecem a Força Jovem e suas
dissidentes, o movimento que mais tem chamado a atenção pelos lados da Colina
com certeza é o surgimento de um grupo, que faz questão de deixar claro que não
se transformarão numa Torcida Organizada, denominado, GUERREIROS DO ALMIRANTE.
Estes torcedores passam o jogo todo cantando hinos de incentivo ao Clube e aos
atletas. Declamam seu amor ao Vasco, suas tradições e vitórias. Encantam.
Domingo no péssimo clássico disputado no Maracanã contra o Fluminense, estes
GUERREIROS conseguiram até sobressair quando do espalhar dos membros da FJV que
saíram das arquibancadas verdes, tradicional ponto de encontro deles, para as
arquibancadas amarelas. Foi bonito vê-los entre suas bandeiras estilo
"barra-brava", com certeza sem a lendária violência, muito pelo
contrário, pois foram ótimos anfitriões para aqueles que perto deles se
aconchegavam. Mais anda, quando nesta quarta-feira debaixo de muita chuva e um
frio atípico na Cidade Maravilhosa, com uma temperatura média de 14ºC, os
rapazes lá estavam ecoando seus cânticos (que já se espalham pelo orkut),
sacudindo suas camisas e pulando freneticamente, tentando empurrar o time para
frente”.
Aos
poucos a curiosidade sobre como pensavam aqueles jovens e para que lado
político eles tenderiam, vem na resposta no site ORKUT, com a opção pela neutralidade:
“Afinal como eles se auto-definem em sua página no Orkut: "O Movimento
GUERREIROS DO ALMIRANTE surgiu do anseio de resgatar aquela torcida vibrante
que o Vasco sempre teve. Nosso Movimento não é, nem pretende ser, uma nova
torcida organizada. Somos apenas um grupo de VASCAÍNOS que têm como objetivo
único apoiar o VASCO o jogo TODO. Não pretendemos utilizar camisas ou faixas
com o nome do Movimento GUERREIROS DO ALMIRANTE. Não temos ligação alguma, nem
somos contrários a nenhuma torcida organizada, assim como NÃO TEMOS QUALQUER
LIGAÇÃO COM GRUPOS POLÍTICOS DO CLUBE. Nossa atuação se restringe apenas à
arquibancada dos Estádios. Nosso intuito é apoiar com músicas e gritos de
incentivo ao nosso Vascão. Quem quiser se juntar ao movimento, basta ser um
fanático torcedor do Vasco e ter gogó para cantar o jogo todo. Qualquer
vascaíno que aderir a esse Movimento estará ciente de que será cobrado pelos
outros membros se não cantar o jogo todo."
Entre
as canções que se popularizaram na massa vascaína estão:
“O
Sentimento Não Pode Parar: Ole ole ole ole ole ole ola... Ole ole olé, a cada
dia, te quero mais… Sooooou Vascainoo… e o sentimento… Não pode
paraaaaaar!!
EU
Sou Boêmio Sim Senhor: Eu sou boêmio sim senhor! E bebo todas que vier! O meu
único amor! E dá-lhe, dáááááá-lhe meu Vasco! E dá-lhe, dáááááá-lhe meu Vasco! E
dá-lhe, dá-lhe meu Vasco!!!
A
Mulambada Toda Chora: Ôôôôô, Vascão olê olê olê x3, Ôôô, E no Maraca vou
curtir, Em São Janú vou me acabar, E a mulambada toda chora, Não tem Estádio
pra jogar.
SEMPRE
AO SEU LADO: Sempre ao teu lado até o fim, Minha vida é você, E a torcida do
vascão, Sempre tão linda, Nós viemos para te apoiar, Juntos vamos cantar, Na
alegria e na dor, O sentimento não para, Pois todo vascaíno, Tem amor infinito,
Cantarei de coração, Vasco da gama, Vasco da Gama”.
Em
pouco tempo os meios de comunicação começam a dar um tratamento especial para
este fenômeno que, passam a ser encarados pelas organizadas, como “os
queridinhos da mídia”, com reportagens e matérias especiais que destacam “os
torcedores que não cantam palavrões”, que não brigam. Enfim, passam a ser a
nova referência para as arquibancadas
que se modernizavam. Em artigo sobre estas novas torcidas, Bernardo Hollanda
(2014) salienta que os princípios de conduta destes movimentos são compatíveis
com os discursos apregoados pela mídia: “tais princípios são também esperados
pelos novos gestores do futebol, que entendem os esportes como fronteira
ilimitada para o business, dentro de uma cadeia de consumo inaugurada nas arenas
remodeladas para os megaeventos esportivos”. Um perfeito casamento entre os
novos torcedores e uma mídia querendo transformar os torcedores em
consumidores. O tempo de criminalizar as torcidas organizadas estava chegando
ao fim. Agora, a moda era apoiar “as novas torcidas” que na sociedade do
espetáculo transformavam o futebol em uma mercadoria mais confiável. Pelo menos
é o que muitos que controlavam a mídia
acreditavam ...
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Os primeiros grupos deste tipo no Rio de Janeiro foram
fundados em 2006: Loucos pelo Botafogo, Legião Tricolor e Urubuzada.
Vasco São Januário 2006 |
Vasco São Januário 2006 |
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