marchinha Touradas em Madri
milhares de torcedores na goleada do Brasil
na Espanha
1950 O Expresso na Seleção
Entre
os preparativos da Copa do Mundo de 1950, a primeira a ser realizada no Brasil,
estava a preocupação com o comportamento dos torcedores brasileiros durante os
jogos. Havia o temor de invasões de campo, confusões e atitudes antiesportivas
(como atirar objetos no gramado). Tudo isso poderia contribuir para manchar a
imagem do país diante do resto do mundo. Portanto, não era somente dentro do gramado e com o
desempenho dos jogadores brasileiros que as autoridades imaginavam impressionar
a população mundial. Um comportamento exemplar dos torcedores seria a
demonstração cabal que nosso país estava no rumo certo. Era uma demonstração de
que já éramos um “povo de civilizados”. Naquele momento a torcida dentro dos
estádios representaria toda a nação brasileira.
Segundo
a historiadora Gisella de Araújo Moura, em seu livro “O Rio Corre para o
Maracanã”, os confrontos eram comuns em competições acirradas envolvendo os
brasileiros e os clubes e selecionados estrangeiros: “Inicialmente,
jornalistas, jogadores e dirigentes esportivos mostram-se bastante receosos
quanto às reações da multidão, temendo excesso e desacato a torcedores estrangeiros.
Os jornais estrangeiros publicam inclusive algumas noticias sobre invasões de
campo e confusões nos gramados tropicais, gerando um certo receio no exterior
em relação a postura da torcida brasileira durante o campeonato do mundo”
(Moura,1998, p. 61).
A
experiência de reunir mais de cem mil expectadores era aguardada com ansiedade.
Na verdade ninguém sabia ou tinha certeza sobre a atitude dos torcedores diante
de um estádio gigantesco. A presença massiva de 30 a 40 mil pessoas em São
Januário (Rio de Janeiro) e Pacaembu (São Paulo) não era uma novidade. Entretanto, previam-se públicos três,
quatro ou cinco vezes maior. Como ia ser o comportamento, se apoiando ou não, por
isso, deveriam ser tomadas algumas atitudes de preparação para o evento.
O
primeiro sinal de que a seleção poderia enfrentar problemas com vaias dos
torcedores veio através dos jogos-treino da seleção pouco antes da disputa: “o
que angustia agora é o pessimismo da torcida, a desconfiança em relação aos
jogadores e as suas possibilidades. A crença inabalável na conquista da taça
cedeu lugar a um sentimento diametralmente oposto (...) o torcedor que paga
ingresso para assistir aos jogos-treino, tomado pelo pânico de uma derrota,
vaia o desempenho do escrete. Essa demonstração de inconformismo preocupa o
técnico e os próprios jogadores,
que se dirigem a torcida para lhe
assegurar que estão cientes de sua responsabilidade”, é o que afirma a
historiadora.
Do
otimismo ao pessimismo, do nacionalismo ao bairrismo, do patriotismo ao
clubismo. As tensões aumentam à medida que a proximidade do início da Copa se
apresenta. Os jornais reproduzem e induzem os torcedores manifestarem suas
diferenças. Para os paulistas, a seleção
tem muitos cariocas como titulares. No Rio, as torcidas cariocas acham que o
técnico Flávio Costa privilegiou os jogadores do seu clube, o Vasco, com a
convocação de 8 jogadores. Temia-se a união de torcedores cariocas contra a
torcida vascaína. Apesar do reconhecimento da superioridade do clube de São
Januário, para os torcedores rivais, a vitória da seleção seria mais um motivo
de exaltação dos torcedores vascaínos. Como reconhece o jornalista Armando
Nogueira, ao admitir como se sentia na época:
“Aflora outra vez em mim, a mágoa clubística. Lanço sobre a equipe um olhar de botafoguense
ressentido (...) Sete (jogadores) são
vascaínos (em campo). Velhos e mortais inimigos da pequena porém brava nação
botafoguense (...) quer saber de uma coisa? Melhor mesmo que ganhe o Uruguai.
Eles são gringos, vão todos embora daqui amanha. Ninguém vai encarnar em mim” (Nogueira,
1998. p.23).
Uma
das estratégias para “controlar” a torcida seria a “eleição” de Jaime de
Carvalho, da Charanga Rubro-Negra, como torcedor número um do Brasil. Cabia a
Jaime de Carvalho simbolizar a torcida nacional. O mais importante era impedir
o clubismo, dando lugar ao patriotismo. A conquista do campeonato não seria
apenas o triunfo da seleção brasileira, mais a elevação da nação ao topo do
sucesso mundial. Porém, no último treino da seleção no Maracanã (chamado de
Estádio Municipal), justamente contra o Flamengo, a torcida (parte) gritava,
aplaudia e vibrava somente com os jogadores rubro-negros. O que gerou discussão
na imprensa no dia seguinte sobre a atitude dos torcedores. Alguns apoiavam
(José Lins do Rego), enquanto outros manifestavam insatisfação com aquela
“demonstração de antipatriotismo”.
Na
estréia diante do México, um adversário considerado fácil, uma vitória
tranqüila da seleção (4 a 0) acionava o otimismo de todos. Tudo saiu como
previsto: a torcida apoiou, o time conseguiu mostrar logo sua superioridade.
Nenhuma surpresa desagradável. A principal surpresa foi positiva: o público
presente e o comparecimento de muitas famílias, principalmente mulheres, então
afastadas nos últimos anos dos estádios. Para alguns jornalistas, o estádio
gigantesco ofereceria conforto e comodidade ausentes dos estádios (mesmos os
maiores) como São Januário e Pacaembu.
As
vitórias expressivas diante da Suécia (7 a 1) e Espanha (6 a 1), criaram otimismo sem igual entre os
torcedores. A cada jogo novas demonstrações de carnavalização nas
arquibancadas, de festas e mais festas, antes, durante e depois dos jogos.
Nunca uma torcida foi tão criativa e empolgada como aquela que compareceu aos
jogos finais. Na partida contra a temível Espanha, com a vitória consagradora a
torcida inventou um novo canto de apoio: “quando o jogo se aproxima do final, a
música torna a invadir o estádio. É a multidão que, numa explosão de alegria,
lembra uma marchinha de um antigo carnaval e agita seus lenços brancos.
Milhares de vozes cantam o refrão de Touradas de Madri, sucesso do carnaval de
1938”, como relata a pesquisadora Gisela Moura.
Restava
o Uruguai, um adversário difícil, velho rival nos campeonatos sul americanos.
Um time que merecia respeito dos torcedores. Contudo, o otimismo contagiou a
todos. A vitória era vista como certa. Mais que isso, ela viria de goleada. Foi
com esse sentimento que os torcedores partiram para o Maracanã para assistirem
o triunfo final de um jogo memorável. O compositor Lamartine Babo, fez o hino
da torcida brasileira para ser entoado por todos naquele jogo através do
sistema de som dos auto-falante do estádio.
O
público estimado na derrota de 2 a 1 para o Uruguai foi de 200.000 pessoas o
que representava 10% de toda a população do Rio de Janeiro em 1950. A mesma
platéia dos jogos anteriores caminha em direção ao estádio ainda mais numerosa:
“são famílias inteiras, senhoras, gente nova, gente de idade (...) a festa
comemorativa da vitória já esta preparada, fogos de artifício, bolas coloridas,
confetes, serpentinas, bandas de musica e escolas de samba. Os rojões e
batucadas começavam antes mesmo do inicio do jogo”.
As
cenas de torcedores chorando melancolicamente seriam guardadas em fotos e
filmes que registravam uma cena trágica e inesquecível para todos os
observadores, amantes ou não do futebol. Para os jogadores uruguaios, a atitude
respeitosa dos torcedores, que aplaudiram os vitoriosos ao final da partida,
foi uma surpresa, pois eles imaginavam que os espectadores reagiriam de forma
furiosa no estádio, hostilizando-os e provocando cenas de violência e
irracionalismo com a derrota.
Muitos
jornalistas estrangeiros que cobriam a Copa registravam em suas matérias a
surpresa diante do comportamento ordeiro dos torcedores dentro e fora do
estádio, apesar do resultado adverso. Para eles, que antes da Copa,
demonstravam temor diante do público sul americano, aquela atitude teria que
ser louvada.
A
conduta exemplar da torcida durante todo o campeonato, fez o escritor José Lins
do Rego, em 6 de agosto de 1950, sugerir em uma crônica a construção do
monumento ao torcedor. “Estou inteiramente de acordo que se faça um monumento
ao torcedor brasileiro. Nada mais justo que se ponha em arte a exuberância, a
alegria e as tristezas de todos os que vão aos campos de football torcer
pelas cores de sua paixão” (Jornal dos Sports). A verdade é que nada foi feito
(COUTINHO, 1995, p.315).
Depois
daquele jogo a seleção brasileira se apresentaria outras vezes para grandes
platéias no Maracanã, como nos jogos de classificação para as próximas Copas do
Mundo. No entanto, ele seria o palco maior nas disputas entre os clubes
cariocas, estes sim, a partir de 1950, é que seriam os novos donos do estádio,
que representaria um cartão postal do país, mas especialmente da cidade. Um
palco para celebração dos futuros craques. O Maracanã era o teste definitivo
para expressar a grandeza de paixão do carioca pelo futebol. Os próximos anos
comprovarão que sua construção foi uma obra acertada.
Realmente
a derrota em 1950 causou muitas tristezas nos torcedores brasileiros e, por
isso, muitos jornalistas acreditavam que o próximo campeonato carioca seria o
teste final para o gigantesco estádio e para uma geração de brilhantes
jogadores dos anos 1940. Como o time do Vasco era a base da seleção de 1950, as
atenções estavam todas voltadas para acompanhar o desempenho do “Expresso da
Vitória”.
A
verdade era que quando os anos 1950 começaram, a supremacia do Vasco no futebol
carioca era incontestável. O grande exemplo
do poderio do clube de São Januário foi a sua maior “escrita” sobre o Flamengo:
desde 13 de março de 1945, o Vasco não perdia para o Flamengo. Ao ver seu time
perder mais uma partida para o Vasco por 4 a 1, em setembro de 1950, José Lins
do Rego desabafava: “Não sou um homem amargo, sou um homem humilhado”.
Nos
dois primeiros jogos entre Vasco e Flamengo no Maracanã o público presente não
superou a marca dos 50.000 espectadores em cada confronto. Talvez pelo não
comparecimento das torcidas que “já sabiam” do resultado. Os torcedores rubro-negros
tinham motivos de sobra para ficarem em casa. Nas 13 primeiras partidas do
clube no novo estádio, o Flamengo conseguiu a proeza de perder nove vezes!!!
O
desespero do torcedor do Flamengo era já tema de um dos programas de humorismo
maior audiência dos anos 50. Em “Edifício Balança, Mais Não Cai”, um grande
sucesso da Rádio Nacional, entre os personagens criados por Max Nunes, famoso
torcedor do América, estava o personagem Peladinho, fanático torcedor do Flamengo,
interpretado pelo humorista Germano.
A
suspeita de que os ídolos da Copa de 1950 fracassariam no campeonato carioca,
ainda abalados pela perda do título mundial, era desfeita pelos jogadores
vascaínos. Ademir, o grande nome do time, artilheiro da seleção na Copa,
continuou sendo o mais festejado atacante do país e brilhou novamente junto com
seus companheiros de clube e seleção, com a conquista do campeonato carioca de
1950[1]. O Vasco vence o América por 2 a 1, com um gol
de Ademir. Em depoimento oral, o jornalista Sérgio Cabral, relembra a
criatividade do torcedor ao unir a paixão pelo futebol com o ritmo das
marchinhas de carnaval: “Um dos sucessos do carnaval de 1951 (a música já
estava sendo cantada pelas ruas) era uma homenagem ao Edu, que era um aviador,
que era do Clube dos Cafajestes, e que tinha morrido num acidente de avião. O
refrão da música dizia:”zum, zum, zum, tá faltando um”. A música era uma
homenagem ao Edu, era ele que estava faltando. E a torcida do Vasco cantava:
zum,zum, zum, Vasco 2 a 1” (SILVA e SANTOS, 2006, p.347).
No
final, muitos jogadores em campo sentiram a emoção de meses antes com o estádio
lotado e o clima de decisão: “a grande arquibancada se encheu (...) o torcedor
fazia as pazes com o futebol. Entrando em campo os jogadores poderiam
experimentar essa alegria. Acabara-se a tragédia de 16 de julho. Com o Maracanã
e a divisão “natural” das torcidas em lados opostos, a função das torcidas
(entre outras, é claro) de reunir e mostrar a força dos torcedores do mesmo
clube, estimulando seus respectivos times, foi diluída em diferentes pontos de
cada lado.
Para
um clube que já neste período sentia a dificuldade em acompanhar o crescimento
das torcidas de Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo, o América teve como
consolo o sucesso das arrecadações nas rendas e as manchetes nos jornais. O
recorde de rendas fez o América se interessar em contratar Heleno de Freitas
para o campeonato de 1951 e completar as obras em seu estádio, que receberia o
Vasco para sua inauguração (VALLE, p.259 e 267). O América constituía a quinta
torcida do Rio e era ameaçado nesta época pela torcida do Bangu, empolgada com
a contratação de Zizinho junto ao Flamengo, em março de 1950, quando o clube da
zona oeste fez a maior contratação do futebol daquela época, retirando do
Flamengo o seu maior ídolo.
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Vencido
pelo Vasco numa final disputada com o América somente no início de 1951. Aliás,
esta seria a marca dos anos 1950: vários
campeonatos só terminariam nos anos seguintes.
Vasco Jornal O Globo 1950 |
Vasco Revista Sporte Ilustrado 1950 |
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