“Heleno foi saudado com intermináveis
palmas"
Primeiro
treino do atacante no Vasco
1949 Gilda na Colina
A
preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo em 1950 passava por um
teste importante em São Januário com a competição do Sul-Americano em 1949. Com
a ausência da Argentina, em função dos conflitos e do rompimento das relações
em 1946, o maior adversário era o Uruguai. Mas, para surpresa geral, a final
foi contra a seleção do Paraguai.
Em
maio o Arsenal, clube tradicional inglês, visitava o país pela primeira vez.
Para a imprensa brasileira, era uma antecipação de uma possível final entre o
selecionado inglês e o brasileiro para a Copa de 1950. Foram jogos que levaram
milhares de pessoas a São Januário. Jogando contra Fluminense, Vasco e
Flamengo, respectivamente, os ingleses puderam conhecer de perto a paixão dos
brasileiros pelo esporte criado por eles.
Nesta
época estavam proibidas as substituições durante as partidas, menos nos jogos
amistosos. No intervalo do jogo com o Arsenal, a torcida vascaína em coro pedia
a entrada de Heleno já que o jogo estava empatado e todos queriam ver a estreia
do atacante. Ao entrar em campo o novo ídolo contribuiu para a vitória dos
brasileiros por 1 a 0. O craque temperamental voltava ao Rio depois de uma
temporada frustrada na Argentina atuando pelo Boca Juniors.
Antes
de ser contratado pelo Vasco, Heleno primeiro tentou voltar ao seu clube de
coração, o Botafogo. No entanto, no início de 1949, a esperança de retornar ao
clube e regressar aos braços da torcida havia fracassado. Após a recusa de seu
ex-clube apareceu a oportunidade de Heleno integrar o “Expresso da Vitória”.
Mesmo repleto de atacantes de primeira linha, a presença de Heleno era vista
pelos dirigentes vascaínos como a oportunidade de aumentar a arrecadação do
clube: “o primeiro treino de Heleno no Vasco foi cercado de grande expectativa.
Portões abertos em São Januário, confusão do lado de fora, um desavisado que
pelas redondezas passasse pensaria que era dia de jogo. Ao entrar com o novo
uniforme, Heleno foi saudado com intermináveis palmas por vascaínos
uniformizados (Neves, 2006, p.106). Em sua estréia contra o time inglês do
Arsenal ele foi “aplaudido por todos,
ovação para Heleno. Quando o ídolo tocou pela primeira vez na bola gritos histéricos
eclodiram no estádio” (Neves, op.cit., p.106). Sua volta não poderia ser em
melhor hora e no time mais importante do país naquele momento: atual campeão sul-americano e base da seleção
na futura Copa de 50. A campanha do
Vasco em 1949 foi inesquecível e Heleno pode, pela primeira vez, comemorar um
campeonato carioca. Invicto e com números impressionantes: 84 gols em 20 partidas.
Nem tudo era festa, brigando com
companheiros de clube, se indispondo com o técnico Flavio Costa, não foram
poucas as vezes que Heleno se meteu em confusão também no Vasco. Brigava por
tudo e com todos. Ao assistir a um jogo entre Vasco e Botafogo nas sociais de
seu ex-clube, para sua surpresa, ele não foi poupado pelos seus fiéis
admiradores. Acusado de traidor, o atacante acabou brigando com torcedores.
Chamado
de Gilda pelos adversários, o atacante se transformava e foi em um Vasco e
Flamengo na Gavea que o tempo fechou. Hostilizado pela torcida rubor-negra, ele
pula o alambrado e parte para cima dos torcedores rivais. (NEVES, 2006, p.204).
Este ano foi marcado por jogos internacionais e pela
rivalidade entre as torcidas e seus maiores craques. Depois do Arsenal foi a
vez da temporada do Rapid de Viena disputar partidas no Rio de Janeiro. Um
episódio que marcou a torcida do Vasco foi a atitude do maior ídolo do Flamengo
nos anos 1940, o meia Zizinho, que “deixou o gramado em face de uma recomendação
da autoridade policial que surpreendeu o atleta rubro-negro fazendo gestos
condenáveis para o público localizado na parte social do Vasco” era a notícia
do Jornal dos Sports no dia 21 de junho. Em depoimento ao escritor Edilberto
Coutinho (1995, p.264), o atleta dá sua versão para o incidente: “jogos em São
Januário era vaia o tempo todo. Não podia ir na bola. A torcida me tratava como
inimigo (..) naquele dia, não me contive. Deixei o calção cair até os pés. Aí
veio um senhor que estava na social do Vasco exigir que eu fosse preso”.
Outro
jogo que mobilizou a atenção dos torcedores foi o clássico entre Vasco e
Flamengo em São Januário. O Flamengo, liderado pelo ex-vascaíno Jair da Rosa
Pinto faz 2 a 0 nos minutos iniciais. Em seguida Jair perde um gol feito. Então
o Vasco iniciou uma
fulminante reação, marcando um, dois, três, quatro, cinco gols, terminando com
a goleada por 5 a 2 e a revolta da torcida rubro negra incentivada pelo locutor
Ary Barroso que acusa o jogador de covardia e pede para a torcida invadir o
vestiário e queimar a sua camisa. A lenda deste episódio marcou a vida de Jair
que resolve abandonar o clube e se transferir para o Palmeiras.
A rivalidade entre os dois clubes
está em todos os lados. Em dezembro, um torcedor do Vasco incita a sua torcida
ao distribuir ao manifesto contra o colunista do Jornal dos Sports, José Lins
do Rego, pedindo uma grande vaia quando ele fosse novamente para a tribuna de
honra em São Januário. O escritor resolve publicar o protesto em sua coluna com
o título “as fúrias de um torcedor”. Este reclama do tratamento vip dado pelo
seu clube para o colunista ao contrário “do grande número de sócios (que)
assiste de pé, mal acomodado, acotovelado ou ensanduichado, as partidas do
clube. Refastelado na tribuna de honra do nosso clube, o peralta torce
rasgadamente contra este. Por isso, perguntamos aos vascaínos – que devemos
fazer com o ‘do Rego’? É merecedor de uma grande vaia”.
A década chega ao fim consagrando um
dos maiores períodos de vitória para o clube e de profundas alegrias para a
torcida vascaína que aguarda para o ano seguinte a Copa do Mundo de 1950 e sua
estréia no Maracanã.
Fonte: Livro “100
anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
Vasco Revista da Semana 1949 |
Vasco Jornal O Globo Esportivo 1949 |
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