“Maior expressão de
amor ao Vasco”
Faixa da TOV
2005 Divisões na Força Jovem
A história das torcidas organizadas
demonstra que há períodos de união e crescimento numérico e outros de conflitos
e divisões, provocando dissidências e afastamentos. Como em qualquer
organização social e popular é preciso entender que a dinâmica destes
movimentos envolve manifestações de solidariedade, altruísmo, abnegação e
também de oportunismo, vaidade, desafetos, enfim, trata-se de um fenômeno
complexo pois envolvem as paixões humanas em ebulição.
O contexto geral destes anos foi de
intensas disputas no interior da maior torcida organizada do Vasco. A Força
Jovem (FJV) viveu uma crise que outras torcidas no Brasil também enfrentavam ou
que enfrentariam nos próximos anos. O gigantismo da agremiação, os interesses
pessoais, as manifestações político-partidárias, as interferências dos
dirigentes do clube e a má fase dos times nestes anos, interferiram de
sobremaneira no percurso da organização torcedora. Não foram poucos os momentos
em que muitos adeptos da torcida entraram em confronto seja por meio de
palavras mais ríspidas e xingamentos ou até mesmo partindo para a agressão
física.
Em janeiro de 2005 eram realizadas
as eleições anuais da FJV, com a disputa entre as chapas “Retorno das
Famílias”, liderada por Marcondes e “Unidos Por Um Só Ideal”, encabeçada por
Léo do Méier, tendo como vitoriosa a chapa “Retorno das Famílias” de Marcondes,
com 662 votos contra 192 votos da chapa derrotada.
Em
seguida é feita uma reunião com o presidente do clube, Eurico Miranda e os
representantes da chapa recém-eleita. Indagados sobre sua posição diante da
diretoria do clube, eles responderam que seria de total independência. Daí em
diante começa uma fase de perseguição do dirigente contra a organizada. Estas
informações contam na nota oficial da torcida em fevereiro. A nota ainda revela
as ameaças do dirigente de distribuir 2.000 ingressos aos membros do grupo
derrotado em janeiro.
A
seqüência dos fatos demonstra que o resultado da eleição não garantiria
tranqüilidade para a nova direção administrar a torcida. O presidente Marcondes
acena para uma união, mas acusa: “infelizmente, grupos inconformados com a nova
orientação e contando com poderosos padrinhos não aceitam o resultado e tentam
dividir a torcida, atacando a nossa unidade. O Vasco e a FJV são maiores do que
todos nós. Todos os bons Vascaínos, quer gostem ou não do Eurico, e todos os
membros da Força, quer gostem ou não de mim, devem se unir em torno do Vasco e
da Força Jovem”.
Pela
oposição Gustavinho responde ao NetVasco fazendo várias acusações sobre as
irregularidades no pleito. Entre elas acusa a confecção de mais de 500
carteiras de sócios no final de 2004 e a interferência de um partido político
que ajudaria na chapa de Marcondes.
O
próximo capítulo é registrado numa reportagem do Lancenet com a interferência
da polícia no caso: “a nova Diretoria da Torcida Organizada Força Jovem do
Presidente eleito Marcondes registrou, nesta segunda, queixa na 17ª delegacia
do Rio, alegando que o Presidente do Vasco, Eurico Miranda, impediu que a
Torcida retirasse seus pertences, que ficam guardados em uma sala localizada no
Estádio de São Januário. Porém, a assessoria de imprensa do clube informou que
o Presidente já havia autorizado a retirada do material, com prazo até o
meio-dia do último sábado, mas a torcida não compareceu”.
Outro
pepino para a torcida descascar era a situação de Romário. Muitos torcedores da
FJV apoiavam o craque se ele se retratasse com a torcida. Este acordo foi
costurado com a mediação de uma nova musa da torcida, Luciana Picorelli, também
musa da Portela em 2005. Romário seria o padrinho dela ao fazer a sua coroação.
O atacante sinaliza para a paz com a torcida: “Romário evita declarações públicas, mas, a amigos, tem
dito estar feliz por ter resolvido o impasse com a facção que o perseguia em
campo. A reaproximação foi sacramentada na comemoração do primeiro gol dele na
goleada sobre o Friburguense por 4 a 1. O Baixinho apanhou um boné da facção
com um amigo atrás do gol, pôs na cabeça e correu para comemorar em direção à
Torcida Organizada, tirando-o em sinal de respeito”.[1]
Após
o jogo entre Vasco 6 x 0 Moto Clube, pela Copa do Brasil, o que muitos temiam
aconteceu: uma briga generalizada entre as duas correntes da FJV: “a torcida
esta rachada, no dia 16 de março aconteceu o confronto. Quem pensou que a
tranqüilidade reinaria em São Januário num jogo com pouco mais de 1.500
pagantes que o Vasco venceu por goleada, se enganou. No segundo tempo,
torcedores de alas rivais dentro da Força Jovem se enfrentaram nas
arquibancadas e a Polícia teve que fazer um cordão de isolamento entre os
grupos. Na saída do Estádio, mais confusão. O clima na FJV anda tenso desde as
eleições de Janeiro, vencidas por uma das chapas de Oposição (O Retorno das
Famílias)[2].
Para
se legitimar no universo das torcidas aliadas, o grupo de Marcondes tenta
marcar uma reunião de apoio com dirigentes da torcida Mancha Verde (Palmeiras)
em São Paulo, celebrando os 20 anos de união entre as duas torcidas. Nas
palavras do novo presidente da FJV: “a oportunidade de estreitamento dos laços
entre as duas instituições, que possuem uma história de grandes jornadas, pelos
4 cantos do país. Para Marcondes, que viu a aliança nascer, em 1985. “ A Força
e a Mancha juntas é bom para todos e mantém fortes os ideais e objetivos dessa
histórica união. Nossa aliança foi tão positiva, que fez aumentar a própria
identificação entre torcedores de Vasco e Palmeiras. Hoje, geralmente, quem
torce pelo Vasco, tem simpatia pelo Palmeiras em SP e vice e versa”[3].
Contudo, o encontro proposto pelo grupo da FJV acabou não ocorrendo
Em
julho a crise entre o dirigente Eurico Miranda e a direção da FJV chega ao
clímax com a derrota humilhante no Paraná para o Atlético por 7 a 2. Protestos
da torcida em São Januário, pelos sites e por todos os canais da imprensa
ecoaram a insatisfação dos vascaínos com o time e seus dirigentes. Acuado o
dirigente partiu para o ataque em agosto e a resposta da torcia veio em nota
oficial: “A verdadeira Força Jovem está nessa luta. Estamos tentando varrer de
nossa instituição os traidores que envergonham a história da FJV e teimam em
bajular o Eurico Miranda. Nessa luta, a participação da torcida vascaína é
fundamental. Quanto ao nosso material (bandeiras, faixas, instrumentos etc.),
que foi roubado pelos traidores em conluio com Eurico, informamos que, em breve
teremos uma solução eficiente e irremediável para esse problema. Mais uma vez,
reiteramos nosso apelo: identifique os traidores liderados por ele e repudie a
atitude deles. Os verdadeiros guerreiros da FJV e o povão vascaíno vão varrer a
banda podre da FJV”.
Entretanto,
na “queda de braço” entre os dois lados, o grupo de Eurico retoma a torcida e
Gustavinho assume o comando da organização. Entre as suas primeiras atitudes
estão o fechamento da sede na Rua Bela e a volta da sede em São Januário. Em
entrevista a um site vascaíno, Gustavinho acusa a antiga diretoria: “ a eleição
foi fraudada, este site não é da FJV, ele é do Partido PCdoB, como a antiga
sede, tudo pertence ao Partido”. Defende uma aliança com Eurico: “Uma relação
de paz, ele é um grande aliado da FJV”. E promete: “Uma grande sala no Centro
da Cidade do Rio, voltando aos bons tempos da Força, com caravanas aonde o
Vasco estiver, uma nova faixa, 10 bandeiras e recadastramento da Torcida”.
Nesse
ínterim houve o jogo entre Vasco e Palmeiras em São Januário com a visita da
Mancha Verde pela primeira vez desde que a nova diretoria havia assumido. Em
nota oficial a torcida paulista faz uma avaliação dos problemas no jogo em São
Paulo e uma possível quebra da amizade e do respeito entre as duas facções: “No
primeiro turno houve uma confusão na saída do jogo, devido a problemas internos
da Força que estava divida em dois grupos e que resolveram se estranhar em
frente a Turiassu e deu no que deu. No jogo de ontem "alguns"
integrantes da Força ainda aborrecidos com o fato do primeiro turno tentaram
criar problema. Que foi logo resolvido pela diretoria da Força. Porém o
combustível de uma união é o respeito. Não podemos deixar que 30 ou 50 pessoas
acabem com a amizade de 20 anos. E pensando dessa forma o Jânio (Presidente da
Mancha) e o Gustavo (Presidente da Força), conversaram e acertaram todos os
problemas. A Mancha Verde não enxerga a Força Jovem como inimigo, porém sabemos
que devido a esses problemas o respeito foi abalado. Agora cabe o tempo e a
atitude das pessoas de fortalecer a amizade que sempre existiu”.
A
maior tristeza entre os vascaínos não estava apenas na briga entre os membros
da Força Jovem, em junho de 2005 morria um dos maiores torcedores-símbolos de
nossa torcida: Ramalho, aos 74 anos. Ele já estava doente havia vários meses e
o Vasco vinha custeando suas despesas hospitalares. De profissão simples
(estivador), era conhecido pelos vascaínos nos primeiros anos do Maracanã e, em
toda a década de 1960, pelo seu instrumento de sopro. Seu amor pelo Vasco
também lhe levou a dar à sua filha o nome de Teresa Herrera, nome da Taça
conquistada pelo clube em 1957. Ramalho residia numa casa próxima a São
Januário que acabou comprada pelo Vasco e incorporada ao patrimônio do clube no
fim da década de 90. Tempos depois, os vascaínos nostálgicos, vendo e ouvindo
os torcedores da África do Sul com as vuvuzelas se lembrarem dele: "O som
da mamona do 'Seu' Ramalho era tão marcante que outro
dia, assistindo a um jogo da África do Sul com o povo
tocando aquelas cometas, eu me lembrei dele", diz o vascaíno Martinho da
Vila. Ainda sem a presença marcante dos instrumentos de percussão, seu
instrumento no estádio: "provocava euforia na torcida e puxava mais forte
no Maracanã o 'Casaca/Casaca'."
A
morte de Ramalho acontece na mesma época em que a Geral do Maracanã era
fechada. Embora o torcedor vascaíno fosse um assíduo freqüentador das
arquibancadas nos anos 1950, sua figura representava bem o espírito do torcedor
popular que ocupava com muita alegria a Geral. Era o fim de uma época em que
personagens marcantes de uma cultura popular se faziam presentes nos espaços de
lazer da cidade. Nos projetos modernizantes de construção das “Arenas”
esportivas, estes torcedores não terão vez nos novos estádios, sendo afastados
pelos preços exorbitantes.
Enquanto
na Força Jovem o clima era pesado, em outras torcidas menores, prevalecia um
espírito mais tranqüilo, conciliador e agregador. Àra os membros destas
associações, reunir os vascaínos em dias dos jogos não era suficiente para unir
o grupo, era preciso encontrar os amigos em atividades recreativas para
estreitar os laços de amizade entre os componentes. Em 2005, a torcida Pequenos Vascaínos,
terceira mais antiga do clube, comemorava o seu 30° aniversário, com a
realização da III Copa Casaca de Futebol de Botão.
Em
todo o Brasil despontam pesquisas sobre o fenômeno das torcidas organizadas,
geralmente com enfoque na violência dos tempos atuais. Ao realizar sua pesquisa
para o doutorado em História pela PUC-RJ sobre a fundação das Torcidas Jovens
no final dos anos 1960, o historiador Bernardo Hollanda, procurou realizar uma
análise histórica mais abrangente tentando recuperar o passado mais remoto de
organização dos torcedores cariocas, entrevistando diversos torcedores que
participaram daquele período. No entanto, ele no ficou preso aos anos 1960,
pesquisando sobre a Charanga nos anos 1940, ele quis também ouvir uma antiga
liderança da torcida do Vasco no início dos anos 1940. Daí foi conhecer Aida de
Almeida, uma das figuras marcantes na história da Torcida Organizada do Vasco
(TOV). Em parte do seu depoimento realizado em junho de 2005, ela aborda a sua
visão comparando a sua torcida nos anos 1940 e 50 e a Força Jovem: “não há mais
educação. Fico horrorizada com os palavrões que até as crianças gritam. A Força
Jovem do Vasco, bem como as outras, entoa músicas com dizeres horrorosos.
Naquele tempo, não tinha cabimento uma coisa dessas, pois famílias inteiras iam
ao estádio e existia respeito. Os rapazes que nos acompanhavam, por exemplo,
ficavam atrás de nós para nos proteger. Atualmente, eu entro no ônibus e é uma
pouca vergonha. Não têm mais aquela calma, as brincadeiras sadias... Antes,
todo mundo entrava nos restaurantes, comia e pagava sua conta. Se as torcidas
forem agora, acontece uma roubalheira... Deus me livre! Inclusive, quando
posso, me afasto da Força Jovem”. Tia Aida reserva os maiores elogios para a o presidente
Eurico Miranda: “o Euriquinho é muito bom. Que coração aquele homem tem! Sempre
que vou ao clube sou recebida por ele com um carinho enorme. Ele me
cumprimenta: - “Oi, Aida! Tudo bem? Cadê meu beijo?”. Eu lhe digo que é o filho
que não tive e ele fica todo prosa”.
O
tempo das torcidas pacíficas ficava no passado. As lembranças e memórias do
futebol de “outrora” sempre foram permeadas por um forte saudosismo. Uma
pesquisa sobre o futebol “de antigamente” certamente ajuda a entender cada
época e compreender o complexo universo que envolve o futebol. Uma atividade
que não está imune as influências da sociedade e do tempo.
Fonte: Livro “100 anos da
Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
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