domingo, 13 de novembro de 2016

VASCO 2016: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1948 O EXPRESSO CONQUISTA A AMÉRICA

“Tua imensa torcida é bem feliz
Norte-Sul, Norte-Sul deste país”
            Hino criado Lamartine Babo

1948             O Expresso conquista a América

Na década de 1940, durante o domínio do Expresso da Vitória, o carnaval dos vascaínos durava mais que 4 dias, se prolongando por semanas e até meses, como no ano de 1948. Entre o final de 1947 (conquista do campeonato carioca) e o título sul-americano em março de 1948, a torcida vascaína não teve tempo de descanso. Em janeiro os jornais noticiavam: “Promovida pela Legião da Vitória do Vasco da Gama, realiza-se hoje no trecho da Rua General Caldwell, entre a Avenida Presidente Vargas e Rua Frei Caneca, a maior Batalha de confete do ano, Milhares de lâmpadas, ornamentação soberba e três bandas de música, a saber: Banda Portugal, Banda da Polícia Militar e Banda Municipal (...) Um grande cortejo será formado na Praça da Bandeira, ás 22 horas, a fim de conduzir a Diretoria do Vasco ao local dos festejos. Os associados que desejarem incorporar-se ao mesmo, deverão comparecer as 21.30 horas, a Praça da Bandeira junto ao Cinema”[1].
Na volta da delegação para o Rio de Janeiro, em março, depois do inédito campeonato no Chile, a torcida vascaína preparou uma grande festa.  Os pesquisadores Alexandre Mesquita e Jefferson Almeida, autores do livro "Um Expresso chamado Vitória” (2008), descrevem o cenário apoteótico na cidade em que “as ruas estavam repletas de torcedores de todos os clubes que levaram faixas e cartazes para saudar seus heróis. A chegada ao Santos Dumont aconteceu somente duas horas mais tarde. A multidão se apertava para recepcionar os campeões do continente (...) No trajeto até São Januário, mais folia: as avenidas Rio Branco e Presidente Vargas pareciam estar em plena época de Carnaval. Estampava-se no semblante de toda aquela gente um orgulho diferente de ser brasileiro. E tudo isso graças ao Expresso da Vitória”.
As conquistas internacionais do Vasco não se encerraram no Chile em 1948. Em junho, um atleta vascaíno do basquete (Alfredo da Motta) ganhava uma medalha de bronze, pela seleção brasileira nos Jogos Olímpicos em Londres. Era a pela primeira vez que o clube tinha um medalhista olímpico. Ainda neste mês o futebol inglês, representado pelo Southampton, fazia uma excursão pelo Rio de Janeiro, enfrentando os clubes cariocas. Depois de derrotar o Flamengo em São Januário, os ingleses seriam derrotados pelo Vasco. Fora de campo as duas torcidas travaram um duelo à parte. Antes da partida com o Vasco, o escritor José Lins do Rego escrevia em sua coluna no Jornal dos Sports no dia 10 de junho com a seguinte manchete: “Vamos torcer pelo Vasco” e faz um apelo nacionalista para que todos se unissem contra o rival estrangeiro: “a torcida vascaína que vaiou o Flamengo de modo tão fora de ética cometeu um erro tremendo (...) nós do Flamengo deveremos aplaudir os brasileiros do Vasco da Gama. Como se fossem os brasileiros do Flamengo”.
O sucesso do clube em campo era transferido também para os seus torcedores. Em julho, o jornalista Mario Filho escreve  três crônicas no Revista O Globo Sportivo, narrando o drama familiar de João de Luca, líder da torcida vascaína (TOV), casado com uma torcedora do Flamengo. Do início do namoro quando um não sabia o time do outro até a descoberta da divisão das paixões futebolísticas, cada um tentando respeitar o direito do outro de torcer pelo seu time. Em casa, no meio da poltrona, um objeto para lá de suspeito na residência de um vascaíno: uma almofada bordada pela noiva como enxoval do casamento com as cores do Flamengo: “João de Lucas (sic) só soube como era a almofada depois que se casou: uma almofada toda bordada, de seda vermelha e preta, e com um enorme escudo do Flamengo, bem no centro. A almofada ficou colocada no lugar de honra da sala de visitas da casa de João de Lucas, para escândalo de todo Vascaíno que aparecia por lá”. Para evitar a gozação dos amigos vascaínos, João encheu as paredes de flâmulas do Vasco. Quem passava pela rua via as flâmulas , pois as janelas da sala de visitas estavam sempre abertas, não via a almofada. Quem entrava, porem, olhava, como fascinado, para a almofada que Dona Helvecia tinha bordado”. Casados, eles não frequentavam os estádios, em casa sua esposa percebia que a alegria e a tristeza do marido variavam de acordo com o desempenho de seu time. Para surpresa de Lucas, sua esposa silenciosamente ia se tornando vascaína só de acompanhar a paixão do marido pelo clube. Ela faz um pedido para o marido lhe levar em São Januário para ver um Vasco e Flamengo: “Para não passar os domingos longe do De Lucas, dona Helvecia pedira para ver aquele Vasco e Flamengo. Podia ter escolhido outro jogo, antes ou depois, Mas não, escolhera justamente aquele jogo, um Vasco e Flamengo. Outro jogo não provaria nada, que ela não era Flamengo, que era Vasco. “Você quer saber de uma coisa, meu bem? Disse o De Lucas. “Foi Deus que mandou você hoje aqui”. Deus ou Nossa Senhora das Vitórias. Saíram os dois de braços dado de São Januário. A primeira coisa que João de Lucas fez foi dar sumiço na almofada toda bordada com o escudo do Flamengo”. Mario Filho termina de contar sua história que todo vascaíno queria ler. A esposa, em nome do amor, troca de clube e passa a torcer junto do marido pelo mesmo time.
            O jornalista Mario Filho vivia um momento especial com o início das obras de construção do Maracanã em agosto. A cada mês o jornalista fazia questão de comparecer com uma equipe de reportagem e registrar a evolução das obras e fiscalizar o cumprimento dos prazos. Ele que, no ano anterior, havia lançado sua principal obra, “O Negro no Futebol Brasileiro”.
Começa o campeonato carioca de 1948 e o favoritismo do Vasco leva a  sua torcida acompanhar com tranquilidade os jogos, com exceção de  um clássico em São Januário, que terminou em confusão envolvendo as torcidas quando “a cancha foi invadida por torcedores do Fluminense, que dominados pelo entusiasmo, chegaram até próximos as sociais cruzmaltinas. Foi então, que elementos do Vasco, tomando a invasão como um acinte, procuraram enfrentá-la. Houve discussão, desafios e agressão. Policiais fardados e em traje civil, aumentaram ainda mais a confusão, aqueles, principalmente, com franca distribuição de pancadas. Como se tratava de violência, muitos revidaram. E ai, aumentou a confusão porque um dos policiais puxou da arma e disparou-a. Ao tumulto, felizmente, vingou o bom senso da maioria”[2].
Pouco antes em um outro episódio, a torcida vascaína recebe os elogios de um cronista do Jornal dos Sports que mesmo perdendo em São Januário para o Boca Juniors por 5 a 3, não provocou protestos, pelo contrário: “gostei de ver o comportamento da torcida do Vasco (...) ouvi comentários de todas as matizes ao sair do estádio. E não ouvi um só que exprimisse mága, agravo ou ataques a diretoria ou ao técnico. Sofreu o Vasco uma derrota esmagadora, e a esta derrota não correspondeu a histerismo algum de sua torcida”.
            Para este campeonato carioca de 1948 tudo indicava que o Vasco venceria facilmente e levantaria o bicampeonato com facilidade. No entanto, em campo a surpresa foi o título do Botafogo com duas vitórias sobre o Vasco. A primeira em São Januário no primeiro turno e a segunda, na última partida disputada, no estádio de General Severiano. Com a vitória assegurada por 3 a 1, os torcedores botafoguenses levantavam os lenços brancos mostrando para os vascaínos o sinal de despedida do título de bicampeonato sonhado pelos vascaínos.
            O troco do Vasco seria no ano seguinte, com o maior ídolo do Botafogo nos anos 1940 vestindo a camisa do Vasco e sendo campeão carioca pelo primeira  e única vez.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Jornal dos Sports 31 de Janeiro de 1948.
[2] Fonte: Jornal O Globo Esportivo 24 de Setembro de 1948.

Vasco Revista Careta 1948

Vasco Jornal O Globo Esportivo 1948


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